Deana Barroqueiro's Blog: Author's Central Page, page 22
March 30, 2018
Cenas adaptadas do meu romance por João Botelho no seu filme Peregrinação
As principais cenas de O Corsário dos Sete Mares que João Botelho adaptou no seu filme Peregrinação:
1. Não há nenhuma namorada ou amante de Pinto na sua obra, só existem no meu romance (exceptuando a rainha da Etiópia).
2. A violação da chinesa, por António de Faria, não existe de todo na Peregrinação – refere-se ao cap. 47, o episódio da «noiva roubada», que é levada com os irmãos meninos para ser vendida ou resgatada por dinheiro, como era costume. Como o seu destino ficava em aberto eu parti deste episódio para ficcionar uns supostos amores de Pinto que a compra aos companheiros e, despeitado pelo seu desprezo, acaba por a violar, algum tempo depois, no barco.
3. A personagem da amante chinesa, assim como o nome Meng e os seus amores, inventei-os, a partir da menção feita por Pinto aos filhos do português Vasco Calvo - «dois meninos e duas moças” -, no cap. 116 da sua Peregrinação. Ora a cena que se vê no filme de «Meng» com uma bacia de água perfumada de flores (na foto), a lavar as cicatrizes que Pinto tem nas costas, das chicotadas na prisão, é um dos episódios do meu romance que considero melhor conseguidos. A diferença é que João Botelho coloca a cena em Pequim e não na aldeia onde vão viver os portugueses junto à muralha da China, como condenados a trabalhos forçados)
4. Em Pequim, a cena da filha do «monteo», o capitão chinês que vai levar Pinto e os companheiros para a Muralha da China. A moça toca e canta e convive com Pinto, ensinando-o a ler mandarim. Nada disto existe na Peregrinação, não há referência a qualquer filha, mas apenas à “mulher do monteo”. No meu romance inventei esta personagem e estas cens, incluindo poemas e canções chinesas, de que fiz a tradução.
5. As cenas das prostituas também não existem na Peregrinação e sim no meu livro, permitindo-me criar episódios cómicos com elas.
– A fala da prostituta a Cristóvão Borralho sobre o Yin e Yang no sexo (obra citada Cap. X), a menção ao Mercado dos Cavalos Magros, etc., são do meu romance.
6. Na obra de FMP, nos episódios do Japão, não existe qualquer referência ao suposto casamento de Fernão ou de Zeimoto, nem a Wakasa, que eu encontrei em outras fontes japonesas, depois de grande pesquisa. Ficcionei a história desse casamento, com a ida da personagem ao barco, fazendo dela uma espécie de Madame Butterfly.
7. No filme, Fernão narra a sua 1ª viagem, ainda adolescente, quando servia em casa de uma senhora e teve de fugir para salvar a vida. Apenas isto. Os amores adúlteros e o assassínio da Senhora, Joana Aires da Silva e de Manuel Freire, o amante, são do meu romance, cuja fonte foram arquivos sobre um escândalo da época. Botelho leva este episódio para o seu filme, embora fazendo de Pinto um 2º amante, a quem a senhora pede que leve um recado … ao amante Manuel Freire.
8. Na entrevista a Nuno Pacheco, Botelho refere-se à magia do número nove, embora cometendo uma imprecisão, que é um leitmotiv no meu romance.
Uma das cenas tirada em pormenor do meu romance (inexistente na Peregrinação)
1. Não há nenhuma namorada ou amante de Pinto na sua obra, só existem no meu romance (exceptuando a rainha da Etiópia).
2. A violação da chinesa, por António de Faria, não existe de todo na Peregrinação – refere-se ao cap. 47, o episódio da «noiva roubada», que é levada com os irmãos meninos para ser vendida ou resgatada por dinheiro, como era costume. Como o seu destino ficava em aberto eu parti deste episódio para ficcionar uns supostos amores de Pinto que a compra aos companheiros e, despeitado pelo seu desprezo, acaba por a violar, algum tempo depois, no barco.
3. A personagem da amante chinesa, assim como o nome Meng e os seus amores, inventei-os, a partir da menção feita por Pinto aos filhos do português Vasco Calvo - «dois meninos e duas moças” -, no cap. 116 da sua Peregrinação. Ora a cena que se vê no filme de «Meng» com uma bacia de água perfumada de flores (na foto), a lavar as cicatrizes que Pinto tem nas costas, das chicotadas na prisão, é um dos episódios do meu romance que considero melhor conseguidos. A diferença é que João Botelho coloca a cena em Pequim e não na aldeia onde vão viver os portugueses junto à muralha da China, como condenados a trabalhos forçados)
4. Em Pequim, a cena da filha do «monteo», o capitão chinês que vai levar Pinto e os companheiros para a Muralha da China. A moça toca e canta e convive com Pinto, ensinando-o a ler mandarim. Nada disto existe na Peregrinação, não há referência a qualquer filha, mas apenas à “mulher do monteo”. No meu romance inventei esta personagem e estas cens, incluindo poemas e canções chinesas, de que fiz a tradução.
5. As cenas das prostituas também não existem na Peregrinação e sim no meu livro, permitindo-me criar episódios cómicos com elas.
– A fala da prostituta a Cristóvão Borralho sobre o Yin e Yang no sexo (obra citada Cap. X), a menção ao Mercado dos Cavalos Magros, etc., são do meu romance.
6. Na obra de FMP, nos episódios do Japão, não existe qualquer referência ao suposto casamento de Fernão ou de Zeimoto, nem a Wakasa, que eu encontrei em outras fontes japonesas, depois de grande pesquisa. Ficcionei a história desse casamento, com a ida da personagem ao barco, fazendo dela uma espécie de Madame Butterfly.
7. No filme, Fernão narra a sua 1ª viagem, ainda adolescente, quando servia em casa de uma senhora e teve de fugir para salvar a vida. Apenas isto. Os amores adúlteros e o assassínio da Senhora, Joana Aires da Silva e de Manuel Freire, o amante, são do meu romance, cuja fonte foram arquivos sobre um escândalo da época. Botelho leva este episódio para o seu filme, embora fazendo de Pinto um 2º amante, a quem a senhora pede que leve um recado … ao amante Manuel Freire.
8. Na entrevista a Nuno Pacheco, Botelho refere-se à magia do número nove, embora cometendo uma imprecisão, que é um leitmotiv no meu romance.
Uma das cenas tirada em pormenor do meu romance (inexistente na Peregrinação)
Published on March 30, 2018 03:04
A minha resposta a João Botelho
Lisboa, 13 de Dezembro 2017Excelentíssimo Sr. João Botelho:Confesso que aguardava por um pedido de desculpa da sua parte, porque o aprecio como realizador, admiro o seu trabalho de adaptação cinematográfica de obras literárias portuguesas e sempre o considerei uma pessoa de princípios. Por isso, estranhei que, estando em falta para comigo, preferisse entregar um assunto tão delicado a outrem, em vez de o fazer pessoalmente.
E, de novo, por via indirecta, em terceira mão, me chegou a sua mensagem. É um bonito texto, literário mesmo, escrito com aquela subtilíssima ironia que faz o seu encanto, nas entrevistas. Fez-me pensar naqueles versos que ambos conhecemos bem, «O poeta é um fingidor/ finge tão completamente»… Porque é difícil de crer no que diz, quando tudo o que fez o contradiz.
A sua justificação de que não me conseguiu contactar nem à editora LEYA é inverosímil, bastava que algum dos seus ajudantes pusesse o meu nome no Google e acharia diversos meios para o fazer – sou figura pública, tenho blogues, várias páginas no facebook, e-mails e telefones e passo meses sem sair de casa, a escrever; do mesmo modo, a Leya não é uma editora de vão de escada, que não atende o telefone.
Quanto a pensar que eu pudesse estar nos EUA, também me custa a crer, pois o romance que usou traz a minha biografia na badana ou, ainda, bastava pôr o meu nome no Google, para me ver no activo. Além disso, João Botelho, se eu vivesse na América, o senhor não se atreveria a usar a minha obra do modo como o fez, porque lá os direitos de autor são sagrados. Em Portugal, as leis existem, mas só são cumpridas por alguns.
Se me tivesse falado do seu desejo de usar o meu livro como uma das fontes do filme, eu teria ficado desvanecida com a honra e nunca deixaria a editora pedir-lhe direitos de autor, nem ela tinha intenção disso. Bastava-nos que fizesse o que é costume e a ética impõe, quando se usa a obra de outrem, sobretudo se o autor ainda está vivo (e eu, ao contrário do Aquilino, ainda estou viva e lúcida). Ou seja, citar o título da obra e o autor nos materiais de promoção, cartazes, DVDs, documentos e também nas entrevistas em que se fale das fontes, como seguramente sabe.
Nada disto aconteceu. Fui alertada por leitores que comentaram a “adaptação cinematográfica do Corsário dos Sete Mares”, convencidos de que o realizador usara o meu romance e que eu sabia. Perplexa, fui pesquisar na internet. O primeiro texto/entrevista que li foi o de Nuno Pacheco, no Ípsilon. E passei da admiração ao pasmo. O senhor fala das personagens que eu inventei no meu romance, como se fossem da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. E refere como fontes a obra do próprio aventureiro, as canções do Fausto e a adaptação do Aquilino, de onde tirou a conhecida e rebatida ideia do alter ego de Fernão, sem nunca mencionar o meu livro, que tantas personagens e ideias lhe deu.
Vi e li mais textos, entrevistas e vídeos, com o mesmo resultado. O senhor nunca menciona o meu romance e tem falado sempre das minhas personagens, cenas e ideias, como se fossem suas ou da Peregrinação de FMP, mostrando, desculpe-me que lhe diga, conhecer muito mal esta obra. Eu, pelo contrário, conheço-a “como as minhas mãos” por a ter lido quatro vezes na íntegra e ter trabalhado nela e no meu livro quase cinco anos. Com o aplauso de jornalistas que nunca a leram nem ao meu livro e propagam o erro.
Tão reiterada é esta atitude, João Botelho, que contraria claramente a sua afirmação de querer “reparar um mal e, ao mesmo tempo, agradecer tardiamente um bem”, apesar da beleza poética da frase. Contudo, justiça poética, apesar de doce, não me consola.
Vi o filme, de que gostei bastante, mas fiquei com a sensação de que o senhor seguiu mais de perto o guião do meu romance (porque de um guião se trata) do que o da Peregrinação, que é confuso e de tal maneira intrincado, que me levou muitíssimo tempo a destrinçar.
Em O Corsário dos Sete Mares, a tarefa de desbravamento está, portanto, simplificada, com todos os erros e falhas corrigidos: dividido em mares, os episódios desenrolando-se em cenas, com diálogos, monólogos/pensamentos e flashbacks das personagens, tanto da obra de FMP, como ficcionados por mim, a partir de meras sugestões, como a de Joana e de Manuel Freire – enfim, um trabalho fácil de transpor para o cinema, como são todos os meus romances dos Descobrimentos.
