Alexandre Willer's Blog, page 14

August 5, 2020

passa cartão?

cansado de levar calotedo amorinstalei maquinetana primeira transaçãodeu não autorizado...
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Published on August 05, 2020 04:53

August 4, 2020

o que é igual nem sempre é justo



Você, sim você mesmo que corrobora esse discurso de extrema direita seja dos vivos ou dos já despachados para o outro lado, antes de liberar minha verbohomorragia sobre seus argumentos fascistas, alguns esclarecimentos que entendo serem mais do que aplicáveis batendo na mesma tecla e sim, porque batendo na mesma tecla há que se achar por fim sua afinação e fazer calar o descalabro cacofônico que esse discurso ódio insiste em marcar em nossa carne tenra e homossexual, essa mesma que você não aceita ou entende mas não consegue tirar da boca sedenta de sangue rosa.

Homossexualismo é o caralho: não se usa mais, tente Homossexualidade já que desde meados dos anos 90 ser gay não é mais (nunca foi) doença e isso pela OMS e todo aparato médico e científico que se preza restando apenas conceitos morais e religiosos mais vagos que plenário em feriado prolongado.

Minoria: entende-se por minoria uma parcela de um grupo ou população que não faz parte ou comunga das regras e/ou conceitos e preceitos ditados ou praticados pela maior parte desse mesmo grupo/população o qual, via de regra, denomina-se maioria. Considerando-se esse conceito equitativo então não vejo como a parte pode ditar o comportamento do todo quando o inverso pode e geralmente é praticado.

Opção: melhor buscar outro termo, que tal orientação já que está mais próximo do que somos posto que assim viemos ao mundo sem qualquer tipo de interruptor que permita ligar/desligar quem atiça nossos hormônios.

Ditadura gay: sério? Vamos pensar um pouco, nesse tipo de regime de exceção certa parcela do grupo impõe às demais as regras e isso resumindo de forma muito branda um tema muito complexo e, extrapolando para nós gays, se implantarmos esse tipo de regime garanto que a sua vida seria algo muito melhor mas, me foge por completo agora qualquer caso onde uma dita minoria tão ferrenhamente perseguida e hostilizada ter condições de um golpe de estado tão elaborado.

Acho graça e tenho dó que, ao mesmo tempo que seja preciso se paramentar de teorias tão eugenistas disfarçadas de moralismo para embasar sua defesa de algo que é indefensável (e não digo que seja sua não aceitação ou entendimento de nosso 'modo de vida' já que posso entender que você não deseje ou consiga fazê-lo, tudo bem eu respeito como seu direito tanto quanto os que desejo para mim) mas, a discriminação velada de respeito ou justificativas pseudo-científicas chega a ser pior que a aberta e declarada, é o pior tipo de preconceito, o mais nefasto e mórbido pois come em silêncio e é porta certa para sorrateiramente formalizar e justificar ataques às minorias.

Outro detalhe importante e exposto acima, você que é hetero, caucasiano e goza das benesses da maioria pode achar graça ou mesmo um disparate esse discurso todo em cima de nossos direitos e como gasta-se muita saliva no tema enquanto propostas para melhorar a sua vida são deixadas de lado. Sua visão, sinto dizer, é por demais tacanha e limitada se assim pensa pois se há um único culpado pela penúria em que você alegadamente diz viver, esse culpado está no espelho mais próximo ao seu alcance e não no gay ao seu lado.

Para você a vida sempre foi mais simples ainda que você chore por mazelas que fariam um miserável corar. Você é a maioria, nunca precisou disfarçar nada além de algumas mentiras bestas aqui e acolá enquanto muitos de nós precisamos disfarçar a essência do que somos e sentimos, sabe o que é isso? Fingir ser o que não se é apenas para atender à maioria? As regras estavam e estão ao seu lado afinal você dita o que deve ser considerado como padrão forçando-nos a perseguir um ideal que não tem absolutamente nada a ver com nossas vidas. Assim, só posso sinceramente sentir pelo seu benefício social que é minguado ou pelas falhas do sistema que você, enquanto maioria, ajuda a manter onde e como está mas jamais venha esfregar na minha cara que os direitos que pleiteamos são o motivo pela situação em que você se encontra pois do pão que você sempre comeu temos nos alimentado há anos apenas das migalhas mofadas e inverter essa equação seria o mesmo que culpar os escravos e não o senhor pela situação em que se encontram.

