Deana Barroqueiro's Blog: Author's Central Page, page 18
October 29, 2019
Etiópia e os Portugueses
«ETIÓPIA» - Um livro de fotografia de Lisa Vaz com prefácio de Deana Barroqueiro.
Uma bela prenda para oferecer no Natal.
Para ver uma curta apresentação digital e/ou encomendar a obra por favor clique no link: http://bit.ly/31UuEyT
(Jorge Pinto Guedes - Editora ALMALUSA)
Uma bela prenda para oferecer no Natal.Para ver uma curta apresentação digital e/ou encomendar a obra por favor clique no link: http://bit.ly/31UuEyT
(Jorge Pinto Guedes - Editora ALMALUSA)
Published on October 29, 2019 03:07
October 23, 2019
Pegada ecológica e os grandes supermercados
Não há produtos portugueses nos supermercados Continentes e Lidl? Leite espanhol, batatas francesas, etc. Será que não produzimos produtos alimentares em Portugal?
Como passo muito tempo com a escrita dos meus livros, é o meu marido que faz as compras com a nossa funcionária e só esta semana me dei conta que a maioria dos comestíveis era estrangeira - Leite, batatas, fruta, etc.
Lembro-me de há tempo ter assistido ao protesto dos nossos agricultores que despejavam leite na rua, por não poderem escoar os seus produtos, que até são de melhor qualidade do que "os de fora".
Quando tanto se fala da "pegada ecológica" estes exploradores dos mercados, em vez de comprarem os produtos do país dos seus consumidores, mandam vir do exterior, a centenas e milhares de quilómetros, camiões carregados de produtos que em Portugal estão a apodrecer nas árvores ou serem deitados fora.
Houve em tempos uma campanha de "Comprar Português" na internete, que até deu resultado quando os consumidores boicotaram os produtos estrangeiros . Os supermercados e as lojas tiveram prejuízo e começaram a ter os nossos produtos e a indicar claramente a proveniência dos estrangeiros. Mas , mal a corrente de entusiasmo passou, voltaram ao mesmo.
E falamos que a nossa economia não cresce. Não temos todos culpa disso? Os portugueses têm uma grande falta de consciência e participação cívica, falamos muito, indignamo-nos constantemente, mas raramente agimos. Porque é que não voltamos a exigir aos nossos fornecedores os produtos portugueses?
Eu já o estou a fazer.
Como passo muito tempo com a escrita dos meus livros, é o meu marido que faz as compras com a nossa funcionária e só esta semana me dei conta que a maioria dos comestíveis era estrangeira - Leite, batatas, fruta, etc.
Lembro-me de há tempo ter assistido ao protesto dos nossos agricultores que despejavam leite na rua, por não poderem escoar os seus produtos, que até são de melhor qualidade do que "os de fora".
Quando tanto se fala da "pegada ecológica" estes exploradores dos mercados, em vez de comprarem os produtos do país dos seus consumidores, mandam vir do exterior, a centenas e milhares de quilómetros, camiões carregados de produtos que em Portugal estão a apodrecer nas árvores ou serem deitados fora.
Houve em tempos uma campanha de "Comprar Português" na internete, que até deu resultado quando os consumidores boicotaram os produtos estrangeiros . Os supermercados e as lojas tiveram prejuízo e começaram a ter os nossos produtos e a indicar claramente a proveniência dos estrangeiros. Mas , mal a corrente de entusiasmo passou, voltaram ao mesmo.
E falamos que a nossa economia não cresce. Não temos todos culpa disso? Os portugueses têm uma grande falta de consciência e participação cívica, falamos muito, indignamo-nos constantemente, mas raramente agimos. Porque é que não voltamos a exigir aos nossos fornecedores os produtos portugueses?
Eu já o estou a fazer.
Published on October 23, 2019 02:31
October 19, 2019
«1640», a Catalunha e a Restauração
No próximo dia 1 de Dezembro, a Restauração da Monarquia que nos tornou de novo independentes do domínio castelhano (ao contrário da Catalunha e de outros movimentos independentistas) faz 379 anos. Como parece que gostaram do tema, deixo-vos aqui mais umas passagens do meu «1640». Quem fala em 1ª pessoa (Eu) é D. Francisco Manuel de Melo, que está preso e recebe a visita de alguns heróis da Restauração:«– Abençoada revolta da Catalunha – começa D. Álvaro de Abranches, com uma risada de satisfação, parecendo ler o meu pensamento –, que desviou de nós as atenções de Olivares e do seu exército! Espantou-nos a tardia reacção do conde-duque ao nosso golpe, como se lhe custasse a crer que os portugueses fossem capazes de tamanha ousadia. Essa imprevidência foi-lhe fatal. A res publica, por cá, ia de mal a pior. Eram poucos os que possuíam grossos cabedais, porque quem os tinha já saíra do reino ou empobrecera. Olivares, na sua cegueira, obrigava Portugal a pagar mais dez ou doze tributos do que Castela, encarregando Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos de fazerem o trabalho sujo de nos espremer até o tutano.
– O verdadeiro governador do reino era Soares, esse traidor mal nascido, embora estivesse na secretaria de estado de Madrid! – regouga D. Rodrigo de Castro. – Ele propunha os tributos e os modos para a sua imposição, que o dedicado genro, Miguel de Vasconcelos, fazia executar em Lisboa, no cargo de escrivão da Fazenda.
– Uma tríade de amanuenses – diz o poeta Brás Garcia de Mascarenhas – que defendia os interesses estrangeiros em prejuízo dos naturais.
