David Soares's Blog, page 60

May 5, 2012

David Soares na Polónia #1


Para a semana, eu e o Pedro Serpa seremos os convidados portugueses no Festival Internacional de Banda Desenhada de Varsóvia , com o apoio do Instituto Camões e da embaixada portuguesa em Varsóvia. Além dos nossos trabalhos a título individual, apresentaremos O Pequeno Deus Cego (Kingpin Books, 2011), um álbum que a Revista LER definiu como sendo «uma alegoria em torno da ignorância e da urgência do seu antídoto».

Em Outubro, também com o apoio do Instituto Camões e da embaixada portuguesa em Varsóvia, voltarei à Polónia como um dos convidados principais da oitava edição do Festival Internacional de Ficção Curta de Wroclaw, um dos mais interessantes e dinâmicos festivais literários europeus, onde irei participar em diversas sessões literárias sobre os meus romances (todos editados pela Saída de Emergência), em leituras realizadas em português com tradução simultânea em polaco e em conversas com os leitores.
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Published on May 05, 2012 14:02

May 4, 2012

A Invenção da Existência: o ponto de vista de um escritor sobre o Novo Acordo Ortográfico

Com o objectivo de legitimar o chamado Novo Acordo Ortográfico, a volubilidade da língua tem sido nomeada, até à exaustão, pelos pugnadores dessa modificação – nos quais eu não me inscrevo –, para justificar os transtornos que o supramencionado acordo intenta implementar. A partir daqui, em vez de discutir esses desméritos, prefiro desviar a crónica para outro caminho e chamar a atenção para a ideia que tem sido difundida enquanto suplemento de todo o debate: a de que a língua muda de modo orgânico, consoante o seu emprego no dia-a-dia. É errado: o que muda é a oralidade – a maneira como a língua é exposta diariamente, sempre com atalhos, abreviações e conveniências de carácter prático que têm como fito facilitar a comunicação.A repetição dos vocábulos através dos tempos cria sempre cópias imperfeitas; não no sentido de que são incorrecções, mas no de que, por vezes, se afastam largamente da matriz e até adquirem significados diferentes dos originais. (Um dos exemplos mais comuns da perda de sentido é o da expressão latina ad hoc, por exemplo, que significa para um fim específico e que acabou por revestir-se com a acepção adversa de desordem.) Quando é a língua, em si, a mudar, ela fá-lo pela mão de quem a labora: os escritores.Todas as línguas são revitalizadas na página pelos seus autores. Existe, literalmente, uma língua inglesa anterior e posterior a Thomas Browne e John Milton; uma língua francesa anterior e posterior a Michel de Montaigne e François-René de Chateubriand; um português anterior e posterior a Luís de Camões e Aquilino Ribeiro. A língua não muda como se fosse um terreno desamparado, mas às mãos de jardineiros inteligentes que combinam as espécies para que frua algo notável.A língua portuguesa é, em simplificação, uma corruptela popular do latim – um latim “labrego”, tal como o francês e o italiano: dialectos que, quando cotejados com o latim erudito, se chamavam “linguagens”. (O mais antigo documento escrito em “linguagem” portuguesa data de 1175 e é propriedade do acervo do Mosteiro de São Cristóvão da cidade de Rio Tinto, na freguesia de Gondomar, distrito do Porto: consiste numa “notícia” de fiadores que pertenceu a Paio Soares Romeu.) Ao ritmo do avanço da Idade Média, as linguagens europeias foram sendo sistematizadas pelos seus escritores: em maior espessura, pelos escolásticos que coordenaram as gramáticas. Até o latim erudito não foi excepção: existe um latim anterior e posterior a Marco Túlio Cícero, que, no século I a. C., dedicou os últimos anos de vida à construção de uma língua que se superiorizasse ao grego.Na peugada de Cícero, os monges completaram um trabalho extraordinário de composição da língua latina, engendrando neologismos diversos e até reinventando o verbo “existir”, que no latim clássico significava apenas aparecer, criando ainda o conceito de entitas como sendo o da existencialidade. Sem as inovações destes escritores pioneiros, a interrogação da existência – aquilo que em alemão se designa por seinsfrage – não seria possível e nunca teríamos lido o Hamlet de Shakespeare e o Walden de Thoreau, nem os escritos de Kierkegaard e de Sartre, muito menos os de Heidegger e de Wittgenstein; os romances de Dostoiévski seriam livros muito diferentes – e nunca teria havido um Dom Quixote. Todas as palavras retocadas e os neologismos burilados pelos escritores nos seus livros é que fabricam a língua: esta não se faz na rua, ao contrário do que anda a ser dito, mas nas escrivaninhas dos escritores.
(Crónica publicada originalmente no número 133 da Revista LOUD!, em Abril de 2012.)