Se desejamos estabelecer algum padrão esteja certo de que não é de comportamento ou modelo social já que tais modelos estão claramente falidos e foram implantados por você e sua maioria restando a nós apenas emular tais cenários e tentar como nos é possível reinventar essas convenções e isso, meu caro, assusta muito pois mostra a possibilidade da escolha independente de gênero ou orientação sexual e quando somos confrontados com as escolhas que poderíamos ter feito e não fizemos temos apenas o temor cego do desconhecido que é esse território. O único modelo que desejo implantar é o modelo onde eu possa ter os mesmos direitos que você e você pode retrucar que já temos esses direitos o que novamente sinto dizer é mentira deslavada pois enquanto eu não puder ser quem e como sou aberta e claramente, não às escusas ou longe dos olhos de todos, declarar meu amor e afeto de forma tão natural quanto o seu que prevalece há milênios em detrimento do meu legado às sombras, então não temos os mesmos direitos e há um abismo enorme entre nós o qual só faz aumentar com sua ignorância e medo.

Eu entendo seu temor e como amparar esse medo todo em teorias nefastas disfarçadas de intelectualidade lhe traz segurança e justificativa mas, se o intelecto serve ao bem com extrema facilidade (e na grande maioria dos casos como reza nossa História, tristemente) serve também ao mal e põe o lobo em sedas para que lhe toquemos a pele sem temer até que lhe vejamos os dentes e seja tarde demais para escapar ao bote.

Nesses casos, é mais fácil atacar a minoria que busca por seus direitos pixando sua luta como inconsequente e motivada a desviar o foco de outros pontos mais importantes e, de certa forma, concordo com você pois fomos jogados no olho da tormenta como bucha de canhão e de nós fizeram cavalo de batalha para expor apenas a bestialidade alheia, nada mais. Porém, que pensar de uma sociedade que não entende ou atende suas minorias? Seria melhor se os viados ficassem restritos a esquetes cômicos e pejorativos de televisão ou guetificados em áreas específicas? Mas, se fosse assim então não estaria você hoje ainda comprando e vendendo escravos no mercado municipal? Minoria boa é aquela que sabe comportar-se como tal, quando passamos a questionar e demandar de vocês maioria mais do que nos dão então somos o cão que morde a mão alimentadora só que o caminho, uma vez aberto, não tem volta, é fato!

Sei que você preferiria que nessa eleição outros assuntos tivessem vindo à baila para discussão e mais uma vez estou de acordo mas, prefiro pensar que se estamos discutindo ainda que porca e nojentamente assunto tão importante então estamos no caminho certo pois estamos discutindo não apenas os direitos que você sempre gozou e que nunca tivemos mas, penso, todo o conceito de sociedade que desejamos ser doravante e que será, tenho fé por seus filhos e os de todos nós, mais lá frente, um lugar menos agressivo e mais compreensivo para vivermos.
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Published on August 04, 2020 05:14

August 3, 2020

o asfalto da cidade sou eu



cheguei em casa e as roupas saíram voando feito folhas fugindo no outono, essas folhas caem de mim mas voltam no dia seguinte não as mesmas mas outras, passadas, novas, frescas, cheirando amaciante e sabão em pó, as velhas vão no cesto cheirando suor, escapamento, descarga, cigarro, morrinha e vida que morre dia a dia entre os prédios famintos. a gente lava tá novo, de novo, mas o cheiro da cidade segue nelas entre as fibras sintéticas, gente sintética, vida sintética, que não amassa e nem precisa passar, passado é coisa inútil, deixa sem passar.
vou pro banho, ligo chuveiro e deixo a água esquentar, nos dias mais frios tem de apertar a registro como se torturasse um preso político ou ele não solta a água quente, ficamos nessa negociação, eu aperto ele solta água, eu afrouxo ele solta água fria, vamos nessa até acertarmos o passo e ele para de reclamar, o ponto entre meu prazer na tortura e o dele em sentir dor.
olho o espelho, só olho porque dizer que tem algo do outro lado me olhando de volta é mentira, mentira é aquilo que a gente fala pros outros pra eles nos deixarem em paz e pra nós pra gente poder dormir em paz, uns comprimidos ajudam, hoje em dia a paz é vendida na farmácia, só comprar.
entro no chuveiro, água está boa, pego o sabonete e começo a me esfregar, o registro calado, isso mesmo, se reclamar aperto mais que sei que gosta. esfrega, aqui e ali, tira do corpo aquele cheiro de cidade, aquele cheiro de gente que não tem gente e conforme vai formando a espuma, ela fica escura, cinza, parece fuligem. esfrego mais, com força, igual a mãe esfregava quando vinha da rua como vindo de alguma guerra, ela sem entender como alguém podia ficar tão imundo, a sujeira é a vida dos santos, quem se limpa é doente, sujos somos mais puros, mais claros, mais gente mas, desde cedo somos feitos pra limpar tudo, alvos, taca sabão, taca xampu, taca cheiro pra tirar o cheiro, gente não cheira gente.
mais espuma, mais cinza, parece piche, começa a grudar, a água não dá conta de remover, esfrego mais forte, tem de sair mas só aumenta, gruda ainda mais e o registro não faz nada, só deixa a água cair. dou risada chorando, ou choro rindo, faz é tempo que não sei mais a diferença ou se faço um ou outro ou os dois juntos. esfrego com vontade, igual aquela vez que gozei e não sabia gozar, me senti sujo e quasse arranquei o pau fora de tanto querer limpar.
tem se sair, tem de limpar, tem de ficar alvo e branco, puro, santificado, esfrega mais que sai, sai mais fuligem e sou agora um borrão cinza dentro do chuveiro, rindo chorando, espuma escura que vai escoando pelo ralo e sigo esfregando, esfregando, esfregando, esfregando, esfregando, mais cinza, piche breu escuro ralo água espuma.
já não sou mais eu. esfreguei até deixar de ser, virei um líquido cinza, uma espuma escura que vazou pelo ralo e foi pelo encanamento junto com outras espumas que gritam pelos canos da cidade, nos esfregamos até deixar de existir, até sermos essa massa líquida de breu que grita, que bufa, que geme e que não sabe de mais nada, pelos canos da cidade desaguamos, vertemos e somos misturados ao caldo primordial que pulsa pelas vias da cidade, basáltico, escuro, grudado no chão e que não sente nada a não ser o passar dos carros.
assentado, sinto o peso da vida urbana passar sobre mim, sobre nós, sobre a gente que se esfregou e está aqui, agora, sentido cócegas com o pneus a passarem por cima de nós, olho pra cima e tem o céu, o céu é um asfalto também só que azul, dos anjos, no céu não tem carro, todos voam então o asfalto celeste olha pra baixo porque não tem utilidade e chamamos de céu. somos o asfalto de deus, a via dos anjos.
deitado, eu asfalto da cidade, olho para o firmamento.
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Published on August 03, 2020 05:23

