Vital Moreira's Blog, page 53
June 24, 2023
Bloquices (24): Tonteria
A proposta do BE para chamar a presidente do BCE ao parlamento nacional para explicar a subida das taxas de juro - obviamente justificadas pelo combate à inflação - é uma tonteria política sem pés nem cabeça.
Primeiro, a política monetária da zona euro é uma competência exclusiva da União, a cargo do BCE, e tem como objetivo constitucional primodial a estabilidade dos preços. Segundo, como instituição da União, o BCE só responde perante o Parlamento Europeu (onde o BE está representado), não obviamente perante os parlamentos nacionais; seria o mesmo que o governador do Banco de Portugal ser chamado a explicar-se num dos nossos parlamentos regionais.
Decididamente, o BE não pode ser levado a sério.
http://rpc.twingly.com/June 23, 2023
Corporativismo (47): Leitura obrigatória
1. Quem se pronuncia sobre a reforma das ordens profissionais, assim como os deputados que vão aprovar os novos estatutos, deveriam ler este texto do economista Sousa Carvalho no Jornal de Negócios de hoje, baseado em sólidos estudos da OCDE e da UE.
Alguns excertos:
«Muitos dos profissionais destas ordens estarão nesta altura a rasgar as vestes, as togas, as batas e outras indumentárias, maldizendo a reforma.
Mas para perceber a pertinência da reforma, primeiro temos de perceber qual é o problema que o país está a tentar resolver.(...) Entre os várias componentes que a OCDE usa para calcular este índice [da regulação do mercado], há um em que Portugal sai francamente mal na fotografia e que tem a ver precisamente com as barreiras à entrada no setor dos serviços como os da advocacia, notários, contabilistas e engenheiros civis. Neste indicador Portugal aparece com um PMR de 3,7 e, a par da Bélgica e Itália, somos os piores da OCDE.
Como é que se resolve isto? Removendo as barreiras de acesso às profissões reguladas. Isto vai levar a um aumento do número de profissionais liberais recém-chegados (nacionais e estrangeiros), o que vai aumentar a oferta e baixar os preços pagos pelos consumidores por esses serviços. (...)
Há um estudo de 2015 da Comissão Europeia que diz que as barreiras à entrada nas profissões reguladas aumentam o prémio salarial destas profissões, em média, em 4%, sendo que há categorias profissionais onde este prémio chega aos 19,2%. Esta distorção de salários significa naturalmente preços mais elevados a serem pagos pelos consumidores desses serviços. Esse mesmo estudo conclui que a remoção de barreiras regulatórias faz aumentar em 3% a 9% o número de pessoas nessas profissões. (...)».
2. Moral da história: as barreiras à entrada nas profissões, incluindo em especial os chamados "atos próprios" (melhor dizendo, atos exclusivos) injustificados de cada profissão, vedados a outros profissionais, revertem em favor dos profissionais (maior remuneração) e em prejuízo dos destinatários dos serviços (menos escolha e preços mais elevados) e da economia (menos crescimento).
Infelizmente, tal como sucede em geral no confronto entre o interesse difuso de muitos, por um lado, e o interesse de grupos organizados, por outro, os consumidores de serviços profissionais não dispõem de sindicatos nem dos favores da imprensa para exprimir o seu apoio à reforma, enquanto os seus opositores instrumentalizam as ordens para defender as suas coutadas, com aplauso dos media...
AdendaPerante a demonstração cabal das vantagens da redução das excessivas restrições vigentes ao exercício das profissões "ordenadas", não deixa de causar surpresa a oposição à reforma por parte do PSD, que outrora foi um partido liberal-reformista, mas que agora renega esse legado e, por puro oportunismo político, apadrinha as posições mais reacionárias, e totalmente infundadas, de algumas ordens ("ingerência", "controlo político", etc.), de par com o Chega, multiplicando manifestações de "namoro" político com o partido da extrema-direita. Lamentável!http://rpc.twingly.com/June 22, 2023
Amanhã vou estar aqui (16): Quatro décadas de reflexão sobre a UE em Coimbra
A Universidade Coimbra e três das suas faculdades, entre as quais a minha, organizam amanhã um colóquio sobre «quatro décadas de reflexão sobre a UE na UC».