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Published on May 04, 2012 08:19

Carta de António de Macedo ao Secretário de Estado da Cultura


Ligação para uma carta aberta enviada pelo escritor e cineasta António de Macedo ao Secretário de Estado da Cultura sobre o Novo Acordo Ortográfico, seguida de um comentário do próprio António de Macedo.
Leitura urgente para quem repudia o Novo Acordo Ortográfico e verdadeiro serviço público - como é cada vez mais raro ver-se, infelizmente - contra a sua aceitação generalizada.
Recupero, ainda, um esclarecimento legal sobre o Novo Acordo Ortográfico, também da autoria de António de Macedo, que poderão ler ou reler nesta ligação.
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Published on May 04, 2012 06:08

May 3, 2012

Contra o "empreendedorismo"


Parece-me que a tónica que tem sido colocada nos tempos mais recentes sobre a palavra "empreendedorismo" é um pouco perigosa, porque não só cria expectativas falsas nos indivíduos como ainda os divide em dois grupos artificiais: o dos supostos criadores de empregos e o dos comedores inúteis. Ora, o "empreendedorismo" também pode ser inútil, pois, só por si, não encerra nenhuma qualidade em especial; e, na maioria das vezes, só existe enquanto faixa cosmética para mascarar a pura ganância e o oportunismo mais miserável.
Os discursos populistas de que cada um de nós precisa de ser mais "empreendedor", como se transformar-se num arremedo de Donald Trump e comprar coisas por um euro para vendê-las por dois fosse dever de cada um, revela um modelo mental que valoriza o humano pelo numerário: nos Estados Unidos, por exemplo, é costume perguntar-se às pessoas quanto elas "fazem" por ano e, a partir daí, nivelam-se relações interpessoais baseadas em posições mais ou menos hierárquicas.
Esta nova obsessão pelo "empreendedorismo" que assistimos faz-me lembrar a velha obsessão pelo corpo perfeito: todos querem ser mais bonitos, mais bronzeados, mais perfeitos - agora também todos querem ser mais empreendedores e mais ricos. Qualquer ideia saloia de formar-se uma pequena ou média empresa é vista como sendo um fabuloso escadote de progresso e todas as facilidades lhe são oferecidas, mesmo que a dita empresa seja uma inutilidade, tão inútil quanto, na visão dos "criadores de emprego", são os "comedores inúteis".
O descrédito do estado português no ensino e nas vias culturais, estas cada vez mais subordinadas ao peso asinino da cartilha mercantilista - que nunca pensa a longo prazo - é a verdadeira erosão da identidade e do espírito da população, que preencherá o vazio por eles deixado com as falsas luzes do tal "empreendedorismo", engodo açucarado de milhares de jovens licenciados sem perspectivas.
Não se trata da demonização bacoca do capitalismo, mas da recusa em que a sociedade, que não é nem nunca poderá ser uma empresa, possa ser governada como uma. É, sim, a recusa da formação de uma sociedade que "despede" os seus cidadãos, porque estes não se encaixam no padrão do "empreendedor", como se ser-se empresário seja moralmente superior.
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Published on May 03, 2012 06:06