– Só saberá governar bem uma república, quem souber governar bem a sua casa – afirmo-lhe, convicto. – A cidade é uma família grande e a família uma cidade pequena. Toda a governança de uma casa se reduz a dois pontos: pão e pano ou prato e trato. Pelo pão ou prato, se deve entender todos os bens das portas adentro, pelo pano ou trato, todos os bens e cómodos das portas afora. Os estrangeiros levam-nos o ouro e a prata, e deixam-nos em seu lugar bonifrates e cascavéis…
– A tríade infernal encarniçava-se contra uma nação que já estava empobrecida e endividada – recomeça D. Álvaro. – Os motins rebentavam por todo o reino, como os do Manuelinho de Évora, ou o das Maçarocas no Porto, com magotes de gente nas ruas a exigir em grandes clamores que El-Rei D. Filipe, antes de tirar o pão da boca ao povo de Portugal, emendasse os abusos das doações do nosso património a estrangeiros. Pediam-lhe para reformar a administração de Madrid, cortando nos gastos, como fizera Dom Sebastião, para custear a campanha de África, reduzindo a despesa da sua mesa a vinte cruzados diários. Os fogachos e fumos da revolta foram-se avolumando, anunciando o grande incêndio que não tardaria a lavrar, alimentado pelo sopro nostálgico do Desejado, o Rei salvador por quem todos suspiravam, o Príncipe Encoberto das profecias do Bandarra e de tantos outros videntes.
– Essas trovas que invocavam o Desejado – diz Brás Garcia – chegaram até à minha recôndita vila de Avô, onde eu me refugiara, influindo também no meu poema "Viriato Trágico", de que vos citarei uma oitava, já que mo haveis pedido: Antigas Profecias, bem que escuras / notadas de prudentes curiosos, / por entre a confusão das desventuras / uns longes transluziam venturosos. / Porém sendo em proféticas figuras / os alvos de acertar dificultosos. / Tendo perto de si o a que atiravam, / como cegos sem luz, todos o erravam.
Aproveito a interrupção e os aplausos ao poeta, para acrescentar:
– O triunvirato de escriturários que governava Portugal era de baixo nascimento, pouca qualidade e medíocre saber, não estava à altura de tão difícil empresa. Há homens que medram por tomarem os ofícios que não são seus, outros por fazerem o que não sabem, porque vendem a sua ignorância por mistério. E como ninguém quer mostrar que ignora o que outro mostra que sabe, logo se apressa a aprovar a parvoíce alheia para encobrir a própria!
– Dizia um cortesão que assim como cada homem, por bom governo de sua casa, devia matar cada ano pelo menos dois porcos, assim, para bom governo da res publica, se devia matar cada ano pelo menos dois vilões ruins dos muitos que nos desgovernam – remata o poeta.
– Soares tinha tamanho receio do poder do duque de Bragança que disse, despudoradamente e em público, que “El-Rei não seria senhor de Portugal, enquanto a praça de Vila Viçosa se não tornasse um prado sempre verde”, recomendando a destruição da casa ducal.
– Pois é, as parvoíces são como as almorreimas, em que o perigo está em saírem para fora, quanto melhor não seria se as deixassem ficar no sesso.
D. Álvaro deixa esmorecer os risos e murmúrios de concordância que a fala de D. Rodrigo provocou e retoma a sua narrativa:
– O ódio à tríade dos judas era um fogo vivo a atiçar os ânimos dos que ansiavam por um Rei natural, nascido na sua nação, capaz de lhe defender e preservar a independência, assegurando um bom governo e sendo garante do bem-estar e segurança do seu povo. Com a nomeação da duquesa de Mântua, uma estrangeira, para vice-Rainha de Portugal, o conde-duque violou de novo os trata-dos de Filipe I, lançando mais uma acha na fogueira, e a nobreza juntou o seu descontentamento ao do povo. Ora escutai a Brás que pede a palavra.
– … com tão grande valor, tal ousadia, / que o perigo mortal não considera, / que considerações escrupulosas / nunca geram façanhas generosas. // Luta o valor com mil dificuldades, / a todas derrubando em profecia, / por acabar com mil adversidades, / por desterrar a estranha tirania, / por evitar rendidas dignidades, / por restaurar a antiga Monarquia, / e por não sofrer mais tantos tributos, / que brutos nos deitavam como a brutos.
– Vejo, pelos aplausos, que a minha sugestão de fazer dialogar a prosa com a poesia é do vosso agrado, portanto, vou prosseguir com o meu relato, rogando ao poeta que me interrompa, sempre que lhe aprouver, com excertos da sua epopeia.
«Quando o duque de Bragança foi a Almada e passou o rio para visitar e prestar homenagem à vice-Rainha, foi aclamado como legítimo herdeiro da monarquia pelo povo e por muitos nobres que acudiram a vê-lo, com tamanho alvoroço que o marquês de la Puebla, pressentindo o perigo naquelas aclamações, desabafou com azedume: Para que tiran el duque de su tapada y le muestran a los Portuguezes? Dexenle estar en su rincón.
D. João mostrava-se relutante em aceitar a coroa, tendo a sua Corte em Vila Viçosa e levando uma mimosa vida, de muita abastança e prudência. Para manter as boas graças de Madrid, casara nesse ano com Dona Luísa de Gusmão, um matrimónio cozinhado por Olivares, por ela ser filha dos duques de Medina-Sidónia, ainda seus parentes, a fim de melhor sujeitar ao seu poder a casa de Bragança.