July 29, 2020

te pego lá fora



Onze e quinze e o sinal cantou bonito, fez gosto em por todos pra fora da escola, queria mais que eles fossem embora dali o quanto antes para lhe dar descanso ao menos até o dia seguinte.

Ele olhou para o relógio na parede e para o de pulso, só para confirmar que a hora não lhe ia errada e começou a arrumar seu material. Não era de bom tom chegar atrasado a encontro tão importante mesmo porque haveria plateia e não se pode negar o circo quando o pão já anda tão escasso.

Colocou a mochila nas costas, falou rapidamente com alguns amigos e ouviu deles palavras de incentivo, que devia seguir em frente e não esmorecer como se todos ali, ainda contando os anos com uma única palavra, tivessem grandes planos para o mundo.

Hesitou ao sair da sala, e se o outro lhe acertasse logo de cara um no queixo e ele nem conseguisse revidar? E se o outro usasse algum truque sujo? E se usasse algum pau ou arma que fosse? E se? Deveria ter evitado o conflito através do diálogo? Poderia ter solicitado a mediação de um professor?

Não, certos assuntos se resolvem assim, entre homens e sem recorrer a ninguém mesmo. Os de sua classe estariam lá para ele e imaginava que os do outro também fossem estar, a roupa suja seria lavada ante todos e, no fim das contas, era com sangue que ela precisava ser limpa.

Andou pelos corredores fazendo um caminho mais longo do que de costume, não era medo, que é isso! Apenas traçava sua estratégia para a hora do ataque. Passou pelo banheiro, ouviu mais frases de apoio e sussurros de como ele seria vencido facilmente pelo outro. Molhou o rosto e mirou-se no espelho por instantes tentando achar a coragem que precisava. Recuou quando percebeu que o reflexo lhe olhava de volta com ar estranho, meio de galhofa, lhe tirando assim sem mais nem menos. Saiu do banheiro ainda respingando e seguiu seu caminho rumo a saída da escola.

Não havia mais volta, era ali mesmo, seu ringue estava armado e ele ouvia a multidão lá fora gritando seu nome ou os nomes de amigos ou de suas mães e pais que tinham vindo lhes buscar. Fechou os olhos, repassou cada passo de como seria sua estratégia de luta, ensaios de alguns golpes, kung fu dos tolos, caratê dos ansiosos, boxe dos anjos e cortou as asas que ameaçavam sair na parte de trás de sua camiseta do uniforme.

Saiu. A luz do dia lhe franziu o cenho e ele, aos poucos, viu a lona armada no concreto da calçada, o público ao redor e quando este, apercebido de sua presença fez-se Mar Vermelho, pode ver do outro lado seu oponente.

Mediu-o bem, analisou cada parte do outro buscando suas fraquezas, onde atacar primeiro e sentiu que o outro também o escrutinava sem dó. O círculo se fechou e agora estavam um em frente ao outro e a distância foi diminuindo conforme o público ia se fechando sobre eles que ainda se analisavam, olho no olho, aferindo-se, imaginando-se em combate.

Finalmente o espaço interno os fez ficar cara a cara e o silêncio da plateia indicou que começaria a luta e, se não começasse logo, latas de refrigerante, salgadinhos, cadernos e livros voariam pois a massa queria o show que lhe fora prometido e a voz da massa é o molho de tomate servido dos ferimentos dos gladiadores.

