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O cabelo muito curto ficava eriçado porque já começava a crescer um pouco e parecia que havia tempo não era cortado.
Podem ser resumidos em quatro principais. São Mateus os enumera em seu Evangelho: deveres para com Deus (Mt VI); deveres para consigo mesmo (Mt V, 29, 30); deveres para com o próximo (Mt VII, 12); e deveres para com as criaturas (Mt VI, 20, 25).
Parece que um boêmio, um vagabundo, uma espécie de mendigo perigoso, estava na cidade.
Um homem perigoso, que dava medo.
Jean Valjean.
Aqui está o meu passaporte. Amarelo, como podem ver.
Cinco anos por roubo e arrombamento. Catorze anos por haver tentado fugir quatro vezes. É homem muito perigoso.
Senhor, para um forçado, é um copo de água a um náufrago da Medusa.46 A ignomínia tem sede de consideração.
Não era preciso que o senhor me dissesse quem era. Esta não é a minha casa; é a casa de Jesus Cristo.
Já — respondeu o Bispo —, seu nome é meu irmão.
haverá mais alegria no céu pelas lágrimas de um pecador arrependido que pela túnica branca de cem justos.
Nossa civilização tem momentos terríveis; são os momentos em que uma sentença anuncia um naufrágio.
o furto de um pão como ponto de partida para o desastre de toda uma existência.
Jean Valjean entrara para as galés soluçando e gemendo; saiu completamente impassível. Entrou cheio de desespero, saiu sombrio e taciturno. Que se terá passado no íntimo dessa alma?
Depois de a falta ter sido cometida e confessada, o castigo não foi por demais feroz e excessivo? Onde haveria mais abuso: da parte da lei, na pena, ou da parte do culpado, no crime?
Pode a sociedade humana ter o direito de sacrificar seus membros, ora pela sua incompreensível imprevidência, ora pela sua impiedosa previdência, acorrentando indefinidamente um homem, entre essa falta e esse excesso, falta de trabalho e excesso de castigo?
Tornou-a responsável pela sua desgraça e jurou com ela acertar contas um dia.
concluiu, enfim, que seu castigo não era, na verdade, uma inJustiça, mas, sem dúvida alguma, uma iniquidade.
Os homens só o haviam tocado para fazê-lo sofrer. Cada contato tinha sido um golpe. Jamais, depois de sua infância, de sua mãe, de sua irmã, havia encontrado uma palavra amiga, um olhar de bondade. De sofrimento em sofrimento, chegara à convicção de que a vida era uma guerra, e que nessa guerra ele era o vencido.
O homem criado bom por Deus pode tornar-se mau pelo homem? Pode a alma ser completamente mudada pelo destino, tornar-se má, quando este não é bom?
A sociedade e o Estado, diminuindo-lhe o salário, roubaram-no em grande escala. Agora era a vez de o indivíduo roubá-lo em menor quantia.
Liberdade não é estar solto. Sai-se das galés, mas a condenação continua.
Jean Valjean, meu irmão, o senhor não pertence mais ao mal, mas ao bem. Resgatei a sua alma; liberto-a dos pensamentos sinistros e do espírito da perdição, e entrego-a a Deus.
Sentia confusamente que o perdão daquele Sacerdote fora o maior assalto e o mais forte ataque de todos os que até então sofrera; seu endurecimento seria definitivo se resistisse àquela clemência; se cedesse, seria preciso renunciar ao ódio de que os outros homens lhe haviam enchido a alma e no qual ele tanto se comprazia;
Quatro jovens insignificantes; todos já viram tipos assim; quatro amostras; nem bons nem maus; nem sábios nem ignorantes; dotados dessa beleza de abril que se chama vinte anos.
Era uma vez uma fada que fez os campos e os bosques expressamente para os enamorados. Daí a eterna tradição campestre dos amantes, sempre e continuamente renovada, e que haverá de durar enquanto houver campos e estudantes.
Daí a grande popularidade da primavera entre os pensadores. O patrício e o plebeu, o duque, o par e o joão-ninguém, a gente da Corte da cidade, como se dizia antigamente, todos são humildes súditos dessa fada.
O parisiense está para o francês como o ateniense para o grego; ninguém dorme melhor que ele, ninguém é tão francamente frívolo e preguiçoso, ninguém mais do que ele parece esquecer-se tão rapidamente.
A indigestão está encarregada por Deus de pregar moral ao estômago. E, guardem o que eu vou dizer, cada uma de nossas paixões, mesmo o amor, tem um estômago que não se deve empanturrar. Em tudo é necessário escrever a tempo a palavra finis; quando, então, há urgência, é indispensável trancar o apetite, encarcerar a fantasia e pôr-se cada um num cárcere. Sábio é aquele que é capaz de trancafiar-se no momento preciso.
