Filipe Russo's Blog, page 3
January 20, 2024
Relato Pessoal: Alberto José

Alberto José
1 A suspeita
Estava eu seguindo minha vida normalmente, aos 35 anos. Trabalhando como musicoterapeuta, atendendo, principalmente, crianças com autismo, além de alguns casos de reabilitação neurológica. Tocava em uma banda que tinha uma agenda frequente e pagava bem, fazendo viagens esporádicas para shows. Satisfeito com minhas produções artísticas, havia lançado um álbum de blues e dois livros de poemas.
Apesar de estar tudo aparentemente bem, eu vinha apresentando um crescente desinteresse em relação ao trabalho da banda, escalonando para uma indiferença com relação ao público. Tocava para 300, 400, mil pessoas e não me importava com nenhuma delas. Estava desanimando!
Estava frequentemente exausto devido a sequelas de pós-covid, que apresentavam sintomas difíceis de ser ignorados. Fazia crises constantes de bronquite e minha tosse preocupava a todas as pessoas ao meu redor, menos a mim. Tentava, nem sempre da forma mais eficiente, me cuidar.
Era acometido por sono e queda de pressão frequentemente ao dirigir em vias expressas, a 90, 100 quilômetros por hora. Sabia que podia sofrer um acidente, mas não me envolvia emocionalmente com isso. Estava um pouco negligente com exames e tratamentos em geral e refletia se não estava assumindo compromissos demais para meu estado de saúde. Além disso, os temas “morte” e “suicídio” apareciam frequentemente em meus poemas e composições, apesar de eu não apresentar tal ideação.
Uma noite, saí com minha esposa para tomarmos um vinho em um restaurante que apelidamos de “Barata’s” – Não preciso explicar o motivo do apelido, basta mencionar que o estabelecimento, por algum motivo, costumava oferecer um ambiente muito reservado! – e comentei sobre alguns amigos serem diagnosticados com autismo na fase adulta e o quanto isso me intrigava.
Eu, que vinha lidando diariamente com autismo, percebia que algumas pessoas, apesar de não terem diagnóstico, com certeza estavam no espectro devido a aspectos sutis no olhar, em trejeitos de fala e alguns comportamentos e outras pessoas, porém, que não apresentavam sinais que eu pudesse perceber além da própria história de vida, foram avaliados e diagnosticados.
Perguntei se eu também não poderia ser autista, afinal, sempre me senti diferente, tinha minhas excentricidades e me identificava com algumas características dos pacientes atípicos que eu atendia. Ela, neuropsicóloga especializada em testes e professora da UFRJ, respondeu que meu histórico apontava mais para o quadro de Altas Habilidades.
Não era a primeira vez que alguém me dizia tal coisa. Nas vezes anteriores, eu havia refutado a suspeita assertivamente. Como eu poderia ser superdotado se só apresentava facilidade para algumas disciplinas específicas? Como, se eu apresentava, em contrapartida, grandes dificuldades em outras? Como, se nem minha caligrafia apresentava bom desenvolvimento, dando um destaque negativo frequente à minha empobrecida coordenação motora? Pensava que já havia sido inteligente em algum momento da vida escolar, mas deixara de ser.
Lembro que havia me identificado quando estudei o quadro, durante a faculdade. Mas não dei importância, afinal, eu me identificava com tantas patologias, já pensei que pudesse ter TEA, TDAH, comportamentos compulsivos e jurava que eu era bipolar. Pensei fazer parte da hipocondria que acomete todos os estudantes da matéria psicopatologia.
Minha vida escolar realmente dava umas “bandeiras”. Durante o primário, não era considerado mais do que um aluno “relaxado, desorganizado e que vivia no mundo da lua”. Minha mãe, que era professora de matemática, dava aulas de reforço enquanto eu brincava pela casa e eu acabava ouvindo os conteúdos de séries posteriores com especial curiosidade. Sei que havia sido adiantado de série na pré-escola por desenvolver, espontaneamente, leitura precoce.
Ao começar o ginásio, estudei em um curso preparatório para o Colégio Militar do Rio de Janeiro durante poucos meses. Não tive uma colocação suficiente para ingressar na instituição, mas tive um desempenho melhor que os colegas que fizeram o curso durante todo o ano. Pela primeira vez, obtive algum destaque intelectual.
Durante o restante do ginásio, me destaquei muito em notas, gabaritei todas as provas de algumas matérias por anos e costumava estar aprovado já no terceiro bimestre. Apesar disso, eu não era estudioso e sequer gostava de ir à escola. O destaque chegou ao ápice no último ano do ginásio.
Fiz outro curso preparatório, desta vez, para o Colégio Naval. Os colegas e professores se impressionavam com meu desempenho nos simulados e tive aprovação com boa colocação, ingressando como o aluno mais jovem de minha turma.
Porém, não me adequei tão bem à rotina e às regras da instituição, não me envolvi em atividades desportivas, não tirava notas tão boas e fui, progressivamente, desanimando com relação às matérias. No meio do segundo ano, desisti da carreira militar e terminei (Deus sabe como…) o ensino médio em uma escola onde devo ser, até hoje, o pior aluno que já passou por lá. E nunca mais prestei um concurso público!
Tendo escolhido a música como trabalho, assunto no qual nunca fui, exatamente um prodígio, aprendi o que significava precisar de esforço e disciplina para aprender algo e, ao contrário de parecer um martírio, aprendi a gostar disso e foi algo que me deu motivação e um novo significado para minha vida.
Nunca gostei da ideia de “nascer com um dom” e simplesmente “brilhar”. O esforço para desenvolver habilidades, a insistência e o prazer de, após muita dedicação, obter resultados, soam para mim como o verdadeiro superpoder. E considero que, quando se dá a desistência de um aprendizado pela crença de falta de aptidões inatas, trata-se de uma desculpa muito preguiçosa. Confesso que tal filosofia foi posta em xeque, para mim, ao longo do processo de identificação AH/SD.
Na faculdade de musicoterapia, tive destaque mais por questões de liderança estudantil do que por notas, mas não deixei de ser visto como um potencial pesquisador da área caso seguisse carreira acadêmica, expectativa que frustrei ao recusar a ideia. A essa altura, já não me incomodava em decepcionar as pessoas que acreditavam em mim.
Bom, ainda durante a taça de vinho no “Barata’s”, perguntei à minha esposa se não poderia me avaliar, pois já avaliara muitos pacientes. Ela disse que não poderia fazê-lo, devido a eu ser seu marido, mas que seria importante eu passar por uma avaliação, pois estava entrando em uma rigidez comportamental que, a seu ver, estava me colocando em risco.
2 A identificação
Apesar de meu histórico do período escolar, eu tinha minhas desconfianças em relação a ser mesmo superdotado. Afinal, apresentei bom desempenho em poucas disciplinas específicas e em um período específico. Não tenho uma carreira profissional exatamente brilhante, apenas tenho uma carreira e, se tenho algum sucesso profissional, tal se dá mais pela crescente demanda pelo trabalho que faço do que por minhas qualidades profissionais.
Lembro de ter conhecido um adolescente superdotado quando era criança. Ele tinha o inglês fluente, era reservado e não brincava na rua e gostava de vídeo games. Eu fui uma criança de subúrbio que passava o dia todo na rua, jogava bola, brigava, me sujava de lama… enfim, uma infância normal!
Minha esposa é professora universitária com doutorado e meu irmão um engenheiro com três faculdades e um mestrado. Como o superdotado poderia ser eu, que muito mal, havia parado na graduação e feito uma formação quase dez anos depois?
Fui para o youtube pesquisar sobre o assunto e ouvi vários psicólogos falando sobre aspectos relacionados ao superdotado adulto, que não tinham a ver com desempenho acadêmico ou inteligência. Para o meu espanto, comecei a me identificar muito. Excessivamente autocrítico, irônico, com muita intensidade emocional, criativo, com muito engajamento em tarefas, envolvimento aprofundado em meus assuntos de interesse, histórico de depressão e ansiedade, senso de justiça, até alergias e intolerâncias alimentares! Tudo batia com o check list! A cada 10 características do perfil, eu tinha 11.
Em contrapartida, eu pensava se não estava me identificando por querer me sentir inteligente e especial, como compensação às minhas inseguranças e frustrações. Bom, apenas uma avaliação poderia me trazer respostas e decidi parar de pesquisar o assunto enquanto estivesse no processo.
Procurei uma neuropsicóloga que me foi indicada por minha esposa. Descobri que, por coincidência, ela tinha um paciente em comum comigo. Ela havia visto vídeos do meu trabalho atendendo o mesmo e elogiou muito a minha atuação no caso específico. Tive que lembrá-la que perdia tempo fazendo-me elogios, pois eu não dava ouvidos aos mesmos, apenas me sentia cumprindo minha obrigação e via defeitos em tudo o que fazia.
A avaliação foi feita em tempo recorde. Fiz recesso na última semana do mês de julho e pedi que me encaixasse em qualquer horário em que houvesse cancelamento de outros pacientes, algo muito comum em um mês de férias escolares. Além disso, fui muito envolvido nos testes e fazia muitos em cada sessão. Fizemos 5 ou 6 sessões em uma semana e respondi em casa aos questionários. Minhas poesias e letras de música também foram usadas na avaliação.
Apesar de acontecer mais rápido que o normal, o período pareceu-me uma eternidade, pois envolveu grande ansiedade de minha parte. Além dos testes tradicionais de QI, havia questionários sobre TEA, TDAH, ansiedade, depressão… entendi como é complexa uma avaliação deste tipo.
Durante o processo, não sabia se estava “indo bem” e, contraditoriamente, “ir bem” é o que me classificaria em uma condição neurodivergente. Não nego que me senti surpreso quando, na devolutiva, descobri que obtive pontuações altas em alguns dos testes.