Vou participar num dos paineis da tarde, tendo escolhido como tema o impacto dos objetivos ambientais da União na sua política de comércio externo (que é uma competência exclusiva de Bruxelas), matéria que tem registado alguns importantes desenvolvimentos recentes, que merecem ser devidamente analisados.
http://rpc.twingly.com/Novo aeroporto (6): Abuso ministerial
1. A declaração do ministro João Galamba a tentar desqualificar a alternativa de Santarém para o novo aeroporto, desde logo por causa da distância, constitui um claro abuso de poder, uma vez que interfere escandalosamente com a competência atribuída à comissão independente, nomeada pelo Goveno a que ele pertence, para relatar e dar parecer técnico sobre as alternativas disponíveis, entre as quais está à partida, por decisão do mesmo Governo, a de Santarém, quer como hipótese de aeroporto único, quer como aeroporto complementar de Lisboa.
Ao vir tomar posição pública sobre o assunto, na verdade "vetando" Santarém e optando por Alcochete (a outra alternativa real), assim desautorizando o Governo de que faz parte e pondo em causa a independência de juízo da comissão, torna-se óbvio que, apesar da posterior tentativa de correção, a decisão política final sobre o aeroporto, que lhe cabe propor ao Conselho de Ministros, já está antecipadamente tomada por ele, inquinando a legitimidade da decisão e tornando numa perda de tempo e de dinheiro os trabalhos da comissão independente.
2. Além disso, a forma leviana como interveio, centrada sobre a questão da distância, sem trazer à colação o tempo de acesso ao aeroporto, os custos dos acessos e as emissões de carbono (e demais custos ambientais) de cada alternativa, nem tampouco a população mais bem servida por cada uma delas, o Ministro revelou estar capturado pelo mais grosseiro preconceito lisboacêntrico vulgaris, segundo o qual o interesse geral do País se mede pelo interesse imediato da capital em manter um aeroporto no seu quintal e ter outro no quintal do vizinho.
É um preconceito manifestamente impróprio de um Governo que devia estar apostado em optar pela melhor solução aeroportuária em termos de hub nacional e a mais compatível possível com a coesão territorial do País.
AdendaUm leitor observa que a questão é mais grave, dado que a presidente da comissão independente, Rosário Partidário, também é «tudo menos imparcial nesta questão, pois participou no estudo do LNEC que em 2008 optou por Alcochete contra a Ota, pelo que se devia ter declarado incompatível, o que não fez». E prossegue, cosiderando que, desta vez, havendo uma alternativa forte a Alcochete, que é Santarém, era preciso matá-la preventivamente, «tarefa de que o Ministro se veio encarregar descaradamente». E conclui que «o jogo está marcado desde o início, com resultado antecipadamente decidido». Por mim, recusando-me a ver o Governo a participar numa encenação destas, tenho de admitir, porém, que a provocatória intervenção do Ministro deixa margem para todas as interrogações a espíritos menos confiantes...http://rpc.twingly.com/June 21, 2023
Um pouco mais de jonalismo, sff (23): Manchete despropositada
A manchete do Público de hoje é inteiramente injustificada, pois tanto as obrigações declarativas de património e de interesses dos presidentes da direção das ordens profissionais, como a figura do provedor dos clientes remunerado, constam da recente lei-quadro da ordens profissionais da Assembleia da República (Lei nº 12/23, de 28 de março), que nem sequer foi de iniciativa governamental, pelo que ambas esssas obrigações tinham obviamente de ser incluídas nos estatutos de cada ordem profissional, cuja apresentação ao parlamento incumbe ao Governo, dando execução à lei.
Anunciar tais ideias como novas propostas ao Governo é um disparate jornalístico, agravado por se tratar de uma manchete de 1ª página, com a cobertura da direção. Um jornal com as responsabilidades do Público não pode permitir-se deslizes jornalísticos destes. O jornal deve uma desculpa oas seus leitores.
http://rpc.twingly.com/June 20, 2023
Corporativismo (47): Uma reforma assaz modesta...
1. Há quem me atribua, indevidamente, a autoria intelectual da revisão do regime das ordens profissisonais e das profissões "ordenadas", mas seria hipocrisia negar que a minha luta de muitos anos contra o "malthusianismo" e o protecionismo profissional protagonizados pelas ordens, restringindo profundamente, em proveito próprio, a entrada nessas profissões e a concorrência na prestação dos respetivos serviços, ajudou a criar condições para esta reforma e para a sua validação pelo Tribunal Constitucional.