Contra todas as presciências do valido, o tiro saiu-lhe pela culatra. A nova duquesa, de vinte anos (menos nove que o marido), formosa, sobre o moreno e de olhos grandes, era também descendente dos Reis de Portugal, D. João I e D. Fernando e, segundo consta, um escravo mouro da casa de seus pais, com fumos de nigromante, vaticinara-lhe à nascença – Domingo, dia 13 de Outubro de 1613 – que haveria de ser rainha, uma profecia que todos levaram à conta de inzonas do perjuro para receber alvíssaras.
Relembrando, com algum espanto, esta lenda do seu nascimento, a duquesa escolheu sem hesitar o partido da Restauração, vencendo a tibieza do marido, com uma varonil declaração: – Ainda que a morte seja a consequência da Coroa, tenho por mais acertado morrer reinando que acabar servindo. De mais todos os vaticínios seguram a empresa, por conseguinte, somente a dilação de vos coroardes pode ser prejudicial.
A meu ver, o que levou D. João a decidir-se foi a determinação dos confederados em escolher o seu irmão D. Duarte para Rei de Portugal, se ele continuasse timorato. Já em Novembro de 1638, depois das alterações de Évora…»
– Estava eu de novo preso em Lisboa… – murmuro, a meia voz, logo arrependido da interrupção.
D. Álvaro não parece incomodado e, fazendo-me um aceno de compreensão, prossegue:
– Em Junho desse ano, o Infante pedira licença ao Imperador Fernando III, em cujo exército servia, para vir a Portugal tratar da herança que seu irmão Alexandre lhe deixara, a qual incluía três comendas da Ordem de Cristo.
«D. António de Mascarenhas, que começara a perder a esperança de conquistar o duque de Bragança para a nossa causa, farto de o ouvir dar a mesma resposta de que “ainda não havia ocasião”, foi ver D. Duarte à quinta da Cotovia, onde ele se refugiara e evitava visitas, antes da sua partida para o Sacro Império. Buscou por todos os meios convencê-lo a ficar em Portugal, insistindo em como a sua experiência militar e política seria sem preço para o movimento. Afiançou-lhe a lealdade do numeroso grupo de fidalgos, que esperava a sua ajuda para pôr a coroa na cabeça do irmão. O Príncipe disse-lhe também que ainda não chegara a hora da Restauração.
Não querendo desistir da sua preciosa ajuda, os conjurados enviaram-lhe Jorge de Melo com uma proposta, feita em veementes palavras: Senhor, donde se vai, quando o Reino está lutando com as ondas de um pego de contínuas vexações? E quando El-Rei de Castela nos quer aniquilar e reduzir à mesma infelicidade da Galiza? O duque é o legítimo Rei de Portugal; se ele não quiser aceitar o ceptro, aceite-o Vossa Excelência, que nós saberemos sacrificar a vida em sua defesa. O senhor Infante respondeu-lhe: Deixai essa empresa nas mãos de Deus, que haverá de a resolver a contento dos portugueses. Juro-vos que, quando esse momento chegar, virei de donde quer que me ache e não vos faltarei com o meu amparo.
Não o pôde fazer, como sabeis (e perdoai-me por me adiantar na história), porque D. Filipe e Olivares, temendo que a sua experiência de grande comandante militar fosse de muito proveito a Portugal e prejuízo a Espanha, assim que souberam da Restauração, fizeram com que o Imperador da Alemanha o prendesse e vergonhosamente lho vendesse, como se fora um escravo, para ser encarcerado nas masmorras do castelo de Milão, sem esperança de liberdade. Na falta de provas contra D. Duarte, o conde-duque recorreu à calúnia, dizendo que era pública voz e fama que ele não somente era cúmplice do irmão rebelde, mas autor da rebelião.».
– São preciosas as notícias que me dá – interrompo de novo, muito alvoroçado com o rumo da conversa, que vinha ao encontro da minha curiosidade há muito insatisfeita, por me achar na prisão –, porque tenho entre mãos uns rascunhos sobre a sua vida que vou escrevendo ao sabor do que fui ouvindo, quer no meu Tácito Português, um opúsculo com os ditos e feitos d’El-Rei, quer em folhetos como o Elogio ao senhor Infante D. Duarte irmão do sereníssimo Rei D. João IV, quando segunda vez se preparava para a jornada da Alemanha, precisamente sobre esse sucesso. Na década de 30 todos os que servíamos nos exércitos de Filipe, conhecíamos os seus feitos de ar-mas, contra os exércitos da Suécia e da França. Rogo-lhe novamente perdão, D. Álvaro, por mais esta interrupção, testemunha do meu grande interesse e desejo que se detenha nos pormenores de maior significado da história.
Aproveitando a pausa, o poeta recita:
– Arde o desejo por chegar a efeito, / que bem se infere, bem, ou bem se entende / quão grande coração arde no peito / do grão-duque, pois tal empresa empreende. / Mas ele, e cada qual no brando leito / donde o conselho ao valor repreende, / inquietos sentem, sem dar tréguas aos olhos / lençóis de espinhos e colchões de abrolhos.
(Deana Barroqueiro - «1640»)
Published on October 19, 2019 04:20
October 17, 2019
«1640»: A Restauração e a revolta da Catalunha
Caros amigos e amigas:
Não tenho o costume de recomendar a compra dos meus livros, mas os sucessos violentos em Espanha, com ao catalães revoltados a exigirem a autodeterminação e a independência (como têm feito incessantemente ao longo dos séculos), sujeitos a grande repressão, mostram como o meu romance «1640» está actualizadíssimo.