Minhas assincronias apareceram na avaliação, havendo diferenças significativas, principalmente entre o QI verbal e o QI de execução, o que vi, por minhas pesquisas, que era um perfil comum em superdotados, devido a perfeccionismo e, também a lentificação executiva. Tal discrepância explica, em si muitas das minhas dificuldades no dia a dia.
A obtenção de pontuação acima de 130, quase 140 em alguns índices que envolviam respostas verbais e inferiores a 120, próximas a 110 em outros, que envolviam execução; é um bom retrato de como minha mente funciona: uma torrente de ideias e uma morosa implementação, vivenciando entre a frustração e a sobrecarga.
O índice total, 128, apesar de inferior a 130, analisado com toda a conjuntura e em conjunto com o histórico e outros aspectos clínicos, não menos importante que os testes, apontava para a identificação de Altas habilidades / Superdotação. Restava a mim entender o que esta condição significa e o que eu precisava mudar para ter uma vida mais saudável e funcional e, é claro, evitar a manutenção de comportamentos que me colocassem em risco.
3 Assimilação
Resta-me agora, desconstruir os mitos e preconceitos que eu mesmo trago e ter um entendimento real do que esta identificação significa e como seus aspectos se manifestam em mim agora já que, apesar de me ajudar a entender melhor o meu passado, não há nada que eu possa mudar com relação ao que já aconteceu. Mudanças devem ocorrer daqui pra frente!
Um diagnóstico na fase adulta é como um plot twist em um filme, aquele momento em que fica claro que nada é como se pensava que era. Entrar em negação é um caminho muito fácil e sedutor. Muitos autores e teóricos citam as fases do luto como sendo vivenciadas após uma identificação diagnóstica, mas, em meu caso, trata-se mais de um processo de renascimento do que de lida com a morte.
Posso pensar que poderia ser diferente se tal identificação tivesse acontecido em minha adolescência, quando fui medicado com antidepressivos e ansiolíticos. Mas, de alguma forma, tive meios para, aos trancos e barrancos, chegar aonde estou e posso dizer que, na prática, não existe “identificação tardia”, pois nunca é tarde para o autoconhecimento.
Não estou interessado em ser “genial”, não pretendo fazer descobertas inovadoras ou ajudar no avanço da ciência ou da humanidade. Sinceramente, não me importo com nada disso, estou preocupado em pagar minhas contas, fazer coisas que gosto e ajudar, em meu trabalho, as crianças que, assim como eu, se desenvolvem por um caminho diferente do esperado.
Assisti muitas horas de conteúdo sobre o tema, li artigos e, apesar de conseguir compreender alguns mecanismos de meu funcionamento, tal não é suficiente para mudá-los. Tenho buscado ajuda profissional e, agora, profissionais especializados em minha condição.
Ressignificar o passado é uma tarefa mais fácil do que “reprogramar” hábitos do presente. Muitas vezes adotei estratégias que me ajudaram a lidar com algumas dificuldades, porém, há condicionamentos que não me ajudam muito.
Fazendo carga horária mais reduzida no trabalho, tendo um período sabático em relação a tocar em grupos musicais, para aquietar minha mente caótica e volúvel e não envolver outras pessoas em minha confusão, encontrando minhas próprias formas de me expressar musicalmente e poeticamente, sem tantas regras rígidas e sem me fazer refém do julgamento de outrem – eis algumas estratégias salutares que tenho adotado.
Sinceramente, sinto medo e uma certa apreensão, algumas vezes parece que nada do que eu faço faz sentido, outras vezes parece que só tomo decisões erradas e que não me ajudam, mas, de alguma forma, tenho esperança de que possa aparecer um dia de sol após esta noite escura.
A identificação de superdotado não é um troféu, não é “maravilhoso”, não me faz sentir melhor que outras pessoas e sequer eleva minha autoestima. Não pretendo colocar meu número de QI da avaliação no meu Curriculum Vitae nem pretendo me candidatar a filiação a sociedades de alto QI.
A verdadeira utilidade de toda esta história é a compreensão de algo indispensável para meu autoconhecimento para que eu possa buscar, a partir daí, uma vida mais realizada e mais funcional.
Fiz uma tatuagem na testa para ancorar, no meu próprio rosto, este momento de mudança. Estou lançando meu terceiro livro de poemas cujos versos trazem, também, a vivência deste processo. E encerro meu relato com este trecho:
“Eu pude interpretar a profecia
E decifrar o enigma da esfinge
A bruma dos mistérios se restringe
À densa tempestade que ora estia”
(Do poema “A deusa”, livro “A noite mais escura de minh’alma”, Alberto José)
Conheça este e outros dos meus trabalhos nas redes sociais abaixo.
January 13, 2024
Divulgação Científica: Uma Revisão Sistemática dos Neuromitos na Educação

Neuromitos
“[A palavra neuromito] foi primeiro cunhada durante a década de 80 quando o neurocirurgião Alan Crockard a utilizou para descrever um conceito errôneo sobre o funcionamento cerebral na disciplina de medicina (Howard-Jones, 2014; Fuentes & Risso, 2015). Numa abordagem educacional, um neuromito foi descrito enquanto “um equívoco gerado pelo mal entendimento, má leitura, ou citação errônea de fatos cientificamente estabelecidos (pela pesquisa sobre cérebros) para justificar o uso da pesquisa sobre cérebros na educação e em outros contextos” (OECD, 2002).” (Torrijos-Muelas, González-Víllora & Bodoque-Osma, 2021, p. 2, tradução por Filipe Russo).
Lista com 39 Neuromitos Investigados na Pesquisa Científica
A aprendizagem individual funciona melhor quando se recebe informação no seu estilo de aprendizagem preferido (i.e., auditivo, visual, cinestésico)Diferenças na dominância hemisférica (cérebro esquerdo, cérebro direito) podem ajudar a explicar diferenças individuais entre aprendentesLutas curtas de exercícios de coordenação podem melhorar a integração entre as funções cerebrais dos hemisférios direito e esquerdoExercícios que treinam a coordenação de habilidades de percepção motora podem melhorar habilidades de literaciaAmbientes ricos em estímulos melhoram os cérebros de crianças pré-escolaresCrianças têm sua atenção diminuída após consumir bebidas açucaradas e/ou lanchesFoi provado cientificamente que suplementos de ácidos graxos (omega-3 e omega-6) têm um efeito positivo em conquistas acadêmicasHá períodos críticos na infância, após os quais certas coisas não podem mais ser aprendidasNós utilizamos apenas 10% do nosso cérebroCrianças precisam adquirir sua língua nativa antes de aprenderem uma segunda língua. Caso contrário, nenhuma língua será completamente adquiridaProblemas de aprendizagem associados com diferenças de desenvolvimento em funções cerebrais não podem ser remediados pela educaçãoSe estudantes não beberem uma quantidade de água o suficiente (entre 6 a 9 copos por dia), seus cérebros diminuemBeber regularmente bebidas cafeinadas reduz o estado de alertaO treino prolongado de processos mentais pode mudar a estrutura ou função de algumas partes do cérebroAprendentes individuais demonstram preferências pelo modo como recebem informação (i.e., visual, auditiva, cinestésica)Os lados esquerdo e direito do cérebro trabalham de modo independenteHá tipos separados de inteligência (i.e., interpessoal, lógica; com diferentes QIs)Beber água adicional (inclusive quando não se está mais com sede) é vital para o funcionamento cerebralEstilos de aprendizagem deveriam ser baseados em pedagogias multissensoriais (modelo VAK)Estudantes deveriam receber suplementos vitamínicos ou outras medicações para aprender melhorEnsino de acordo com estilos de aprendizagem é mais importante na aprendizagem linguística do que em outros tipos de aprendizagemCrianças têm estilos de aprendizagem que são dominados por sentidos particularesUm sinal comum de dislexia é ver as letras de trás para frenteOuvir música clássica aumenta a habilidade de raciocínio das criançasCrianças devem ser expostas a um ambiente de aprendizagem enriquecido até os 3 anos, caso contrário capacidades de aprendizagem serão perdidasO cérebro das crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é superexcitadoNão há relação entre desempenho em testes de QI e desempenho escolarCriar crianças de modo similar conduz a similaridades em suas personalidades adultasPercepções visuais são acompanhas de pequeninas emissões dos olhosA memória humana funciona como um gravador de fita ou uma câmera de vídeo e acuradamente grava os eventos que nós experienciamosIndivíduos podem aprender novas informações, como novos idiomas, enquanto dormemNossa caligrafia revela nossa personalidadeDesempenhos em testes de QI quase nunca mudam ao longo do tempoTudo que é importante para o desenvolvimento cerebral ocorre no intervalo dos 3 primeiros anosSeguir uma dieta específica pode ajudar a superar certas deficiências neurológicas, tais como TDAH, dislexia, e desordens do espectro autistaPraticar exercícios básicos de Ginástica Cerebral auxilia estudantes a aprender a ler e a utilizar melhor a linguagemEstudantes possuem um perfil de inteligência predominante, por exemplo, lógico-matemático, musical, ou interpessoal, o qual deve ser considerado no ensinoA produção de novas conexões no cérebro pode continuar na velhiceA capacidade mental é hereditária e não pode ser mudada pelo ambiente ou pela experiência (Torrijos-Muelas, González-Víllora & Bodoque-Osma, 2021, p. 12, tradução por Filipe Russo).REFERÊNCIA
Torrijos-Muelas, Marta; González-Víllora, Sixto; Bodoque-Osma, Ana Rosa. (2021). The Persistence of Neuromyths in the Educational Settings: A Systematic Review [A Persistência de Neuromitos nos Contextos Educacionais: Uma Revisão Sistemática]. Frontiers in Psychology, Section Educational Psychology, vol. 11, art. 591923. Disponível em https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.591923.