Sabe bem que não foram apenas as cenas da China que adaptou do meu romance ou nas quais se inspirou, João Botelho. A japonesa Wakasa também não existe na Peregrinação, foi com muita pesquisa que encontrei a história e as crónicas japonesas, ficcionei o seu casamento com Fernão, fazendo dela uma espécie de Madame Butterfly. E a “Senhora” adúltera foi também uma ficção minha a partir de um crime do tempo, que encontrei num arquivo e numa genealogia. Até o “número mágico nove”, de que fala nas entrevistas, é o leit-motiv do meu livro. Não tenho acesso ao seu guião original, mas, quando o filme aparecer em DVD, vou poder compará-lo em pormenor, com a Peregrinação de FMP e com o meu romance, para tirar teimas.
Assim, é de facto muitíssimo pouco o seu reconhecimento. No fim da ficha técnica, na penúltima entrada, a dos agradecimentos, mal consegui ler o meu nome envergonhado. Para se salvaguardar, talvez, de uma natural reacção da editora ou da autora. Os textos de Fausto são identificados, os meus não. Não estranhe que eu me sinta usada por si.
O filme vai ser passado para as escolas, apresentando aos alunos muitas cenas de O Corsário dos Sete Mares, de Deana Barroqueiro, como se pertencessem à Peregrinação de Pinto, o que é nocivo e antipedagógico, uma coisa que, enquanto professora, com 35 anos de serviço, não posso aceitar.
Se, de facto, pretende «reparar um mal e, ao mesmo tempo, agradecer tardiamente um bem», João Botelho, faça-me a justiça de indicar a minha obra como uma das suas fontes. Ainda está muito a tempo de reparar a injustiça. Se não o fizer, saberei que agiu, conscientemente, de má-fé.
Tenho muitos milhares de leitores, o seu filme até seria beneficiado por essa indicação. Aliás, com a cinta que a editora vai pôr no romance, o senhor irá lucrar muito mais com a publicidade do que eu. Chama-se a isto pagar o mal com o bem.
Atentamente
Deana Barroqueiro
E, de novo, por via indirecta, em terceira mão, me chegou a sua mensagem. É um bonito texto, literário mesmo, escrito com aquela subtilíssima ironia que faz o seu encanto, nas entrevistas. Fez-me pensar naqueles versos que ambos conhecemos bem, «O poeta é um fingidor/ finge tão completamente»… Porque é difícil de crer no que diz, quando tudo o que fez o contradiz.
A sua justificação de que não me conseguiu contactar nem à editora LEYA é inverosímil, bastava que algum dos seus ajudantes pusesse o meu nome no Google e acharia diversos meios para o fazer – sou figura pública, tenho blogues, várias páginas no facebook, e-mails e telefones e passo meses sem sair de casa, a escrever; do mesmo modo, a Leya não é uma editora de vão de escada, que não atende o telefone.
Quanto a pensar que eu pudesse estar nos EUA, também me custa a crer, pois o romance que usou traz a minha biografia na badana ou, ainda, bastava pôr o meu nome no Google, para me ver no activo. Além disso, João Botelho, se eu vivesse na América, o senhor não se atreveria a usar a minha obra do modo como o fez, porque lá os direitos de autor são sagrados. Em Portugal, as leis existem, mas só são cumpridas por alguns.
Se me tivesse falado do seu desejo de usar o meu livro como uma das fontes do filme, eu teria ficado desvanecida com a honra e nunca deixaria a editora pedir-lhe direitos de autor, nem ela tinha intenção disso. Bastava-nos que fizesse o que é costume e a ética impõe, quando se usa a obra de outrem, sobretudo se o autor ainda está vivo (e eu, ao contrário do Aquilino, ainda estou viva e lúcida). Ou seja, citar o título da obra e o autor nos materiais de promoção, cartazes, DVDs, documentos e também nas entrevistas em que se fale das fontes, como seguramente sabe.
Nada disto aconteceu. Fui alertada por leitores que comentaram a “adaptação cinematográfica do Corsário dos Sete Mares”, convencidos de que o realizador usara o meu romance e que eu sabia. Perplexa, fui pesquisar na internet. O primeiro texto/entrevista que li foi o de Nuno Pacheco, no Ípsilon. E passei da admiração ao pasmo. O senhor fala das personagens que eu inventei no meu romance, como se fossem da Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto. E refere como fontes a obra do próprio aventureiro, as canções do Fausto e a adaptação do Aquilino, de onde tirou a conhecida e rebatida ideia do alter ego de Fernão, sem nunca mencionar o meu livro, que tantas personagens e ideias lhe deu.
Vi e li mais textos, entrevistas e vídeos, com o mesmo resultado. O senhor nunca menciona o meu romance e tem falado sempre das minhas personagens, cenas e ideias, como se fossem suas ou da Peregrinação de FMP, mostrando, desculpe-me que lhe diga, conhecer muito mal esta obra. Eu, pelo contrário, conheço-a “como as minhas mãos” por a ter lido quatro vezes na íntegra e ter trabalhado nela e no meu livro quase cinco anos. Com o aplauso de jornalistas que nunca a leram nem ao meu livro e propagam o erro.
Tão reiterada é esta atitude, João Botelho, que contraria claramente a sua afirmação de querer “reparar um mal e, ao mesmo tempo, agradecer tardiamente um bem”, apesar da beleza poética da frase. Contudo, justiça poética, apesar de doce, não me consola.
Vi o filme, de que gostei bastante, mas fiquei com a sensação de que o senhor seguiu mais de perto o guião do meu romance (porque de um guião se trata) do que o da Peregrinação, que é confuso e de tal maneira intrincado, que me levou muitíssimo tempo a destrinçar.
Em O Corsário dos Sete Mares, a tarefa de desbravamento está, portanto, simplificada, com todos os erros e falhas corrigidos: dividido em mares, os episódios desenrolando-se em cenas, com diálogos, monólogos/pensamentos e flashbacks das personagens, tanto da obra de FMP, como ficcionados por mim, a partir de meras sugestões, como a de Joana e de Manuel Freire – enfim, um trabalho fácil de transpor para o cinema, como são todos os meus romances dos Descobrimentos.
Sabe bem que não foram apenas as cenas da China que adaptou do meu romance ou nas quais se inspirou, João Botelho. A japonesa Wakasa também não existe na Peregrinação, foi com muita pesquisa que encontrei a história e as crónicas japonesas, ficcionei o seu casamento com Fernão, fazendo dela uma espécie de Madame Butterfly. E a “Senhora” adúltera foi também uma ficção minha a partir de um crime do tempo, que encontrei num arquivo e numa genealogia. Até o “número mágico nove”, de que fala nas entrevistas, é o leit-motiv do meu livro. Não tenho acesso ao seu guião original, mas, quando o filme aparecer em DVD, vou poder compará-lo em pormenor, com a Peregrinação de FMP e com o meu romance, para tirar teimas.
Assim, é de facto muitíssimo pouco o seu reconhecimento. No fim da ficha técnica, na penúltima entrada, a dos agradecimentos, mal consegui ler o meu nome envergonhado. Para se salvaguardar, talvez, de uma natural reacção da editora ou da autora. Os textos de Fausto são identificados, os meus não. Não estranhe que eu me sinta usada por si.
O filme vai ser passado para as escolas, apresentando aos alunos muitas cenas de O Corsário dos Sete Mares, de Deana Barroqueiro, como se pertencessem à Peregrinação de Pinto, o que é nocivo e antipedagógico, uma coisa que, enquanto professora, com 35 anos de serviço, não posso aceitar.
Se, de facto, pretende «reparar um mal e, ao mesmo tempo, agradecer tardiamente um bem», João Botelho, faça-me a justiça de indicar a minha obra como uma das suas fontes. Ainda está muito a tempo de reparar a injustiça. Se não o fizer, saberei que agiu, conscientemente, de má-fé.
Tenho muitos milhares de leitores, o seu filme até seria beneficiado por essa indicação. Aliás, com a cinta que a editora vai pôr no romance, o senhor irá lucrar muito mais com a publicidade do que eu. Chama-se a isto pagar o mal com o bem.
Atentamente
Deana Barroqueiro
Published on March 30, 2018 03:01
Reconheceram o plágio...com reservas e arrogância
Nos contactos com a editora (nunca comigo) os produtores "concederam-me o favor" (como se o acto abusivo fosse meu), de permitir que a Leya pusesse uma cinta nos exemplares do meu romance indicando que o cineasta adaptara algumas cenas dele. Não podem negar aquelas que não existem na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, embora procurem fugir ao facto de que, mesmo as partes que são da obra renascentista, estão todas no meu livro (assim, só tiravam algumas?). Aliás, em todas as entrevistas que deu, João Botelho comete erros de palmatória sobre a obra de Pinto, confundindo-o com o meu romance, o que mostra não ter lido de facto a Peregrinação, mas o meu livro.
Published on March 30, 2018 02:58
João Botelho reconheceu o plágio, mas não fez nada para o corrigir
Esta é a "carta" de João Botelho, à qual respondi. Não se deu ao trabalho de me escrever uma carta privada, mandou-me a mensagem num email que a Produção enviou à representante da minha editora para que ma enviassem. Eles diziam que se queriam reunir comigo, mas nunca o fizeram, apenas trataram com a Leya. Como foi uma mensagem em quarta mão, e não uma carta privada, aqui deixo o email:
From: Ar de Filmes Lda [mailto:ardefilmesgeral@gmail.com]
Subject: Re: PEREGRINAÇÃO e o livro CORSÁRIO DOS SETE MARES (nova proposta para a cinta do livro)
Cara Helena, pediu-me o realizador João Botelho para que transmitisse o seguinte texto à autora Deana Barroqueiro,"Excelentíssima Senhora,Escrevo-lhe para reparar um mal e, ao mesmo tempo, agradecer tardiamente um bem.
Sou o autor do filme "Peregrinação" e durante meses nesta "arte de vampiro" que é afinal o cinema, li, consultei, adaptei e rescrevi cenas para a minha curta adaptação da vida e do livro de viagens de Fernão Mendes Pinto. Na verdade o seu romance, o Corsário dos Sete Mares, foi forte inspiração para algumas cenas do filme, as da China.
Tentei contactar a editora e não consegui, à primeira e à segunda e pensei que a Dr. Deana Barroqueiro ainda estivesse nos E.U.A. É evidente que devia ter insistido três, quatro vezes. Mas meteu-se a produção - trabalhosa, longa e difícil. Tive o cuidado de colocar em primeiro lugar dos agradecimentos, no genérico final do filme, o seu nome. É pouco, eu sei.
Eu e o produtor aceitamos a sugestão da sua editora para colocar uma cinta com os dizeres: "Inclui episódios adaptados do romance O Corsário dos Sete Mares".
Perdoe-me.
Com os meus respeitosos cumprimentos e sobretudo agradecimentos tardios,
João Botelho"Obrigado pela atenção,
Cumprimentos,
Pedro Augusto Almeida
Produção
91 302 07 05Meus amigos e amigas, isto parece-vos um pedido de desculpa sincero ou uma troça e um insulto à minha inteligência?
Deana Barroqueiro
From: Ar de Filmes Lda [mailto:ardefilmesgeral@gmail.com]
Subject: Re: PEREGRINAÇÃO e o livro CORSÁRIO DOS SETE MARES (nova proposta para a cinta do livro)
Cara Helena, pediu-me o realizador João Botelho para que transmitisse o seguinte texto à autora Deana Barroqueiro,"Excelentíssima Senhora,Escrevo-lhe para reparar um mal e, ao mesmo tempo, agradecer tardiamente um bem.