E eles se pegaram de vez e a massa recuou, abriu-se o círculo, de forma abrupta, quase em reverência não fosse pelo silêncio pasmo expresso na cara de todos ali presentes quando finalmente, ao dar-se espaço suficiente, pode-se ver os dois num beijo profundo, em carícias, rolando pela calçada.

O público se desfez, sem pressa foi cada um para seu lado e os dois lutadores se amaram na calçada quente sob o sol do meio dia.
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Published on July 29, 2020 04:00

July 28, 2020

Sin Estésia

e o sol veio manso devorando as frestas das venezianas, fazendo furos de luz que aos poucos iam caleidoscopando as paredes, mordendo a penumbra do quarto, lutando e vencendo cada pequena partícula de escuridão que guardava em suas moléculas o cheiro da noite passada.

aos pouco divisei sua forma, o ar se desprendia de sua pele soltando microscópicas porções de você que eu, de olhos fechados, sorvia feito incenso monástico. queria seu aroma mas só vinha em cada narina um odor diferente como se cada uma dela captasse o cheiro de cada um de nós e não o nosso.

senti um aroma de relva úmida, achei que fosse teu mas era de fora, trazido pela manhã que vencia fácil a guerra contra o breu do quarto. parecia que sua pele se desprendia cada vez mais dissolvendo-se na luz que ganhava mais espaço a cada ressonar seu, temi que sua mortalidade estivesse condicionada a ausência de luz, quis puxar as cortinas, fazer dali nosso mausoléu mas sua decomposição era tão doce e cálida que nada fiz ou poderia fazer.

e quando resolvi tocar, ainda no medo de desfazer em pó tudo aquilo que você era ou estava, vi que eu também me desfazia lentamente em meio à luz do quarto, por isso minhas narinas sentiam cada uma um aroma diferente, lá dentro, na mente, o aroma se juntava em nós e eu entendia isso perfeitamente.

por fim, a luz deu o golpe final e o quarto ficou claro como uma estrela nova, estamos dissolvidos já, misturados entre as partículas de poeira, pele e ar que flutuavam livres pelo quarto e começavam a sair pelas frestas das venezianas.

aspergidos pela cidade, amamos, nas cinzas de nós.
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Published on July 28, 2020 04:00

July 27, 2020

sobe


Chegou aos bafos, relógio gritando, lhe apontando o indicador e ponteiros esbugalhados. 
Chama elevador, demora, demora, demora, pés ritmados no chão, pescoço de ventilador, buscando salvação. Ele chega, as portas se abrem, sai gente, entra gente, sai gente, eu quero entrar, pressa, muita, relógio faz cara de 'se fudeu!' pra ele. Dentro ele acha ele. Novo, não estava lá no dia anterior, pergunta os andares, ele fica sem saber o que falar, '10º?' Não era mas ele faz que sim, dez era ele, décimos de segundo até que eles se despedissem. 
Sobe, pára, desce, sobe de novo, pára, sobe mais, sai gente, entra gente. 10º, só os dois, os números no painel ansiosos, eles se olham, o botão da emergência pula na frente dos demais gritando 'sou eu! sou eu!'.

O beijo sobe, não ia pra andar algum, pede pra esperar o resto que vinha correndo pelo corredor, já ia chegar, segura a porta! Então, apertaram todos o botões, e nunca mais voltaram.
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Published on July 27, 2020 04:00