Todavia, importa dizer que, a meu ver, e ao contrário da radical crítica das ordens, esta reforma peca por demasido modesta e por não atacar o cerne do problema.
2. A "minha" reforma seria bastante mais profunda, e passaria pelos seguintes passos:
- eliminação de várias da ordens e câmaras profissionais existentes, como as dos economistas, dos arquitetos, dos despachantes oficiais, do serviço social, onde não se verifica nenhuma "falha de mercado" qualificada que justifique a prerrogativa da autorregulação profissional oficial, através de uma associação pública obrigatória, em negação absoluta da liberdade de associação;
- supressão da função de representação e defesa profissional da ordens, reduzindo-as a conselhos de supervisão e disciplina profisssional, por entender que a mistura das duas funções constitui um casamento contra natura, dado o tendencial conflito entre a defesa do interesse público da displina da profisão e a defesa de interesses privativos de grupos profissionais, que numa democracia liberal deve caber a associações privadas;
- extinção da função de defesa de interesse públicos gerais conferida a certas ordens, como a defesa do Estado de direito (Ordem dos Advogados) ou do SNS (Ordem dos Médicos), atribuições que, além de não terem a ver com a autorregulação profissional, permitem às ordens imiscuírem-se na esfera política, e passarem a atuar como agentes políticos, em violação do princípio fundamental da neutralidade e independência política da função reguladora no "Estado regulador" contemporâneo.
É certo que a reforma em curso corrige os principais abusos das ordens profissionais no que respeita à prestação de serviços profissionais, mas não elimina o privilégio corporativo conferido a certas profissões e o abcesso político em que as ordens se tornaram entre nós.
3. Acresce que a lei-quadro não foi feliz em algumas das soluções adotadas, desigandamente quanto a duas.
A primeira consiste em ter mantido a romântica norma segundo a qual as ordens têm por primeira atribuição a defesa dos interesses dos destinatários dos respetivos serviços, o que, além de ser contraditório com a sua óbvia missão de representação e defesa dos interesses da respetiva profissão, constitui a base da ingerência das ordens na gestão dos serviços públicos, apesar de a lei não lhes dar poderes para tal.
A segunda solução errada da lei-quadro consiste na eleição direta dos membros do conselho de supervisão, incluindo os 40% de membros leigos. Para além de a eleição direta (por maioria ou proporcionalmente?) politizar indevidamente esse órgão com funções parajurisdicionais, não se vê como é que pessoas alheias à profissão, oriundas da academia, podem aceitar de bom grado integrar listas eleitorais concorrentes e submeterem-se a campanhas eleitorais.
Receio bem que esta inadvertida solução venha a criar sérias dificuldades à constituição desse órgão, que desempenha um papel chave na economia da nova lei.
http://rpc.twingly.com/June 19, 2023
Corporativismo (46): É isso mesmo, democratizar o acesso a serviços jurídicos
1. A generalidade dos advogados portugueses deve sentir-se embaraçada, se não envergonhada, ao ver a imagem desta pindérica manifestação de algumas escassas dezenas dos seus colegas de Lisboa que responderam ao apelo da sua Bastonária, bem como ao ler as desbocadas declarações desta (falando em "ignóbil" e "ignomínia" para referir a reforma das ordens profissionais já declarada conforme à Constituição pelo TC), as quais são mais próprias de líder de um grupo político extremista do que de dirigente de uma entidade pública e a mais alta representante de uma profissão com as responsabilidades sociais e o historial desta.
Atos destes afundam a reputação de uma profissão.
2. No entanto, na sua exaltação, as declarações da Bastonária identificam corretamente a questão da revisão dos "atos próprios" dos advogados, ou seja, do seu monopólio profissional, que deixa de incluir a consulta jurídica, a assistência a contratos e a cobrança de dívidas, serviços jurídicos que, embora continuem obviamente a poder ser prestados por advogados, passam a ser abertos também a outros juristas (incluindo professores, ex-magistrados, etc.).
