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Napoleão estava habituado a olhar a guerra fixamente; jamais fazia, cifra por cifra, a soma desconcertante dos detalhes; as cifras pouco o inquietavam, contanto que o total fosse este: Vitória. Embora o início fosse inquietante, ele não se alarmava, julgando-se senhor e dono do final; ele sabia esperar, supondo-se fora de questão, e tratava o destino de igual para igual. Parecia dizer à sorte: “Não ousarás!”.
O excessivo peso desse homem sobre os destinos humanos perturbava o equilíbrio. Ele, sozinho, valia mais que toda a humanidade. Essa superabundância de vitalidade humana concentrada em uma única cabeça, o mundo subindo ao cérebro de um homem, seria fatal para a civilização, se continuasse.
Napoleão tinha sido denunciado ao infinito, e sua queda já estava decidida. Tornava-se incômodo a Deus.
Afinal, Waterloo é o mais estranho choque havido em toda a história: Napoleão e Wellington.
Thénardier. — Não me esquecerei desse nome — disse o Oficial. — E o senhor, lembre-se do meu. Chamo-me Pontmercy.
Tudo se fez, então, em pequena escala, visando ao lucro, em vez de visar ao bem. Não existia mais um centro; só havia concorrência e ganância. O Sr. Madeleine dominava e realmente dirigia tudo. Sem ele, cada um avançou na própria parte; o espírito de luta sucedeu ao espírito de organização, a aspereza substituiu a cordialidade, o ódio de um contra o outro seguiu-se à benevolência do fundador por todos;
Desde 1792, todas as revoluções da Europa são a mesma Revolução Francesa; a liberdade irradia-se da França.
Era um taverneiro no qual se escondia um monstro. Satanás, às vezes, devia acocorar-se em algum canto do pardieiro onde vivia Thénardier, deliciando-se diante daquela horrenda obra-prima.
Por acaso pode-se imaginar algo mais terrível que um inferno onde se sofre? Perfeitamente, se criarmos um inferno onde o condenado se entedie.
Era a segunda aparição de candura que se lhe deparava. O Bispo fez surgir no seu horizonte a aurora da virtude; Cosette, a aurora do amor.
Coisa triste de se constatar, mas, como já demos a entender, aos oito anos tinha o coração completamente frio. Não era por culpa dela, tampouco lhe faltava a faculdade de amar; era falta de possibilidade.
Encontrar-se, para eles, fora o mesmo que se descobrirem um ao outro. No momento misterioso em que suas mãos se tocaram, ligaram-se inseparavelmente. Quando suas almas se avistaram, reconheceram a mútua necessidade que uma tinha da outra, e se abraçaram fortemente.
mas sua alegria era passear na companhia do velho.
não tomam banho,
Obediência, pobreza, castidade, clausura; eis aí seus votos, extremamente agravados pela regra.
Escovar os dentes é o mesmo que estar no alto de uma escada debaixo da qual se acha um abismo: a perdição da própria alma.
Fazem a culpa por coisas mínimas. Um vidro quebrado, um véu rasgado, um atraso involuntário de alguns segundos para chegar ao ofício, uma nota desafinada na igreja etc., isso já é suficiente.
Essas religiosas não são alegres, rosadas e sadias como costumam ser as das outras ordens. São pálidas e sérias. De 1825 a 1830 três enlouqueceram.
esta prece que chamavam de Padre-nosso branco e que tinha a virtude de levar as pessoas diretamente para o paraíso.
Enquanto esperamos, estudemos as coisas que já não existem. É preciso que as conheçamos, embora unicamente para evitá-las. As contrafações do passado às vezes tomam falsos nomes e se denominam, de bom grado, futuro. Esse fantasma, o passado, é muito sujeito a falsificar o seu passaporte. Tomemos cuidado com essas armadilhas. Desconfiemos. O passado tem um rosto, a superstição, e uma máscara, a hipocrisia. Descubramos-lhe o rosto e arranquemos-lhe a máscara.
Este livro é um drama cujo primeiro personagem é o infinito. O homem é o segundo.
As comunidades monásticas estão para a grande comunidade social assim como o parasita para uma árvore ou a verruga para o corpo humano. Sua prosperidade e nutrição representam o empobrecimento de toda uma região.
Será que essas mulheres pensam? Não. Têm vontade própria? Não. Amam, por acaso? Não. Vivem? Não. Seus nervos transformaram-se em ossos; seus ossos transformaram-se em pedras. Seus véus são feitos com as trevas da noite. Sua respiração assemelha-se a não sei que trágica respiração da morte. A abadessa, a larva, as santifica e aterroriza. A imaculada ali está, feroz.
O monaquismo, tal como existia na Espanha e como existe ainda no Tibete, é para a civilização uma espécie de tísica. Corta completamente a vida. Despovoa do modo mais simples. Enclaustramento é o mesmo que castração. Foi um verdadeiro flagelo na Europa. Acrescentem a isso tudo as violências frequentes perpetradas contra as consciências, as vocações forçadas, o feudalismo apoiando-se no claustro, o direito de primogenitura lançando para os conventos o excedente das famílias, as atrocidades que acabamos de descrever, os in pace, as bocas impedidas de falar, os cérebros murados, tantas
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A negação do infinito leva diretamente ao niilismo.