Foi, em grande parte, graças à revolta da Catalunha que Portugal ganhou a sua independência com a Restauração da Monarquia Portuguesa, em 1640, libertando-se do jugo castelhano que durava há já 60 anos e nos deixava na miséria.
O meu romance está construído segundo o modelo seiscentista de diálogos entre as personagens históricas e os seus relatos dos sucessos em que participaram ou assistiram e assenta em rigorosa investigação.
Os narradores da Restauração são o poeta aventureiro Brás Garcia de Mascarenhas (que escreveu o poema épico "Viriato Trágico"), a professa e poetiza Soror Violante do Céu, o fidalgo prosador Dom Francisco Manuel de Melo (que redigiu a história das lutas da Catalunha, em que participou do lado castelhano) e o pregador Padre António Vieira.
Deixo-vos aqui um excerto do romance em que é introduzido o tema da Catalunha. Se gostarem, porei outros. O relato é feito por Dom Francisco Manuel de Melo:
«– Dou-vos, então, o mote popular, para que o gloseis: El año de quarenta – Castilha se lamenta; el de quarenta y uno – en Portugal Castellano ninguno; el de quarenta y dos – Castilla, vete com Diós. El de quarenta y três – en Castilla Rey Portuguez.
– Do ano 40 posso dar-vos minuciosa conta, por ter participado, desde a primeira hora, nos sucessos que tanta paixão causaram a Castela – apressa-se a dizer Dom Álvaro.
Deixo escapar um queixume de amargura:
– Nessa hora, eu estava a ser um dos algozes do suplício dos catalães, enquanto mestre-de-campo ao serviço de Dom Filipe, como era exigido a todo o fidalgo e oficial do Império. El-Rei tinha-me concedido o honroso cargo de assistir ao general Dom Pedro Fajardo, marquês de Los Veles, que não tinha experiência da guerra, portanto, nenhuma decisão se tomava sem meu consentimento e os oficiais tinham ordens para me obedecer em tudo o que eu mandasse. Estando eu acostumado a ser logo preso nas mudanças de reinos, e de Estados, não estranhei que o mesmo correio que levou ao exército da Catalunha a notícia de que Portugal se livrara do jugo castelhano, trouxesse também uma ordem para me prenderem e levarem em ferros para Madrid (sem companheiros nem criados, como competia ao meu posto, antes desprovido de tudo como um vulgar criminoso), acusado de ser do partido de Dom João de Bragança. Em Madrid o desconcerto era total: no Sábado, primeiro de Dezembro, a coroa de Espanha perdera o reino de Portugal e na sexta-feira, 7 de Dezembro, perdera o principado de Catalunha. Filipe IV perdera dois reinos numa semana, sem guerra ou batalha!
– O que mais me espantou, na governação de Olivares e de Filipe – pontua o abade, quando afrouxam os risos da assistência, provocados pelas minhas palavras –, foi o seu profundo desconhecimento da alma dos povos que sujeitavam, fossem lusos, neerlandeses, catalães ou outros, menosprezando a sua isenção e esmagando os seus sentimentos de orgulho nacional.
– A arrogante Castela fez, contra as nações mais fracas que queria subjugar, uma guerra tão crua que poucas semelhantes viram os tempos. Começou em 1634 e vai ainda em aumento a febre da sua dominação.
– Por cá – volve-me Azevedo –, Miguel de Vasconcelos e Diogo Soares, os seus leais “capatazes”, asseguravam-lhes a nossa submissão, fomentando esse mundo de ilusões em que viviam. Quando este despótico triunvirato despertou da sua fantasia já era demasiado tarde.
– Apesar de se intitular Rei de Portugal, Filipe IV nunca se dignou a visitar-nos – exclamou Dom Rodrigo, com um risinho de mofa. – Por essas e outras razões, os portugueses, afrontados, passaram a coroa da cabeça dos Reis hispanos para a de um Rei natural. »
(Deana Barroqueiro - «1640» - Ed. Casa das Letras, 2017)
Não tenho o costume de recomendar a compra dos meus livros, mas os sucessos violentos em Espanha, com ao catalães revoltados a exigirem a autodeterminação e a independência (como têm feito incessantemente ao longo dos séculos), sujeitos a grande repressão, mostram como o meu romance «1640» está actualizadíssimo.
Foi, em grande parte, graças à revolta da Catalunha que Portugal ganhou a sua independência com a Restauração da Monarquia Portuguesa, em 1640, libertando-se do jugo castelhano que durava há já 60 anos e nos deixava na miséria.
O meu romance está construído segundo o modelo seiscentista de diálogos entre as personagens históricas e os seus relatos dos sucessos em que participaram ou assistiram e assenta em rigorosa investigação.
Os narradores da Restauração são o poeta aventureiro Brás Garcia de Mascarenhas (que escreveu o poema épico "Viriato Trágico"), a professa e poetiza Soror Violante do Céu, o fidalgo prosador Dom Francisco Manuel de Melo (que redigiu a história das lutas da Catalunha, em que participou do lado castelhano) e o pregador Padre António Vieira.
Deixo-vos aqui um excerto do romance em que é introduzido o tema da Catalunha. Se gostarem, porei outros. O relato é feito por Dom Francisco Manuel de Melo:
«– Dou-vos, então, o mote popular, para que o gloseis: El año de quarenta – Castilha se lamenta; el de quarenta y uno – en Portugal Castellano ninguno; el de quarenta y dos – Castilla, vete com Diós. El de quarenta y três – en Castilla Rey Portuguez.
– Do ano 40 posso dar-vos minuciosa conta, por ter participado, desde a primeira hora, nos sucessos que tanta paixão causaram a Castela – apressa-se a dizer Dom Álvaro.