December 22, 2023
Comunidades Neurodivergentes: AHSD, TEA & TDAH

Comunidade AHSD
Nós estamos nos encaminhando para o fim de 2023 e antes do ano acabar eu gostaria de divulgar e celebrar três comunidades que eu cocrio, coproponho e coadministro diariamente na plataforma digital whatsapp.
As Comunidades AHSD, TEA e TDAH surgiram das e orbitam as demandas da comunidade neurodivergente lusófona. É importante entendermos nosso ativismo como uma pauta tanto única quanto múltipla, única porque ninguém mais está lutando por direitos de inclusão social para a parcela populacional com funcionamento neuropsicológico divergente, múltipla porque estamos falando de uma população composta por subpopulações extremamente heterogêneas em termos internos e externos, graças a nossa natureza espectral, cada uma trabalhando conforme suas condições em frentes de enfrentamento, resistência e inclusão próprias. Nós apoiamos e celebramos suas lutas e conquistas, a neurodiversidade lusófona e a biopsicossociodiversidade humana!
A primeira dessas comunidades foi a Comunidade AHSD que hoje, dia 22 de dezembro de 2023, conta com 1.178 participantes ao longo de 29 grupos. Venha você também nos conhecer e fortalecer o movimento superdotado ao participar de uma Comunidade para pessoas com AHSD, outras neurodivergências e seus familiares e profissionais. Para acessá-la utilize o link abaixo
https://chat.whatsapp.com/JHI8DGOQdU70Xqscl88TrV

Comunidade TEA
A segunda delas foi a Comunidade TEA que hoje, dia 22 de dezembro de 2023, conta com 534 participantes ao longo de 14 grupos. Venha você também nos conhecer e fortalecer o movimento autista ao participar de uma Comunidade para pessoas com TEA, outras neurodivergências e seus familiares e profissionais. Para acessá-la utilize o link abaixo
https://chat.whatsapp.com/HykrfwBbXTq8PjxQhw7uzX

Comunidade TDAH
Por fim, a terceira e última delas foi a Comunidade TDAH que hoje, dia 22 de dezembro de 2023, conta com 11 participantes ao longo de 3 grupos. Venha você também nos conhecer e fortalecer o movimento TDAH ao participar de uma Comunidade para pessoas com TDAH, outras neurodivergências e seus familiares e profissionais. Para acessá-la utilize o link abaixo
https://chat.whatsapp.com/HGWBCmcWIlY22PqU25JLLi
REGRAS, PROTOCOLOS E ADMINISTRAÇÃO DISTRIBUÍDA
Salvo exceções das respectivas gestões dos grupos das Comunidades AHSD, TEA e TDAH, se informar melhor com as pessoas em cargo de admin, a propaganda é proibida nos grupos da comunidade. Com exceção dos grupos Divulgações AHSD, Divulgações TEA e Divulgações TDAH que visam concentrar este tipo de conteúdo num espaço dedicado.
Para nossos fins relativos à neurodiversidade, estamos caracterizando propaganda como:
Anúncio de Profissionais, Empresas, Produtos e Serviços com Fins de Venda ou Autopromoção, mesmo que num primeiro momento se apresentem de forma gratuita ou na modalidade freemium.Anúncio de Lives Individuais, Empresariais e Outras, as quais não se caracterizem enquanto eventos oficiais do governo ou do terceiro setor, quando pertinente fornecer comprovantes online.Em casos omissos, por favor entrar em contato comigo no privado via whatsapp.
Cada grupo de cada comunidade possui autonomia administrativa, o que implica em regras e protocolos próprios. As respectivas gestões lideradas pelas pessoas em cargo de admin decidem os processos de inclusão, exclusão e boa convivência.
October 28, 2023
Entrevista: Adriana Mendonça

Adriana Vazzoler Mendonça
Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Adriana Mendonça: Passei 48 anos de minha vida achando que havia algo de muito errado comigo, pois nenhum médico, psicólogo, benzedeira, mãe de santo encontrava nada que justificasse ou aliviasse meu mal estar existencial, sentimento de inadequação e de não-pertencimento. Depois de adulta, na ocasião de um divórcio traumático, procurei ajuda médica porque não estava conseguindo dormir, e a psiquiatra que me atendeu explicou que, além do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), eu tinha Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade e Impulsividade (TDAHI) e me medicou com Ritalina (metilfenidato). Anos depois, já cursando a faculdade de Psicologia, fui encaminhada a uma avaliação neuropsicológica abrangente, com o objetivo de detalhar esse suposto TDAHI, com vistas à desmedicalização. Eu tomava a menor dose possível, não me sentia nem melhor nem pior, e não queria mais ser dependente do psicofármaco. O resultado dessa avaliação foi Altas Habilidades ou Superdotação (AH/SD).
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Adriana: Acho que sou do tipo mais genérico de pessoa superdotada, porque eu aprendo rápido em muitas áreas e procuro fazer bem feito o que aprendo. Comecei a ler e escrever antes dos cinco anos de idade e até os 20 anos já falava mais quatro idiomas, o que seria uma evidência de que tenho altas habilidades na área linguística. Sou boa também em artes, música, exercícios físicos, tudo o que tem a ver com beleza, estética, informações sensoriais variadas. Mas, se eu pegar para estudar matemática, física, ou filosofia, direito, também vou bem, só que preciso de mais tempo e trabalho porque não são áreas nas quais fui estimulada. Super acredito e defendo a exposição ao pensamento matemático e às outras lógicas da filosofia desde cedo, porque esses saberes delineiam nosso pensar e este delineia nosso destino.
SM: Como foi a sua avaliação formal de altas habilidades ou superdotação (AH/SD)? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?
Adriana: Minha avaliação foi feita por um profissional psicólogo competente em avaliações neuropsicológicas, mas que não sabia quase nada sobre AH/SD. Percebi que ele tinha pouco conhecimento quando li o texto de seu laudo onde havia expressões patologizadoras referindo-se às minha queixas como se eu tivesse delírios e alucinações de ser diferente, como se me sentir não-pertencente e inadequada ou ter sobre-excitabilidades fosse parte de um transtorno de personalidade. E no final ele me encaminhou a um serviço de apoio a pessoas com AH/SD que só atendia crianças.
A avaliação das AH/SD é um serviço altamente especializado, custa caro e leva tempo. Temos que criar protocolos de avaliação compatíveis com o SUS, pois toda criança ou adulto deveria poder saber se tem AH/SD e outras condições, uma vez que a sensação de não saber o que temos pode nos levar a sofrimento psíquico, adoecimento e a tratamentos inadequados.
SM: Qual a importância de um diagnóstico ou identificação condizente com a condição e a natureza de uma pessoa, isto é, com o qual a pessoa consiga se identificar e se relacionar?
Adriana: Como psicóloga, eu realizo avaliação de AH/SD. Uso abordagem qualitativa, em busca dos comportamentos superdotados. Diante de minha vivência profissional nesse campo, digo que toda avaliação é um julgamento sobre o que a pessoa é. Ninguém sabe exatamente como outro ser humano é, e nem como descobrir isso, por mais sofisticados que sejam os instrumentos. Hoje em dia, a identificação tem mais a ver com um documento para que tenhamos acesso aos nossos direitos, porque para autoconhecimento, o processo é ao longo da vida, e ninguém melhor do que nós mesmos para dizermos quem somos e como somos, sob o nosso ponto de vista até o momento. Porque, quando ampliamos a consciência e mudamos o ponto de vista, nossa autoimagem muda.
Agora… se você tem algum diagnóstico de doença, transtorno, distúrbio, síndrome etc., você tem que se tratar para reduzir os sintomas ou se curar completamente. Não dá para viver de diagnóstico, siglas, sopa de letrinhas, número de CID, porque a vida de ninguém muda só com o diagnóstico, mas, sim, com o que a pessoa faz com essa informação. Por exemplo, se fez radiografia do braço e o osso está quebrado, tem que imobilizar, colocar no gesso, depois fisioterapia, tem que reabilitar. Se fez exame de urina e está com infecção, tem que tomar o antibiótico certinho, senão a bactéria volta. E de onde vem essa cultura de não se tratar quando é saúde mental? Se a vida nos parece complicada normalmente, imagine com um cérebro que não está funcionando bem? Temos que buscar nossa reabilitação mais avidamente do que buscamos diagnósticos.
Temos também que cuidar da palavra, pois ela modifica o pensamento e, este, o nosso destino. Quando temos alguma doença, transtorno, distúrbio, nós não somos aquilo, mas apenas estamos com aquilo. “Estar com” me permite “estar sem”. Mas se eu digo “eu sou tal coisa”, não haverá nada no universo que poderá mudar essa realidade, porque “ser” é parte de você, da sua essência. Quando eu atendo uma pessoa que diz que é isso, é aquilo, eu pergunto se ela está disposta a deixar de sê-lo. Porque se ela amar mais seu diagnóstico do que sua transformação pessoal, eu não conseguirei ajudá-la.
SM: Do que se trata a sua dissertação de mestrado?
Adriana: Meu programa de mestrado foi em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem e eu quis abordar os estudantes com AH/SD adultos na graduação. Nem todos são adultos, a gente poderia dizer que são adolescentes, mas foi meu recorte para falar sobre a população que não está mais na educação básica e que continua tendo necessidade de apoios para que seu melhor floresça.
A pergunta de pesquisa que disparou o projeto foi se os estudantes que ingressam na Unicamp pelo programa de acesso chamado Vagas Olímpicas – ação afirmativa iniciada em 2018 que considera somente a pontuação das medalhas conquistadas em olimpíadas científicas, sem fazer vestibular – seriam alunos esforçados ou superdotados.