Sou o autor do filme "Peregrinação" e durante meses nesta "arte de vampiro" que é afinal o cinema, li, consultei, adaptei e rescrevi cenas para a minha curta adaptação da vida e do livro de viagens de Fernão Mendes Pinto. Na verdade o seu romance, o Corsário dos Sete Mares, foi forte inspiração para algumas cenas do filme, as da China.
Tentei contactar a editora e não consegui, à primeira e à segunda e pensei que a Dr. Deana Barroqueiro ainda estivesse nos E.U.A. É evidente que devia ter insistido três, quatro vezes. Mas meteu-se a produção - trabalhosa, longa e difícil. Tive o cuidado de colocar em primeiro lugar dos agradecimentos, no genérico final do filme, o seu nome. É pouco, eu sei.
Eu e o produtor aceitamos a sugestão da sua editora para colocar uma cinta com os dizeres: "Inclui episódios adaptados do romance O Corsário dos Sete Mares".
Perdoe-me.
Com os meus respeitosos cumprimentos e sobretudo agradecimentos tardios,
João Botelho"Obrigado pela atenção,
Cumprimentos,
Pedro Augusto Almeida
Produção
91 302 07 05Meus amigos e amigas, isto parece-vos um pedido de desculpa sincero ou uma troça e um insulto à minha inteligência?
Deana Barroqueiro
Published on March 30, 2018 02:47
Silêncio cúmplice dos jornalistas face ao plágio de João Botelho
Os nossos jornalistas preferem manter o erro a reconhecer que erraram, mesmo quando prejudicam outros, como neste uso indevido da minha propriedade intelectual e dos meus direitos de autor.
Quando o cineasta João Botelho adaptou, no seu Peregrinação, parte do meu romance O Corsário dos Sete Mares, em vez da obra do Fernão Mendes Pinto, sem autorização minha ou da editora, em todas as entrevistas que deu falou do meu livro e das cenas que eu inventei como se fossem da obra do aventureiro ou de sua própria invenção (referindo as minhas personagens fictícias pelo nome e tudo o mais). Os jornalistas dos vários "media" (incluindo os do JL, o jornal literário de referência) propagaram entusiasticamente a fraude, porque desconheciam a "Peregrinação" do Fernão Mendes Pinto (um dos maiores clássicos da Literatura Portuguesa), assim como o meu romance.
Eu e a editora enviamos cartas a todos os jornalistas/críticos que tinham sido enganados, enviando-lhes o meu romance e os detalhes dos episódios "adaptados" (mais de metade do filme). Pois , de entre tantos, só Nuno Pacheco teve a cortesia e a honestidade intelectual de me responder. Os outros preferiram calar-se e ignorar-me, porque se me respondessem teriam de dar a mão à palmatória pela sua ignorância e mau jornalismo.
Esta foi a pior "subvalorização" que me fizeram os "media", porque é crime punido por lei, embora se safem porque a nossa Justiça não funciona.
Quando o cineasta João Botelho adaptou, no seu Peregrinação, parte do meu romance O Corsário dos Sete Mares, em vez da obra do Fernão Mendes Pinto, sem autorização minha ou da editora, em todas as entrevistas que deu falou do meu livro e das cenas que eu inventei como se fossem da obra do aventureiro ou de sua própria invenção (referindo as minhas personagens fictícias pelo nome e tudo o mais). Os jornalistas dos vários "media" (incluindo os do JL, o jornal literário de referência) propagaram entusiasticamente a fraude, porque desconheciam a "Peregrinação" do Fernão Mendes Pinto (um dos maiores clássicos da Literatura Portuguesa), assim como o meu romance.
Eu e a editora enviamos cartas a todos os jornalistas/críticos que tinham sido enganados, enviando-lhes o meu romance e os detalhes dos episódios "adaptados" (mais de metade do filme). Pois , de entre tantos, só Nuno Pacheco teve a cortesia e a honestidade intelectual de me responder. Os outros preferiram calar-se e ignorar-me, porque se me respondessem teriam de dar a mão à palmatória pela sua ignorância e mau jornalismo.
Esta foi a pior "subvalorização" que me fizeram os "media", porque é crime punido por lei, embora se safem porque a nossa Justiça não funciona.
Published on March 30, 2018 02:43
March 22, 2018
29º Colóquio da Lusofonia - Belmonte
Apresentação do romance «1640», no Centro Cultural de Belmonte, 28 de Março (4ª feira), às 16.40 h.A convite da Câmara Municipal de Belmonte, irei apresentar o meu novo livro e falar do romance histórico, no âmbito do 29º Colóquio da Lusofonia
Published on March 22, 2018 06:10
February 1, 2018
Entrevista para Alumni - Faculdade de Letras de Lisboa
Escrever romance histórico é um óptimo pretexto para continuar a estudar" Entrevistas 01 fevereiro 2018O período da Restauração está na base do último romance da alumna Deana Barroqueiro. Porque diz que é difícil "escrever em poucas páginas", acaba de lançar 1640, com quase 900. Antiga aluna do curso de Filologia Românica da FLUL, diz que o romance histórico é o que prefere e onde quer ficar. Para 1640 investigou. Muito. Mas revela que a tão recente troika também a ajudou a criar. Os quatro guias que escolheu para personagens fazem o resto.Deana Barroqueiro escreveu, escreveu, garantindo que foi o romance que lhe disse onde e quando devia parar. A conversa com o FLUL Alumni foi igual, só parando quando chegámos às recordações da FLUL.Entrevista: Tiago Artilheiro | Fotografia: Direitos Reservados
Porque é que se interessou pelo período da Restauração? Onde encontrou a inspiração? Deana Barroqueiro (DB): Escrevi o primeiro romance histórico de grande fôlego, D. Sebastião e o Vidente, em 2006, que terminava com o desastre de Alcácer Quibir, um momento negro na História de Portugal, a que se seguiu a perda da nacionalidade sob o domínio espanhol. Começava, então, a sentir que o projecto europeu não se estava a concretizar do modo como fora sonhado e que, apesar de alguns benefícios, Portugal perdera muito da sua autonomia enquanto nação. Talvez fosse isso que me levou a pensar no tema do Sebastianismo, recorrente nos tempos de crise em Portugal, e em Brás Garcia Mascarenhas, um herói da Restauração, poeta e autor “Viriato Trágico”, a suspirar pela independência. Como levo sempre muito tempo de preparação e estudo para cada romance, cheguei a 2011 apenas com um esboço da vida do poeta épico seiscentista. Com a vinda da fatídica troika, sofri com a humilhação a que ela nos sujeitou, enquanto povo, e isso fez-me ver como a História se repete, embora em diferentes moldes ou circunstâncias. Senti que o tema da Restauração podia servir de metáfora para o período cinzento que atravessávamos, um grito de revolta e um aceno de esperança. E o romance começou a tomar forma.
Demonstra ter um domínio concreto a nível histórico. Ficou “doutorada” neste período?DB: Fui, durante 35 anos, professora de Língua e Literatura Portuguesa, no tempo em que os programas do ensino secundário eram bastante exigentes e muito vastos, passando por todas as épocas e períodos literários. Assim, para ensinar bem a Literatura, tinha de estudar História, para poder dar aos alunos o enquadramento necessário à sua melhor compreensão. Sempre tive uma curiosidade insaciável e um desejo imenso de aprender, até hoje não parei de estudar e, como tenho 72 anos, fui adquirindo uma boa bagagem.
Temos 4 personagens guias no livro. Em que medida cada uma das personagens é o melhor cicerone pelo período de 50 anos (1617-1667) que o livro aborda?DB: Creio que cada uma delas cumpre o seu papel, que é o de apresentarem perspectivas “angulares” e diferentes pontos de vista, que todavia se cruzam e se completam, sobre os sucessos e os actantes daqueles 50 anos tão caóticos e contraditórios, mas também tão vívidos e apaixonantes. O Poeta Brás com a sua vida aventurosa de homiziado narra sucessos de Espanha e Brasil; a Professa-poetisa, Violante do Céu revolta-se contra a ingrata condição da mulher seiscentista e mostra a vivência licenciosa dos conventos; o Prosador D. Francisco Manuel de Melo, fidalgo e militar, dá testemunho dos conflitos e guerras de Espanha com a Europa; por último, o grande Pregador, padre António Vieira, com a sua activa participação na política portuguesa, mostra as relações diplomáticas de Portugal com as outras nações europeias. Deste modo, os guias fornecem aos leitores um conhecimento multifacetado da época, que é a mais-valia do romance histórico, face aos outros tipos de romance.
Os seus livros têm sempre personagens muito vivas. Muitas vezes heróis…DB: Quando comecei a escrever romances, iniciei-me com um projecto que pretendia criar uma saga de aventuras, à maneira de Emílio Salgari, com figuras reais portuguesas, destinado a um público-alvo de jovens pré-universitários e universitários. O período dos Descobrimentos é um inesgotável manancial de “heróis”, ou pelo menos, de figuras singulares, com vivências mais fabulosas do que a própria ficção. Escrevi sete romances, mas desisti, quando uma jornalista, que fazia crítica literária no extinto Mil Folhas, disse que não sabia como havia de classificar os meus romances, se para crianças se para adultos. Ora, se, em vez de escritora portuguesa, eu fosse a J. P. Rowling, tal questão não se punha, seria até uma virtude… Passei a escrever para adultos.
Escreve livros grandes… 1640 tem quase 900 páginas. Escreve de seguida? Como fez para não perder o fio condutor?DB: É impossível, pelo menos para mim, escrever sobre temas ou períodos da História de Portugal, que é riquíssima, em poucas páginas; só a contextualização dos lugares, ambientes, personagens, se for feita com algum pormenor, consome muito espaço. Não escrevo de seguida, concebo os meus romances como puzzles, complexos, por vezes labirínticos, para os quais preciso de encontrar as peças certas, as que se encaixam harmoniosamente no todo, sem serem forçadas. Estou sempre a reler, a fazer e a desmanchar, à medida que vou estudando, procurando e descobrindo, num mar de histórias, a tal peça que o livro aceita, porque é o romance que me comanda e que só termina quando se dá por satisfeito e já não me permite escrever sequer uma palavra.
