Vital Moreira's Blog, page 49

October 7, 2023

Contra a corrente (3): Duplicidade ocidental

1. Sim, também entendo que o ataque supresa do Hamas, o grupo radical palestiniano, de hoje contra Israel, disparando centenas de mísseis indiscriminadamente a partir da faixa de Gaza contra alvos civis, é condenável, não sendo preciso para isso ser mais natista do que a Nato.

Mas gostaria de ter visto igual condenação, ao longo deste anos, contra a sistemática violação dos direitos dos palestinianos por Israel, incluindo o confisco do seu território através de "colonatos" judaicos, a construção de um muro de separação em território palestino, a expulsão de moradores palestinianos de Jerusalém (aí, sim, uma verdadeira limpeza étnica), o apartheid antipalestiniano instalado em Israel, enfim a inviabilização programada de um Estado palestiniano. Nenhum povo pode aceitar passivamente a opressão e a humilhação continuadas.

Desta vez não venham dizer que esta nova guerra não foi provocada.

2. É evidente que a superioridade militar israelita - cortesia da generosidade ocidental, especialmente norte-americana - vai prevalecer, não sem muitas baixas civis de lado a lado, acabando no final com mais repressão israelita sobre os palestinianos, mais apropriação dos territórios ocupados, mais ódio na relação entre as duas partes e mais combustível político para os radicais palestinianos.

Que ao menos sejamos poupados à hipocrisia dos lamentos sobre as vítimas e os custos humanos da guerra, a que vamos assistir, guerra que a duplicidade de critérios ocidental ajudou a gerar.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 07, 2023 14:08

October 4, 2023

Laicidade (12): Os atropelos

Eis um livro oportuno sobre um dos princípios fundamentais da nossa ordem constitucional liberal-democrática - a separação entre o Estado e a religião -, que não tem sido objeto da atenção que merece no nosso País.

O livro analisa, por um lado, o significado e o valor desse princípio, em especial enquanto garantia da liberdade religiosa e da igualdade na sua fruição e, por outro lado, enumera os inúmeros atropelos a que ele está sujeito entre nós, em benefício da Igreja Católica, desde as missas realizadas por iniciativa de entidades públicas até aos capelães oficiais em várias instituições públicas.
No meu breve prefácio (8 pp), além de pôr em relevo os méritos do livro, sublinho que ele deve dar oportunidade ao debate que tem faltado sobre o défice da laicidade do Estado no quase meio século desde a sua consagração constitucional na Lei Fundamental de 1976.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on October 04, 2023 02:31

September 28, 2023

História constitucional (4): A 1ª Constituição

Eis a recolha em livro eletrónico das intervenções na conferência organizada pela Academia das Ciências de Lisboa no ano passado, assinalando o bicentenário da Constituição de 1822, em que participei. 

O e-book, de acesso livre, pode ser descarregado AQUI.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 28, 2023 09:23

September 19, 2023

O que o Presidente não deve fazer (38): Um pernicioso equívoco

1. Este artigo, de pretensa legitimação do atual intervencionismo governativo do PR, constitui um exemplo claro dos equívocos a que pode conduzir uma leitura pouco cuidada do sistema de governo português numa chave "semipresidencialista" (que analisei e critiquei devidamente AQUI). Sucede que num Estado de direito constitucional, como o nosso, os poderes do PR são os definidos na Constituição (poder de nomeação de certos cargos públicos, poder de veto legislativo, poder de dissolução parlamentar, etc.), e não os que decorrem de um pré-conceito político sem base constitucional.

Ora, como tenho escrito muitas vezes, ao criticar os abusos de poder do PR, muitos sem precedentes entre nós, há duas coisas incontroversas à face da CRP (desde a revisão constitucional de 1982): (i) é ao Governo, sob direção do PM, que cabe a função governativa, sem nenhuma sujeição a orientações presidenciais; (ii) o Governo não é politicamente responsável perante o PR, mas somente perante a AR (e, naturalmente, perante a oposição e a opinião pública). 

Nenhuma pré-compreensão do sistema de governo pode prevalecer sobre estas duas regras constitucionais fundamentais.

2. Daqui decorre que não existe nenhum poder de superintendência nem de tutela política de Belém sobre São Bento, nem expresso nem implícito, pelo que não têm cabimento as incursões presidenciais que tenho apontado na esfera governativa, quer na definição presidencial de orientações para o Governo, quer na censura sobre os atos ou omissões governativas (salvo quando ponham em causa o "regular funcionamento das instituições", que cabe ao PR assegurar). A sobreposição e a confusão de poderes arrastam a indefinição da repartição de responsabilidades, que pode ser fatal ao funcionamento do sistema político.