Amei fazer esse trabalho! Minha motivação intrínseca me deu energia para superar todos os momentos não tão legais da jornada do mestrado. E foi devido a essa experiência que decidi atuar como mentora acadêmica, a fim de assessorar outros estudantes superdotados a ingressarem nos processos seletivos e a concluírem seus cursos, a escreverem seus pré-projetos e também seus trabalhos finais, e a transporem os portais de cada título, com a altivez dos relógios das torres que seguem funcionando sob tiros e tempestades.
SM: O que você pode dizer para a parcela populacional idosa que talvez considere que é tarde demais para se buscar e se beneficiar de uma identificação de altas habilidades ou superdotação?
Adriana: Para quem gosta de autodesenvolvimento, para quem é curioso e automotivado, não existe tarde demais. Existe “o que eu ainda não sei e que, ao conhecer isso e aquilo, passarei a saber?”. No limite, se a pessoa descobrir no último minuto de sua vida que aqueles comportamentos, pensamentos, sentimentos e sensações que teve ao longo da vida não eram nenhuma doença, ataques espirituais nem falha de caráter, mas apenas seu cérebro diferente, poderá morrer mais tranquila ou até mobilizar energias para viver mais, com outro sentido.
SM: Você ou algum membro de sua família recebe algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Adriana: Eu comecei a fazer psicoterapia aos 16 anos de idade, para escolher a carreira universitária, pois eu gostava de tudo e, ao mesmo tempo, não queria nenhuma das opções disponíveis. Foi tenso. Depois, ao longo da vida, sem saber que eu era superdotada, passei por muitos profissionais de técnicas e abordagens diferentes e, quando eu percebia que não estava rolando, eu buscava outro. Fazia também retiros, workshops, imersões, formações, tudo o que fosse para autodesenvolvimento, e que me apresentasse caminhos não-mentais e não-verbais. Para mim, a psicologia convencional, assim como a medicina convencional, pouco me atende. As terapias de análise e interpretação de fala não me fazem sentido, principalmente porque não acredito em determinismo e porque acredito que aquilo onde a gente coloca nosso foco e energia cresce. Se eu dedico um tempo, regularmente, a falar sobre dores, traumas e problemas, será mais dos mesmos que eu produzirei. Poucos profissionais vão além da dor, convidando-nos à geração de soluções, com os recursos que já temos, e incentivando-nos a adquirir novas competências para resolver o que a gente ainda não sabe. Minhas questões são existenciais e preciso que o profissional esteja um passo à minha frente para poder me conduzir até onde ele chegou.
SM: Algum lema motivacional?
Adriana: Tenho, sim, algumas crenças mobilizadoras. Por exemplo, eu acredito que meu potencial é infinito, então posso aprender de tudo, podendo variar a quantidade de tempo e trabalho necessários para cada aprendizado. Eu também acredito que eu nunca perco nada: sempre ganho ou aprendo algo. Se isso é verdade ou não, não saberia como testar ou provar, porque crenças são mesmo assim: aquilo em que você acredita, é verdade, você tem razão.
Digo para mim mesma que todo dia alguém tem que ser impactado positivamente por meu trabalho ou por minha amizade, alguém tem que ficar um pouco melhor do que antes de ter me encontrado. Porque eu tendo a ficar muito em-mim-mesmada e perco a perspectiva de que estamos todas, todos e todes na mesma nave chamada Terra e, enquanto houver um de nós infeliz, ninguém será feliz.
Acredito que motivação é o motivo para ação, e para mim só é motivação se for intrínseca. A motivação chamada extrínseca, quando alguma coisa de fora nos motiva, não existe porque, se nada fora de nós tem poder de nos fazer mal, nada fora de nós tem poder de nos motivar.
Mesmo assim, não é todo dia que eu estou “u-huuu”. Nesses dias, aproveito para fazer limpeza e arrumação, ficando mais introspectiva.
SM: Você ou algum membro da sua família recebe algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Adriana: Eu queria ter tido acompanhamento psicopedagógico ao longo de minha educação escolar, porque desde o primeiro ano do fundamental eu estou esperando que o ano seguinte seja mais interessante. Na faculdade de Psicologia eu mesma fiz minha inclusão, porque fiz estágio na implantação do núcleo de acessibilidade do câmpus. No mestrado busquei os recursos de que precisava fora da universidade, pois ainda não havia nenhum processo formal de apoio a estudantes com AH/SD na pós-graduação.
SM: Algum recado pra galera?
Adriana: Crianças crescem. A infância é uma fase curta em nossa vida e a jornada escolar também. Depois de crescidos e formados, vivemos mais algumas – ou muitas – décadas como adultos e idosos superdotados. A supervalorização das AH/SD na infância e na escola pode negligenciar ou invisibilizar as outras necessidades de apoio ao longo da vida, em outros ambientes e contextos, como no trabalho, na família e na própria educação de adultos. Nossa legislação sobre educação especial contempla da educação infantil até a pós-graduação, mas há um mito de que o estudante adulto se vira sozinho.
Nesse sentido, meu recado para a galera é que busquem uma vida com sentido e conectada com suas potencialidades, que é daí que vem o real apoio para superar as dificuldades. Nunca é fora de você. Nunca é a mãe nem o pai, nunca é a escola, nunca é a doença, nunca é o governo, nunca é a falta de dinheiro, nem seus filhos, nem seu cônjuge, nem seus traumas, não é sobre nada fora de nós. Porque só há um fator, realmente intrínseco, que faz nossa vida mudar: nossa vontade. O resto a gente aprende, vai lá e faz.
ANEXO
Acesse, no link a seguir, a dissertação de mestrado de Adriana Vazzoler-Mendonça intitulada “Superdotados ou esforçados? Caracterização de estudantes que ingressam na universidade por medalhas de olimpíadas científicas“, apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Bauru, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Área de Concentração Desenvolvimento e Aprendizagem, como requisito para a obtenção do título de Mestre.
October 21, 2023
Publi: Curso de Capacitação para Mediador (a) Escolar

Curso de Capacitação para Mediador (a) Escolar
Uma das maiores dificuldades que as pessoas autistas estão tendo em sua escolarização é a presença de mediadores escolares capacitados, que realmente compreendam o seu papel e as necessidades individualizadas da pessoa autista. Por isso o Instituto Neurodiversidade criou este curso para capacitar profissionais a iniciarem esse processo tão importante e necessário à inclusão escolar.
Conteúdo Programático
quem é o mediador escolar e qual o seu papel e a legislação sobre o profissional que atua na mediação escolar (em alguns contextos, esse mesmo profissional é chamado de acompanhante escolar ou de monitor)o que é inclusão escolaro que é autismocomunicação e linguagemcomunicação aumentativa e alternativaatuação no contexto escolarmanejo e condutaética profissionalmaterial de apoio para downloadEstrutura do Curso
Aulas 100% online11 módulos + material de apoioAcesso ao conteúdo por 1 anoCertificado de 60h disponível imediatamente após a conclusão do cursoInscreva-se aqui.
October 15, 2023
Entrevista: Sobre Ciência e Pesquisa Baseada em Evidências de Filipe Russo por Pietro Moresco para o OntoCast

Episódio #95 – “Baseado em Evidências” e Outras Bobagens (pt. 2) do OntoCast
O podcast OntoCast se dedica à divulgação científica e filosófica e compromete-se com um retorno a Marx, a renovação do marxismo e o debate das ideias contra-hegemônicas e anti-dogmáticas no movimento comunista. Clique aqui e ouça na íntegra a entrevista sobre ciência e pesquisa baseada em evidências de Filipe Russo por Pietro Moresco para o OntoCast no Episódio #95 – “Baseado em Evidências” e Outras Bobagens (pt. 2).
Roteiro da Entrevista
OBJETIVO
Meu objetivo nesta entrevista é explicitar a raíz artística ou artificial das ciências ditas naturais, uma vez que elas são higienizadas pela matemática e pela matematização, sendo esta última um estilo narrativo que se propõe a conduzir a ação e a comunicação, neste caso científicas, por meio de esquemas explicativos típicos da linguagem matemática, utilizando-se de seus símbolos e métodos, em suma de sua gramática.
TÓPICOS
Matemáticas e MatematizaçãoLógicasEstatísticas e Testes EstatísticosMatematismo e EvidênciaPRIMEIRO TÓPICO: MATEMÁTICAS E MATEMATIZAÇÃO
Vamos começar com 3 exemplos, do pensamento lógico-matemático.
1 + 1 = 2, no senso comum, ou melhor, na aritmética da base 10.
Ainda,
1 + 1 = 10, na aritmética da base 2.
Por fim,
1 + 1 = 0, na aritmética modular módulo 2.
A matemática na base decimal, na base binária e a matemática modular módulo 2 são pluralismos matemáticos ainda da matemática hegemônica.
Primeiro, eu entendo matemática enquanto produção matemática e não enquanto uma ideia ou um conjunto de ideias flutuando no vácuo platônico à espera de alguém pensá-las, encontrá-las, descobrí-las, desvendá-las; em suma, as instanciarem no mundo.
Matemática entendida enquanto produção matemática significa estar situada em geo-etno-políticas, nas práticas sociais de uma dada civilização e principalmente nos corpos vivos das pessoas. Só temos matemática enquanto produzimos pensamento matemático, linguagem matemática, comunicação matemática e suas respectivas interferências interdisciplinares nos nossos sistemas de relações sociais.
O que temos são matemáticas: a matemática da engenheira, a matemática da professora escolar ou universitária, a matemática da pesquisa, da economia, do pedreiro, da padaria, do canoeiro e assim de acordo com o seu núcleo social e étnico.
Eu arrisco dizer que há pelo menos tantas matemáticas quanto há idiomas e que os idiomas incidem sobre as linguagens matemáticas e vice-versa.
Há ainda no máximo tantas matemáticas quanto há seres vivos produzindo pensamentos matemáticos.
Temos aí um limite inferior e um limite superior profundamente plural.