A mulher é pérfida e inconstante. Detesta a serpente por ciúme de profissão. A serpente é a maior concorrente ao seu comércio.
Já disseram que errar é próprio do homem; pois eu digo que errar é próprio do amor.
Dormia abandonando-se completamente, o que é próprio das crianças dessa idade. Os braços das mães são feitos de ternuras, e as crianças dormem neles profundamente.
Quem é que vai se importar com uma criança dessas? Todos levantam os ombros quando se trata de filhos dessa natureza! — Pensou então em Tholomyès encolhendo os ombros para sua filha, não dando a mínima importância àquele ser inocente; e seu coração tornou-se sombrio a respeito desse homem.
Não teremos mais ocasião de falar de Félix Tholomyès. Limitamo-nos, portanto, a dizer que, vinte anos depois, no reinado de Luís Filipe, tornava-se importante advogado de província, influente e rico, sábio eleitor e jurado severíssimo, mas sempre dado aos prazeres.
O camundongo caído na ratoeira era insignificante, mas o gato se alegra mesmo com um ratinho magro.
Essas criaturas pertenciam a essa classe de pessoas composta de gente rústica enriquecida e de pessoas inteligentes decaídas, que está entre a chamada classe média e a chamada classe baixa, combinando alguns dos defeitos da segunda com quase todos os vícios da primeira, sem possuir nem os impulsos generosos do operário nem a honestidade ordeira do burguês.
Ambos estavam no mais alto degrau possível dessa espécie de progresso que se alcança no caminho da maldade. Há almas que, à imitação de caranguejos, andam para trás, sempre em direção às trevas, retrocedendo na vida à medida que esta avança, empregando a própria experiência em aumentar a própria deformidade, sempre em novas aventuras, impregnando-se mais e mais em sua crescente perversidade. Esse homem e essa mulher pertenciam a essa classe de pessoas.
Essa mudança, que põe um nome “elegante” no plebeu e um nome camponês no aristocrata, é uma reviravolta do desejo de igualdade. A irresistível penetração da nova mentalidade aí está presente, como em tudo o mais. Sob essa aparente discordância, há algo de grande e profundo: a Revolução Francesa.
Como vimos, a cidade devia-lhe muito, e os pobres, tudo; ele era tão útil que era impossível deixar de prestar-lhe honras, e tão amável que era inevitável que acabassem por idolatrá-lo.
Quando o viram ganhando tanto dinheiro, haviam dito: — É um comerciante. — Quando o viram distribuir a riqueza, disseram: — É um ambicioso. — Quando o viram recusar honrarias, murmuraram: — É um aventureiro. — Quando o viram desprezar a sociedade, disseram ainda: — Não tem educação.
Gostava dos livros; os livros são amigos frios e seguros.
Meus amigos, guardem bem isto: não existem homens maus ou ervas más. O que há é maus cultivadores.
Aí está um homem rico que não tem ares de soberbo. Eis um homem feliz que não parece estar contente.
Javert nascera numa prisão, filho de uma cartomante cujo marido estava nas galés. Crescendo, julgou-se excluído da sociedade e perdeu toda a esperança de nela entrar. Notou, igualmente, que a sociedade mantém irremissivelmente afastadas duas classes de homens: os que a atacam e os que a protegem; ele só podia escolher entre essas duas classes, ao mesmo tempo que sentia em seu íntimo não sei que rigidez, regularidade ou probidade, de mistura a um ódio inexprimível a essa classe de boêmios a que ele pertencia. Entrou para a polícia. Deu-se bem. Com quarenta anos, fora nomeado Inspetor.
Fauchelevent havia visto esse simples operário enriquecer, enquanto ele, com toda a sua instrução, se arruinava. Isso o enchera de inveja e, na ocasião, fizera tudo o que podia para prejudicar Madeleine.
Existem seres que, para decifrar esses enigmas, que afinal nada têm a ver com eles, gastam mais dinheiro, esbanjam mais tempo, fatigam-se dez vezes mais do que seria necessário para fazer dez boas ações; e isso gratuitamente, por simples prazer, sem receber dessa curiosidade outro benefício que a própria curiosidade.
Algumas pessoas são más unicamente pela necessidade de falar. Sua conversação, simples loquacidade de salão ou diz que diz das salas de espera, é como essas lareiras que num instante consomem toda a lenha; elas precisam de grande quantidade de combustível, e o combustível é a vida alheia.
Às vezes, de sua janela, Mme. Victurnien a via passar, reparando com cuidado na miséria “daquela criatura” que graças a ela tinha sido “colocada no seu devido lugar”, e se felicitava. Os maus têm uma maneira sinistra de ser felizes.
O pobre não pode chegar até o fim de seu quarto, nem ao fim de seu destino, sem se curvar cada vez mais!
A que se reduz toda essa história de Fantine? É a sociedade comprando uma escrava. Para quem? Para a miséria.