May 2, 2012

Anthony Bourdain em Lisboa


Ai, Bourdain... Vieste de tão longe para jogar ao chinquilho, mesmo à frente da minha casa, meu malandreco?... (O clube Chinquilho Junqueirense Giestal fica mesmo em frente ao meu prédio.) Acho bem que cá tenhas vindo: foi pena o programa apresentar uma imagem de Lisboa, e de Portugal, um pouco desviada da realidade, no sentido em que dá a entender que nascemos com o Salazar às costas e só agora estamos a trilhar caminho próprio. Lisboa não nasceu com o Salazar, meu caro: aliás, Lisboa nasceu antes de Portugal e antes de Roma, mas isso é outra história. Mas ainda bem que gostaste de cá vir. Foi pena é não teres passado pelos pastéis de Belém, quando acabaste de chinquilhar: era só seguires em frente, pela Rua da Junqueira até Belém. Para a próxima, avisa que eu vou contigo e conto-te umas histórias de terror sobre Lisboa bem assustadoras. Tanto que nem um balde de ginjinha será suficiente para esquecê-las (talvez dois).
Bota abaixo!...
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Published on May 02, 2012 10:29

April 30, 2012

"Piscis"


Canção "Piscis" do álbum Cabaret Portugal de La Chanson Noire, interpretada por Charles Sangnoir no fórum da loja FNAC do Algarveshopping. Com participação especial em spoken word por David Soares.
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Published on April 30, 2012 06:43

Banda desenhada portuguesa na Revista LER


Hoje, nas bancas, uma edição histórica da Revista LER , com um artigo de prestígio sobre banda desenhada portuguesa, assinado pela jornalista e investigadora Sara Figueiredo Costa , e uma capa inesperada da autoria do desenhador João Lemos . Para comprar, ler com atenção e guardar. Os autores destacados são Filipe Abranches, João Lemos, Osvaldo Medina, Susa Monteiro e eu. No vídeo disponibilizado em anexo, podem ver um trailer com João Lemos a desenhar a capa da revista.
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Published on April 30, 2012 06:21

April 29, 2012

Capela dos Ossos de Alcantarilha







Mais fotografias e artigos sobre a temática cemiterial em:
Weblog Mort Safe.
Página de Mort Safe no Facebook.
(Fotos: Gisela Monteiro.)
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Published on April 29, 2012 17:17

April 24, 2012

April 20, 2012

A gaia etimologia

O incrível (no sentido etimológico de «algo que custa a acreditar») e lamentável artigo de opinião escrito por José António Saraiva no seu jornal semanal Sol parece querer demonstrar que é provável reconhecer de imediato um homossexual a partir de algumas misteriosas características fenotípicas, exibidas em espaços exíguos («À minha frente, no elevador, está um rapaz dos seus 16 ou 17 anos. Pelo modo como coloca os pés no chão, cruza as mãos uma sobre a outra e inclina ligeiramente a cabeça, percebo que é gay», José António Saraiva in Sol, 9 de Abril de 2012).

Com efeito, cada um é livre de escrever o que bem entender e, evidentemente, também os leitores são livres de julgarem como bem entenderem os autores pelas bitolas que eles próprios escreveram. É, pois, uma pena que se tenha perdido tempo a escrever um texto jornalístico de carácter intolerante em que a palavra gay é usada onze vezes de modo preconceituoso e no qual nada nos seja dito sobre o contexto histórico dessa designação.
Por conseguinte, e à aproximação do dia 25 de Abril, data de liberdade e de igualdade de oportunidades para todos, independentemente de serem heterossexuais ou homossexuais, de esquerda ou de direita, jornalistas ou leitores, tipos que se deslocam de elevador ou tipos que preferem ir pela escada, achei que seria uma boa ideia partir do mote dado pelo artigo de opinião publicado no supracitado jornal e oferecer um contributo muito mais positivo.