Uma abordagem que tenta dar conta dessa diversidade da produção matemática é a etnomatemática.
Nos currículos escolares e universitários do Brasil não se encontra uma história das matemáticas, uma sociologia das matemáticas ou mesmo uma filosofia das matemáticas devidamente explicitada e representada, muito menos numa perspectiva etnodiversa. O que se encontra são subsídios operacionais e estratégicos para a reprodução do sistema capitalista.
Toda matemática é etnocentrada, mas uma matemática contra hegemônica precisa ser etnodescentralizadora, reconhecer ativamente que outras matemáticas são tão válidas e legítimas quanto uma matemática qualquer.
Historicamente e ainda na atualidade a matemática hegemônica se constitui da captura, envelopamento e instrumentalização de produções matemáticas multiculturais, rendidas aos interesses do grande capital, leia-se alta burguesia, em prol de um projeto de sociedade, de humanização do mundo que é tudo menos unânime, um projeto colonial profundamente contraditório.
SEGUNDO TÓPICO: LÓGICAS
É fácil pensar que a lógica é um campo de produção de conhecimento morto, estagnado e livre de conflitos. Esse pensamento surge fácil para quem não participa do seu desenvolvimento ativo. Eu costumava pensar assim inclusive.
Segundo Cezar Mortari, lógica pode ser entendida como o estudo dos princípios e métodos de inferência, ou do raciocínio válido.
Um sistema lógico, uma lógica, compreende uma linguagem artificial na qual argumentos de uma linguagem natural podem ser codificados, formalizados.
A lógica clássica, assim batizada pelos modernos, é o cálculo de predicados de primeira ordem com identidade e símbolos funcionais, também conhecida como lógica elementar.
Alguns dos seus subsistemas são o cálculo proposicional clássico (CPC), o cálculo de predicados monádico de primeira ordem, o cálculo de predicados geral de primeira ordem, a lógica funcional.
Já uma lógica de segunda ordem é um sistema lógico que apresenta quantificação sobre um predicado de indivíduos, ou seja, sobre uma propriedade. Conforme você quantifica sobre uma propriedade de propriedades você vai subindo na ordem de sistema.
Há ainda as lógicas não clássicas, assim batizadas pelos modernos, tais como as lógicas erotéticas que se baseiam em questões ou perguntas ao invés de proposições, as lógicas imperativas, lógicas modais aléticas, lógicas modais epistêmicas, lógicas modais deônticas, lógicas modais temporais.
Para cada concepção de tempo podemos ter uma lógica (tempo linear, com começo, sem começo, com fim, sem fim, transitivo, discreto, denso, ramificado à direita, ramificado à esquerda, circular, contínuo, entre outros).
Essas, em geral, foram as lógicas complementares, que basicamente estendem a lógica clássica.
Há ainda as lógicas alternativas ou heterodoxas, que possuem natureza substitutiva. Dentre elas temos as lógicas polivalentes que possuem mais valores de verdade do que V ou F, a lógica trivalente de Kleene, L3 de Lukasiewicz, lógica intuicionista I, lógicas relevantes R e E, lógica do Paradoxo LP de Graham Priest, a hierarquia de cálculos paraconsistentes Cn de Newton da Costa, entre tantas outras.
TERCEIRO TÓPICO: ESTATÍSTICAS E TESTES ESTATÍSTICOS
Estatística é a arte de produzir, disciplinar e encenar os dados em tabelas, gráficos e modelos, a fim de dar corpo de evidência matemática a argumentos e conclusões extramatemáticos.
Se os gráficos são a conversão de elementos tabelados em elementos sensoriais, geralmente visuais, então os modelos estatísticos são esquemas explicativos constituídos de dados, funções de probabilidade, premissas e objetivos matemáticos, premissas e objetivos extramatemáticos, estimadores algébricos, dados obtidos a partir de fenômenos submetidos à avaliação humana ou à mensuração maquínica e por fim, testes de hipótese ou testes estatísticos e seus respectivos resultados e a decisão humana sobre a pertinência destes na nossa realidade física, os quais em última instância não são incluídos ou excluídos pelos cálculos, mas somente infirmados ou confirmados pelos mesmos.
A produção de dados está nas técnicas de amostragem, desenho experimental e aferições.
Uma vez produzidos, fica ao encargo da disciplina de dados regrá-los em tabelas para facilitar sua recuperação e sua manipulação. Das manipulações mais comuns podemos citar as contagens, os agrupamentos, as transformações lógicas, algébricas e categoriais, e por fim, os famigerados testes estatísticos da estatística inferencial, para os quais se requer a comparação contra modelos estatísticos e estimadores previamente construídos.
Por último, temos a encenação dos dados, quando os fazemos falar a título de evidência no nosso escopo narrativo. Estes são os gráficos, figuras, tabelas e os resultados estatísticos inseridos numa narrativa qualquer, seja artigo científico, livro acadêmico, relatório institucional, prova escolar, matéria jornalística ou mesmo uma aula de matemática, que busca argumentar a favor ou contra uma proposição posta à prova.
Exemplos desenvolvidos ao vivo ao longo da entrevista.
Jogando DadosA altura média de uma pessoa brasileira é igual à altura média de uma pessoa estadunidense?O que funciona para quem? Remédios, vacinas, procedimentos cirúrgicos e procedimentos terapêuticosQUARTO TÓPICO: MATEMATISMO E EVIDÊNCIA
O que é uma evidência?
O que é uma evidência dita biológica?
O que é uma evidência dita psicológica?
O que são as ciências ditas naturais, as ciências ditas exatas?
A evidência nunca é intrinsicamente trivial, autoevidente. É sempre algum discurso que assim a apresenta, assim a enuncia.
O problema está quando a evidência não é apresentada em toda sua humildade, em toda sua potência e fragilidade, mas sim como uma alavanca que justifica seguirmos adiante com um projeto humanizador do mundo, o qual não entendemos plenamente e com o qual não concordamos minimamente.
Não raro isso acontece em função de um campo discursivo esvaziador de outros campos discursivos e centralizador de um suposto discurso legítimo.
Matematismo é a crença política de que os conhecimentos matemáticos são mais puros, nobres, legítimos, verdadeiros, válidos e científicos, a crença de que é só a partir dos conhecimentos matemáticos que outros conhecimentos menores e subalternos podem ser autorizados a exercer suas práticas sociais com um mínimo de respeito, dignidade e presteza. É uma proposta de mundo humano autoritária e centralizadora do poder, tornando a matemática ou um punhado de manipulações matemáticas nos supremos proprietários da verdade, da justiça e da ordem social. Mas em última instância o matematismo é um discurso ideológico que serve a ideias de dominação.
Há quem pense que a matemática é higiênica e higienizante, capaz de higienizar as demais ciências.
Há ainda quem pense o mesmo da lógica em relação à matemática.
Agora essa ideia de que existe um raciocínio limpo, puro e melhor em contraposição a um raciocínio sujo, impuro e pior é prontamente perigosa.
Ela parte do que chamo de discurso com hierarquia maniqueísta.
Assim como um átomo é composto por elétrons, nêutros e prótons, uma hierarquia maniqueísta é composta de dois pólos, o da positividade (o bem, o bom e o belo) e o da negatividade (o mal, o ruim e o feio), sendo que a carga positiva indica o quanto um elemento é “melhor” do que o outro, numa relação de ordem. Um discurso com hierarquia maniqueísta busca interpretar argumentos e práticas segundo esses juízos de valor, sem jamais se questionar quem e por que se favorece uma interpretação em detrimento de uma outra qualquer. As interpretações, em suma, são arbitrárias, assim como qualquer sistema discursivo.
O matematismo, o biologismo e o psicologismo são tipos diferentes de higienismo que variam somente em relação ao elemento central e centralizador a partir do qual presidir e disciplinar os demais campos de conhecimento.
As evidências da matemática são os axiomas e os teoremas, ou seja, evidências postuladas e evidências dedutivas.
A validade de um teorema matemático está subordinada a uma axiomática, um sistema axiomático, uma axiomatização, um conjunto de axiomas incondicionalmente arbitrário.
Por exemplo, o notório Teorema de Pitágoras funciona na geometria euclidiana, onde vale o postulado das paralelas. Mas agora o Teorema de Pitágoras vale em geometrias não euclidianas? Tais como o semiplano de Poincaré, o disco de Poincaré e o disco de Klein?
Por que isso é importante? Porque durante muito tempo se pensou que a geometria matemática era única, leia-se euclidiana, e correspondia à geometria física, a qual por sua vez corresponderia à própria estrutura da realidade.
Historicamente temos a substituição de modelos teóricos:
Geocentrismo com a Terra no centro do Universo.
Heliocentrismo com o Sol no centro do Universo.
E hoje já sabemos, segundo nossos modelos vigentes, que estamos bem looonge do centro da galáxia, quem dirá do universo.
Nessa história sobre a centralidade universal, temos nomes como Galileu, Copérnico, Kepler e por fim o filósofo natural Isaac Newton no século 18. Ainda trabalhando com uma geometria física euclidiana.
É só então no século 20 com Albert Einstein e seus trabalhos cosmológicos que descobrimos que a geometria do tempo-espaço como descrita pela física moderna diz respeito a uma geometria não-euclidiana, afinal de contas a gravidade é a curvatura do espaço-tempo e ondas gravitacionais se propagam na velocidade da luz, sendo observadas “diretamente” pela primeira vez em 2015.
Na história da humanidade até então, não existe nenhuma prova ou demonstração de que o mundo seja matemático ou mesmo físico, no sentido de que possa ser plenamente descrito por conceitos da física.
A matematização e o matematismo ambos buscam dar corpo de evidência matemática a discursos extramatemáticos. Sendo a primeira abordagem mais humilde e a segunda mais imperialista.