July 24, 2020

para quem carrega um cobertor



dia dessas, veio uma lembrança de assalto, do nada, dessas que saem de algum lugar do cérebro que parece ter a única função de acomodar memórias ladras e soltá-las para nos pegar desprevenidos, pensando o que teria causado aquela recordação, incapazes de entender qual gatilho foi responsável como se fôssemos animais de laboratório que não conseguem ser condicionados.
quando comecei a arranhar a superfície de minha sexualidade, imberbe de vida e de idade, a primeira experiência foi com um amigo de escola. não sei quais caminhos ele seguiu pois nos perdemos nos meandros da vida, se abraçou sua sexualidade, a sublimou sob camadas de normatividade, passou por essa experiência incólume, não sei dizer e, às vezes, bate um desejo de saber-lo, ver como a vida o tratou, o conduziu e se aquilo que vivemos ainda lhe causa esses roubos de memória ocasionalmente.
foi o primeiro beijo (beijo apenas porque beijo não precisa ser guei, hétero, bi ou seja lá o que for, beijo é beijo, conjunção de bocas sedentas, nada além disso), a primeira masturbação, o primeiro sexo oral, aprendemos às cegas, colocamos os paus nas bocas e eles ficaram lá, flácidos, inertes, que fazer depois de por na boca? era uma época de inocências, lembro de colocar seu pau na boca e ter ficado esperando que algum milagre acontecesse, nos olhávamos como a esperar algum tipo de revelação mas nada aconteceu, fui correndo lavar a boca porque então, associava o pau com algo sujo, o pecado plantado, a ciência de que era errado ainda que quisesse ser certo. com o tempo, fomos descobrindo que o prazer não acontece caído do céu, há de ter certo trabalho assim como praticamente tudo na vida.
não diria que nos amamos pois éramos novos demais e amor era uma palavra estranha em nossas bocas ainda mais aquele amor que nos apavorava ante sua descoberta e em ser descoberto mas, acho que de alguma forma fomos importantes um para o outro. certo dia, estava em casa depois da escola e ele me liga (era tempo de telefone fixo). atendo e ele diz estar sozinho em casa, nossos encontros eram assim, nas frestas, nos espaços de tempo que tínhamos sós, encaixando nossos corpos entre minutos e segundos para caber um desejo que vazava, me troquei e fui para sua casa que ficava relativamente perto da minha.
chegando lá, toquei a campainha, ele atendeu, acho que pude ver um brilho em seus olhos mas hoje não sei dizer, podia ser apenas tesão. entramos e a ansiedade do momento era palpável em nossas peles, a casa era grande e estava vazia, ele me conduziu por cômodos decorados com uma sobriedade que apenas famílias antigas sabiam emprestar aos seus lares. chegamos na sala que estava a meia luz, lembro das cortinas meio cerradas e pelo espaço aberto entrava uma lâmina de sol leve caindo sobre o sofá e dividindo a sala em duas partes escuras e, naquele meio de luz solar, no chão sobre o tapete, estava um cobertor jogado no chão, talvez fosse uma daquelas tardes de outono ou inverno onde o sol tem de trabalhar dobrado para aquecer a gente.
nos deitamos no chão e nos cobrimos com o cobertor e ficamos ali, quietos a princípio mas depois nos beijamos. não lembro de houve sexo, tenho quase certeza que não, apenas ficamos ali nos beijando e acariciando, trocando peles, trocando desejos, trocando tesão, trocando olhares e acho que naquele momento nos amamos sem nos darmos conta disso.
não sei ao certo quanto tempo ficamos ali mas sei que é a primeira lembrança clara que tenho de estar no amor de outro homem. se tivesse de traçar meu caminho de volta até o momento em que tive certeza de que não apenas o sexo mas o amor de outro homem me completavam, acho que acabaria nesse momento, naquela sala, debaixo daquele cobertor, com aquele garoto que me olhava com uma estranheza sagaz e um desejo terno e com meu olhar incerto de não saber o que era aquilo.
queria que fosse possível a viagem temporal não para alterar passados ou conquistar futuros mas apenas para voltar àquele momento e ficar ali observando o nascimento de um amor que não sabia estar nascendo, olhar e apenas contemplar e talvez dizer ao garoto que fui que tudo bem, tudo ficaria muito bem.
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Published on July 24, 2020 05:39

