Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 47

February 24, 2013

De Correntes

 Durantes anos escrevi sobre as Correntes d'Escritas, o maior evento literário português, e sempre o fiz com um entusiasmo difícil de conter. Deixei de o fazer no ano em que passei a ser autor publicado. Confesso que não foi fácil conciliar o prazer no absoluto anonimato com a inquietação de já não me sentir marginal. Mas quem não é conhecido de quase ninguém e não se quer mostrar não se mostra mesmo. Entrar tarde na sessão de abertura, ficar no escurinho, sair mal acaba, escolher o segundo balcão do auditório. Apagar-me traz-me outros prazeres. O prazer de ouvir sem julgamentos liminares, de apreciar sem o próprio ego de permeio, sem sentir a obrigação de dizer o que quer que seja. Algumas surpresas. Ter a mão da Hélia entre as minhas, o Onésimo a pedir-me um livro porque uma amiga comum o tinha espicaçado, a minha editora Rosário Pedreira a arrebatar corações com aquela bonita voz projectada, no centro da noite. Se a Rosário começou lá, muitas Correntes atrás, uma história pessoal bonita, foi também na Póvoa que eu e ela tivemos, há que tempos, a nossa primeira reunião. Lá vi e revi bons amigos. Este ano a sessão de abertura não permitiu tanta discrição. Não se fez na sala de espectáculos do Casino, mas logo à entrada, num pequeno auditório, onde ninguém se pode esconder. O acaso protegeu-me quando vim atender o telemóvel cá fora, à entrada do Casino da Póvoa, e a Hélia estava, no mesmo local, a dar uma entrevista ao telefone. Eu tinha chegado tarde e não sabia que ela tinha ganho o Prémio das Correntes. Quando terminei o telefonema, a Hélia entrou à minha frente, porque também tinha acabado o dela. Não nos conhecíamos, mas quando a vi ali sozinha disse-lhe quem era, falámos de amigos comuns, pedi-lhe finalmente - e em pessoa - desculpa por, sendo um fã absoluto e leitor de primeira hora da sua obra prima "Adoecer", que, expliquei-lhe, anda a envelhecer no banco de trás do carro e é usada como garrafa de oxigénio (o que é tão bom sinal, comentámos), o ter indicado nas "Escolhas" do "Atual", suplemento cultural do Expresso, como "Adormecer" (imperdoável dislexia:). Tinha a sua mão entre as minhas, supremo privilégio, e quando a deixei também tinha uma fila atrás de mim. O primeiro da fila era o Rui Zink, ainda na véspera de exponenciar o verbo "grandolar". Distraído como sou, só percebi a razão da fila quando, a comer o melhor risotto do mundo, o do Maurizio, na Pizzaria Castelo, ali mesmo, por trás do Casino, vi na televisão a Hélia a receber o prémio. No Sábado voltei com a minha mulher e, finalmente, consegui sentá-la confortável a ver uma "mesa". Até ali ela tinha ficado sempre contrafeita, sentada nas escadas de madeira do balcão ou de pé nas faldas da plateia. O Jaime Rocha, grande poeta e marido da Hélia, foi o centro da manhã, moderada pelo Onésimo e com excelentes intervenções do Joel Neto ("passarei a escrever para uma montra açoriana") e do Possidónio Cachapa. Ao ver a Cristina Carvalho dizer que não consegue ser espontânea - o texto era bonito -, como a compreendo,  ou a Andréa del Fuego, com uma vozinha sumida a ler um excelente texto, fiquei a pensar no medo que terei no dia em que for convidado e cumprir um sonho. Sim, a única forma de dizer isto sem ser mal-entendido é contar a verdade: estar numa mesa das Correntes foi sempre um sonho distante, igual a discursar nos óscares, nunca uma vontade real, porque na altura não fazia sentido e hoje não tem merecimento. Com convites para escolas e eventos, com os lançamentos de livros, rapidamente percebi a falta de jeito para estas coisas, ainda que quase todos tenham corrido bem - a minha gaguez é simpática, as minhas hesitações amáveis. Em 2012 tive mesmo pânico de ser convidado, o que seria natural, dada a publicação do livro em Maio de 2011. Não fui, e consegui recuperar o absoluto prazer de ir à Póvoa sendo o nada absoluto. Gosto de andar pelos cantos, saber sempre onde há lugar para o carro, saber sempre onde levar gente a almoçar (aquele risotto!) e já lá vou há muitos anos. Quando não posso ir um dia inteiro, escolho as "mesas" possíveis, como este ano, provavelmente aquele em que menos tempo passei na Póvoa. Ainda assim, tem sido tocante ler os relatos de vários participantes, de jornalistas ou bloggers, como ficam arrebatados, como percebem a raridade do momento. Como tão bem escreveu o Zé Mário Silva no seu "Bibliotecário de Babel", "Chega-se à Póvoa para matar saudades. Sai-se daqui cheio de esperança.". Eu acrescento que é sempre bom ir à Póvoa ver como quase todos os participantes se sabem diminuir em prol dos pares que brilham, ver como o meio literário consegue ser maior do que ele próprio e durante três dias não se divisam ímpios. Como todos se comovem justamente, como choram as almas por um mundo em que as Correntes não sejam a excepção.As Correntes são um desígnio maior do que nós, mas no entanto são a nossa cara.
PG-M 2013
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Published on February 24, 2013 17:12