October 7, 2023
Entrevista: Melissa Mecenas Oshiro

Melissa Mecenas Oshiro e filha
Supereficiente Mental: Ninguém nasce com consciência de sua própria superdotação, contextualize para nós a descoberta da sua.
Melissa Mecenas Oshiro: Eu jamais me vi como alguém especial. Mas, alguém cheia de limitações e problemas. Muito tímida, introspectiva, com extrema dificuldade de interação social. Mas, nasci nos anos 80, cresci e me tornei adolescente nos anos 90, e pouco se sabia sobre superdotação, nesses períodos, o que dificultou a descoberta no momento ideal, ou seja, logo no início da vida. O que eu conhecia disso eram apenas os mitos de gênios, famosos, ricos, etc. Eu esperava me curar da timidez, e da sensação de ser inadequada e até desse extremo idealismo e hipersensibilidade. Mas, conforme a vida foi transcorrendo, e eu fui adquirindo algumas frustrações, traumas, lutos e etc, isso se intensificou. Na verdade, eu estava à procura de ajuda para minha filha, nos meus 41 anos, quando a psicóloga Cristiane Araújo disse que identificou em mim os traços das Altas habilidades e do Autismo. Eu já tinha um prejulgamento interno e externo de que o meu problema era advindo de um temperamento ruim, de uma antipatia, e até de um ser humano esnobe e enjoado que eu era. Era assim que eu me via, era assim que eu sofria, mas já estava conformada de que a culpa era minha, mas não sabia como parar de me sentir tão mal a meu respeito.
SM: Quais são suas áreas de alta habilidade?
Melissa: Minhas áreas de altas habilidades são a literatura e a religião.
SM: Como foi a sua avaliação formal de superdotação ou altas habilidades? Você considera que esse serviço profissional ainda é pouco acessível a boa parte da população brasileira?
Melissa: Eu fui avaliada como autista superdotada. Considero que esse serviço profissional é desconhecido da maioria. As altas habilidades são mal compreendidas e ainda há muito preconceito e ilusões a respeito. O que resulta é que demoramos a descobrir nossa divergência e quando descobrimos ainda temos que lutar contra nossa própria autossabotagem porque não somos o gênio idealizado, não ficamos famosos nem ricos e precisamos lutar dia após dia contra o preconceito e a cobrança e autocobrança excessiva.
SM: Por que não se conhecer é uma arma afiada contra si mesmo?
Melissa: Porque quando você não sabe quem é não entende suas necessidades, tenta se identificar com a maioria, começa a autossabotagem, a se culpar excessivamente, fica triste, pode entrar em depressão. E tudo isso poderia ter sido evitado se eu soubesse desde cedo que as minhas necessidades sempre serão diferentes das outras pessoas e está tudo bem.
SM: Explique o seu entendimento sobre o tabu em relação às pessoas com neurodivergências, tais como autismo, altas habilidades ou superdotação e múltiplas condições.
Melissa: Depois que eu tive o diagnóstico de autismo e altas habilidades ficou mais fácil de entender porque eu era tão diferente das outras pessoas, e entendi que eu sempre vou precisar viver de um modo diferente para ser feliz. Que me fingir de outra pessoa não vai funcionar, pois é autodestrutivo. Não posso escolher quem eu sou. Algumas coisas nunca serão para mim, como me sentir idêntico, ou confortável no público. Mas, saber quem eu sou, ressignificar o passado não foi suficiente. O diagnóstico me trouxe cobrança, e aflição. Principalmente quanto às altas habilidades. Porque não me identifico em nada com o mito do gênio. Tenho muitas dificuldades financeiras, emocionais e tenho feito treinamento cerebral para melhorar uma lentidão do meu cérebro por excesso de traumas. Nos últimos anos, tenho sentido sensação excessiva de cansaço e desânimo que não apenas estavam vindo da depressão, mas também dos traumas que lentificaram meu cérebro. Hoje, eu tento não me cobrar tanto. Apenas desenvolver minhas altas habilidades com paz, para ser feliz e me sentir satisfeita em poder contribuir na sociedade com meus livros e outros trabalhos artísticos, cristãos e de videoartes.
SM: Como é ser uma mãe neurodivergente com uma filha neurodivergente?
Melissa: Não é difícil para mim, é apenas difícil quando a gente entra em contato com as pessoas que não são neurodivergentes ou que não entendem sobre o assunto ou não tem nenhuma empatia. Mas, depois do diagnóstico, passamos a ter mais contato com outras mães e crianças neurodivergentes e isso é muito bom; com profissionais que sabem nos ajudar também. De repente o mundo não é mais nosso inimigo, e nós não somos culpados de nada, somos apenas diferentes.
SM: Você ou algum membro de sua família faz uso de algum acompanhamento psicológico? Em caso positivo fale como isso funciona para vocês.
Melissa: Sim, minha filha e eu fazemos acompanhamento psicológico. É extremamente importante porque eu pouco sei sobre o assunto. A maior parte que sei é sobre minha própria vivência como uma criança, adolescente e adulta diferente que sofria pela inadequação e a também na experiência de ser mãe de uma neurodivergente. Mas, no restante, a orientação, e as questões emocionais são importantíssimas no tratamento para nós duas. E também faço treinamento do meu cérebro por causa da lentidão formada pelos traumas.
SM: Algum lema motivacional?
Melissa: A minha inspiração sempre foi Yeshua (Jesus de Nazaré). Descobri recentemente que ele era analfabeto (segundo muitos historiadores). O alto entendimento dele sobre as escrituras e sobre o que poderia melhorar a vida das pessoas na época, identificando hipocrisias no sistema político e religioso, sua coragem de enfrentar as autoridades defendendo os mais fracos, faz-me crer que ele era um superdotado. Alguém que passou pela incompreensão, pelo preconceito e julgamento, por não apresentar características ideais, ou seja, de um rei ou uma autoridade empossada, tanto como somos cobrados perante o mito do gênio, ele foi cobrado a ser um rei cruel e poderoso, mas se negou a ser. Por isso eu entendo que devemos fazer o nosso melhor, e buscar paz. Nossas necessidades são mais importantes do que os modelos oferecidos a nós.
SM: Quais os títulos dos seus livros publicados? Quais assuntos você desenvolve em cada um deles? Onde podemos adquirí-los?
Melissa: “A lenda das Mulheres Proibidas” (é uma ficção, abordo temas como poder, amor, abuso, estupro, conquistas territoriais. Nessa história inclusive há uma breve passagem de um neurodivergente, cujo professor e pai não o aceitam), “Mônica” (romance; os assuntos são abuso, machismo, abandono, e pessoas em tratamento contra o câncer), “O limite do amor” (romance ficção, abordo temas como luto e autossabotagem, depressão e violência psicológica), “A volta do filho e outros contos” (são vários contos, sendo o principal uma história póstuma contando da chegada do meu pai no céu, seus dramas para entender sua passagem na terra) e “As cinco estrelas” (romance, abordo temas de altas habilidades sem saber que estava falando disso, porque escrevi antes de saber do tema – eu os chamo de estrelas no livro; falo sobre os dekasseguis – trabalhadores brasileiros no Japão, autossabotagem, doenças psicossomáticas, luto e a decepção da personagem principal com a fama). Os livros estão à venda na Amazon e no site da Editora Life.
SM: Você ou algum membro da sua família faz uso de algum acompanhamento psicopedagógico? Em caso positivo, fale como isso funciona para vocês.
Melissa: A minha filha é acompanhada num instituto para autistas, onde faz motricidade e natação, tem acompanhamento de outros profissionais como dentistas, assistente social. Lá ela espera vaga para outras especialidades como fonoaudiologia e terapia ocupacional. Esse espaço é muito importante para o desenvolvimento dela e também para que possamos ter um apoio de pessoas que sabem como nos orientar para o desenvolvimento dela, sem preconceito, sem sofrimento, como geralmente é no contato com o mundo.
SM: Algum recado pra galera?
Melissa: Bom, eu gostaria de agradecer você por estar aqui como neurodivergente em busca de entender melhor a sua história através da minha. Eu espero poder ajudar você a não se cobrar tanto, a ter mais paciência consigo mesmo, porque tudo vai passar, tudo há de melhorar, na compreensão de que não existe erro, fomos feitos assim porque temos algo único a dar ao mundo: nossa alta habilidade; de maneira a trazer alguma doçura ao mundo, alguma luz sobre as escuridões. Posicionando-se como alguém que exige respeito, mas também esclarece com gentileza, a quem não faz a menor ideia do que é ser diferente e sofrer com isso, nós podemos ajudar os futuros filhos divergentes desses não neurodivergentes.
Se você não é um neurodivergente, eu te agradeço mais ainda por ter lido a minha história, porque isso te capacita a tornar o mundo menos hostil a muitos de nós que estão sofrendo muito agora ou sofrerão futuramente.
Desconfio que meu pai era um neurodivergente, com muitos sofrimentos e diferenças durante a vida, mas não teve diagnóstico. Muitos de vocês que vieram aqui sem saber nada sobre altas habilidades, e autismo, podem ter conhecido muitas pessoas e não reconheceram e não souberam ajudar. O conhecimento e o amor são a chave não para tornar todos iguais, mas para suprir as diversas necessidades nossas. Conforme vamos aprendendo sobre quem somos, aprendemos o que precisamos, e isso trará uma vida de qualidade. Isso é o mais importante, isso é insubstituível, a dignidade, a paz e a aceitação de quem somos. Não esqueça, Deus te ama!