Deixo escapar um queixume de amargura:
– Nessa hora, eu estava a ser um dos algozes do suplício dos catalães, enquanto mestre-de-campo ao serviço de Dom Filipe, como era exigido a todo o fidalgo e oficial do Império. El-Rei tinha-me concedido o honroso cargo de assistir ao general Dom Pedro Fajardo, marquês de Los Veles, que não tinha experiência da guerra, portanto, nenhuma decisão se tomava sem meu consentimento e os oficiais tinham ordens para me obedecer em tudo o que eu mandasse. Estando eu acostumado a ser logo preso nas mudanças de reinos, e de Estados, não estranhei que o mesmo correio que levou ao exército da Catalunha a notícia de que Portugal se livrara do jugo castelhano, trouxesse também uma ordem para me prenderem e levarem em ferros para Madrid (sem companheiros nem criados, como competia ao meu posto, antes desprovido de tudo como um vulgar criminoso), acusado de ser do partido de Dom João de Bragança. Em Madrid o desconcerto era total: no Sábado, primeiro de Dezembro, a coroa de Espanha perdera o reino de Portugal e na sexta-feira, 7 de Dezembro, perdera o principado de Catalunha. Filipe IV perdera dois reinos numa semana, sem guerra ou batalha!
– O que mais me espantou, na governação de Olivares e de Filipe – pontua o abade, quando afrouxam os risos da assistência, provocados pelas minhas palavras –, foi o seu profundo desconhecimento da alma dos povos que sujeitavam, fossem lusos, neerlandeses, catalães ou outros, menosprezando a sua isenção e esmagando os seus sentimentos de orgulho nacional.
– A arrogante Castela fez, contra as nações mais fracas que queria subjugar, uma guerra tão crua que poucas semelhantes viram os tempos. Começou em 1634 e vai ainda em aumento a febre da sua dominação.
– Por cá – volve-me Azevedo –, Miguel de Vasconcelos e Diogo Soares, os seus leais “capatazes”, asseguravam-lhes a nossa submissão, fomentando esse mundo de ilusões em que viviam. Quando este despótico triunvirato despertou da sua fantasia já era demasiado tarde.
– Apesar de se intitular Rei de Portugal, Filipe IV nunca se dignou a visitar-nos – exclamou Dom Rodrigo, com um risinho de mofa. – Por essas e outras razões, os portugueses, afrontados, passaram a coroa da cabeça dos Reis hispanos para a de um Rei natural. »
(Deana Barroqueiro - «1640» - Ed. Casa das Letras, 2017)
Published on October 17, 2019 10:04
June 7, 2019
Doc sobre os Portugueses na Etiópia
Os Portugueses na Etiópia
O documentarista francês Yves Stanger, que viveu na Etiópia e se apaixonou pela história do Pêro da Covilhã e dos portugueses do tempo de Cristóvão da Gama, que por lá ficaram a viver no século XVI, fez um filme sobre esse tema e os descendentes etíopes desses portugueses. Veio a Portugal, foi à Covilhã, indicaram-lhe o meu nome, por ter escrito um romance sobre o aventureiro - O Espião de D. João II. Conheci-o e entrei no doc. Este é o vídeo piloto do filme que, agora, vai precisar de distribuição, para ser visto em Portugal. Chamavam Oranges (Laranjas) aos portugueses, porque foram os nossos navegadores e comerciantes que introduziram as laranjas doces da China em muitos países que as desconheciam. Falado em inglês, tenho pena que não haja legendas.
The Birtukan - Mini Pilot from Dicken Marshall on Vimeo.
O documentarista francês Yves Stanger, que viveu na Etiópia e se apaixonou pela história do Pêro da Covilhã e dos portugueses do tempo de Cristóvão da Gama, que por lá ficaram a viver no século XVI, fez um filme sobre esse tema e os descendentes etíopes desses portugueses. Veio a Portugal, foi à Covilhã, indicaram-lhe o meu nome, por ter escrito um romance sobre o aventureiro - O Espião de D. João II. Conheci-o e entrei no doc. Este é o vídeo piloto do filme que, agora, vai precisar de distribuição, para ser visto em Portugal. Chamavam Oranges (Laranjas) aos portugueses, porque foram os nossos navegadores e comerciantes que introduziram as laranjas doces da China em muitos países que as desconheciam. Falado em inglês, tenho pena que não haja legendas.
The Birtukan - Mini Pilot from Dicken Marshall on Vimeo.
Published on June 07, 2019 07:44
May 31, 2019
Deana Barroqueiro na Feira do Livro
No dia 2 de Junho, das 16 às 20 horas.
Feira do Livro - Pavilhões da Editora Planeta 50 a 56Vou estar à conversa com os leitores que quiserem aparecer para falar de livros, de História e de tudo o que lhes aparecer.
aparecer. Deana Barroqueiro
Feira do Livro - Pavilhões da Editora Planeta 50 a 56Vou estar à conversa com os leitores que quiserem aparecer para falar de livros, de História e de tudo o que lhes aparecer.
aparecer. Deana Barroqueiro
Published on May 31, 2019 01:03
March 12, 2019
Congresso Internacional: Diálogos interculturais Portugal-China.
De 13 a 15 de Março. Universidade de Aveiro.
A minha comunicação vai ser no dia 15, sexta-feira, entre as 14.45 e as 16.45 h. (creio que sou a primeira oradora da mesa 21. Título: Os primeiros Portugueses na China: a admirável gastronomia do País da Cocanha.