Porque é que só escreve romances históricos?DB: Quando me aposentei e quis retomar a minha escrita, que abandonara para me dedicar ao ensino, percebi que o meu cérebro era uma espécie de biblioteca virtual com uma imensidade de livros sobre variadíssimos temas, sobretudo de Literatura e História, cujo conhecimento eu poderia partilhar com outros. E os portugueses sabiam tão pouco da sua História e do seu passado colectivo, que seria um desafio despertar-lhes a curiosidade e o interesse. Por outro lado, escrever romance histórico é um óptimo pretexto para continuar a estudar. E assim foi…
O historiador francês Paul Veyne disse que “a história é uma narrativa de eventos: tudo o resto resulta disso; o vivido, tal como sai das mãos do historiador, não é dos actores; é uma narração”. É assim que encara a actividade literária? Acontece o mesmo com o escritor?DB: O historiador, quando interpreta os documentos em papel, pedra, etc., também ficciona os factos esbatidos pela poeira do tempo, não está isento de subjectividade, sobretudo quando trata de épocas pouco documentadas. Mesmo quando se limita a uma árida transcrição de datas e informações de sucessos, o que pouco mostra sobre o pulsar da vida dos seus actantes. O escritor de romance histórico é muito mais livre, não tem que reinterpretar ou reconstituir a História, segundo o ditame da verdade. O romance é, antes de mais, uma criação estética, com fim lúdico, destinada a dar prazer ao leitor. Contudo, isso não deve significar ignorância, facilitismo ou desleixo do autor, em relação ao tema e matéria que vai tratar. O escritor deve ter um “espírito histórico”, como diz Miguel Real, um grande domínio dos factos históricos da época narrada, das formas de representação e governo, dos conflitos políticos e institucionais”, dos seus ritos e mitos, dos costumes, das mentalidades, da vivência quotidiana, do léxico da época. Só assim, o romance se fará eco das múltiplas verdades e perspectivas sobre os factos históricos. É uma questão de honestidade intelectual e de respeito pelo leitor, o que nem sempre acontece.
O que é que encontra no Renascimento e nos Descobrimentos que não encontra noutros períodos?
DB: No Renascimento, a arte, a abertura do espírito para as novas ideias (que a Inquisição sufocou posteriormente), a plêiade de escritores, cientistas e estadistas que fizeram do século XVI, o século de ouro português. Era tudo novo: novos mundos, novas ciências, novas gentes, novas artes, nova História. A Literatura moderna nascia, os escritores eram originais. Nós agora já não inventamos nada, copiamos ou dizemos de outra maneira o que eles disseram, quando não destruímos o que eles criaram de raiz. Os Descobrimentos ou Expansão Marítima Portuguesa, apesar de todos os aspectos negativos que lhes queiramos assacar, foram a Grande Aventura do Desconhecido, uma longa saga de coragem e desafio da morte, a busca do conhecimento e a sua contribuição para a transformação da Europa, influenciando outras nações em todos os continentes. Sem os Descobrimentos Portugueses, o mundo hoje seria outro. Melhor ou pior? Não sei. Diferente, seguramente.
Sei que este não é o ponto final na série sobre o período da Restauração… Que livro se vai seguir?DB: Penso escrever sobre os filhos de D. João IV, para dar aos meus leitores uma perspectiva mais abrangente do século XVII, as últimas décadas são igualmente apaixonantes, cheias de sucessos picantes.
O que pode revelar, desde já, sobre os próximos livros que vai lançar?DB: Estou a terminar um livro de culinário histórico. Embora tenha muitas receitas, com a sua história, o livro tem mais a ver com a evolução de gostos e paladares, desde as suas origens até aos nossos dias, com muitas historietas e curiosidades à mistura, dando preferência às ligações de Portugal com o mundo, no universo da gastronomia. Sairá, espero, a tempo da Feira do Livro de Lisboa. O segundo livro (tenho de ter sempre dois, para desenjoar) é um romance com uma forma diarística e o protagonista é uma figura bastante controversa. Só deve ficar pronto em 2019, e é tudo o que posso dizer por agora.
Em que medida a FLUL contribuiu para a sua formação e carreira enquanto autora?DB: Proporcionou-me instrumentos para eu me reconstruir enquanto Ser, abriu-me horizontes culturais, que a modéstia da minha família de baixa escolaridade não podia oferecer-me. Foi como uma rampa de lançamento para quem, como eu, ansiava por voar.
O que recorda da sua passagem pela FLUL?DB: Certos professores, como Lindley Cintra e Urbano Tavares Rodrigues, que pelo seu saber, carácter e posição política, face à ditadura, ajudaram à minha formação, como pessoa. E recordo com emoção o Grupo de Teatro da Faculdade de Letras, ao qual pertenci desde a sua formação, sobretudo, a peça O Avejão, em que desempenhei o papel principal feminino, contracenando com os meus queridos amigos Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo e Luís Lima Barreto.
Porque é que se interessou pelo período da Restauração? Onde encontrou a inspiração? Deana Barroqueiro (DB): Escrevi o primeiro romance histórico de grande fôlego, D. Sebastião e o Vidente, em 2006, que terminava com o desastre de Alcácer Quibir, um momento negro na História de Portugal, a que se seguiu a perda da nacionalidade sob o domínio espanhol. Começava, então, a sentir que o projecto europeu não se estava a concretizar do modo como fora sonhado e que, apesar de alguns benefícios, Portugal perdera muito da sua autonomia enquanto nação. Talvez fosse isso que me levou a pensar no tema do Sebastianismo, recorrente nos tempos de crise em Portugal, e em Brás Garcia Mascarenhas, um herói da Restauração, poeta e autor “Viriato Trágico”, a suspirar pela independência. Como levo sempre muito tempo de preparação e estudo para cada romance, cheguei a 2011 apenas com um esboço da vida do poeta épico seiscentista. Com a vinda da fatídica troika, sofri com a humilhação a que ela nos sujeitou, enquanto povo, e isso fez-me ver como a História se repete, embora em diferentes moldes ou circunstâncias. Senti que o tema da Restauração podia servir de metáfora para o período cinzento que atravessávamos, um grito de revolta e um aceno de esperança. E o romance começou a tomar forma.
Demonstra ter um domínio concreto a nível histórico. Ficou “doutorada” neste período?DB: Fui, durante 35 anos, professora de Língua e Literatura Portuguesa, no tempo em que os programas do ensino secundário eram bastante exigentes e muito vastos, passando por todas as épocas e períodos literários. Assim, para ensinar bem a Literatura, tinha de estudar História, para poder dar aos alunos o enquadramento necessário à sua melhor compreensão. Sempre tive uma curiosidade insaciável e um desejo imenso de aprender, até hoje não parei de estudar e, como tenho 72 anos, fui adquirindo uma boa bagagem.
Temos 4 personagens guias no livro. Em que medida cada uma das personagens é o melhor cicerone pelo período de 50 anos (1617-1667) que o livro aborda?DB: Creio que cada uma delas cumpre o seu papel, que é o de apresentarem perspectivas “angulares” e diferentes pontos de vista, que todavia se cruzam e se completam, sobre os sucessos e os actantes daqueles 50 anos tão caóticos e contraditórios, mas também tão vívidos e apaixonantes. O Poeta Brás com a sua vida aventurosa de homiziado narra sucessos de Espanha e Brasil; a Professa-poetisa, Violante do Céu revolta-se contra a ingrata condição da mulher seiscentista e mostra a vivência licenciosa dos conventos; o Prosador D. Francisco Manuel de Melo, fidalgo e militar, dá testemunho dos conflitos e guerras de Espanha com a Europa; por último, o grande Pregador, padre António Vieira, com a sua activa participação na política portuguesa, mostra as relações diplomáticas de Portugal com as outras nações europeias. Deste modo, os guias fornecem aos leitores um conhecimento multifacetado da época, que é a mais-valia do romance histórico, face aos outros tipos de romance.
Os seus livros têm sempre personagens muito vivas. Muitas vezes heróis…DB: Quando comecei a escrever romances, iniciei-me com um projecto que pretendia criar uma saga de aventuras, à maneira de Emílio Salgari, com figuras reais portuguesas, destinado a um público-alvo de jovens pré-universitários e universitários. O período dos Descobrimentos é um inesgotável manancial de “heróis”, ou pelo menos, de figuras singulares, com vivências mais fabulosas do que a própria ficção. Escrevi sete romances, mas desisti, quando uma jornalista, que fazia crítica literária no extinto Mil Folhas, disse que não sabia como havia de classificar os meus romances, se para crianças se para adultos. Ora, se, em vez de escritora portuguesa, eu fosse a J. P. Rowling, tal questão não se punha, seria até uma virtude… Passei a escrever para adultos.
Escreve livros grandes… 1640 tem quase 900 páginas. Escreve de seguida? Como fez para não perder o fio condutor?DB: É impossível, pelo menos para mim, escrever sobre temas ou períodos da História de Portugal, que é riquíssima, em poucas páginas; só a contextualização dos lugares, ambientes, personagens, se for feita com algum pormenor, consome muito espaço. Não escrevo de seguida, concebo os meus romances como puzzles, complexos, por vezes labirínticos, para os quais preciso de encontrar as peças certas, as que se encaixam harmoniosamente no todo, sem serem forçadas. Estou sempre a reler, a fazer e a desmanchar, à medida que vou estudando, procurando e descobrindo, num mar de histórias, a tal peça que o livro aceita, porque é o romance que me comanda e que só termina quando se dá por satisfeito e já não me permite escrever sequer uma palavra.
Porque é que só escreve romances históricos?DB: Quando me aposentei e quis retomar a minha escrita, que abandonara para me dedicar ao ensino, percebi que o meu cérebro era uma espécie de biblioteca virtual com uma imensidade de livros sobre variadíssimos temas, sobretudo de Literatura e História, cujo conhecimento eu poderia partilhar com outros. E os portugueses sabiam tão pouco da sua História e do seu passado colectivo, que seria um desafio despertar-lhes a curiosidade e o interesse. Por outro lado, escrever romance histórico é um óptimo pretexto para continuar a estudar. E assim foi…
O historiador francês Paul Veyne disse que “a história é uma narrativa de eventos: tudo o resto resulta disso; o vivido, tal como sai das mãos do historiador, não é dos actores; é uma narração”. É assim que encara a actividade literária? Acontece o mesmo com o escritor?DB: O historiador, quando interpreta os documentos em papel, pedra, etc., também ficciona os factos esbatidos pela poeira do tempo, não está isento de subjectividade, sobretudo quando trata de épocas pouco documentadas. Mesmo quando se limita a uma árida transcrição de datas e informações de sucessos, o que pouco mostra sobre o pulsar da vida dos seus actantes. O escritor de romance histórico é muito mais livre, não tem que reinterpretar ou reconstituir a História, segundo o ditame da verdade. O romance é, antes de mais, uma criação estética, com fim lúdico, destinada a dar prazer ao leitor. Contudo, isso não deve significar ignorância, facilitismo ou desleixo do autor, em relação ao tema e matéria que vai tratar. O escritor deve ter um “espírito histórico”, como diz Miguel Real, um grande domínio dos factos históricos da época narrada, das formas de representação e governo, dos conflitos políticos e institucionais”, dos seus ritos e mitos, dos costumes, das mentalidades, da vivência quotidiana, do léxico da época. Só assim, o romance se fará eco das múltiplas verdades e perspectivas sobre os factos históricos. É uma questão de honestidade intelectual e de respeito pelo leitor, o que nem sempre acontece.
