Raphael T A Santos's Blog, page 4

October 13, 2025

Resenha: Torto Arado de Itamar Vieira Junior

Itamar Vieira Junior é um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Nascido em Salvador, doutor em Estudos Étnicos e Africanos, trabalhou por anos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o que lhe deu contato direto com a realidade de trabalhadores rurais e comunidades quilombolas. Esse olhar atento às lutas sociais e às marcas da desigualdade brasileira atravessa sua obra. Torto Arado, publicado em 2019, venceu prêmios como o Leya, Jabuti e Oceanos, tornando-se rapidamente um dos romances mais comentados e essenciais da literatura nacional recente. Sinopse Obra literária obrigatória para os vestibulares UEL 2025 e UFSC 2025.  Um texto épico e lírico, realista e mágico que revela, para além de sua trama, um poderoso elemento de insubordinação social. Nas profundezas do sertão baiano, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas — a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte, de combate e redenção. Minha avaliação Torto Arado é uma narrativa poderosa que expõe as feridas abertas do Brasil profundo. O livro é narrado por três protagonistas — duas irmãs e uma terceira voz que deve permanecer em mistério —, recurso que amplia a complexidade da trama e permite diferentes perspectivas sobre a vida no sertão. Desde a infância das irmãs, marcada por um evento traumático que molda suas trajetórias, até a vida adulta, acompanhamos uma história permeada por violência, silenciamento, injustiça e, ao mesmo tempo, resistência. Itamar escreve com delicadeza, mas também com visceralidade, equilibrando lirismo e dureza para dar corpo às dores e às esperanças de seus personagens. Mais do que uma história familiar, Torto Arado é um retrato contundente do Brasil rural, onde a herança da escravidão ainda pulsa, seja na exploração do trabalho, seja na luta por terra e dignidade. A força do romance está na sua capacidade de unir denúncia social com beleza literária, sem perder o impacto humano. Nota final Uma leitura necessária, especialmente em tempos de apagamento histórico. Torto Arado não é apenas um livro, mas uma experiência de confronto e reflexão sobre quem somos como sociedade. Nota: 5 de 5
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Published on October 13, 2025 01:53

October 10, 2025

Resenha: Este é o mar de Mariana Enríquez

Mariana Enríquez é uma das principais vozes da literatura argentina contemporânea. Jornalista e escritora, sua obra mistura horror, crítica social e marginalidade urbana, sempre com uma atmosfera densa e perturbadora. Sinopse Mariana Enriquez constrói em novo livro um universo sombrio em que lendas do rock encontram fãs fanáticos e seres mitológicos Lendas do rock nunca fenecem. E tudo porque entregaram a vida às Luminosas, seres atemporais que se alimentam dos aspectos mais pungentes da devoção humana. Kurt Cobain? Lenda criada por Violeta. Sid Vicious? Gina. Jim Morrison? Marianne. No universo de Este é o mar, se tornar uma verdadeira lenda do rock envolve seres mitológicos femininos e um mundo intenso e sombrio, marcado pelo esquecimento e pelas lembranças que atravessam gerações. Helena é uma das responsáveis por manter a engrenagem do fanatismo a todo vapor, incitando os jovens fãs humanos a darem tudo de si e a consumirem seu ídolo. No entanto, não quer ser apenas uma abelha operária. Para se tornar uma Luminosa, precisa criar uma nova Lenda. Agora, tendo a morte como aliada, sua missão é eternizar James Evans, o vocalista da banda Fallen — uma árdua tarefa em meio à era da fugacidade dos desejos. Após a repercussão de As coisas que perdemos no fogo , que consagrou o estilo da autora em unir horror a aspectos do cotidiano, Este é o mar traça na esfera do mitológico os aspectos mais perturbadores e indizíveis da essência humana. Um retrato visceral da adolescência e da nossa sociedade, que reafirma Mariana Enriquez como uma das vozes mais potentes da literatura argentina contemporânea. Minha avaliação A ideia central é original e instigante: imaginar uma mitologia para a música e para o fanatismo em torno das bandas e artistas. Porém, a execução não me convenceu. A trama é desengonçada, perde ritmo e não se sustenta na própria dinâmica. Há momentos em que a narrativa soa arrastada, e em outros, dispersa, como se a história não encontrasse uma linha clara a seguir. Não sei até que ponto isso é efeito da tradução ou do texto original, mas senti que a leitura foi, em muitos trechos, difícil e até tediosa. Isso me frustrou, pois esperava mais intensidade e envolvimento, especialmente de uma autora tão poderosa em outros trabalhos. Ainda assim, não se pode negar a ousadia da proposta. O projeto de construir uma mitologia da música é criativo e sugere caminhos interessantes, ainda que, no fim, não alcance todo o impacto que poderia ter. Nota final ⭐ 2,5 de 5
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Published on October 10, 2025 02:10