Creio que será muitíssimo interessante e variado, a avaliar pelo Congresso anterior. Tem inúmeras conferências, actividades e espectáculos.
Universidade de Aveiro, 13-15 de Março. http://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?...
A minha comunicação vai ser no dia 15, sexta-feira, entre as 14.45 e as 16.45 h. (creio que sou a primeira oradora da mesa 21. Título: Os primeiros Portugueses na China: a admirável gastronomia do País da Cocanha.
Creio que será muitíssimo interessante e variado, a avaliar pelo Congresso anterior. Tem inúmeras conferências, actividades e espectáculos.
Universidade de Aveiro, 13-15 de Março. http://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?...
Published on March 12, 2019 07:16
February 27, 2019
Entre nós e as palavras com a escritora Deana Barroqueiro
Entre nós e as palavras com a escritora Deana Barroqueiro:
Apresentação do livro Contos Eróticos do Velho Testamento, da editora Editorial Planeta, na Biblioteca António Botto, em Abrantes, no dia 28 de Fevereiro, às 21.30 h.
Apresentação do livro Contos Eróticos do Velho Testamento, da editora Editorial Planeta, na Biblioteca António Botto, em Abrantes, no dia 28 de Fevereiro, às 21.30 h.
Published on February 27, 2019 10:45
February 15, 2019
Entrevista - Faculdade de Letras de Lisboa
"A sociedade portuguesa é aparentemente libertária, mas no fundo conservadora e hipócrita" Numa edição revista e coligida, Deana Barroqueiro publicou recentemente Contos Eróticos do Velho Testamento.
Erotismo e religião andam a par no novo livro da alumna formada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, com Deana Barroqueiro a confessar-se “profundamente ateia”. Sobre as religiões, não tem qualquer dúvida: "só trazem mal ao mundo".
Entrevista: Tiago Artilheiro (FLUL-DRE, Núcleo de Imagem, Comunicação e Relações Externas) | Fotografia: Direitos Reservados
14 Fevereiro 2019
- Porquê lançar agora uma edição revista das duas obras num só volume?
Deana Barroqueiro (DB): As obras foram primeiramente publicadas como dois livros independentes, em 2003 e 2004 - Contos Eróticos do Velho Testamento e os Novos Contos Eróticos do Velho Testamento -, depois tiveram outras edições em que os contos dos dois volumes foram coligidos num só, seguindo uma ordem cronológica, o que desvirtuava a minha intenção ao criá-los, porque as histórias das mulheres mais sofridas e dos seus dramas tinham como contrapartida as das mulheres mais fortes, de teor muito mais satírico. As edições esgotaram-se há já alguns anos e, como esses temas do abuso e violência sobre as mulheres ganharam finalmente clara visibilidade, pareceu-me oportuno regressar às origens, aproveitando para publicar as duas obras como duas partes do mesmo livro, para recuperar a intenção original e fazê-lo menos pesado para bolsa do leitor.
- Diz que a obra traz um novo olhar sobre a história e a religião. De que forma é que a obra apresenta o tal “olhar implacável das suas mulheres”?
DB: O Velho Testamento, através do Livro do Génesis (e não só dele), mostra uma visão extremamente depreciativa das mulheres, rebaixando-as ao estatuto de seres inferiores e pecaminosos, menos inteligentes do que os homens, a quem devem obediência cega, por mais infames que eles sejam. Para isso, os redactores deste livro dito sagrado, aproveitando os mitos e histórias de tradição oral dos seus povos, criaram «histórias exemplares» sobre o género feminino que, durante os milénios em que o mundo evoluiu, se mantiveram imutáveis e foram sempre evocadas pelas três principais religiões que dele saíram – Judaísmo, Islamismo e Cristianismo –, para justificarem todos os abusos e violências cometidos contra as mulheres e as forçarem à sujeição do poder masculino. São, pois, mitos adaptados, por vezes esteticamente pobres e sem verosimilhança com a realidade, visto que o que conta é a «moral da história» e não a verdade dos factos. Eu procurei transformar essas lendas e milagres em relatos históricos, como um cronista, contextualizando-os segundo a época, os costumes e a mentalidade desses povos da Antiguidade pré-clássica, que levei bastante tempo a estudar, e que são apresentados segundo o ponto de vista dessas mulheres que nunca tiveram voz. Creio que é uma visão original, pelo que os contos estão a ser estudados num curso de Estudos Bíblicos da Universidade de Minas Gerais, no Brasil.
- Há muito de violência nas histórias que dá conta no livro. Onde encontrou a dimensão erótica para lhe dar voz?
DB: As mulheres (e as crianças) eram usadas como objectos de prazer pelos homens, sobretudo se estes tinham poder, como os reis com os seus haréns, mas também como os velhos patriarcas libidinosos e hipócritas, nas suas tendas de pastores nómadas, que pregavam a virtude sem a praticarem. As mulheres não eram livres, não tinham voz nem vontade própria, então como hoje, que lhes restava, como fuga ao pesadelo, senão a imaginação e o sonho, com que atingiam o prazer dos sentidos? Sendo mulher, não foi difícil encontrar essa voz ansiosa.
- Foi fácil passar o erotismo do Velho Testamento para o conto erótico? Como foi o processo de criação?