O que é que encontra no Renascimento e nos Descobrimentos que não encontra noutros períodos?DB: No Renascimento, a arte, a abertura do espírito para as novas ideias (que a Inquisição sufocou posteriormente), a plêiade de escritores, cientistas e estadistas que fizeram do século XVI, o século de ouro português. Era tudo novo: novos mundos, novas ciências, novas gentes, novas artes, nova História. A Literatura moderna nascia, os escritores eram originais. Nós agora já não inventamos nada, copiamos ou dizemos de outra maneira o que eles disseram, quando não destruímos o que eles criaram de raiz. Os Descobrimentos ou Expansão Marítima Portuguesa, apesar de todos os aspectos negativos que lhes queiramos assacar, foram a Grande Aventura do Desconhecido, uma longa saga de coragem e desafio da morte, a busca do conhecimento e a sua contribuição para a transformação da Europa, influenciando outras nações em todos os continentes. Sem os Descobrimentos Portugueses, o mundo hoje seria outro. Melhor ou pior? Não sei. Diferente, seguramente.
Sei que este não é o ponto final na série sobre o período da Restauração… Que livro se vai seguir?DB: Penso escrever sobre os filhos de D. João IV, para dar aos meus leitores uma perspectiva mais abrangente do século XVII, as últimas décadas são igualmente apaixonantes, cheias de sucessos picantes.
O que pode revelar, desde já, sobre os próximos livros que vai lançar?DB: Estou a terminar um livro de culinário histórico. Embora tenha muitas receitas, com a sua história, o livro tem mais a ver com a evolução de gostos e paladares, desde as suas origens até aos nossos dias, com muitas historietas e curiosidades à mistura, dando preferência às ligações de Portugal com o mundo, no universo da gastronomia. Sairá, espero, a tempo da Feira do Livro de Lisboa. O segundo livro (tenho de ter sempre dois, para desenjoar) é um romance com uma forma diarística e o protagonista é uma figura bastante controversa. Só deve ficar pronto em 2019, e é tudo o que posso dizer por agora.
Em que medida a FLUL contribuiu para a sua formação e carreira enquanto autora?DB: Proporcionou-me instrumentos para eu me reconstruir enquanto Ser, abriu-me horizontes culturais, que a modéstia da minha família de baixa escolaridade não podia oferecer-me. Foi como uma rampa de lançamento para quem, como eu, ansiava por voar.
O que recorda da sua passagem pela FLUL?DB: Certos professores, como Lindley Cintra e Urbano Tavares Rodrigues, que pelo seu saber, carácter e posição política, face à ditadura, ajudaram à minha formação, como pessoa. E recordo com emoção o Grupo de Teatro da Faculdade de Letras, ao qual pertenci desde a sua formação, sobretudo, a peça O Avejão, em que desempenhei o papel principal feminino, contracenando com os meus queridos amigos Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo e Luís Lima Barreto.
Published on February 01, 2018 05:02
January 15, 2018
Nova Apresentação do «1640»
NA FNAC - COLOMBO, dia 30 de Janeiro, 3ª feira, às 18.30 horas. Apresentação do romance «1640», de Deana Barroqueiro, por Francisco Moita Flores, para quem não pôde ir ao lançamento e estiver interessado. Serão muito bem recebidos e terão uma surpresa pagradável.
Published on January 15, 2018 11:53
January 10, 2018
Entrevista no Jornal de Letras
Deana Barroqueiro Salvar personagens históricas do esquecimentoTem uma obra "absolutamente singular" no campo do romance histórico, ocupando agora o "lugar da grande mestria do desaparecido Fernando Campos", como assinala Miguel Real na crítica, á frente publicada, a 1640, acabado de sair. E é sobre este romance com mais de 800 páginas sobre o período da Restauração, 2º volume de uma trilogia cujo 3º será sobre os filhos de D. João IV, é sobre 1640 mas também sobre aquele género literário, e muito mais, que falamos com a escritora Maria Leonor Nunes “Não vivo da escrita”, garante. “Vivo para a escrita”. Escrever é mesmo, para ela, uma espécie de bulimia, uma necessidade insaciável que “engole”, “devora” os seus dias. E são dias inteiros, às vezes 12 incansáveis horas, “colada” ao computador, consumidas por essa voragem. Até pela investigação histórica minuciosa e aturada que os seus livros implicam. E escreve-os sempre em simultâneo, pelo menos um par de histórias a correr ao mesmo tempo. Até que uma toma a dianteira e a arrebata de tal modo que a leva até ao fim.
Sempre romances, sempre históricos. Deana Barroqueiro, 72 anos, nem equaciona a hipótese de experimentar outro género. Tem a paixão da História, apesar de ter trabalhado sempre no domínio da Literatura. E procura resgatar ao esquecimento figuras “épicas” do passado, que viram a sua glória desvanecer-se na poeira dos tempos. Tal como enquadrar literariamente determinadas épocas, reconstituindo não apenas factos, mas também os costumes e as mentalidades. É o que faz em 1640, que agora chega às livrarias, numa edição Casa das Letras.
São mais de 800 páginas, em que efabula sobre o período da Restauração, cruzando quatro personagens, todas ligadas à palavra: o poeta Brás Garcia de Mascarenhas, a poetisa Soror Violante do Céu, o prosador Francisco Manuel de Melo e Padre António Vieira. Um romance em que as quis “reviver”, na primeira pessoa.
Deana Barroqueiro nasceu nos Estados Unidos e veio para Portugal com dois anos. Licenciou-se em Literaturas e foi professora. Até que a sua curiosidade se cruzou com a História, situando-se entre os séculos XV e XVII. E sentiu que tinha muito que contar. Começou pelos Descobrimentos, com uma série juvenil e a trilogia de que fazem parte O Navegador da Passagem, O Espião de D. João II e O Corsário dos Sete Mares. Seguiu-se-lhes S. Sebastião e o Vidente, a que agora acrescenta 1640. Mas já pensa noutras personagens que “dão pano para mangas”.
Jornal de Letras: 1640 completa um díptico sobre a Restauração?
Deana Barroqueiro: Penso mesmo fazer um tríptico. D. Sebastião e o Vidente termina com a batalha de Alcácer Quibir e a consequente perda da nossa independência. Depois, segue-se o período conturbado dos Filipes e a Restauração, em 1640. E aí, pensei numa personagem, Brás Garcia de Mascarenhas.
Um herói da Restauração?
E o grande épico do século XVII, que quis salvar do esquecimento Foi a partir dessa personagem que o romance tomou forma? Comecei a escrever sobre o período que antecedeu 1640 e as convulsões que se seguiram. O tema era fascinante, mas difícil. Entretanto, tinha muito material sobre os Descobrimentos, porque tinha feito os sete volumes da coleção juvenil. E como tenho que estar sempre a trabalhar em mais de um livro ao mesmo tempo…
Porquê?
Para passar para outro, quando fico paralisada num, por causa de algum problema que surja no desenrolar da narrativa, ou porque me enjoo, porque não consigo estar a fazer a mesma coisa durante muito tempo. Por isso, gosto de escrever dois ou três romances em simultâneo. Até que um deles toma o freio nos dentes… Foi o que aconteceu, por exemplo, com O Navegador da Passagem, porque de repente começaram a surgir-me as figuras dos Descobrimentos.
De permeio com a história de 1640?
Sim. Até saíram também O Espião de D. João II e O Corsário dos Sete Mares, que completaram a trilogia. E entretanto, ia sempre voltando ao Brás Garcia de Mascarenhas. O romance ainda nem tinha nome.
O que a fez interessar-se por essa figura?
Gosto muito de dar aos leitores personagens verdadeiras da nossa História, os grandes valores, quase sempre literatos e que são hoje praticamente desconhecidos. Ainda estudei alguns, no meu tempo de estudante, mas foram caindo no esquecimento. Mas são figuras fantásticas. No D. Sebastião e o Vidente, por exemplo, não comecei por me interessar pelo rei.
Então?
Precisamente pelo vidente, Miguel Leitão de Andrada, escritor do século XVI, que escreveu um livro chamado Miscelânea, tal como Garcia de Resende, mas em prosa. Nele contava a sua ida para Alcácer Quibir com o rei. Apercebi-me que havia grande ligação entre essa figura praticamente desconhecida dos portugueses e o rei. Tinham, aliás, praticamente a mesma idade. Comecei a escrever o livro entrelaçando as vidas de ambos.
E Brás Garcia de Mascarenhas?
Era o mesmo tipo de figura, um pouco mais exacerbada, também desconhecida e injustiçada. Um poeta, guerreiro, apaixonado, com uma vida rocambolesca que se prestava muito à ficção.
Sentiu que tinha todos os ingredientes do herói.
Sim. Não se sabia muito sobre ele, o que me permitia ficcionar muito, mas sempre com a preocupação da História. A certa altura, conseguiram-me arranjar um livro que estava esgotadíssimo sobre ele, de António Vasconcelos. Foi uma fonte fantástica, que me permitiu avançar com o livro
Teve que fazer uma investigação muito apurada?
Até mais do que nos outros livros. Habitualmente, levo pelo menos três anos com cada livro. Este já vinha desde 2004, embora o tivesse interrompido muitas vezes. E sempre que o retomava, tinha que rever o que tinha escrito desde o início.
Por que o interrompeu tantas vezes?
Não sei, havia qualquer coisa que emperrava. Comecei por pôr Brás Garcia de Mascarenhas a contar os acontecimentos da sua perspetiva. Mas gosto sempre de dar vários ângulos, porque a vida tem muitas influências, relações, memórias. São essas correntes diversas que fazem viver também as personagens e os romances.
Como encontrou outras perspetivas?
Surgiu-me D. Francisco Manuel de Melo, um fidalgo militar com todas as questões da guerra associadas. A dada altura, senti que me faltavam as mulheres. E lembrei-me de Soror Violante do Céu, uma poetisa fantástica do tempo. Faltava-me de igual modo a parte diplomática e pensei em Padre António Vieira. Quando os encontrei a todos, senti que tinha quatro guias para fazer mergulhar os leitores naquele tempo riquíssimo e bastante trágico da nossa História. Interessava-me também dar a ideia do barroco, um período tão maltratado e fascinante. Mas para isso, precisava de uma estrutura para o romance, que pudesse dar o luxo e a miséria, as aparências e a realidade trágica das personagens, asfixiadas pelo domínio castelhano, pela Inquisição.
Como o resolveu?
Ocorreu-me a estrutura da Corte na Aldeia. Até porque, como a corte era em Madrid, Lisboa ficou uma verdadeira cidade de província. Os fidalgos mais abastados faziam pequenas cortes nos seus palacetes. E protegiam as artes, os poetas, os músicos. Uma das principais, a do duque de Bragança, em Vila Viçosa.
ELOS DE LIGAÇÃO
Que dificuldades sentiu com o curso da narrativa?
Sobretudo as ligações entre as diferentes personagens. Foi o que mais demorou a fazer, para não cair em falhas graves. Foi preciso perceber em cada momento onde estavam. A dada altura encontrei um elo de ligação.
Qual?
O facto de estarem todos presos. Pe. António Vieira está a contas com a Inquisição em 1663-1967, quando acaba o meu romance. Francisco Manuel de Melo esteve 12 anos preso na Torre de Belém e em Almada. Brás Garcia Mascarenhas também esteve preso várias vezes, embora escapasse sempre das formas mais fantásticas. E Soror Violante estava ‘presa’ no convento.
No caso de Soror Violante do Céu, o que a interessou?