July 23, 2020

meu nome é jonas



meu nome é jonas. eu sou uma baleia.
já faz algum tempo que vivo aqui, no estômago desse homem. não sei dizer ao certo quanto tempo, podem ser dias mas acho que são semanas, podem ser semanas mas acho que são meses, podem ser meses mas acho que anos, podem ser anos mas acho que são décadas, podem ser décadas mas acho que não sei.
lembro de quando ele me engoliu. eu nadava tranquila no oceano que é onde as baleias nadam, tem baleia que nada em outros lugares mas não as chamamos baleias porque só podem ser baleias as que nadam no mar, salgado, frio e quente, sujo, de plástico, migrando conforme a necessidade. enfim. nadava, estava lá subindo e descendo, esguichando, comendo krill quando ele me viu, perseguiu, fisgou e engoliu.
não sabia que um homem poderia engolir uma baleia mas aquele engoliu. achei que iria me matar, tirar as carnes de meus ossos, fazer óleo de minhas vísceras, vender os ossos mas não, ele abriu uma bocarra e me vi assustado ante dentes brancos de um branco que já vira dias mais brancos. não sabia que homens tinham dentes, eu não tenho então acho estranho quem tem, não confio em criaturas com dentes, os usam para ferir, morder, veja só os tubarões, homens são tubarões eu acho, só que vivem fora d'água.
mas o homem não mordeu, passei pelos dentes e ele fechou a boca enquanto punha a cabeça para trás para facilitar me engolir. não é fácil engolir uma baleia, somos grandes, temos cracas na pele, barbatanas espessas mas, ele me engoliu, fiz com que engasgasse, ele tossiu quando eu entalei em sua garganta mas ainda assim me engoliu e fui parar direto no seu estômago
nunca tinha visto o estômago de um homem, só conhecia os das baleias. o dele era pequeno e custei a me encaixar ali, ele arrotava enquanto eu me debatia buscando alguma posição ali dentro até que finalmente me acomodei e ele parou de arrotar. fedia ali dentro, será que o estômago de todos os homens fede assim? nós baleias não temos estômagos tão fedidos ou talvez sim e tenhamos nos acostumado ao cheiro.
olhei ao redor, nada demais, havia alguns restos do que supus serem alimentos e achei muito estranho porque nós baleias não comemos comida de homem, não sabia dizer o que era digerido ali mas, comecei a ficar com medo de fosse digerida também só que não sentia nada, estava acomodada e não parecia que o estômago do homem fosse capaz ou estivesse interessado em digerir uma baleia.
fiquei ali e a fome começou a apertar. como fazer? será que o homem saberia que baleias também precisam de alimento? que temos fome e sede? mexi um pouco e ele arrotou forte e qual não foi minha surpresa quando senti que algo descia pela garganta do homem e, de repente, caiu sobre mim algum tipo de pasta estranha acompanhada de um líquido de cheiro forte. consegui me mexer e comer um pouco daquela pasta e beber um pouco do líquido, quase vomitei mas fiz força para não fazer isso porque tinha muita fome e sede.
o tempo foi passando e comecei a perceber que a intervalos regulares, o homem entregava alimentos, pensaria na baleia que carregava dentro de si? talvez. ou talvez apenas tivesse fome também e precisasse comer, igual a uma baleia e, sinceramente, aquele homem comia muito. acabei me acostumando com a dieta estranha humana e sabia meio de cor o que cada dia da semana traria de refeição.
ficava ali, pensando coisas de baleia mas começava a pensar coisas de homem, talvez por estar dentro de um, por estar me alimentando como se alimenta um, dizem que somos o que comemos. às vezes, acho que conseguia sentir o que o homem pensava só pelo tipo de comida que ingeria ou pela ausência dela, talvez ele também conseguisse sentir o que eu pensava ali dentro de seu estômago, talvez pensássemos juntos a mesma coisa, eu pelo estômago e ele pela boca.
então um dia, o homem começou a tossir muito, sem parar, eu já vivia nele há algum tempo e aquela tosse não era normal. já ouvira muitas coisas, ele vomitar, cagar, mijar, roncar, arrotar, cuspir mas, aquela tosse parecia algo vindo de outro lugar do corpo humano que eu não conhecia e como poderia? vivia no estômago, esse era o máximo de conhecimento da anatomia humana que possuía. para mim, o ser humano era feito de boca, dentes e estômago, se havia mais eu desconhecia.
a tosse foi aumentando e eu, ali no estômago do homem, comecei a sentir convulsões estranhas, achei que finalmente ele iria me vomitar e me veria livre daquela prisão estomacal mas não, ele ameaçava mas eu não saía, ficava ali, presa.
até que ele parou de tossir. e não apenas de tossir mas de fazer qualquer coisa. nada. sem comida, sem água, sem bebida, sem ar, sem tosse, sem nada, absolutamente nada. é o fim, pensei, ninguém jamais saberá dessa baleia que foi engolida por um homem, não haverá histórias a respeito, não será lenda ou mito, não será repassada como anedota, fim, frio e estomacal fim, as coisas começam pela boca mas morrem no estômago.
e então, senti uma lufada de ar fresco e uma fina lâmina de luz que se abria pelo ventre do homem que tinha engolido uma baleia. me assustei, sobrevivera aquele tempo todo dentro do homem, vivera com ele, comera de sua comida, bebera de sua bebida, trocamos fluídos e pensamentos, fomos gastronomia um do outro e agora, o fim seria besta, outro homem abriria meu homem e acharia uma baleia, de certo que a comeria ou engoliria e eu passaria o resto da vida assim, entrando e saindo dos estômagos humanos.
mas não. barbatanas delicadas separaram as carnes humanas e me tiraram de dentro do homem, lavaram minha pele suja de homem, minhas feridas gástricas, e massagearam meu peito para que  buscasse o ar puro, livre dos cheiros internos do homem.
olhei ao redor e só via baleias que, juntas, choravam e se prostravam diante mim. confusa, perguntei do que se tratava tudo aquilo e foi quando elas me disseram que eu era o deus-baleia, gestado na carne humana como provação e, tendo sobrevivido, estava apta a ser a divindade.
então fez-se uma luz, cetácea, azul do oceano e, num esguicho abençoado, ascendemos todas ao céu, onde as baleias nadam sem medo, sem rumo e sem serem engolidas por ninguém.
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Published on July 23, 2020 04:00