DB: Foi muito fácil, quando, aos 55 anos, li de novo e com outro olhar, desapiedado, todo o Velho Testamento e me indignei com a moralidade hipócrita daqueles homens misóginos, que a Igreja põe num pedestal, apesar dos seus pés de barro, que viviam obcecados e aterrorizados pelo sexo, de tal modo que poucas são as histórias em que essa componente erótica não aparece. Resolvi opor a essa visão masculina, tão castradora, a das mulheres que olham os homens da mesma forma que eles as olham, mas, através das suas sensações. Uma leitura que ainda não tinha sido feita sobre a Bíblia. Perverso? Talvez, mas foi muito divertido, desconstruir os falsos mitos e milagres.
- Parece haver em casos concretos uma dimensão erótica maior naquilo que não se mostra do que naquilo que é visível… Essa também foi uma preocupação que teve, não ir tanto pelo explícito mas pelo implícito?
DB: Claro que sim, não se deve desvendar tudo, porque se perde o mistério e deixa de ter graça. Para que serviria então a imaginação do leitor? Eu quis escrever contos eróticos e não pornográficos, o que, para mim, faz toda a diferença.
- Que diferenças encontra no entendimento da sexualidade e do erotismo na Antiguidade e agora? DB: Depende do tempo e dos povos, uns eram muito mais livres do que nos nossos dias, sem esse sentimento de culpa e de pecado original (uma noção verdadeiramente aberrante) veiculada pelo Velho Testamento. Em alguns casos as mulheres tinham um estatuto idêntico ao dos homens, noutros a sociedade era patriarcal e as mulheres sofriam a mesma sujeição.
- Como observa a sociedade portuguesa neste contexto?
DB: Aparentemente libertária, no fundo conservadora e hipócrita, regida por um «politicamente correcto» que exclui a razão, e em regressão.
- A esse nível, para onde caminhamos?
DB: Não sei, dependerá da evolução dos jovens, que me parecem estar a ganhar um equilíbrio saudável, em relação ao sexo.
- Como é a sua relação com a religião? Foi catequista…
DB: Fui catequista aos 13 anos, até começar a duvidar e a descrer. Sou profundamente ateia, creio que as religiões só trazem mal ao mundo, porque não resistem às tendências fundamentalistas, que as tornam irracionais e capazes dos maiores crimes, em nome de Deus, quando o que lhes interessa, não é a fé, mas a sede de poder. Basta lembrar as lutas religiosas, através dos tempos, ou casos como a Inquisição católica, a caça às bruxas dos protestantes, o actual sonho dos judeus da Terra Prometida em Israel contra os palestinianos ou a jihad assassina e obscena dos fundamentalistas muçulmanos.
- Há cerca de um ano, contou em entrevista à FLUL que estava a “terminar um livro de culinária histórico” e “um romance com uma forma diarística e o protagonista é uma figura bastante controversa”. Está para breve a revelação destas obras ou tem em mãos outros projectos literários?
DB: A minha «história de paladares» está na fase das revisões e correcções, para sair no Outono; quanto ao diário de um descobridor, está por agora interrompido, embora fosse desejável publicá-lo na feira do livro, mas eu demoro muito tempo com a investigação dos temas, por isso duvido que isso aconteça.
Erotismo e religião andam a par no novo livro da alumna formada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras, com Deana Barroqueiro a confessar-se “profundamente ateia”. Sobre as religiões, não tem qualquer dúvida: "só trazem mal ao mundo".
Entrevista: Tiago Artilheiro (FLUL-DRE, Núcleo de Imagem, Comunicação e Relações Externas) | Fotografia: Direitos Reservados
14 Fevereiro 2019
- Porquê lançar agora uma edição revista das duas obras num só volume?
Deana Barroqueiro (DB): As obras foram primeiramente publicadas como dois livros independentes, em 2003 e 2004 - Contos Eróticos do Velho Testamento e os Novos Contos Eróticos do Velho Testamento -, depois tiveram outras edições em que os contos dos dois volumes foram coligidos num só, seguindo uma ordem cronológica, o que desvirtuava a minha intenção ao criá-los, porque as histórias das mulheres mais sofridas e dos seus dramas tinham como contrapartida as das mulheres mais fortes, de teor muito mais satírico. As edições esgotaram-se há já alguns anos e, como esses temas do abuso e violência sobre as mulheres ganharam finalmente clara visibilidade, pareceu-me oportuno regressar às origens, aproveitando para publicar as duas obras como duas partes do mesmo livro, para recuperar a intenção original e fazê-lo menos pesado para bolsa do leitor.
- Diz que a obra traz um novo olhar sobre a história e a religião. De que forma é que a obra apresenta o tal “olhar implacável das suas mulheres”?
DB: O Velho Testamento, através do Livro do Génesis (e não só dele), mostra uma visão extremamente depreciativa das mulheres, rebaixando-as ao estatuto de seres inferiores e pecaminosos, menos inteligentes do que os homens, a quem devem obediência cega, por mais infames que eles sejam. Para isso, os redactores deste livro dito sagrado, aproveitando os mitos e histórias de tradição oral dos seus povos, criaram «histórias exemplares» sobre o género feminino que, durante os milénios em que o mundo evoluiu, se mantiveram imutáveis e foram sempre evocadas pelas três principais religiões que dele saíram – Judaísmo, Islamismo e Cristianismo –, para justificarem todos os abusos e violências cometidos contra as mulheres e as forçarem à sujeição do poder masculino. São, pois, mitos adaptados, por vezes esteticamente pobres e sem verosimilhança com a realidade, visto que o que conta é a «moral da história» e não a verdade dos factos. Eu procurei transformar essas lendas e milagres em relatos históricos, como um cronista, contextualizando-os segundo a época, os costumes e a mentalidade desses povos da Antiguidade pré-clássica, que levei bastante tempo a estudar, e que são apresentados segundo o ponto de vista dessas mulheres que nunca tiveram voz. Creio que é uma visão original, pelo que os contos estão a ser estudados num curso de Estudos Bíblicos da Universidade de Minas Gerais, no Brasil.