February 19, 2013

Não por escrito

Amo Maria
e mais duzentas mulheres
amos as pedras do calçado
o caule dos malmequeres
o tempo que faz no peito
(e ao cima da vila a rua)
a altura do pé direito
do menor lugar de ti
e os mendigos do sinal
e o cruzamento onde li
o tom de um olhar normal
mas também amo a vertigem
do livro de perdição
na jaula da Relação
amo o cajado e a sombra
do pecado e da miséria
mas também amo sem rima
amo as gotas do silvado
as lâminas da manhã
os aromas venenosos
amo a viela do anjo
amo os corpos maculados
os cafés da deu-la-deu
a tristeza do Abel
a Sá da Bandeira alada
a copa das árvores nuas
amo São Lázaro, avô,
o Orfeu das belas artes
o cemitério e os mortos
que ao fundo dão no rio
amo o Stop e amo o Dallas,
o Brasília e o Rui Veloso,
o Tê e o Rui Reininho,
amo os pavões do palácio
a Garrett e as camélias
o Porto que vem das tripas
o Benfica nos amigos
amo a Rua das Pedreiras
o campo do Belenenses
a Calçada do Galvão
amo Lisboa às avessas
em olhares lentos e doces
amo Coimbra a ferver
no sangue do meu amor
que é do negro da Académica
nos Olivais, no Madeira,
na recta Dias da Silva,
no retrovisor cromado
do Mazda do professor
de Economia e Finanças
que matava os seus mosquitos
de banco e de luz acesa
no Penedo da Saudade

Amo a mesa preta oblonga

das quartas do holandês
prenhe
dos copos secos de fino
do Maria e a Zé e a Paula,
(ai o corpo da Paulinha)
os coches em pão de hambúrguer
a noite em batatas fritas
o Taxeira em moedinhas
os caralhos do Al Berto
nas morgues do Dom Dinis
as coxas do Mandarim
as bebedeiras do corso
as putas na associação
a Benedita e o Aroso
o bedel e o bar de letras

(o Pina em letra de imprensa)

Amo o Aviz e o Ceuta,
os gelados da Sincelo,
o minigolfe da Foz,
a Rádio Nova e a velha
da Rua da Picaria,
amo a tarde na Arcádia
em que te li hermenêutica
e perguntei, não entendes?
ainda bem, eu também não,
e os teus olhos brilharam
e o mundo todo, em vão,
foi tomado de cuidados
se te amasse não diria
palavra que se apagasse
num volume de Direito
pois então não disse nada
mas, tu sabes, amo tudo
que não puder ser deixado
como verso num poema

e também te amo a ti

mas sem rima
e não por escrito

PG-M 2013
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Published on February 19, 2013 13:50

February 18, 2013

Resistência 2


mas daqui até ao mar

toma o caminho mais estreito
a alma mais larga
e uma vez lá
mergulha por dentro

todas as marés
colapsam. o sol

está na rua
deita-te nua, espera,
planeia a voz, o silêncio,
seremos cavalos de

tróia

PG-M 2013
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Published on February 18, 2013 16:35

February 11, 2013

A injustiça (para Phoenix, e alguma coisa sobre óscares)