Queria dar o domínio dos homens, a castração das mulheres, a vida dos conventos, onde, de resto, algumas mulheres iam encontrar alguma liberdade que não tinham em casa, nem na sociedade, o que lhes permitia realizarem-se como músicas ou poetisas. Quando tinham pais permissivos, quando muito frequentavam as universidades, mas vestidas de homens. Como sou muito feminista e acho que ainda estamos a pagar a fatura dos velhos testamentos e afins, tinha que dar o ponto de vista das mulheres, o seu sofrimento e também todo o lado cómico dos freiráticos, que é a parte mais atrevida do meu livro. Às vezes, quase coro ao lê-la… (riso) No fundo, procuro sempre tentar reviver as personagens da nossa História, que é riquíssima.
O que mais a estimulou, do ponto de vista literário, em 1640?
O grande desafio foi pôr as personagens-guias a falar na primeira pessoa, sendo um poeta épico, uma poetisa lírica, um prosador e homem de teatro e o maior pregador de todos os tempos. Não podia ser maior o desafio. A dificuldade foi não usar uma linguagem demasiado contemporânea e, por outro lado, não complicar para que os leitores possam entrar bem nas suas falas. Por isso tive que ter mil cuidados e estar sempre a ver e rever as palavras, questionando-me se na altura já utilizariam determinado termo.
Uma espécie de reconstituição histórica também da linguagem?
Sim. Por exemplo, a hoje tão usada ‘geringonça’ apareceu-me num texto oficial do séc. XVII e caiu como sopa no mel…
Uma ‘piscadela de olho’ à atualidade?
Até senti que havia muitos pontos de contacto com a nossa época.
Políticos?
Na verdade, enquanto escrevia o livro, estivemos sob uma ‘troika’ e, na altura, também havia a ‘troika’ castelhana a apertar a garganta do país, as pessoas a viverem na miséria, com muitas dificuldades, desprezadas, humilhadas e uma enorme revolta. E sempre aquela velha história que era preciso passar-se mal para o país ir para a frente. Afinal, o país estava a ser roubado e explorado por Espanha e por todos os países que até tinham sido nossos aliados, mas então exploraram o mais que puderam. Luísa de Gusmão disse que Portugal era como um pássaro a quem estavam a arrancar as penas das asas. E, por outro lado, está agora muito em voga um tema que é muito explorado no meu romance, a independência da Catalunha. Foi graças à revolta catalã que conseguimos levar a nossa avante.
ESPÍRITO DA ÉPOCA
Afirma que só escreve romances históricos. Porquê?
Divirto-me imenso, e escrever romances históricos permite-me estudar, que é uma coisa que mesmo aos 72 anos não consigo parar de fazer. Sempre tive essa curiosidade e vontade de conhecer.
E como veio do mundo da Literatura para o da História? Como era professora de Português, de língua e de Literatura, senti a necessidade de saber História para saber ensinar sobre os autores e as suas épocas. Tinha que saber muita História para ser uma boa professora de Literatura. Sobretudo das mentalidades. É isso que quero passar para os meus romances, não só os factos, os pormenores dos acontecimentos, mas o espírito da época, a maneira como as pessoas pensavam, sentiam e reagiam no seu tempo. E que evidentemente era muito diferente da nossa.
Não gostaria de experimentar outro tipo de romance?
Não. Vou escrever romance histórico até ao fim da minha vida. Mas interessa-me o género tal como aprendi, como se classificava na Literatura, um romance que permite ao leitor conhecer uma época, um acontecimento, uma determinada mentalidade. Não aceito as correntes modernas, segundo as quais o romance histórico pode ser tudo. Claro que, de alguma maneira, tudo é histórico, inclusive um romance sobre o que se passou esta semana. Mas, para mim, tem que passar conhecimento. Até para que o leitor acredite no autor da obra. Para isso, é preciso muita investigação. Ideias nunca me faltaram, mas o conhecimento de uma época leva-me sempre anos e anos. Fico colada ao computador por vezes 12 horas por dia e muitas vezes leio um volume de 400 páginas só para confirmar uma ideia ou tirar uma frase.
Por que escolheu trabalhar sempre o período entre os séculos XV e XVIII?
Apesar de conhecer bem igualmente a época medieval, apaixonou-me o Renascimento, o Barroco, os Descobrimentos, por ser o nosso século de ouro. Apesar de não ser tão conhecido como se possa pensar e de muitas vezes ser encarado como um período negativo. O português tem muito o costume de falar daquilo que não sabe. A ‘achologia’ é uma ciência muito nossa, e é uma pena. Porque temos que reconhecer os nossos erros e falhas, mas assumir o nosso passado. Sem o fazer, não conseguimos estar seguros no presente e perspetivar o futuro. Se os nossos políticos soubessem mais da nossa História, talvez nos governassem melhor.
Por exemplo, o que se passou em 1640….
Com o meu romance podiam aprender muito. Até devia ser uma cartilha para o Governo… (riso) Mas talvez não tenham coragem para ler um livro tão grande. Porque não sei se escrevo bem ou mal, mas faço um trabalho seríssimo de investigação e esse é o meu orgulho e a mais-valia dos meus romances.
Já está a escrever o terceiro romance da trilogia?
Ainda não comecei. Será sobre os filhos de D. João IV, o que dará também muito pano para mangas. São figuras que já foram tratadas por outros autores, mas espero fazê-lo de uma forma diferente. E cada escritor fará, como se sabe, o que lhe dita o coração ou a alma. E muitas vezes a moda. Nem todos, felizmente. Mas já estou a escrever outros livros. Não posso estar sem escrever. Não vivo da escrita, mas para a escrita. A escrita é que me engole e me gasta.
Que outros livros?
Um livro histórico de culinária. Não é, claro, um livro de cozinha, apesar de ter receitas, porque há muitos livros de cozinha e bons chefs por aí. Também não tem a ver com a história das receitas, antes das sensações ligadas à comida e que podem ligar à arte, por exemplo. Ou ao cinema… Já vai em 300 páginas. Espero que saia na altura da Feira do Livro. O outro é um diário de um navegador de que, por enquanto, vou guardar segredo.JL
Deana Barroqueiro “Vou escrever romance histórico até ao fim da vida”Gosto muito de dar aos leitores personagens verdadeiras da nossa História, os grandes valores, quase sempre literatos e que são hoje praticamente desconhecidos
Sempre romances, sempre históricos. Deana Barroqueiro, 72 anos, nem equaciona a hipótese de experimentar outro género. Tem a paixão da História, apesar de ter trabalhado sempre no domínio da Literatura. E procura resgatar ao esquecimento figuras “épicas” do passado, que viram a sua glória desvanecer-se na poeira dos tempos. Tal como enquadrar literariamente determinadas épocas, reconstituindo não apenas factos, mas também os costumes e as mentalidades. É o que faz em 1640, que agora chega às livrarias, numa edição Casa das Letras.
São mais de 800 páginas, em que efabula sobre o período da Restauração, cruzando quatro personagens, todas ligadas à palavra: o poeta Brás Garcia de Mascarenhas, a poetisa Soror Violante do Céu, o prosador Francisco Manuel de Melo e Padre António Vieira. Um romance em que as quis “reviver”, na primeira pessoa.
Deana Barroqueiro nasceu nos Estados Unidos e veio para Portugal com dois anos. Licenciou-se em Literaturas e foi professora. Até que a sua curiosidade se cruzou com a História, situando-se entre os séculos XV e XVII. E sentiu que tinha muito que contar. Começou pelos Descobrimentos, com uma série juvenil e a trilogia de que fazem parte O Navegador da Passagem, O Espião de D. João II e O Corsário dos Sete Mares. Seguiu-se-lhes S. Sebastião e o Vidente, a que agora acrescenta 1640. Mas já pensa noutras personagens que “dão pano para mangas”.
Jornal de Letras: 1640 completa um díptico sobre a Restauração?
Deana Barroqueiro: Penso mesmo fazer um tríptico. D. Sebastião e o Vidente termina com a batalha de Alcácer Quibir e a consequente perda da nossa independência. Depois, segue-se o período conturbado dos Filipes e a Restauração, em 1640. E aí, pensei numa personagem, Brás Garcia de Mascarenhas.
Um herói da Restauração?
E o grande épico do século XVII, que quis salvar do esquecimento Foi a partir dessa personagem que o romance tomou forma? Comecei a escrever sobre o período que antecedeu 1640 e as convulsões que se seguiram. O tema era fascinante, mas difícil. Entretanto, tinha muito material sobre os Descobrimentos, porque tinha feito os sete volumes da coleção juvenil. E como tenho que estar sempre a trabalhar em mais de um livro ao mesmo tempo…
Porquê?
Para passar para outro, quando fico paralisada num, por causa de algum problema que surja no desenrolar da narrativa, ou porque me enjoo, porque não consigo estar a fazer a mesma coisa durante muito tempo. Por isso, gosto de escrever dois ou três romances em simultâneo. Até que um deles toma o freio nos dentes… Foi o que aconteceu, por exemplo, com O Navegador da Passagem, porque de repente começaram a surgir-me as figuras dos Descobrimentos.
De permeio com a história de 1640?
Sim. Até saíram também O Espião de D. João II e O Corsário dos Sete Mares, que completaram a trilogia. E entretanto, ia sempre voltando ao Brás Garcia de Mascarenhas. O romance ainda nem tinha nome.
O que a fez interessar-se por essa figura?
Gosto muito de dar aos leitores personagens verdadeiras da nossa História, os grandes valores, quase sempre literatos e que são hoje praticamente desconhecidos. Ainda estudei alguns, no meu tempo de estudante, mas foram caindo no esquecimento. Mas são figuras fantásticas. No D. Sebastião e o Vidente, por exemplo, não comecei por me interessar pelo rei.
Então?
Precisamente pelo vidente, Miguel Leitão de Andrada, escritor do século XVI, que escreveu um livro chamado Miscelânea, tal como Garcia de Resende, mas em prosa. Nele contava a sua ida para Alcácer Quibir com o rei. Apercebi-me que havia grande ligação entre essa figura praticamente desconhecida dos portugueses e o rei. Tinham, aliás, praticamente a mesma idade. Comecei a escrever o livro entrelaçando as vidas de ambos.
E Brás Garcia de Mascarenhas?
Era o mesmo tipo de figura, um pouco mais exacerbada, também desconhecida e injustiçada. Um poeta, guerreiro, apaixonado, com uma vida rocambolesca que se prestava muito à ficção.
Sentiu que tinha todos os ingredientes do herói.
Sim. Não se sabia muito sobre ele, o que me permitia ficcionar muito, mas sempre com a preocupação da História. A certa altura, conseguiram-me arranjar um livro que estava esgotadíssimo sobre ele, de António Vasconcelos. Foi uma fonte fantástica, que me permitiu avançar com o livro
Teve que fazer uma investigação muito apurada?
Até mais do que nos outros livros. Habitualmente, levo pelo menos três anos com cada livro. Este já vinha desde 2004, embora o tivesse interrompido muitas vezes. E sempre que o retomava, tinha que rever o que tinha escrito desde o início.
Por que o interrompeu tantas vezes?