July 22, 2020

quando será o agora?*



' ..so you go and you stand on your own, and you leave on your own, and you go home and you cry and you want to die'
Por esses dias, vi um mini documentário explicando como 'How soon is now?' do The Smiths é um marco musical e não apenas musical mas de uma geração que encontrava nas guitarras de Marr e letras melancólicas e ácidas de Morrissey um espelho fiel para suas angústias.
Eu era dessa geração.
Quando comecei a tatear pelo campo do 'ser gay' não havia referência, não havia modelo, a internet ainda era pensada em alguma garagem obscura e vídeos e streaming e redes sociais eram conceitos que habitavam apenas a ficção científica. Era preciso tatear com cautela, buscar pelos 'entendidos', os iguais e que podiam ajudar na descoberta do munda guei, seus códigos, regras, costumes e ditames e, na maioria das vezes, tudo era feito na base da tentativa e erro, mais erro que acerto mas, é errando que se aprende a errar.
Nunca fui dos grandes clássicos associados ao mundo guei ainda que os valorize e reconheça. Habitava e ainda habita em mim só que hoje domesticada uma sensação de inadequação ímpar, um desejo que arde mais forte talvez pela necessidade de me expressar e isso acaba levando por vias que não são as mais percorridas fazendo de mim o fora do eixo entre os fora do eixo.
Parte disso veio das humilhações constantes pelas quais passei na adolescência, essa fase em que todos são maus por natureza e prazer puro, adultos são maus porque escolhem sê-lo mas crianças e adolescentes o são pelo simples prazer de ferir, magoar e humilhar. Nunca fui dentro de qualquer padrão, fosse qual fosse e isso seguiu verdade quando entrei na horrorescência e comecei a tomar contato com outras realidades e lidar com desejos que eu não entendia de onde vinham.
Aí, você encontra uma banda que fala exatamente disso, dessa inadequação e exclusão e um clique súbito é acionado em sua mente e corpo e coração e você passa a entender que tudo está no lugar certo e que por mais que você seja a exceção dentro da exceção, há algum tipo de esperança sem sentido nessa busca doido por um lugar no mundo.
Quando namorei um homem pela primeira vez, tínhamos gostos similares mas musicalmente, eu ia por um caminho mais obscuro e perturbador enquanto ele seguia por outro não tão soturno. Ainda que o passar do tempo em que ficamos juntos tenha misturado nossas essências e influenciado nossos gostos mutuamente, eu ainda me sentia um pária quando íamos nos clubes e boates onde ele se encaixava mais no modelo esperado enquanto eu lutava arduamente por isso.
E não apenas quando íamos juntos mas quando ia sozinho, a ânsia do ir e quem iria me aceitar era algo que me tirava do eixo, aquele processo de ir num lugar e ser selecionado, eleito, escolhido e a consciência de minha total incapacidade de performar corretamente o papel que deveria performar naquele ambiente. Quantas vezes não fui para esses lugares e incapaz de me sentir aceito ou acolhido acabei voltando para a casa sozinho, vazio, triste e certo de que a falha estava em mim e não em outro lugar.
Lembro de muitas outras vezes e lugares que fui e em que o resultado final para qualquer gay jovem seria um saldo positivo e, no meu caso, saía devendo até a alma porque não conseguia nada. Uma dessas vezes me é clara feito um dia de verão, tinha ido numa das paradas LGBTQ e, à época, eu e o homem que namorava estávamos separados, fui obstinado a encontrar alguém, ao menos ficar com alguém, um beijo que fosse já me faria sentir válido como vivo mas, ao final, estava sozinho, sentindo como se fosse algum tipo de refugo tóxico quando vejo passar o namorado que não era mais acompanhado e aquilo destruiu as últimas forças que tinha. Lembro de voltar para casa me sentindo péssimo e, ao chegar, ir direto para meu quarto, deitar e desabar num choro convulsivo e que parecia não ter fim.
Hoje, tudo isso me parece exagerado e até estúpido mas não é porque eu sei que ainda há muitos de nós que passam por isso quando confrontados com as regras do mundo guei, seus padrões e ilusões mas, se há algo que me ajudou e pode ajudar quem ainda passa por isso são aquelas músicas que nos encontram no fundo do poço e dizem que tudo bem, que um dia vai ser melhor e que ser desajustado entre os desajustados não é crime algum muito pelo contrário, é um certo privilégio pois sentimos tudo de forma muito mais intensa do que aqueles que se deixam levar pelos comportamentos de manda.
Então, se você também se pegar perguntando quando será o agora, eu lhe respondo que o agora já é, já está aqui e que você precisa apenas pegá-lo pelo pescoço e não deixar que ele escape de você jamais.
* o título da canção em Inglês é 'How soon is now' que pode ser entendido literalmente como 'O quão cedo é agora?' mas, preferi traduzir assim pois me soou mais correto.
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Published on July 22, 2020 04:00

July 21, 2020

a vida como um instantâneo

Este sou eu e eu lembro de quase tudo.

Se a vida fosse uma URL, ao digitar na barra, onde ela nos levaria? Somos apenas álbuns de fotos tiradas em filme e o tempo vai, aos poucos, comendo as cores pelas beiradas deixando tudo em escalas de cinza até que, finalmente um dia, haverá a ausência total de cor.