A palavra inglesa gay provém do étimo francês gai e ambas já eram usadas no século XII com o mesmo significado: o de alegre ou despreocupado; mas convém esclarecer que gai começou por ser um apelido, antes de tornar-se adjectivo. Em português, esse galicismo entrou no nosso léxico como gaio, que, além de possuir significação idêntica, também é um apelido: neste caso, por via adjectival, ou seja a alcunha tornou-se apelido, embora a genealogia não seja clara no que concerne às origens desta família que, nos estudos heráldicos, surge com as armas dos Góios, um ramo diferente cujo nome de família, provavelmente, terá origem numa corruptela do sobrenome Goes, à qual pertenceu, por exemplo, Estevão Vasques de Goes, um trecentista alcaide-mor de Lisboa (por curiosidade, o humanista quinhentista Damião de Goes ou Góis não parece ter pertencido a esta linhagem, fazendo lembrar que nem sempre a semelhança entre sobrenomes indica a mesma proveniência).


Contudo, a palavra gaio também é o nome de uma ave muito comum na Europa: em português, essa ave, da família dos corvos, chama-se gaio, em inglês chama-se jay e em francês chama-se geai - todas derivações da palavra original gai. O gaio, espécie de corvo colorido, sempre foi conhecido pelos nossos antepassados pela sua capacidade inata de imitar o canto de outras aves e, talvez por essa via, os actores e os artistas de rua já eram chamados de gaios (jays) na Inglaterra seiscentista, mas a designação não tinha nenhuma conotação sexual.

Essa apareceu, em finais do século XIX, em Inglaterra, com a expressão gay house: epíteto dado aos bordéis, mas, lá está, sem nenhuma conotação homossexual que se saiba. (Tinha um significado eufemístico, análogo ao da expressão contemporânea happy ending massage.)
Todavia, a colagem ao sexo homossexual terá surgido mais ou menos na mesma altura, entre os anos 1893 e 1897, mas nos Estados Unidos, nos quais uma grave crise económica abalou o país, retirando o emprego a milhares de pessoas. Entre os hobos, vagabundos que romavam pelo território em busca de pequenos trabalhos, os jovens sem-abrigo dispostos a fazerem sexo com homens mais ricos, em troca de dinheiro, eram conhecidos por gay cats: trocadilho com stray cats; ou seja, eram chamados de gay cats, do mesmo modo que os prostíbulos também se chamavam gay houses, e, neste caso, por serem jovens rapazes sem dinheiro, dispostos a prostituirem-se, a palavra gay começou a ser associada ao sexo homossexual. (No seu romance auto-biográfico The Road, publicado em 1907, o escritor norte-americano Jack London descreve essa realidade em primeira mão, pois ele próprio foi um vagabundo nesse período - e nunca afastou suspeitas sobre a sua suposta homossexualidade.)

Apesar disso, a adopção da palavra gay, enquanto sinónimo exclusivo de homossexual, tanto pelas comunidades homossexuais, como pelo público, em geral, é um fenómeno de meados do século XX: em essência, a partir de 1940, a palavra gay ganhou não só uma difusão inaudita como um cunho distintivo que ainda perdura. Porquê?

Como em tantas outras circunstâncias, em diversas alturas, é muitíssimo provável que tenha sido a cultura popular de entretenimento a dar esse impulso. Neste caso, com a estreia, em 1938, da comédia Bringing Up Baby (Duas Feras) do realizador norte-americano Howard Hawks, com a actriz norte-americana Katharine Hepburn e o actor inglês Cary Grant nos papéis principais. Às tantas, o paleontólogo David Huxley (Grant) vê-se obrigado a vestir um négligé com penas, porque as suas roupas foram roubadas por Susan Vance (Hepburn) enquanto tomava banho. Ao ser confrontado à porta de casa pela personagem Tia Elizabeth (May Robson), o espaventado Huxley reage de uma maneira muito especial, como podem ver no vídeo abaixo.



Considerando que este filme é de 1938 e que a palavra gay se difundiu cerca de dois a três anos depois é provável que se encontre aqui a origem da sua popularidade. Nesta cena, a ambiguidade de sentido da palavra gay é reforçada pelo conhecimento de que Grant nunca se livrou das suspeitas de ser bissexual e de manter uma relação com o actor norte-americano Randolph Scott, que conheceu na rodagem do seu primeiro filme: Hot Saturday, do realizador norte-americano William A. Seiter, estreado em 1932.

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Published on April 20, 2012 11:25