O riso é o sol que espanta o inverno do rosto humano.
Afinal, Deus tem seus caminhos; o convento, como Cosette, contribuiu para manter e completar a obra do Bispo. É fora de dúvida que um dos lados da virtude confina com o orgulho. Há aí uma ponte construída pelo demônio. Jean Valjean, talvez sem que o soubesse, estava prestes a atravessar essa ponte quando a Providência o lançou no convento do Petit-Picpus; enquanto se comparava com o Bispo, julgou-se sempre indigno e continuava humilde; mas, depois de algum tempo, começando a comparar-se com os homens, o orgulho também começou a aparecer. Quem sabe? Talvez ele acabasse por retornar
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Que haviam feito aqueles homens? Haviam roubado, violado, pilhado, matado, assassinado. Eram bandidos, falsários, envenenadores, incendiários, assassinos, parricidas. Que haviam feito aquelas mulheres? Absolutamente nada.
De um lado, o banditismo, a fraude, o roubo, a violência, a lubricidade, o homicídio, todos os tipos de sacrilégios, todas as variedades de atentados; do outro lado, uma única coisa, a inocência. A inocência perfeita, quase arrebatada em misteriosa assunção, ligada ainda à terra pela virtude, participando do céu pela santidade.
Dois lugares de escravidão; mas, no primeiro, a possibilidade de libertação, um limite legal, sempre, embora longínquo, e depois a evasão. No segundo, a perpetuidade; por única esperança, no futuro distante, esse clarão de liberdade que os homens chamam de morte.
No primeiro, está-se preso por correntes; no segundo, pela fé.
as crianças desamparadas abundavam em Paris. As estatísticas dão-nos uma média de duzentas e sessenta crianças sem abrigo apanhadas anualmente pelas rondas policiais nos terrenos baldios, nas casas em construção e sob os arcos das pontes.
Todos os crimes do homem começam na ociosidade das crianças.
Na moderna civilização, ainda tão incompleta, não é muito anormal essa destruição de famílias extinguindo-se na sombra, sem saber para onde vão os filhos, deixando cair as entranhas em meio à praça pública.
Aliás, a monarquia tinha às vezes necessidade de crianças e nessas ocasiões vasculhava as ruas.
era atitude de huguenote; mandavam-no para as galés. Encontrava-se um rapaz pelas ruas: bastava que tivesse quinze anos e não tivesse onde dormir para que o mandassem para as galés. Grande reino! Grande século!
Todas as generosas irradiações sociais têm sua origem na ciência, nas letras, nas artes, no ensinamento. Façam homens, façam homens! Iluminem-nos para que eles os aqueçam.
Paris é tribuna sob os pés de Mirabeau e cratera sob os pés de Robespierre; seus livros, seu teatro, sua arte, sua ciência, sua literatura e sua filosofia são os manuais do gênero humano; ela tem Pascal, Régnier, Corneille, Descartes, Jean-Jacques, Voltaire para todos os minutos, Molière para todos os séculos; ensina sua língua aos lábios do universo, e essa língua transforma-se no Verbo; constrói em todos os espíritos a ideia de progresso; os dogmas libertadores que ela forja são espadas para as gerações futuras, e é com a alma de seus pensadores e poetas que são feitos, desde 1789, todos os
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Quanto ao povo parisiense, mesmo adulto, não deixa de continuar a ser moleque; retratar a criança é retratar a cidade;
GAVROCHE
Quando essas pobres criaturas se tornam homens, quase sempre a mó da ordem social os alcança e tritura; mas, enquanto são crianças, como são pequenos, conseguem escapar. Qualquer buraco os salva.
Essa criança vivia nessa completa ausência de afetos, como essas ervas sem cor que nascem nos subterrâneos. Não sofria com isso e nem por isso odiava as pessoas. Ele nem sabia bem como deveriam ser um pai ou uma mãe.
Depois de Waterloo, Pontmercy, salvo do desastre ocorrido com seu batalhão na estrada de Ohain, conseguiu alcançar o Exército em retirada, arrastando-se de ambulância em ambulância até os quartéis do Loire.
O Sr. Gillenormand não mantinha nenhuma relação com o genro. O Coronel era para ele “um bandido” e ele era para o Coronel “um palerma”. O Sr. Gillenormand jamais falava do Coronel, a não ser às vezes para fazer alusões depreciativas a seu “baronato”.
Essa tia solteirona, bastante rica pelo lado materno, tinha como único herdeiro o filho de sua irmã. O menino, que se chamava Marius, sabia que tinha um pai, nada mais.
Pontmercy sacrificara a própria felicidade pelo futuro do filho.
Aliás, quando ambos são sinceros e bons, nada se ajusta e combina tão bem quanto um velho Sacerdote e um velho soldado.
Os olhos estavam extintos, mas a lágrima não havia secado. Essa lágrima era a demora de seu filho.
O Coronel foi enterrado em dois dias e esquecido em três.
Foi nesse mesmo lugar que vi durante anos, cada dois ou três meses, regularmente, um pobre e bravo pai que não tinha outra ocasião nem outra maneira de ver o filho, impedido por questões de família.