Não sei, havia qualquer coisa que emperrava. Comecei por pôr Brás Garcia de Mascarenhas a contar os acontecimentos da sua perspetiva. Mas gosto sempre de dar vários ângulos, porque a vida tem muitas influências, relações, memórias. São essas correntes diversas que fazem viver também as personagens e os romances.
Como encontrou outras perspetivas?
Surgiu-me D. Francisco Manuel de Melo, um fidalgo militar com todas as questões da guerra associadas. A dada altura, senti que me faltavam as mulheres. E lembrei-me de Soror Violante do Céu, uma poetisa fantástica do tempo. Faltava-me de igual modo a parte diplomática e pensei em Padre António Vieira. Quando os encontrei a todos, senti que tinha quatro guias para fazer mergulhar os leitores naquele tempo riquíssimo e bastante trágico da nossa História. Interessava-me também dar a ideia do barroco, um período tão maltratado e fascinante. Mas para isso, precisava de uma estrutura para o romance, que pudesse dar o luxo e a miséria, as aparências e a realidade trágica das personagens, asfixiadas pelo domínio castelhano, pela Inquisição.
Como o resolveu?
Ocorreu-me a estrutura da Corte na Aldeia. Até porque, como a corte era em Madrid, Lisboa ficou uma verdadeira cidade de província. Os fidalgos mais abastados faziam pequenas cortes nos seus palacetes. E protegiam as artes, os poetas, os músicos. Uma das principais, a do duque de Bragança, em Vila Viçosa.
ELOS DE LIGAÇÃO
Que dificuldades sentiu com o curso da narrativa?
Sobretudo as ligações entre as diferentes personagens. Foi o que mais demorou a fazer, para não cair em falhas graves. Foi preciso perceber em cada momento onde estavam. A dada altura encontrei um elo de ligação.
Qual?
O facto de estarem todos presos. Pe. António Vieira está a contas com a Inquisição em 1663-1967, quando acaba o meu romance. Francisco Manuel de Melo esteve 12 anos preso na Torre de Belém e em Almada. Brás Garcia Mascarenhas também esteve preso várias vezes, embora escapasse sempre das formas mais fantásticas. E Soror Violante estava ‘presa’ no convento.
No caso de Soror Violante do Céu, o que a interessou?
Queria dar o domínio dos homens, a castração das mulheres, a vida dos conventos, onde, de resto, algumas mulheres iam encontrar alguma liberdade que não tinham em casa, nem na sociedade, o que lhes permitia realizarem-se como músicas ou poetisas. Quando tinham pais permissivos, quando muito frequentavam as universidades, mas vestidas de homens. Como sou muito feminista e acho que ainda estamos a pagar a fatura dos velhos testamentos e afins, tinha que dar o ponto de vista das mulheres, o seu sofrimento e também todo o lado cómico dos freiráticos, que é a parte mais atrevida do meu livro. Às vezes, quase coro ao lê-la… (riso) No fundo, procuro sempre tentar reviver as personagens da nossa História, que é riquíssima.
O que mais a estimulou, do ponto de vista literário, em 1640?
O grande desafio foi pôr as personagens-guias a falar na primeira pessoa, sendo um poeta épico, uma poetisa lírica, um prosador e homem de teatro e o maior pregador de todos os tempos. Não podia ser maior o desafio. A dificuldade foi não usar uma linguagem demasiado contemporânea e, por outro lado, não complicar para que os leitores possam entrar bem nas suas falas. Por isso tive que ter mil cuidados e estar sempre a ver e rever as palavras, questionando-me se na altura já utilizariam determinado termo.
Uma espécie de reconstituição histórica também da linguagem?
Sim. Por exemplo, a hoje tão usada ‘geringonça’ apareceu-me num texto oficial do séc. XVII e caiu como sopa no mel…
Uma ‘piscadela de olho’ à atualidade?
Até senti que havia muitos pontos de contacto com a nossa época.
Políticos?
Na verdade, enquanto escrevia o livro, estivemos sob uma ‘troika’ e, na altura, também havia a ‘troika’ castelhana a apertar a garganta do país, as pessoas a viverem na miséria, com muitas dificuldades, desprezadas, humilhadas e uma enorme revolta. E sempre aquela velha história que era preciso passar-se mal para o país ir para a frente. Afinal, o país estava a ser roubado e explorado por Espanha e por todos os países que até tinham sido nossos aliados, mas então exploraram o mais que puderam. Luísa de Gusmão disse que Portugal era como um pássaro a quem estavam a arrancar as penas das asas. E, por outro lado, está agora muito em voga um tema que é muito explorado no meu romance, a independência da Catalunha. Foi graças à revolta catalã que conseguimos levar a nossa avante.
ESPÍRITO DA ÉPOCA
Afirma que só escreve romances históricos. Porquê?
Divirto-me imenso, e escrever romances históricos permite-me estudar, que é uma coisa que mesmo aos 72 anos não consigo parar de fazer. Sempre tive essa curiosidade e vontade de conhecer.
E como veio do mundo da Literatura para o da História? Como era professora de Português, de língua e de Literatura, senti a necessidade de saber História para saber ensinar sobre os autores e as suas épocas. Tinha que saber muita História para ser uma boa professora de Literatura. Sobretudo das mentalidades. É isso que quero passar para os meus romances, não só os factos, os pormenores dos acontecimentos, mas o espírito da época, a maneira como as pessoas pensavam, sentiam e reagiam no seu tempo. E que evidentemente era muito diferente da nossa.
Não gostaria de experimentar outro tipo de romance?
Não. Vou escrever romance histórico até ao fim da minha vida. Mas interessa-me o género tal como aprendi, como se classificava na Literatura, um romance que permite ao leitor conhecer uma época, um acontecimento, uma determinada mentalidade. Não aceito as correntes modernas, segundo as quais o romance histórico pode ser tudo. Claro que, de alguma maneira, tudo é histórico, inclusive um romance sobre o que se passou esta semana. Mas, para mim, tem que passar conhecimento. Até para que o leitor acredite no autor da obra. Para isso, é preciso muita investigação. Ideias nunca me faltaram, mas o conhecimento de uma época leva-me sempre anos e anos. Fico colada ao computador por vezes 12 horas por dia e muitas vezes leio um volume de 400 páginas só para confirmar uma ideia ou tirar uma frase.
Por que escolheu trabalhar sempre o período entre os séculos XV e XVIII?
Apesar de conhecer bem igualmente a época medieval, apaixonou-me o Renascimento, o Barroco, os Descobrimentos, por ser o nosso século de ouro. Apesar de não ser tão conhecido como se possa pensar e de muitas vezes ser encarado como um período negativo. O português tem muito o costume de falar daquilo que não sabe. A ‘achologia’ é uma ciência muito nossa, e é uma pena. Porque temos que reconhecer os nossos erros e falhas, mas assumir o nosso passado. Sem o fazer, não conseguimos estar seguros no presente e perspetivar o futuro. Se os nossos políticos soubessem mais da nossa História, talvez nos governassem melhor.
Por exemplo, o que se passou em 1640….
Com o meu romance podiam aprender muito. Até devia ser uma cartilha para o Governo… (riso) Mas talvez não tenham coragem para ler um livro tão grande. Porque não sei se escrevo bem ou mal, mas faço um trabalho seríssimo de investigação e esse é o meu orgulho e a mais-valia dos meus romances.
Já está a escrever o terceiro romance da trilogia?
Ainda não comecei. Será sobre os filhos de D. João IV, o que dará também muito pano para mangas. São figuras que já foram tratadas por outros autores, mas espero fazê-lo de uma forma diferente. E cada escritor fará, como se sabe, o que lhe dita o coração ou a alma. E muitas vezes a moda. Nem todos, felizmente. Mas já estou a escrever outros livros. Não posso estar sem escrever. Não vivo da escrita, mas para a escrita. A escrita é que me engole e me gasta.
Que outros livros?
Um livro histórico de culinária. Não é, claro, um livro de cozinha, apesar de ter receitas, porque há muitos livros de cozinha e bons chefs por aí. Também não tem a ver com a história das receitas, antes das sensações ligadas à comida e que podem ligar à arte, por exemplo. Ou ao cinema… Já vai em 300 páginas. Espero que saia na altura da Feira do Livro. O outro é um diário de um navegador de que, por enquanto, vou guardar segredo.JL
Deana Barroqueiro “Vou escrever romance histórico até ao fim da vida”Gosto muito de dar aos leitores personagens verdadeiras da nossa História, os grandes valores, quase sempre literatos e que são hoje praticamente desconhecidos
Published on January 10, 2018 06:30
January 5, 2018
Crítica de Miguel Real ao «1640»
Miguel Real - Os Dias da Prosa - 03-01-2018TEMPO BARROCO Deana Barroqueiro substitui, no campo do romance histórico, o lugar da grande mestria de Fernando Campos. Apenas suportada na investigação histórica e num incansável labor de escrita tem criado uma obra singular neste género literário
1. 1NTRODUÇÃO. Com os seus recentes livros, nomeadamente O Corsário dos Sete Mares. Fernão Mendes Pinto (2012), a edição revista de D. Sebastião e o Vidente (2016) e o ora publicado, 1640, Deana Barroqueiro (DB) substitui, no campo do romance histórico, o lugar da grande mestria do desaparecido Fernando Campos. Sem grandes aparatos de imprensa, apenas suportada na investigação histórica e num incansável labor de escrita, DB tem vindo a criar uma obra absolutamente singular neste género literário. Com efeito, a escrita de um romance histórico exige do autor um espírito histórico, um domínio de factos históricos da época narrada, de formas de representação e governo, de conflitos políticos e institucionais e sua expressão militar, de hinos, canções guerreiras, uniformes, mitologia heroica, trajes… E DB possui e transmite para o leitor esse espírito de historiador, antes de mais na fidelidade ao domínio do léxico da época retratada, evidenciando uma imensa amplidão vocabular, talvez a maior entre os cultores deste tipo de romance. Depois, conhece em pormenor as roupas, a higiene pessoal, a alimentação, os períodos de atividade e inatividade, as profissões, os instrumentos de trabalho, os modos de culto do sagrado, as orações, as liturgias, os rituais de nascimento e morte, as formas de socialização, de divertimento, os espetáculos, os comportamentos marginais, os hábitos alternativos, heterodoxos e heréticos, a topografia e a toponímia da época. Estas são, digamos, as bases sérias e rigorosas em que assenta a escrita da autora. O romance histórico, antes de ser classificado como “histórico”, é um romance, isto é, possui um fim em si mesmo – o prazer estético da escrita e da leitura, adicionado à informação e ao conhecimento da história. Só secundariamente este género de narrativa serve para reconstruir a história, para a reinterpretar ou para a ensinar. Diferentemente, o prazer estético da leitura é sempre superior a outro propósito. O romance histórico não reinterpreta ou reconstrói a história segundo um ditame de verdade – tal como fora pensado no século XIX e na primeira metade do século XX (cf. Maria José Marinho, O Romance Histórico em Portugal, 1999). A sua função consiste em abrir um horizonte estético e lúdico às possibilidades contidas na História, fazendo-se eco das múltiplas verdades e das múltiplas perspetivas por que se desenrolam os factos sociais, algumas delas nunca acontecidas. Neste sentido, afastam-se da definição de romance histórico termos limitadores como “fidelidade”, “verdade”, “reprodução” ou “reconstituição”, “dados rigorosamente históricos”… Ainda que possa comportar essas categorias, eminentemente científicas, o seu sentido primeiro e último, e, portanto, a sua definição estatuidora, envolve sobretudo um fim estético. Se, de facto, o romance histórico envolve, pela sua natureza, um quantum de conhecimento, o seu quid, porém, é eminente e absolutamente estético.