- Há muito de violência nas histórias que dá conta no livro. Onde encontrou a dimensão erótica para lhe dar voz?
DB: As mulheres (e as crianças) eram usadas como objectos de prazer pelos homens, sobretudo se estes tinham poder, como os reis com os seus haréns, mas também como os velhos patriarcas libidinosos e hipócritas, nas suas tendas de pastores nómadas, que pregavam a virtude sem a praticarem. As mulheres não eram livres, não tinham voz nem vontade própria, então como hoje, que lhes restava, como fuga ao pesadelo, senão a imaginação e o sonho, com que atingiam o prazer dos sentidos? Sendo mulher, não foi difícil encontrar essa voz ansiosa.
- Foi fácil passar o erotismo do Velho Testamento para o conto erótico? Como foi o processo de criação?
DB: Foi muito fácil, quando, aos 55 anos, li de novo e com outro olhar, desapiedado, todo o Velho Testamento e me indignei com a moralidade hipócrita daqueles homens misóginos, que a Igreja põe num pedestal, apesar dos seus pés de barro, que viviam obcecados e aterrorizados pelo sexo, de tal modo que poucas são as histórias em que essa componente erótica não aparece. Resolvi opor a essa visão masculina, tão castradora, a das mulheres que olham os homens da mesma forma que eles as olham, mas, através das suas sensações. Uma leitura que ainda não tinha sido feita sobre a Bíblia. Perverso? Talvez, mas foi muito divertido, desconstruir os falsos mitos e milagres.
- Parece haver em casos concretos uma dimensão erótica maior naquilo que não se mostra do que naquilo que é visível… Essa também foi uma preocupação que teve, não ir tanto pelo explícito mas pelo implícito?
DB: Claro que sim, não se deve desvendar tudo, porque se perde o mistério e deixa de ter graça. Para que serviria então a imaginação do leitor? Eu quis escrever contos eróticos e não pornográficos, o que, para mim, faz toda a diferença.
- Que diferenças encontra no entendimento da sexualidade e do erotismo na Antiguidade e agora? DB: Depende do tempo e dos povos, uns eram muito mais livres do que nos nossos dias, sem esse sentimento de culpa e de pecado original (uma noção verdadeiramente aberrante) veiculada pelo Velho Testamento. Em alguns casos as mulheres tinham um estatuto idêntico ao dos homens, noutros a sociedade era patriarcal e as mulheres sofriam a mesma sujeição.
- Como observa a sociedade portuguesa neste contexto?
DB: Aparentemente libertária, no fundo conservadora e hipócrita, regida por um «politicamente correcto» que exclui a razão, e em regressão.
- A esse nível, para onde caminhamos?
DB: Não sei, dependerá da evolução dos jovens, que me parecem estar a ganhar um equilíbrio saudável, em relação ao sexo.
- Como é a sua relação com a religião? Foi catequista…
DB: Fui catequista aos 13 anos, até começar a duvidar e a descrer. Sou profundamente ateia, creio que as religiões só trazem mal ao mundo, porque não resistem às tendências fundamentalistas, que as tornam irracionais e capazes dos maiores crimes, em nome de Deus, quando o que lhes interessa, não é a fé, mas a sede de poder. Basta lembrar as lutas religiosas, através dos tempos, ou casos como a Inquisição católica, a caça às bruxas dos protestantes, o actual sonho dos judeus da Terra Prometida em Israel contra os palestinianos ou a jihad assassina e obscena dos fundamentalistas muçulmanos.
- Há cerca de um ano, contou em entrevista à FLUL que estava a “terminar um livro de culinária histórico” e “um romance com uma forma diarística e o protagonista é uma figura bastante controversa”. Está para breve a revelação destas obras ou tem em mãos outros projectos literários?
DB: A minha «história de paladares» está na fase das revisões e correcções, para sair no Outono; quanto ao diário de um descobridor, está por agora interrompido, embora fosse desejável publicá-lo na feira do livro, mas eu demoro muito tempo com a investigação dos temas, por isso duvido que isso aconteça.
Published on February 15, 2019 18:00
February 12, 2019
Biblioteca ESLC: Mesa Redonda: O Mar na Ciência e na Literatura
Amanhã, 13 de Fevereiro, pelas 10 horas, vou participar numa mesa redonda, com dois cientistas, na Escola Secundária Leal da Câmara, no âmbito de um projecto sobre a sustentabilidade dos Oceanos. A escola escolhe também o meu romance O Corsário dos Sete Mares - Fernão Mendes Pinto para o concurso de leitura.
Biblioteca ESLC: Mesa Redonda: O Mar na Ciência e na Literatura: Na próxima quarta-feira, 13 de fevereiro, decorre na escola a mesa redonda «O Mar na Ciência e na Literatura». A atividade acontece no âm...
Biblioteca ESLC: Mesa Redonda: O Mar na Ciência e na Literatura: Na próxima quarta-feira, 13 de fevereiro, decorre na escola a mesa redonda «O Mar na Ciência e na Literatura». A atividade acontece no âm...
Published on February 12, 2019 08:26
Author's Central Page
Biography in English
amazon.com/author/deana.barroqueiro Biography in English
amazon.com/author/deana.barroqueiro ...more
amazon.com/author/deana.barroqueiro Biography in English
amazon.com/author/deana.barroqueiro ...more
- Deana Barroqueiro's profile
- 50 followers