September 9, 2023
Entrevista: Sobre Neurodiversidade de Filipe Russo por Fábio Mori para o MatrizCast

Filipe Russo no MatrizCast
O MatrizCast é o podcast oficial da Escola Matriz. Todo Domingo oferece um episódio novo falando sobre Educação com convidades especiais que dão insights muito importantes para você estudante que está prestes a escolher a sua profissão. Já pensou que legal poder escutar de alguém que já passou por tudo isso e hoje pode te contar quais foram as decisões corretas, os erros, os arrependimentos, aprendizados e o que faria diferente? Afinal a principal pergunta que fazemos para les convidades é: o que você diria, quais conselhos daria para o sua versão de estudante do passado? Clique aqui e ouça a entrevista sobre neurodiversidade com Filipe Russo por Fábio Mori na íntegra. Segue abaixo dois trechos audiovisuais da entrevista sobre diferença e normalidade.
Diferença na minha NormalidadeTrecho sobre a “Diferença na minha Normalidade” da entrevista de Filipe Russo por Fábio Mori para o episódio #111 do MatrizCast, o qual versa sobre o que é neurodiversidade.
A sua Normalidade na DiferençaTrecho sobre a “A sua Normalidade na Diferença” da entrevista de Filipe Russo por Fábio Mori para o episódio #111 do MatrizCast, o qual versa sobre o que é neurodiversidade.
September 3, 2023
poETes: o Relançamento 🚀

Conheça e apoie a poesia escrita por pessoas com superdotação ou altas habilidades! Somente até o dia 24 de setembro de 2023, obtenha o seu exemplar autografado em:
Em breve, o livro “poETes: Altas Habilidades com Poesia” será publicado pela primeira vez em formato impresso, em nova edição pela editora Toma Aí Um Poema (TAUP). A obra conta com 52 poemas de 10 autorias neurodivergentes! Dentre as quais pode-se destacar figuras conhecidas da nossa comunidade, tais como André Coneglian, Filipe Russo, Luciano Santa Brígida, Nina Carvalho, Rejane Vieira, entre outras.

Uma IA pode fazer poesia?
Será que uma Inteligência Artificial (IA) pode escrever boa poesia?
O poeta e programador Luciano Santa Brígida, membro proativo do nosso coletivo, programou o poETeBot, um “Bot Poeta”, especialmente para a nossa campanha. Participe da experiência interativa de literatura expandida por IA ( +
=
) em:
Durante a nossa campanha de financiamento colaborativo na plataforma Benfeitoria, você poderá interagir com o nosso “Bot Poeta” para produzir poemas nos temas da coletânea poETes e assim expandir a sua experiência estética de leitura, segue abaixo os capítulos do livro que podem ser expandidos por tempo limitado em nosso website.
Espaço e Tempo;Ciências e Tecnologias;Natureza e Paisagens;Jogos e Poderes;Linguagens;Entre a Razão e a Emoção;Poedemia ou Pandemia (pandemia);Nosso Olhar (AH/SD).
Live “poETes, o Relançamento — POESIA AO INFINITO E ALÉM”
No sábado do dia 12 de agosto de 2023, às 15:00, foi realizada a live interativa “poETes, o Relançamento: Poesia ao Infinito e Além”.
O evento objetivou divulgar o projeto poETes e explicar melhor sobre a campanha de financiamento colaborativo para a republicação do livro “poETes: altas habilidades com poesia” pela editora TAUP – Toma Aí um Poema.
poETes é uma coletânea de poesias escritas por pessoas jovens com altas habilidades ou superdotação (AH/SD) que se conheceram online a partir dessa condição neurodivergente.
Após uma parceria bem-sucedida com a Atípica Editorial, nossa obra será relançada em uma nova edição atualizada, revista, expandida e impressa.
Durante o evento, autorias da coletânea recitaram seus poemas. Imperdível!

Seleção do Coletivo poETes pela Editora Toma Aí Um Poema em sua Segunda Chamada de Originais de 2023
A publicação de uma edição atualizada, revista, expandida e agora impressa do livro poETes pela editora Toma Aí um Poema (TAUP) nos garante um retorno ao circuito editorial e agracia com uma segunda vida um projeto coletivo, coautoral e agora financiado colaborativamente. Mediante sinergia com a TAUP e sua missão de visibilizar talentos emergentes de natureza literária a partir dos valores de que publicar é um direito e de que o acesso à poesia deve ser universal, nós, juntes e misturades, realizamos o sonho coletivo das pessoas autoras, efetivando a fantástica oportunidade de imprimi-lo no mundo e participar de um espaço em que poetas e amantes da poesia acessam, compartilham e celebram talentos literários diversos – um ecossistema fértil que nos remete aos saraus nos quais primeiro brotou a ideia desta coletânea!
Ainda, um subgrupo de poetas da nossa Comunidade AH/SD, se sensibilizaram e se mobilizaram pelo nosso projeto de poesia neurodivergente. Algumas dessas novas autorias chegaram até mim e propuseram participar da divulgação do livro ao publicizar sua própria poesia! Segue abaixo esses movimentos poéticos coadjuvantes ao livro “poETes: Altas Habilidades com Poesia”. Participe você também em prol do movimento pela neurodiversidade poética brasileira! (:
O erro de saber demais
Fernanda Bronzeado
Como saber pode ser errado?
Saber e errar? Saber errar..
Errado não tá
Mas certo também não
Não encaixa
Não relaxa
Tenta e não consegue
Consegue sem tentar
Suas palavras são atentado ao pudor
Pudor é opinião média
Medida nunca foi seu forte
Sempre fora da escala,
Do esquadro
Da expectativa
Sacro Escaravelho
Rafael Maia
Imagem do sol levante em cume
Que reflete a incerteza do eterno.
Em tempos de beleza e arte esteve
Com o ciclo do ocaso em teu domínio.
É pendular e eterno o movimento:
Kefri deita o astro em noite escura
Mas despontará Rá em brilho azul.
Sereno e permanente ensinamento!
Renasce a esperança em tua presença
De um novo tempo fértil e iluminado
De sábia luz que emana do teu culto,
Translúcido pedido de um morto.
Se a força do desejo alcançasse
A tua piedade e renascesse
A chance de tesouro que espera
O rei tão suplicante no sepulcro.
Verdade então seria revelada
Em carapaça negra de besouro
– Levanta-te e segue teu caminho!
Aprende com os passos da aurora,
Que ganha e perde tudo em agonia
E morre e surge forte a cada dia.
A vida é água limpa pelo Nilo,
Silenciosa e firme em correnteza,
Profunda e carecida de certeza.
05/04/2023
Marcela Carreiro
Cada encontro cobra um ritual
Na porta de entrada, descarto sorumbático manto
Pago os cumprimentos, solicito o atual
E diante de um possível espanto
Equipo-me com capa costurada de lúmens e sonhos
Apressada para nossa reunião
Lampeja amor em nosso bifurcado coração
Entre uma miríade de lágrimas e momentos saturninos
Mesmo em estridente quietude
Escuta-se temíveis e eletrônicos sinos
Meu toque apesar de afetuoso, acidentalmente rude
Nele, reverencio meu até breve
Sou compreendida, em maneirismo frágil e leve
Após despedida, esquivo do terror noturno
Porque à noite o prazer transforma-se em apático
Quando lembro de seu semblante soturno
Ainda devaneio com seu toque catártico
Anseio o alvorecer, prendo-me ao factual:
Cada encontro cobra um ritual
Sobre Ser Superdotada
Tatiane Oliveira
Queria tanto poder ser eu mesma,
Tirar a dor que tanto me assombra,
Não ter que usar máscaras em cada lugar que estou,
Para agradar o padrão da sociedade.
Luto diariamente para ser feliz,
Para estar alegre e viver,
Mas com o tempo percebo que minha distância entre o padrão fica maior.
Desejo ser acolhida, compreendida, aceita
Mas não sou.
Por onde passo sou um incômodo
Será que sou um problema?
Será que mereço levar essa culpa?
Por buscar ser melhor a cada dia
A competir comigo mesma
Por não aceitar os absurdos impostos e questionar condutas inaceitáveis
Em realizar um bom trabalho e utilizar minhas habilidades
Quanto mais me dedico mais me diferencio dos demais
Dói ser, pensar e agir diferente.
Meus maiores prazeres estão sendo dissipados
Estudar, desenhar, pintar, tocar, dentre outros
Qual será o meu fim?
Cair num looping infinito onde tudo se repete? E sofrimento começa de novo.
Você busca a cura e as pessoas ao seu redor não.
Projetam suas frustrações em você.
Você as entende, mas elas não lhe entendem.
Que mundo é esse com essa falta empatia?
Queria me apagar desse mundo injusto.
Que faz crianças, adolescentes e adultos como eu sofrerem
Mas não vou dar esse prazer
Vou me levantar,
ter resiliência como sempre
E continuar lutando em busca da visibilidade dos superdotados.
30/04/22
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August 26, 2023
Relato Pessoal: Melissa Mecenas Oshiro

Melissa Mecenas Oshiro
1 A Descoberta
Comecei a perceber que minha filha Poliana era mais lenta em andar e falar, em se comunicar desde que ela fez um ano de idade, depois isso se tornou mais nítido quando ela estava diante de crianças de sua idade. Comecei a comentar no Projeto onde frequentamos que suspeitava que minha filha pudesse ter autismo. Um dia consegui uma consulta com uma psicopedagoga que me indicou outra profissional especialista em autismo.
Tive um primeiro contato por whatsapp com a psicóloga Cristiane de Araújo, depois preenchi vários questionários e fiquei aguardando uma consulta pessoalmente. Mas, eu estava buscando ajuda para minha filha, não para mim. A surpresa foi que essa busca me levou a um encontro inesperado: comigo mesma, a Melissa de verdade, alguém que poderia responder por que havia sido tão difícil viver dentro da família, dentro da escola e em todo lugar. Por que eu era tão diferente?