2. O TEMPO. Assim, resta perguntar como DB transforma o vastíssimo conjunto de conhecimentos históricos em narrativa estética. A resposta parece ser, como já assinalei na recensão a O Corsário dos Sete Mares-Fernão Mendes Pinto, na “complexidade estrutural” por que envolve os seus romances, anulando a "narrativa linear" (introdução da autora a O Espião de D. João II, 2009, p. 10), ou seja, o elemento estético prevalecente na narrativa evidencia-se através do trabalho sobre a categoria de tempo. É o tempo (e não o espaço) que domina e é fortemente valorizado nos últimos romances de DB. Dito de outro modo, através da manipulação do Tempo a autora cria “um puzzle cujas inúmeras peças concorrem para formar um quadro final coerente e possível…” (introdução da autora a O Navegador da Passagem, 2008).
O título do seu novo romance indicia esta valorização do trabalho sobre a categoria de tempo: 1640, o ano da Restauração. Por um lado, o ano emblemático denuncia o tema e todo o envolvimento histórico em seu torno; por outro, porque não reduz o romance ao acto político da Restauração, desencadeia o modo “labiríntico” ou “puzzlístico” pelo qual o trabalha, desdobrando o romance em quatro diferentíssimos quadros: o estético (“A professa”), a vida de soror Violante do Céu no convento da Rosa, em Lisboa; a vida de Brás Garcia Mascarenhas (“O poeta”) em Madrid, no Brasil e em Portugal, autor da epopeia Viriato Trágico e combatente de D. João IV nas Beiras; a vida de Francisco Manuel de Melo (“O prosador”) em Lisboa, em Madrid, na Flandres, no Brasil, na prisão e em liberdade; finalmente, a vida de padre António Vieira (“O pregador”) na Bahia, em Lisboa, na Europa, no Maranhão e Grão-Pará e de novo na Bahia para morrer.
Como se constata, com a narração de tantos e tão diversificados territórios, a importância da unidade de espaço é diminuída e sobrevalorizada a de tempo. E como o sobrevaloriza DB? Narrando as diversas camadas por que se desdobra o tempo barroco da Restauração – o estético, o religioso, o social, o político, o militar, o diplomático, o institucional, o propriamente histórico. Usando um léxico da época, evidenciando a autora uma sólida erudição, cada um dos quatro quadros refere-se aos restantes três por via de ligações secundárias, gerando cruzamentos “labirínticos” numa escrita rendilhada ao nível da filigrana, própria da representação barroca.
Isto é, 1640, centrando-se nas quatro personagens, recria labirinticamente o conhecimento e a representação da totalidade do século XVII, o século do Barroco: Violante do Céu expressa a poesia como refrigério e deleite e evidencia a vida hedonística das freiras no interior dos conventos ricos; Brás Garcia Mascarenhas narra a sua vida aventurosa e de como ela se transformou em poesia “trágica”, reiterando o nacionalismo e o independentismo então presentes em Portugal; D. Francisco Manuel de Melo mostra como Portugal se libertou do jugo de Castela e enfatiza a injustiça (ciúmes levantados por D. João IV?) que o levou à prisão e ao exílio; padre António Vieira denuncia fervorosamente o Santo Ofício como o grande, grande responsável pelo atraso europeu do país e missiona os índios tupi, convertendo-os ao cristianismo.
Compondo um “xadrez de palavras” (Padre António Vieira), Deana Barroqueiro, valorizando o trabalho romanesco sobre o tempo, transmite no seu livro uma perfeita representação da escrita barroca, simultaneamente conceptista e cultista, jogando com os argumentos paradoxais, as antíteses, as comparações metafóricas, a retórica da persuasão, cruzando simultaneamente o lirismo de Violante do Céu, o estilo epopeico de Brás Garcia Mascarenhas, o criticismo galante e maneirista de D. Francisco Manuel de Melo (o camoniano “desconcerto do mundo, a ironia face ao fracasso existencial, a ambiguidade ontológica), bem como a eloquência expressiva do Padre António Vieira.
1. 1NTRODUÇÃO. Com os seus recentes livros, nomeadamente O Corsário dos Sete Mares. Fernão Mendes Pinto (2012), a edição revista de D. Sebastião e o Vidente (2016) e o ora publicado, 1640, Deana Barroqueiro (DB) substitui, no campo do romance histórico, o lugar da grande mestria do desaparecido Fernando Campos. Sem grandes aparatos de imprensa, apenas suportada na investigação histórica e num incansável labor de escrita, DB tem vindo a criar uma obra absolutamente singular neste género literário. Com efeito, a escrita de um romance histórico exige do autor um espírito histórico, um domínio de factos históricos da época narrada, de formas de representação e governo, de conflitos políticos e institucionais e sua expressão militar, de hinos, canções guerreiras, uniformes, mitologia heroica, trajes… E DB possui e transmite para o leitor esse espírito de historiador, antes de mais na fidelidade ao domínio do léxico da época retratada, evidenciando uma imensa amplidão vocabular, talvez a maior entre os cultores deste tipo de romance. Depois, conhece em pormenor as roupas, a higiene pessoal, a alimentação, os períodos de atividade e inatividade, as profissões, os instrumentos de trabalho, os modos de culto do sagrado, as orações, as liturgias, os rituais de nascimento e morte, as formas de socialização, de divertimento, os espetáculos, os comportamentos marginais, os hábitos alternativos, heterodoxos e heréticos, a topografia e a toponímia da época. Estas são, digamos, as bases sérias e rigorosas em que assenta a escrita da autora. O romance histórico, antes de ser classificado como “histórico”, é um romance, isto é, possui um fim em si mesmo – o prazer estético da escrita e da leitura, adicionado à informação e ao conhecimento da história. Só secundariamente este género de narrativa serve para reconstruir a história, para a reinterpretar ou para a ensinar. Diferentemente, o prazer estético da leitura é sempre superior a outro propósito. O romance histórico não reinterpreta ou reconstrói a história segundo um ditame de verdade – tal como fora pensado no século XIX e na primeira metade do século XX (cf. Maria José Marinho, O Romance Histórico em Portugal, 1999). A sua função consiste em abrir um horizonte estético e lúdico às possibilidades contidas na História, fazendo-se eco das múltiplas verdades e das múltiplas perspetivas por que se desenrolam os factos sociais, algumas delas nunca acontecidas. Neste sentido, afastam-se da definição de romance histórico termos limitadores como “fidelidade”, “verdade”, “reprodução” ou “reconstituição”, “dados rigorosamente históricos”… Ainda que possa comportar essas categorias, eminentemente científicas, o seu sentido primeiro e último, e, portanto, a sua definição estatuidora, envolve sobretudo um fim estético. Se, de facto, o romance histórico envolve, pela sua natureza, um quantum de conhecimento, o seu quid, porém, é eminente e absolutamente estético.
2. O TEMPO. Assim, resta perguntar como DB transforma o vastíssimo conjunto de conhecimentos históricos em narrativa estética. A resposta parece ser, como já assinalei na recensão a O Corsário dos Sete Mares-Fernão Mendes Pinto, na “complexidade estrutural” por que envolve os seus romances, anulando a "narrativa linear" (introdução da autora a O Espião de D. João II, 2009, p. 10), ou seja, o elemento estético prevalecente na narrativa evidencia-se através do trabalho sobre a categoria de tempo. É o tempo (e não o espaço) que domina e é fortemente valorizado nos últimos romances de DB. Dito de outro modo, através da manipulação do Tempo a autora cria “um puzzle cujas inúmeras peças concorrem para formar um quadro final coerente e possível…” (introdução da autora a O Navegador da Passagem, 2008).
O título do seu novo romance indicia esta valorização do trabalho sobre a categoria de tempo: 1640, o ano da Restauração. Por um lado, o ano emblemático denuncia o tema e todo o envolvimento histórico em seu torno; por outro, porque não reduz o romance ao acto político da Restauração, desencadeia o modo “labiríntico” ou “puzzlístico” pelo qual o trabalha, desdobrando o romance em quatro diferentíssimos quadros: o estético (“A professa”), a vida de soror Violante do Céu no convento da Rosa, em Lisboa; a vida de Brás Garcia Mascarenhas (“O poeta”) em Madrid, no Brasil e em Portugal, autor da epopeia Viriato Trágico e combatente de D. João IV nas Beiras; a vida de Francisco Manuel de Melo (“O prosador”) em Lisboa, em Madrid, na Flandres, no Brasil, na prisão e em liberdade; finalmente, a vida de padre António Vieira (“O pregador”) na Bahia, em Lisboa, na Europa, no Maranhão e Grão-Pará e de novo na Bahia para morrer.
Como se constata, com a narração de tantos e tão diversificados territórios, a importância da unidade de espaço é diminuída e sobrevalorizada a de tempo. E como o sobrevaloriza DB? Narrando as diversas camadas por que se desdobra o tempo barroco da Restauração – o estético, o religioso, o social, o político, o militar, o diplomático, o institucional, o propriamente histórico. Usando um léxico da época, evidenciando a autora uma sólida erudição, cada um dos quatro quadros refere-se aos restantes três por via de ligações secundárias, gerando cruzamentos “labirínticos” numa escrita rendilhada ao nível da filigrana, própria da representação barroca.
Isto é, 1640, centrando-se nas quatro personagens, recria labirinticamente o conhecimento e a representação da totalidade do século XVII, o século do Barroco: Violante do Céu expressa a poesia como refrigério e deleite e evidencia a vida hedonística das freiras no interior dos conventos ricos; Brás Garcia Mascarenhas narra a sua vida aventurosa e de como ela se transformou em poesia “trágica”, reiterando o nacionalismo e o independentismo então presentes em Portugal; D. Francisco Manuel de Melo mostra como Portugal se libertou do jugo de Castela e enfatiza a injustiça (ciúmes levantados por D. João IV?) que o levou à prisão e ao exílio; padre António Vieira denuncia fervorosamente o Santo Ofício como o grande, grande responsável pelo atraso europeu do país e missiona os índios tupi, convertendo-os ao cristianismo.
Compondo um “xadrez de palavras” (Padre António Vieira), Deana Barroqueiro, valorizando o trabalho romanesco sobre o tempo, transmite no seu livro uma perfeita representação da escrita barroca, simultaneamente conceptista e cultista, jogando com os argumentos paradoxais, as antíteses, as comparações metafóricas, a retórica da persuasão, cruzando simultaneamente o lirismo de Violante do Céu, o estilo epopeico de Brás Garcia Mascarenhas, o criticismo galante e maneirista de D. Francisco Manuel de Melo (o camoniano “desconcerto do mundo, a ironia face ao fracasso existencial, a ambiguidade ontológica), bem como a eloquência expressiva do Padre António Vieira.
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