Em relação a Paul Thomas Anderson (PTA), um anito mais novo do que eu, sou e serei sempre suspeito, mas também ninguém me pede que escreva com objectividade e sem tripas, caso em que estaria morto e a assombrar.Não vos dou propriamente nota do filme "The Master", porque se torna redundante dizer que qualquer filme de PTA é obrigatório. Vá, um mdesto aforismo, seja, um epigramazito: se Magnólia é um filme genial com momentos muitos bons, The Master é muito bom com momentos geniais. A cena voyeur, em que as mulheres aparecem todas nuas, é comovente, surpreendente e memorável. Freddie Quell a correr no campo lavrado, para fugir dos familiares do supostamente envenenado. Há outros, muitos, momentos, porque The Master, sendo um bom filme, é acima de tudo uma sublime composição e uma base para grandes actuações. Podia nem ter história, que ficávamos a ver em plenitude Philip Seymour Hoffman, Amy Adams (prováveis vencedores dos seus óscares este ano), o próprio Jesse Plemons, e - meu deus, que grande, grande - Joaquin Phoenix. Mas tem. Tem história, perturba, convoca, faz pensar: o pensamento mais perturbante que me sai do filme é como podemos achar génio numa seita, sem que isso represente perigo: se a pulsão da liberdade terrena (como a de Quell), perante um discurso tão assertivo que se torna sufocante, for sempre superior à tentação de libertação divina, podemos.
Mas está garantida a injustiça da década, provavelmente uma das maiores da historia do cinema: não coroar o Phoenix renascido. A produtora devia ter tido a decência de apontar Joaquin Phoenix para o óscar de melhor actor secundário. Não é, é principal, mas também Seymour Hoffman é bem principal e foi apontado para secundário para fugir à trituradora de Daniel Day-Lewis e o seu biopic de Lincoln na categoria de actor principal. O problema está aí: Day-Lewis é só muito bom a fazer o seu Lincoln, mas Phoenix é estratosférico a fazer o seu Freddie Quell, assim como Seymour Hoffman é cumulonímbico a fazer o seu Lancaster Dodd. Phoenix, depois de em 2000 ter perdido o óscar de secundário para Benicio del Toro (Traffic) e em 2005 o de principal (nomeado pelo seu próprio biopic de Johnny Cash) para o Capote do seu agora parceiro de filme Seymour Hoffman, perderá injustamente a actuação de uma vida (tem lá tudo, é inútil explicar porquê - até a contenção da grande arte) para outro biopic. Claro que há anos em que a maioria do pessoal da Academia parece ver os filmes. Se este fosse o ano, teríamos a surpresa da década, mas porque é que eu duvido tanto? Bom, já acertei na primeira negra (Halle Berry) e na primeira francesa (Marion Cotillard) a ganhar a actriz principal (o que, juntamente com o dado à altura subvalorizada Charlize Theron foram grandes alegrias das minhas insensatas noites do vício dos óscares), mas não tenho grande fé em alegrias este ano. E ganhar o justo e não o pecador é sempre uma grande alegria. Valia-me a Amy Adams, que há alguns anos vejo como uma das maiores, se ganhasse à quarta nomeação, embora tenha perdido sempre bem -  em 2005 para a pecaminosa Rachel Weisz (The Constant Gardener), em 2008 para ainda mais pecaminosa Penélope Cruz (Vicky Cristina Barcelona) e em 2010 para a companheira de filme Melissa Leo (The Fighter) -, mas a coisa anda a cair mais para o lado da histriónica Anne Hathaway e da corajosa Helen Hunt.
Veremos já no dia 24 (25 de madrugada em Portugal) , mas entretanto não percam as composições de The Master. No cinema, se fosse possível.

PG-M 2013
fonte da foto
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Published on February 11, 2013 16:16

Treblinka


um cavalo não tem fim
quando o selas com cabelos
de mulheres


PG-M 2013
fonte da foto (Shoah, de Claude Lanzmann)
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Published on February 11, 2013 15:07

February 9, 2013

Maus tratos ao bom teatro (pela Noite com os plebeus)