O PR tem o poder de fiscalizar a observância das regras constitucionais e das obrigações institucionais do Governo, não a de definir ou de controlar as políticas governativas. A separação de poderes, esteio fundamental do moderno constitucionalismo, ainda conta.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 19, 2023 03:09

September 16, 2023

Não dá para entender (33): Privilégios

1. Fui surpreendido com esta informação de que a ADSE, o seguro de saúde oficial dos funcionários públicos (lato sensu), também pode cobrir os professores do ensino básico e secundário privado e cooperativo, o que estaria explicitamente referido na página oficial da ADSE. Sucede que não consegui encontrar a norma legal necessária para dar cobertura a essa solução (pois, sendo a ADSE uma entidade administrativa, ela só pode fazer aquilo que a lei prevê). Mas, mesmo que tal norma legal efetivamente exista, não vejo como é que o estabelecimento de uma prerrogativa privativa a uma certa profissão pode ser considerado compatível com o princípio constitucional da igualdade e da não-discrimação (CRP, art. 13º).

2. Além disso, se, como tenho argumentado desde há muitos anos, existe uma incompatibilidade de partida entre a filosofia da ADSE e a do SNS, tal incompatilidade torna-se ainda mais gritante, se a primeira for aberta a privados, deixando de obedecer a qualquer critério quanto aos seus beneficiários e ampliando o volume de pessoas que usufruem de um subsistema público de saúde paralelo ao SNS.

Aliás, não faria qualquer sentido que, enquanto exalta o seu compromissso com um SNS universal, igual e tendencialmente gratuito na prestação dos cuidados de saúde, um governo do PS alargasse a trabalhadores privados a cobertura da ADSE, a qual, não por acaso, é um modelo prestação de cuidados de saúde justamente defendido por muitos adversários do SNS, e como alternativa a este

Uma óbvia contradição!

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 16, 2023 16:16

September 13, 2023

História constitucional (3): Desmontar uma ficção histórica

1. Neste artigo acabado de publicar na revista espanhola Historia Cosntitucional (on-line, acesso livre), propomo-nos desconstruir uma ficção histórica deliberamente construída a posteriori sobre a chamada Súplica Cosntitucional dirigida Napoleão em 1808, durante a ocupação francesa e o governo de Junot, segundo a qual tal Súplica teria sido uma iniciativa isolada de um pequeno grupo de "afrancesados" e prontamente rejeitada.

Ora, neste artigo mostramos que tal iniciativa só se compreende como parte de uma solução de integração de Portugal na Europa napoleónica, mediante a aceitação de um rei francês para o País, indicado pelo Imperador, e a outorga de uma Constituição (tal como viria a ocorrer em Espanha nesse mesmo ano), solução que se apresentou como preço a pagar pela salvaguarda da autonomia do reino de Portugal, evitando a sua repartição entre a França e a Espanha, como tinha sido acordado no Tratado de Fontainebleua entre Paris e Madrid, no ano anterior.

A verdade é que tal solução foi explicitamente sufragada e subscrita pela generalidade da elite política nacional, numa espécie de referendo nacional informal (que abrangeu as câmaras municipais).

2. O subsequente levantamento popular contra o invasor e a sua expulsão, com a ajuda das tropas inglesas, repondo o governo da regência em nome de D. João VI, interrompeu a concretização desse plano e levou à eliminação dos documentos que o testemunhavam, tendo Acúrsio das Neves inventado então, em 1810, na sua história das invasoes francesas, a versão que prevaleceu até agora sobre a Súplica, apagando totalmente o episódio do ato coletivo de vassalagem a Napoleão.

O aparecimento de novos documentos e a releitura integrada desse período levam-nos a descartar essa versão tradicional e a susbtituí-la pela acima referida. Não ignoramos o abalo que a nossa investigação pode suscitar, mas, mais de dois séculos depois, era altura de fazer prevalecer a verdade histórica sobre a tentativa de apagar um episódio porventura pouco edificante da história nacional.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 13, 2023 16:51

Guerra na Ucrânia (57): Alianças que comprometem

A visita do líder norte-coreano a Moscovo e o seu apoio entusiástico à invasão russa da Ucrânia, em nome da "luta sagrada" contra o Ocidente, só pode trazer embaraços a Putin, por não poder agradar quer a muitos países que no "sul global" não tomaram partido na guerra, que consideram uma "guerra entre potências do Norte", recusando-se a condenar Moscovo, quer sobretudo àqueles observadores que, embora condenando desde o início a invasão, como é o caso deste blogue, se recusam a alinhar na russofobia ocidental, que a guerra aprofundou. 