2 A Culpa
Inicialmente, me pareceu tão egoísta buscar algo para mim. Desde que me tornei mãe, ouvi muito: “Agora é só ela! Você deve esquecer de você por ela! A mãe não pode isso, a mãe não pode aquilo, a mãe não pode ficar doente, a mãe deve ser forte, a mãe e só a mãe, o pai ajuda se quiser e se puder”. Fiquei grávida num contexto muito ruim, e ainda assim a aceitei imediatamente. Amei-a tanto que isso me deu forças para acreditar que minha vida ainda tinha jeito. Enquanto ela crescia dentro de mim, eu sentia que finalmente algo bom e independente do mundo exterior era gerado, sem mácula, sem a tristeza que geralmente estragava tudo para mim. Naquele momento, eu tinha a oportunidade de conhecer o amor supremo: o da doação. Não importava como, isso foi uma chance que ganhei de Deus. Enfim, eu havia encontrado o amor incondicional.
3 O Começo de Tudo
Meu diagnóstico foi de autismo e altas habilidades. Olhando do futuro para o passado (vendo da perspectiva do início da minha vida), percebo uma criança pequena que demora a sair das fraldas, sempre apanha de outras crianças, até mesmo de suas próprias amigas, acredita em tudo que escuta, e facilmente é roubada sem contestar pois não sabe falar para se defender. Detesta comer. Chupa a comida e cospe. Seleciona alimentos, cheira-os. “É nojentinha”- dizem. E pelo fato de não gostar de comer, vive internada. Não fala quase nada. Mas, começa a inventar canções logo que a fala começa. Aos quatro anos, começa a divagar com mais intensidade, pensando sobre algumas teorias acerca da vida e do amor. Aos cinco anos ainda não sabe comer e ninguém sabe porquê. Um dia, uma prima senta com ela na mesa da cozinha da casa da avó materna e começa a lhe dizer:
“Olha, Melissa, é assim: põe na boca, mastiga e engole”. E naquele dia ela comeu pela primeira vez, sem cuspir a comida. E dali em diante parou de ficar doente. Aos seis anos, começa a estudar. Ela passa por algumas crianças chorando e não compreende pois ela estava encantada com tudo aquilo. Ela sabia de alguma forma que estava ali para algo bom: aprender. No primeiro dia de aula, choveu na hora do intervalo, um garotinho vendo que ela não conseguia abrir de maneira nenhuma sua garrafa térmica com suco, veio e abriu-a para ela. Ela acha tão lindo e fica com aquela sensação de gentileza no meio de um monte de gente ocupada e fria.
4 Bullying
Como uma criança autista e superdotada já foi difícil viver entre os normais. Mas pior era não saber da minha múltipla condição. Não se conhecer é uma arma afiada contra si mesmo. E quanto mais o tempo passava mais eu me sentia inadequada, fraca e impotente. Isso se intensificou através dos bullyings que nas décadas de oitenta e noventa não tinha nome e quem se ofendesse era visto como fraco e chato. Querer levantar uma causa na escola ou na família era sofrer novas perseguições. Meus pais me diziam: “finja que não é com você, logo passa. Se achar ruim será pior”. Fingir que estava tudo bem ou tentar manipular minha identidade era a resposta para a normalidade. Até hoje, muitas pessoas foram contra minha identificação e isso permanece um tabu.
5 Manipulação da Identidade
Há uma necessidade de que todos sejam iguais ou, pelo menos, finjam que são para atender às expectativas da família, dos amigos e da sociedade.
Ser diferente é um grande sofrimento para mim, não por ser diferente, mas pela manipulação exterior em querer me curar de quem eu sou. É uma grande expectativa de que, em algum momento, eu “amadureça”, e me transforme em uma pessoa mais igual às demais. Descobri minha dupla condição com 42 anos, e ainda assim me sinto esperando que isso mude e sinto que as pessoas esperam isso de mim. Essa manipulação constante me leva a um sofrimento insuportável.
6 Ingenuidade
Um dos problemas do autismo na minha vida foi a tendência a me machucar: a apanhar de crianças, a sofrer calada, a ser literal esperando do outro a mesma sinceridade com a qual falava e me frustrando (até adulta), a viver um relacionamento abusivo após o outro, a não saber lidar com conflitos, a buscar a solidão, ser uma criança triste, e uma adulta com depressão profunda. Muitas vezes meu idealismo foi identificado como infantilidade. Muitas vezes meu modo exigente em relação ao que me foi prometido também foi interpretado como infantilidade. E eu segui sempre sem entender as pessoas e as pessoas sem me entenderem. Porque meu raciocínio literal não entendia como aceitar a mentira para que eu me tornasse uma adulta normal e madura.
7 As Altas Habilidades
As altas habilidades começaram de forma suave através dos meus quatro anos, na sala de estar da minha avó materna. Lembro-me de ficar pensando em muitas teorias e a partir daí estava sempre me apartando das outras crianças para ficar parada num canto pensando e observando o céu. Às vezes, eu voltava e olhava para elas e me cobrava: “vai lá, brinca”. Em contrapartida, eu dizia numa conversa interna:
“Por que? Eu não entendo o que elas estão fazendo. Eu quero pensar. Eu amo pensar e olhar o céu. Amo isso”.
Logo comecei a criar músicas e quando comecei a escrever já inventava minhas próprias frases, sempre em cartinhas dedicadas a meu querido pai. Com onze anos escrevi minha primeira poesia. Passava tardes inteiras escrevendo poesias na sacada do prédio onde morávamos. E não conseguia parar de escrever e ter ideias. Mas quando estava com quatorze anos minha mãe me disse que se eu escrevesse um livro ela mandaria publicar e ela o distribuiria no aniversário para todos os convidados e ela teria muito orgulho de mim. O resultado foi que fracassei. Aquilo tudo me deprimiu demais: ela tinha muitas expectativas sobre mim e parece que isso me remetia a tudo que eu detestava: o amor condicional. Eu não sei se queria que alguém tivesse orgulho de mim, acho que eu só queria ter sido amada, amada de verdade, sem expectativas. Mas, naquele momento eu parei de escrever por onze anos. Até o momento em que a vida me cobrou que eu voltasse a exercer meu dom, no meio de uma síndrome do pânico. Eu voltei a escrever e foi o que me curou. Não usei remédios. O meu dom foi o meu remédio. Hoje, tenho cinco livros publicados e dezenas finalizados.
8 Expectativas
Comecei a sofrer com as expectativas das pessoas em relação à minha filha também, que vinham sempre com julgamentos muito cruéis: “O que foi com ela? Ela é preguiçosa!” e muitos outros. Mas, na verdade, essa expectativa surgiu desde a gestação, pois eu engravidei com 37 anos e o preconceito que sofri foi mais um fator que contribuiu para uma depressão no período gestacional e no pós-parto.
Eu como mãe aprendi a me amar de verdade. E essa jornada meio que sem querer na verdade foi a porta para achar meu diagnóstico e começar uma busca por uma vida de melhor qualidade. Se tenho expectativas é de ter qualidade de vida e nunca, nunca mais de me ferir ou deixar ninguém me ferir para parecer normal ou aceitável. Publiquei cinco livros, mas com eles vieram muitas cobranças tanto minhas quanto externas e, no final, a prosperidade não veio. E nesse momento eu me questionei: e aí, escritora mesmo? E continuei a escrever outras dezenas de livros, num fluxo incontrolável. Mas, agora com a divulgação do diagnóstico de altas habilidades ou “ah, superdotada?” sei que também virá a cobrança e a autocobrança de: cadê o sucesso? E mais uma vez eu caio no consenso de que todo superdotado é rico e famoso ou eu vivo minha história sem expectativas e encontro nisso a paz. Porque nem toda fama vem da superdotação e nem todo superdotado está preocupado com fama, mas com o desenvolvimento de suas altas habilidades.
9 Depressão
Uma das coisas que desenvolvi foi a depressão. Isso aconteceu por fatores externos e pela incompreensão da minha condição. Passei por muitos traumas: luto, bullyings, relacionamentos abusivos, preconceitos, calúnia e difamação, exposição pública na internet, abandono. Tudo isso nunca minou meu potencial como artista e escritora, mas acabou por potencializar minhas habilidades. Eu uso da dor para escrever, dos traumas para criar. Para alertar, para exortar e edificar pessoas, inventando personagens que sofrem por algo que eu já sofri ou muitas vezes escrevi sobre dores que eu apenas sofreria posteriormente: como uma premonição.
Sempre fui mais lenta para fazer tudo por conta do autismo, mas a depressão torna tudo mais lento ainda. Fico quase impossibilitada de decidir, de agir, isso dificulta a vida e me torna alvo de mais críticas negativas. No entanto, nesse momento de completo desespero, de um pânico de madrugada ou de uma vontade de desistir de tudo, o dom surge e me convida a me sentar e escrever sobre isso. Sobre a própria desesperança e não a desistir. E assim tenho feito. E são dezenas de histórias já.
10 O Futuro
Eu sempre penso e agora? E o futuro? Como posso devolver alegria quando estou tão triste? Como posso melhorar se já tentei de tudo? Hoje eu faço neurofeedback com a psicóloga Cristiane Araújo. E tenho esperanças de melhorar, digo a qualidade de vida. Muitas das nossas dores e ansiedades vem sobre lembranças de pessoas que não nos conhecem verdadeiramente, que talvez tenham crescido conosco, tenham vivido anos a nosso lado e de fato nunca nos enxergaram nem uma única vez. Quero terminar esse relato dizendo um ditado malaio:
O amor é aquele que conhece.
Obrigada, Deus, por ter me proporcionado lutar mais uma vez por meu caminho estreito, por meus dons, e por ter me encontrado e me resgatado novamente para me mostrar que nada foi à toa, que eu não sou um erro e que o erro é não saber olhar os lírios do campo. Hoje eu olho para mim e para minha filha não como máquinas de produzir sucesso, mas como portas abertas para o amor, a paz e, quiçá, o resgate da minha alegria.