Como a Bastonária admitiu inadvertidamente, quem procura tais serviços jurídicos vai passar a ter mais oferta, mais escolha, mais concorrência na sua prestação e melhores preços, incluindo serviços gratuitos de entidades públicas e sociais, permitindo o acesso a esses serviços jurídicos a pessoas que até agora não tinham disponibilidades financeiras para pagar os honorários de advogado.
3. Não se podia dizer melhor: a revisão dos "atos próprios" dos advogados, mantendo o exclusivo do patrocínio judiciário, que ninguém põe em causa (e que tem proteção constitucional), mas abrindo à concorrência outros serviços jurídicos, alarga o acessso social a tais serviços, assegurando desde logo o direito fundamental de todos à informação e à consulta jurídica, que a Constituição manifestamente não reserva aos advogados.
Tal é o seu grande objetivo e o seu maior mérito.
http://rpc.twingly.com/June 18, 2023
Era o que faltava! (10): Mais benesses, não!
1. A meu ver, é de rejeitar limiarmente esta proposta açoriana de baixar a idade de aposentação na Região, argumentando que a esperança de vida local é inferior à média do País.
Em primeiro lugar, se se enveredasse por aí, então haveria que diferenciar todas as regiões, incluindo as do continente, deixando de haver um sistema nacional de pensões. Além disso, é fácil ver que a diferenciação territorial iria criar um incentivo para as pessoas mudarem a residência para os Açores ao aproximar-se a idade da aposentação, para aproveitarem essa vantagem (tal como hoje os que podem já fazem com a residência fiscal, por causa dos impostos mais baixos).
O sistema de pensões deve continuar a ser uniforme para todo o País.
2. Em segundo lugar, as regiões autónomas já gozam de bastantes "discriminações positivas", nem todas justificadas, bastando mencionar as principais: não contribuição para as despesas gerais da República (defesa, segurança, justiça, representação externa, etc.), uma generosa tranferência financeira anual do orçamento do Estado, além das transferências para os municípios insulares, investimentos da competência das regiões financiados pelo Estado, financiamento estadual do rendimento mínimo garantido, subsídio aos preços da energia e das deslocações entre as ilhas e o Continente, culminando nos impostos mais baixos.
Não existe nenhuma razão de coesão territorial para acrescentar mais uma benesse em matéria de regime de pensões.
http://rpc.twingly.com/Assim vai a política (16): Depressão à direita
As direitas estão em profunda depressão e têm muitas razões para isso: afinal, contra todas as suas esperanças, o Governo sai ileso do inquérito à TAP (em que a direita investiu ingloriamente meses de fogo político), a economia e o emprego crescem mais do que esperado, os investimentos do PRR avançam, a inflação desce, o PSD não convence como alternativa de Governo e Montenegro não acerta uma e, para cúmulo, já não vai haver nem a remodelação governamental que deram como certa, nem a dissolução parlamentar por que tanto se bateram. É realmente demais!
A narrativa artificialmente criada pelo comentariado de direita sobre o "esgotamento do Governo" e o "fim do ciclo político" desmorona-se fragorosamente. É o que sucede quando a análise é alimentada a doses maciças de "wishful thinking" ideológico e de desprezo pela situação real do País.
http://rpc.twingly.com/June 17, 2023
Corporativismo (45): Perda de oportunidade
Propondo a revisão dos estatutos de todas as ordens profissionais existentes, para os adaptar à nova Lei-quadro e para reconsiderar o âmbito do exclusivo profissional de cada uma delas (que a Lei-quadro remeteu para os estatutos de cada uma), o Governo perdeu a oportunidade de extinguir várias delas - designadamente as dos economistas, dos despachantes oficiais, dos nutricionistas e do serviço social -, que não têm nenhuma justificação, quer por essas profisssões não estarem sujeitas a nenhuma regulação exigente, quer por os seus clientes serem essencialmente empresas ou instituições, não havendo, portanto, o problema típico da profunda "assimetria de informação" entre prestadores e clientes, que justifica a autorregulação oficial das ordens tradicionais, baseada na supervisão de normas técnicas e deontológicas pelos próprios pares.
Ao mantê-las todas, sem reapreciar os fundamentos da sua existência, o Governo e a AR coonestam politicamente a oportunista vaga de ordens profissionais das últimas décadas, como se tivesem um direito de continuar só por terem sido criadas, e prescindem de conferir ao congestionado universo das ordens profissionais a coerência que manifestamente deixou de ter.
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