A aliança de Moscovo com Pyongyang, um dos governos mais despóticos e mais belicistas do Mundo, afasta ainda mais a Rússia do Ocidente e só pode causar inquietação em muitas outras geografias. Há alianças que comprometem.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 13, 2023 13:41

September 12, 2023

+ União (74): Um poder virtuoso

A Apple acaba de anunciar que o novo modelo do Iphone vai conformar-se com a obrigação imposta pela UE, de adotar o padrão comum de carregador, o USB-C, assim beneficiando os consumidores na sua liberdade de troca de aparelhos e reduzindo o impacto ambiental do desperdício de carregadores. Há algum tempo, também a Microsoft anunciou que o Windows vai deixar de incluir a plataforma Teams, que passa a ser vendida separadamente, cedendo à ameaça da Comissão Europeia de punir a empresa por "abuso de posição dominante", ao obrigar os adquirentes do Windows a adquirir e pagar outro produto, para o qual existem vários concorrentes no mercado.

Estes dois exemplos mostram mais uma vez que só a UE tem o poder económico e a vontade política para enfrentar os abusos de poder das grandes empresas tecnológicas globais, que hoje dominam a economia mundial, utilizando o enorme peso do seu mercado interno para as forçar a respeitar restrições que nenhum Estado-membro só por si estaria em condições de adotar, sendo essa uma das grandes mais-valias da integração económica europeia. 

Nenhum argumento soberanista ou nacionalista pode prevalecer contra esse poder virtuoso da União.

AdendaUm leitor considera, com toda a pertinência, que estes dois casos, em especial o da Apple, são «manifestações do "Brussels Effect", a que a Professora Anu Bradford se refere no seu livro de 2020», que analisa o impacto global do poder regulatório da União.http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 12, 2023 16:00

Bons augúrios (2): Uma reforma estrutural

1. A expressão "reforma estrutural" tem sido abusada entre nós como aquelas reformas nas políticas económicas e sociais (impostos, pensões, sistema de saúde, etc.) que visam um impacto imediato no aumento da eficiência da economia, na redução da despesa pública, na melhoria dos serviços públicos, mesmo que os resultados venham a ser modestos.

Mas há também as reformas que conjugam diversas políticas e se traduzem em processos relativamente lentos e em grande parte invisíveis, até começarem a produzir resultados. Tal é o que ocorre com o processo de elevação das qualificações educacionais e profissionais do País, que o relatório hoje publicado pela OCDE revela, designadamente quanto ao consistente aumento da percentagem de pessoas com o ensino secundário completo e ao substancial aumento da percentagem de jovens a frequentar o ensino superior e, sobretudo, quanto a um indicador crítico, como a diminuição da percentagem de jovens "nem-nem", ou seja, sem estarem a estudar nem a trabalhar, em que o país ja está melhor do que a média da OCDE.

2. Estes resultados querem dizer que o conjunto de políticas coerentes lançadas nos últimos anos com esse objetivo - alargamento do ensino secundário obrigatório, combate ao abandono escolar, aposta no ensino profissional, ampliação da cobertura do ensino superior público, aumento das bolsas de estudo, etc.- estão a ser bem-sucedidas. 

O seu impacto continuado no bem-estar económico e social, na produtividade e competitividade da economia e na travagem da emigração de trabalhadores qualificados não pode ser negado nem desvalorizado. Trata-se de uma verdadeira e própria reforma estrutural, aliás indispensável.

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 12, 2023 09:56

Assim, não (6): O mal e a caramunha

Dois conselheiros de Estado, ambos de direita, que acumulam com a função de comentadores políticos, vieram criticar o Primeiro-Ministro por ter decidido não intervir na última reunião do Conselho de Estado

Ora, eles sabem bem porque é que ele tomou, e bem, tal decisão, como expliquei AQUI: (i) porque não devia coonestar a "golpada" presidencial (política e constitucional), de tornar abusivamente o Conselho em órgao de julgamento político do PM e do Governo e num órgão de definição da política geral do País; (ii) e porque o PR anunciou antecipadamente que já tinha escrito a sua intervenção de encerramento (o mesmo é dizer, o seu veredicto), sem se interessar pelo que o PM teria para dizer em sua defesa.

Ora, se se pode compreender que os dois conselheiros, ambos designados pelo próprio PR, se abtenham de criticar a jogada política deste, com que manifestamente concordam, tendo ambos intervindo no "julgamento", por maioria de razão deveriam poupar-se a condenar publicamente o PM por, com toda a legitimidade, ter frustrado tal operação...

http://rpc.twingly.com/
 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on September 12, 2023 03:56

Vital Moreira's Blog

Vital Moreira
Vital Moreira isn't a Goodreads Author (yet), but they do have a blog, so here are some recent posts imported from their feed.
Follow Vital Moreira's blog with rss.