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Ainda sentia que as experiências negativas que tivera em Stovington precisavam ser analisadas tendo Jack Torrance na voz passiva. Não fizera coisas; coisas haviam sido feitas a ele.
Já Al Shockley e Jack eram alcoólatras. Procuravam-se um ao outro como dois náufragos, que ainda eram sociáveis o bastante para preferirem afogar-se juntos, em vez de se acabarem sozinhos.
Não tinha nada a ver com força de vontade, moralidade, fraqueza ou caráter.
O temperamento era a mesma coisa. Ele tinha passado a vida inteira tentando controlá-lo.
O pai, tendo visto, voou em cima do pequeno Jacky, aos berros. Deixou seu traseiro vermelho… e o olho roxo.
Mas era um alcoólatra, tanto emocional quanto físico, e ambos, sem dúvida, estavam ligados em algum ponto em seu interior, onde não se podia ver.
Precisava arcar com as consequências: as palmadas, as surras de seu velho, as suspensões, as tentativas de explicar o uniforme de escola rasgado nas brigas no parque.
E, mais tarde, as ressacas, a lenta dissolução de seu casamento, aquela única roda de bicicleta com os raios tortos apontados para o céu, o braço quebrado de Danny. E George Hatfield, naturalmente.
Quando alguém inadvertidamente enfia a mão em um ninho de vespas, é como se fizesse um pacto com o diabo, jogando para o alto seu eu civilizado com os conceitos de amor, respeito e honra.
Podia dizer, honestamente, que não tinha inveja de George ou de sua aparência.
De repente, Jack ruborizou, não de raiva, mas de vergonha por sua crueldade. Na sua frente não havia um homem, mas sim um rapaz de dezessete anos, que enfrentava a primeira grande derrota de sua vida, e talvez usasse da única maneira de que dispunha para pedir que Jack o ajudasse a vencer.
Aquela alegria doentia pela saída abrupta de George era mais típica do personagem Denker, na peça, do que de Jack Torrance, o dramaturgo.
Não invejava George Hatfield em nada. Se a verdade podia ser dita, Jack se sentia pior pela infeliz gagueira do rapaz do que o próprio George, pois sabia que ele realmente poderia se tornar um grande orador.
a inveja também tem estágios e a negação também se faz presente, ninguém quer se reconhecer como alguém ruim...
Se tivesse adiantado o cronômetro, seria apenas para… poupar George de sua desgraça.
E não odiava George Hatfield. Tinha certeza disso. Não tinha agido: as coisas agiram sobre ele.
Juraria diante do Trono do Todo-Poderoso, exatamente como juraria que adiantara o cronômetro não mais do que um minuto. E não por ódio, mas por pena.
— Ele também está se esforçando demais naquelas leituras — disse ela. — Sei que está querendo nos agradar… agradar você — completou, relutante.
O próprio fato de ele estar escrevendo a enchia de esperança, não porque esperasse por um grande sucesso, mas porque o marido parecia estar lentamente fechando uma enorme porta de um cômodo cheio de monstros.
O filho era inteligente, sabiam disso, mas seria um erro pressioná-lo demais.
Ele levava muito a sério, tanto a leitura quanto a série de exercícios que o pai preparava para ele todas as tardes.
Mais um sinal — e eles se multiplicavam a toda hora — de que havia outro ser humano ali, não apenas uma cópia de um deles, ou uma combinação dos dois.
Por favor, não deixe que isso aconteça, Deus. Deixe Danny crescer e ainda amar sua mãe.
Da inocência à experiência. Natureza humana, meu bem. Agarre-a com unhas e dentes.
— Roque. Ponto. Redrum.
A água jorrava sem parar na pia, e Wendy sentiu que de repente havia penetrado em um pesadelo terrível, onde o tempo voltava atrás, à época em que o marido, bêbado, quebrara o braço do filho, e em seguida choramingara sobre ele repetindo praticamente as mesmas palavras.
Jack havia gritado com ele, ela o confortara, mas ainda assim foi com o pai que Danny falou:
— Alguma coisa sobre o cronômetro… — resmungou Danny.
— Eu estava escovando os dentes e pensando em minha leitura. Pensando mesmo. E… e vi Tony lá no fundo do espelho. Ele disse que precisava me mostrar de novo.
— Você não machucaria a mamãe, né, papai? — Não. — Nem eu? — Não.
O coração de Jack batia forte. Como era possível o menino saber uma coisa dessas?
— Quando fiz a entrevista com Ullman, achei que fosse conversa fiada. Agora, não estou tão certo disso. Talvez não devesse ter me submetido a isso, junto com vocês. A sessenta quilômetros da civilização.
Ele ouvia o dono daquela voz vindo, à sua procura, correndo pelo corredor como um tigre numa selva hostil azul e negra. Um canibal.
Elas picaram a mão dele, todas de uma vez, como se fossem agulhas.
Danny, fascinado com a ideia de que suas picadas poderiam valer milhares e milhares de dólares, começou a perder o medo e ficar ativamente interessado.
Só com dificuldade podia ver o ninho através do vidro transparente da tigela. O interior do pirex estava cheio de vespas. Era difícil dizer quantas. Pelo menos cinquenta. Talvez cem.
Voltaram. Ele havia matado as vespas, mas elas voltaram.
De repente, o hotel parecia estar repleto de milhares de sussurros: estalos, gemidos e um assobio furtivo do vento sob as telhas, onde talvez mais ninhos de vespas estivessem pendurados como frutos venenosos.
Era como se não tivessem sido as vespas que picaram o filho, vespas que miraculosamente sobreviveram à bomba contra insetos, mas o próprio hotel.
— Não. Ele tem pelo menos onze anos. Acho que pode ser até mais velho. Nunca vi o Tony de perto. Ele pode ter idade até para dirigir um carro.
— Os olhos de Danny brilharam. — Mas meu pai e minha mãe estão me ensinando a ler e tenho me esforçado.
— Mas agora, sempre que ele vem, só me mostra coisas ruins. Coisas horríveis.
O menino apontou muito sério o dedo à testa, como uma arma. Uma criança inconscientemente parodiando o suicídio.
— Não consigo me lembrar! — gritou o menino, agoniado. — Se eu conseguisse, eu diria! Acho que não me lembro porque é tão ruim que não quero me lembrar. Tudo que me lembro quando acordo é REDRUM.
Danny, de repente, sentiu necessidade de chamar o pai, avisar que deixasse o álbum ali, que alguns livros não deviam ser abertos.
(Este lugar desumano cria monstros humanos.