October 8, 2025

Autor Paleolítico: Conselhos Terríveis de Escrita com um Autor da Idade da Pedra

Imagine descobrir um manuscrito literário congelado em um bloco de gelo, escrito por um autor do paleolítico. Agora imagine esse mesmo autor, recém-descongelado, dando entrevistas e distribuindo dicas de escrita como se fosse um guru literário do século 21. Foi exatamente isso que aconteceu. Nossa equipe conversou com o Escriba das Cavernas, que insiste em dizer que é pioneiro da “publicação independente em paredes de caverna”. O resultado? Conselhos tão ruins que fariam qualquer escritor moderno agradecer por nascer milênios depois. “Escreva o que você sabe” (mesmo que só saiba bater pedras) Para o Autor Troglodita, a chave de um bom livro é escrever somente sobre aquilo que você conhece. Como ele só conhece caçadas, fogueiras e pedras, todos os protagonistas de seus livros são homens das cavernas musculosos, irresistíveis e absolutamente perfeitos. Quando questionado sobre críticas de que seus personagens são “Mary Sue”, ele responde sem hesitar: “Leitor não gosta de personagem com falha. Personagem com falha lembra muito leitor. Melhor herói começar incrível e terminar ainda mais incrível”. Ponto de vista narrativo: todos sabem tudo Enquanto escritores modernos discutem narradores em primeira pessoa ou terceira pessoa limitada, o Autor Troglodita prefere outra abordagem: “Narrador deve dizer tudo. O que herói pensa, o que vilão pensa, o que galinha pensa no fundo da cena. Sem segredos para o leitor.”O resultado? Livros de mistério em que, já no primeiro capítulo, o assassino pensa em voz alta que é o culpado. Suspense, segundo o Escriba das Cavernas, é “perda de tempo”. Planejamento de enredo? Só se for na pedra lascada Perguntamos se ele é do time que planeja a história ou dos que escrevem de improviso. A resposta foi curta: “Autor Troglodita não planeja. E Autor Troglodita não tem calças.”Seu método de escrita é simples: começar com uma ideia absurda e adicionar outras ainda mais absurdas, sem nenhuma preocupação com coerência. Um de seus romances começa com um homem das cavernas que come uma galinha, que vira outra galinha, que vira um monstro de pedra, que depois se transforma em uma rocha que decide morar na Lua. O título prometia ser sobre uma garota, mas ele esqueceu de colocar a personagem principal. Detalhes. Influências literárias e processo criativo No tempo que passou no século 21, o Escriba das Cavernas garante ter estudado outros escritores, mas diz que seu maior exemplo é “um cara que escrevia muito, acreditava em deuses estranhos e nunca revisava nada”. Sua filosofia é clara: primeiro rascunho é também último rascunho. Se um agente literário sugerir revisões, a melhor solução, segundo ele, é “discutir enquanto o agente dorme com pedra na mão”. Marketing pré-histórico: como vender livros sem internet Perguntamos ao Autor Troglodita quais seriam suas estratégias de marketing. A resposta foi imediata: “Livro bom se vende sozinho. Mas, se não vender, risca propaganda na parede da caverna vizinha.”Segundo ele, alguns métodos infalíveis de divulgação incluem: Sessões de autógrafos em pedra Enquanto autores modernos sonham com noites de autógrafos em livrarias, o Escriba das Cavernas garante que não há nada como “sessão de autógrafos na pedra polida”. O fã entrega uma lasca de pedra, e ele devolve com uma assinatura feita com sangue de javali. “Muito mais pessoal e inesquecível”, ele garante. Distribuição de exemplares: ossos e favores Em vez de vender exemplares, o Autor Troglodita prefere trocar livros por ossos raros, frutas secas ou favores caçadores. Perguntamos como ele mede o sucesso das vendas. Ele explicou: “Um livro de sucesso é quando pilha de ossos na frente da caverna fica tão alta que bloqueia a entrada.” Conclusão: péssimos conselhos, ótimas risadas No fim, o Autor Troglodita deixa claro que sua missão é inspirar novos escritores a abandonarem regras chatas como coerência, suspense e revisão. Para ele, literatura é como pintura rupestre: basta riscar na parede e esperar que alguém goste.Talvez suas dicas sejam realmente terríveis para autores modernos, mas não dá para negar que sua sinceridade é pré-histórica e, de certa forma, refrescante.
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Published on October 08, 2025 01:42