Nossas mentes são seletivas e talvez isso seja bom pois o acúmulo dos anos traria a insanidade devido ao tanto de lembranças, mesmo as mais ínfimas. que carregariamos dentro de nós. Mesmo assim, um aroma, um gosto, um lugar, uma frase, coisas assim meio sem sentido são plenamente capazes de nos remeter a tempos passados e, por vezes, trazer aos olhos lágrimas mostrando que esse acúmulo é histórico e só não é histérico porque, inconscientemente, armazenamos tudo que nos chega pelos cinco sentidos (e fora deles) guardando, como disse, selecionando, apenas o que realmente deve ser guardado para acesso imediato quando preciso.

Olhe para trás e tente imaginar quantos caminhos não foram trilhados, quantas escolhas foram feitas e quantas não foram, como poderia ser cada momento que foi/não foi realizado, provado. Talvez o resultado final acabe sendo sempre o mesmo ainda que outras realidades resultantes de outros passos dados pudessem trazer outros cenários.

Ver minha vida como resultado da de outros; as nossas vidas não são, na verdade, nossas, eram de nossos pais até o momento em que viemos ao mundo e então, numa simbiose nefasta, tiramos deles que sorriem enquanto o fazemos, a vida que será nossa e talvez esse caminho não seja assim tão árduo quanto o fazemos se pensarmos que depois disso, de extrairmos de nossos pais a vida, muitos de nós terão as suas removidas em cirurgia pelos filhos que virão ou pelos amigos, família escolhida, escoltada por nós pela vida afora, esse amálgama de nós mesmos que vai se moldando enquanto os anos vão gastando nossas tintas.

Temos essa ideia falsa de identidade mas, no fundo, vejo a mim como réplica melhorada, na medida do possível, de meus pais, mimetismo singular, vejo/faço. Esse óleo invisível liga a nós e a eles e aos que cruzam nosso caminho, não há mesmo um eu e se houver talvez seja apenas nos ossos e quando a terra lambe os beiços depois de nos devorar de volta. Isso não é ruim, esse não ser, acho que é bom enquanto sabemos usar essa bagagem toda que vamos guardando vida afora e, no final, o que conta mesmo não são as marcas materiais que deixamos mas as pessoas que tivemos em nossas vidas e as vidas que tivemos parte tanto para o bem como para o mal, há que se acertar o preço da parte má quando cobrado ainda que a contragosto.

Como o sonho dentro do sonho dentro do sonho, acordamos dia a dia tentando achar a saída mas ela apenas dá em outro sonho e esquecemos de que o sonho em si é bom e que nos move adiante, para aquele lugar, lá, onde tudo deve ser melhor, acordar e fechar os olhos para isso, preferir não ir adiante e escolher o mais fácil e simples do que o mais trabalhoso e árduo mas que trará a recompensa final que costumamos chamar felicidade.

Não sei, há fotos antigas onde vejo meus pais sorrindo, em poses imortais de um momento que me foge o significado e que talvez não guarde significado algum. Há ainda fotos com amigos e pessoas que nem mesmo aqui estão mais e num ímpeto desespero tento relembrar do que sentia naquele momento, às vezes sei, muitas vezes não me lembro e penso se as fotos antigas, de antes de mim ou de quando eu não conseguia guardar lembranças, não são invenções, manipulações de um passado que não é meu mas de meus pais mas, isso pode não ser verdade uma vez que, como disse, eu mesmo não me recordo das fotos que eu mesmo tirei ou em que estava então, como saber o que é mesmo minha memória ou de outros?

Gostaria que a vida fosse uma seqüência de fotos sem fim e que, ao final, pudéssemos rever cada uma delas para saborear novamente momentos que foram tão ternos que pareceram ter durado décadas e outros tão efêmeros que podemos duvidar de sua existência. O tempo vai passar e assim como meu velho pai está hoje vivendo de lembranças embaralhadas, plantadas em cada ruga de seu rosto senil, eu mesmo irei embaralhar as minhas e talvez às dele sem saber, ao final, de quem são afinal.

Não me assusta envelhecer, até me atrai, me adoça a boca e o passar dos dias deixa um gosto de tudo ter tido sentido, propósito, razão. Quero envelhecer podendo ver as minhas fotos com carinho, ainda que não saiba se fui eu ou outros que as tiraram, só me assusta e muito perder a referência de quem são as pessoas nas fotos, esquecer ou não mais lembrar e há uma diferença grande entre as duas coisas.

Quero estar ali, com minhas rugas e o meu amado ao meu lado e ainda ser capaz de olhar para ele e para mim e para nossos álbuns e ser capaz de ligar uma coisa a outra pois mais do que morrer, que não me é assustador pois todo livro tem de ter um final, me apavora ter o amor ao meu lado e ser incapaz de reconhecer que ele esteve lá por anos, pela vida toda, sempre e temer a morte não por ela em si mas por ter passado uma vida sozinho.
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Published on July 21, 2020 04:00