Quando tenho a sorte de saber que os plebeus avintenses vão levar à cena uma peça, quero sempre ir ver. Este grupo exala competência, empenhamento. É voluntarioso e abnegado. Talvez seja o mais profissional dos grupos não profissionais que conheço. Esta noite excederam mais uma vez em valor o que cobram pelo bilhete (3,5 Euros) para nos darem "A noite" de 24 para 25 de Abril de 1974 dramatizada por Saramago e encenada por Eduardo Freitas. Mas voltemos ao início: quanto tenho a sorte de saber. Já não sou de indignações supracutâneas, mas esta noite estive no teatro indignado até às vísceras. Estava mais gente em palco do que a assistir, e, à medida que a peça se ia desenrolando e o público ia percebendo que muitos dos actores não ficam a dever nada à maioria dos profissionais que conhecemos e que a encenação, enxuta e competente, é de qualidade, ficava a pergunta suspensa no ar: de quem é a culpa de estar tão pouca gente? Certamente do poder local, ao nível da freguesia, que podia e devia ter espalhado cartazes pela vila. Certamente do poder local, ao nível do município, que não divulgou devidamente a peça. O cartaz que estava no teatro não era apelativo, nada dizendo sobre o enredo, o que não se compreende numa peça que, como se diz no encarte, foi escrita por Saramago para o povo, povo esse que, se soubesse o que ali está, acorreria em massa à sala. Mas se ninguém lhes diz. Se se divulga de forma mínima e, pior, minimalista.Valadares é uma terra preguiçosa - eu sei, moro cá - e sem dinamismo cultural. Nem sequer cuida dos seus, quanto mais dos ilustres visitantes, como este grupo de referência, quase centenário. E a Gaianima não anima nada. E voltando ao encarte, nem mesmo este tem uma linha que seja sobre o enredo da peça, por sinal a primeira de Saramago. A peça é muito curiosa, e traz-nos aquela dor do génio de quem a fez, ao descrever-nos a realidade do jornalismo de hoje com o tempo de ontem. Ainda que tanto tenha mudado, a própria velocidade, aquilo que inquina a credibilidade da notícia está igual. O Camurça (Manuel Almeida), protagonista Abílio Valadares, é um chefe de redacção histriónico na medida certa, bem secundado por Eduardo Moura e António Soares, as singulares Paula Vieira e Carla Mota, o assertivo Bruno Costa, o rigoroso Serafim Dias, e todo o restante elenco: está bem escolhida a Cláudia (Eduarda Alves), mas confesso que a belíssima Ana Magalhães não tem culpa de não criar antipatia com a corrupta Guimarães- sem que isto seja essencial, penso que a Guimarães teria tudo a ganhar com uma figura mais pesada, conservadora, embora também se perceba que se pretendeu que os alinhados com o regime tivessem um leque alargado de idades. Em resumo, uma boa peça, uma grande esforço dos plebeus, um excelente e envolvente final - mesmo forte, inspirador - imperdível e digno de encher dois Cine-teatros Eduardo Brazão, e que merecia uma divulgação decente das entidades oficiais no lugar onde foi levado à cena, e não a teve (não basta imprimir cartazes - alguns dos quais copiam o que se escreve sobre "A noite" em toda a internet): e isto não custa propriamente dinheiro, mas trabalho, dedicação e competência.Custa também Portugal.
PG-M 2013fonte da foto
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Published on February 09, 2013 19:01

February 8, 2013

Em Fevereiro

Em Fevereiro, amo-te sem
máscaras,
sem comédias nem tragédias, nasones
ou arlequins,
pulcinellas, colombinas,
mimos, momos ou truões,
sem degredos sem segredos
sem os cumes nem os fundos
sem invernos mas quimeras
fecundando primaveras


Em Fevereiro, amo-te sem dilemas
e peço-te e dou-te e digo-te todos
os poemas


Pedro Guilherme-Moreira 2011

fonte da foto: Harol Silverman
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Published on February 08, 2013 07:39

February 7, 2013

Os inamigos

Foi avistado na língua de areia áspera da praia de Chesil, que em Dorset neste século vinte e dois só fica a descoberto de nove em nove anos se o verão for precedido de estações doces, o esqueleto exquis do que pode ser considerada uma nova subespécie humana - e que poderia dar ao cientista que o sintetizou o prémio Nobel da verdade, se ainda existisse, não tivesse a verdade sido violentamente abandonada ao longo dos duzentos anos precedentes, com todas as corrente filosóficas a assentar a sua busca no inútil, em prol de um sistema de conhecimento assente em parâmetros de autenticidade.
Serás autêntico, ainda que tenhas de mentir ou omitir ou até omentir para sobreviver.
A subsespécie do esqueleto é a subespécie dos inamigos.
A humanidade viveu os últimos duzentos demasiado perto dos inamigos para perceber que os tinha. A incompreensão do seu comportamento levou a uma explosão de suicídios e homens-bomba, que se colocavam estrategicamente junto da sua vítima para lhe iluminar e em simultâneo lhe dinamitar a vida e os órgãos internos. Aos inamigos chamava-se na altura conhecidos. As chamadas redes sociais, hoje designadas genericamente como maquilhagem, exponenciaram as paixões e arrebatamentos entre esqueletos maquilhados e a empatia dos modelos vazios que iam caindo para dentro uns dos outros.
A sociologia moderna mostra tendência para incorporar os inamigos no borboto dos tecidos, defendendo que o homem de hoje demora menos do que o de ontem para limpar as excrescências do entorno. Mas é sabido ao que levou a prática do bloqueio: nas redes sociais do século vinte e um, muitos animais ficaram viciados no exercício de eliminação de "amigos" de forma liminar, e é hoje conhecido como o treino do liminar e da visão redutora do outro como um mural de vidro, em conjunto com o poder incontrolado da demagogia de colectivos que se agregavam de forma rápida, como nunca antes na história da humanidade, levou ao repristinar dos genocídios e trouxe uma nova noite ao mundo, com um milhão de homens e mulheres a devorarem-se uns aos outros da equerda para a direita e da direita para a esquerda, com todos os políticos clássicos decapitados e com a corrupção erradicada até reasssomar para facilitar o bem.
Hoje, felizmente, os animais são todos iguais, e não são consentidas descriminações entre cães e crianças, com a vigilância da comissão de concordância prática de direitos constitucionais.
Até serem erradicados, o poder advoga que deve haver tolerância com os inamigos, e que é normal sentir empatia por tais seres ou crer que se tem mais amigos do que a contagem efectiva de cabeças.Ainda na linha filosófica da autenticidade, os testes de amizade nos parques de linhas de comboios em que a alma em perda tem de escolher salvar uma de duas pessoas amarradas aos carris têm sido eficazes, além de permitir um controlo populacional.
E apraz registar a unanimidade social no sentido de excluir o conceito de naturalidade do erro humano e de que a vida é dinamizada pela imperfeição. O impasse dá pena de morte.
Na praia de Chesil, em Dorset, de nove em nove anos, já não há corpos nus.
PG-M 2013
fonte da foto



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Published on February 07, 2013 07:24

February 5, 2013

À mulher (des)conhecida

Sou incapaz de explicar o que sinto por ti.És mulher, tens uma beleza que não obedece à convenção, és imperfeita, normalmente mais nova do que eu, e é assim porque parte do meu encantamento reside no infinito da tua possibilidade.Não quero nada contigo, sequer um abraço, talvez uma conversa (teremos poucas coisas em comum e talvez o silêncio), só sei que me encantas e gosto de te espreitar, de sentir a tua mancha, de prover o teu reflexo, mas é impossível, neste século como no fim do outro, advogar este encantamento sem sexo.A primeira pergunta que me faço é porque é que isto não me acontece com homens.Não sei responder.Sei que provavelmente te faço a corte, sejas empregada de café ou de livraria, recepcionista de hotel ou paquete de pizaria, tens normalmente menos formação académica do que eu - porque anseio intimamente o mínimo de compatibilidade entre nós. És conhecida da minha mulher, de quem nunca escondo as minhas mais profundas empatias - escondê-lo é meio caminho andado para que o sexo seja uma espécie de falso motivo de libertação: não poucas vezes pensamos que temos o direito a não estarmos condicionados, cerceados, limitados à intimidade com uma só pessoa, e como não sabemos esperar pela lógica serena do tempo, cumprimos essa libertação quase irracional pelo sexo com outros, incumprindo a própria fantasia. Nunca fazemos o exercício da ausência - o que serei eu sem eles, se não os ter é condição dessa liberdade aparente?Normalmente tenho saudades tuas, e se desapareces das rotinas onde te encontro sinto a tua falta. E mesmo que te esqueça, nunca é rapidamente. Às vezes há até um desespero, algo muito parecido com paixão, de não poder saber de ti e de qualquer diligência para te encontrar ser socialmente inaceitável.Acredito que não sou o único a ter tantas mulheres assim, mulheres que muitas vezes são também mulheres da nossa vida e que tendemos a ignorar por pequenez. Mulheres a quem deixaríamos um recado inebriado de luz, mas de quem não queremos o corpo. Mulheres que completam algumas metades por cumprir: porque nenhuma nunca poderá ter tudo.As mais das vezes tendemos a esquecer que a nossa própria mulher tem as suas figuras e que, quando  sabemos conter o frívolo, somos ambos maiores do que o espelho ou a consciência devolve.Eu, mulher, eu sou apenas
todo homem normal
PG-M 2013fonte da foto
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Published on February 05, 2013 08:53

January 31, 2013

O físico, o matemático, o químico, o filósofo, o político, o linguista e a prostituta

o físico descobriu que a esperança e o medo

têm consequências matemáticas
o matemático sempre soube que a esperança e o medo
têm consequências físicas

(já o amor o químico)

o filósofo, esse,
divorciou-se

o político fumou
todos

o linguista disse que fumar era um eufemismo

por exemplo

a prostituta fuma

PG-M 2013
fonte da foto
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Published on January 31, 2013 15:29