Pedro Guilherme Moreira's Blog, page 43

May 22, 2013

The Manchester notes (I)

De Maria João Freire de Andrade

Passados quase 15 dias de permanência nesta ilha verde e chuvosa, os ecos de Portugal, esse país de sol e boa comida, chegam-me como cacarejos. Não me refiro ao "cacarejar" do governo de Mr. Lapin e outros animais, mas ao cacarejar de certos indivíduos que surgem no facebook a partilhar grandiosas pseudo-eloquências contra este e o outro, e aqueloutro e mais este e mais aquele. E, ainda pior, "grandiosas pseudo-eloquências" escritas ou ditas por terceiros, pois nem por si mesmos conseguem pensar.
Apesar de sempre o ter sabido, agora à distância vejo-o melhor. Portugal é mesmo um país de gente pequenina, de gente medíocre, que ao descobrir uma rede social (inventada por um americano) considerou-a o meio por excelência para deixar transbordar toda a sua inveja, e "no entretanto" imiscuir-se como pretenso amigo das pessoas de quem sente inveja. 
É oficial. Portugal nem sequer tem nível para ser uma capoeira, não passa de um quintal cheio de galinhas tontas a chocarem de frente umas contra as outras. Galinhas deslumbradas que pretendem "poleiros" numa determinada área, e quando não o conseguem, extravasam toda a sua bílis a quem o conseguiu. Esquecem-se que as pessoas que invejam são pessoas que trabalharam arduamente, que conquistaram os seus respetivos lugares por direito e mérito próprio. Não tiveram de recorrer a redes sociais, nem "amigarem-se" e "desamigarem-se" virtualmente com alguém. As redes sociais, esta rede social, é também um belíssimo espelho que exibe sob inúmeras formas, a carranca (mais ou menos) servil e untuosa de certos "débeis de espírito", que seguem correntes e marés sem pensamento próprio. 
Cacarejai, senhores, cacarejai, é divertido ouvir-vos :)
MJFAfonte da foto
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Published on May 22, 2013 09:42

May 20, 2013

O que são campeões (longas notas sobre o que é ser homem através do desporto à sombra dos atletas que começam)

Aqui se falará de campeões.
De todos os campeões na óptica da pirâmide invertida, que na realidade é uma pirâmide direita, porque os nossos pequenos são a base larga de qualquer sistema humano. Aqui se tentará tocar na essência do desporto através de uma história aparentemente concreta, mas que na realidade é apenas um modelo. Quase vinte anos. Quase vinte anos a jogar voleibol para chegar a pai e ver o filho perder na negra a final do campeonato nacional de voleibol de infantis, há umas horas. Um sofrimento que se esplanou no tempo e veio dos dias anteriores aos três da fase final e se prolongou até este momento, em que parece que o corpo do filho nos regressa depois de dias de pavilhões intensos, muito intensos, muito largos, muito amplos, muito luminosos, com muita gente boa a afinar gargantas e a bater bombos, com faixas e camisolas - em que havia uma que se destacava, e já lá vamos.

Neste fim-de-semana de Maio de 2013, jogou-se em Esmoriz, de sexta a domingo, a fase final do campeonato nacional de voleibol, no escalão 12-13 anos. Vou deixar de fora destas notas os que se classificaram de quinto a oitavo (Esmoriz, Ginásio Vilacondense, Colégio Frei Gil e CV Oeiras) apenas por razões de ordem prática: muitos deles também teriam belas histórias para nos contar, com destaque para o Esmoriz, a terra onde o voleibol se vive com paixão e saúde, sem sobranceria, e que organiza torneios e fases finais sempre de forma exemplar. Há trinta anos o meu pai treinou este clube e fez, além de campeões, o sentimento que ainda alimento por esta terra - um destes dias vi esses maduros, com muita saudade, jogar contra a equipa de seniores actual: saudade das sardinhadas de verão no pátio lá de casa, quer ganhássemos, quer perdêssemos.
Saudades também dos tempos de rádio em Esmoriz, na RVE, 93.1 MHz, onde fui locutor no princípio da década de noventa:).

Voltando à fase final, dos quatro primeiros, se tivéssemos de fazer um ranking do ano 2012/2013, colocaria a Académica de Espinho em 1º (não perdera, até aqui, um único jogo), o Benfica em 2º (também sem derrotas), o Atlântico da Madalena em 3º (perdeu apenas com a Académica de Espinho) e o Ginásio de Santo Tirso em 4º (perdeu todos os jogos oficiais com a Académica de Espinho e com o Atlântico). No final do campeonato, invertemos este ranking e temos o que se passou: o Ginásio de Santo Tirso foi campeão (ganhou a meia-final à Académica de Espinho, principal favorito, e a final ao Atlântico), o Atlântico vice-campeão (ganhou a meia-final a um excelente Benfica), o Benfica terceiro (ganhou o jogo de apuramento do 3º lugar à Académica) e a Académica de Espinho em 4º. Se formos falar tecnicamente, e esta é a modesta opinião deste escriba, o Benfica é a equipa mais evoluída. Tacticamente foi o Ginásio de Santo Tirso: viu-se o trabalho do professor Durval nos mais pequenos detalhes. O Ginásio tem também o melhor jogador nacional deste escalão, Diogo Alves, que aos treze anos é um exemplo desportivo de trato, trabalho e humildade.
O Benfica tem a desvantagem que sempre tiveram os clubes a sul: não tem com quem competir durante a época, mas agora compensa isto com um visionário do voleibol, o professor Jardim, que faz um trabalho quase impossível a coordenar os vários escalões e a formar jogadores, e por isso se sente que o Benfica não é só o campeão nacional de seniores porque compra, mas também porque, com muito esforço, sabe formar. Em rigor, qualquer apaixonado por este desporto em Portugal devia gostar deste Benfica, porque a norte o FC Porto desistiu há muito do voleibol, e só recentemente se lembrou dos seus velhos campeões, entre os quais o médico do futebol, o Professor Puga. Esse esforço esteve patente nas bancadas do pavilhão: os miúdos do Benfica conquistaram a assistência, e mesmo a claque, que, se ao princípio se isolou, quase com medo de ser hostilizada, depois se fundiu com as outras claques, principalmente com a do Atlântico.
Nós emprestámos os bombos à claque do Benfica para o apoio no último jogo, eles deixaram-nos os leques que faziam barulho e diziam "Apoie o Benfica rumo ao título. Força Benfica", e foi com esses leques que apoiámos os miúdos do Atlântico na final, com os bombos de regresso. Temos a certeza de que tocámos, e fomos tocados, pela equipa e pelos apoiantes do Benfica, assim como o Benfica ficou no coração de todos. Vamos já chegar à questão Académica de Espinho e o porquê de não terem sido apoiados por outras claques (além da óbvia razão de serem os papa-tudo da época, e por isso os naturais vilões, e o apoio tender sempre para os teoricamente mais fracos), questão que, como verão, é mais uma questão de "Espinho", e que nada se relaciona com os garbosos miúdos da Académica que jogaram esta fase final, nem com o seu treinador, Fabrício, que curiosamente é jogador dos seniores do Altântico, e considerado um dos melhores atacantes nacionais.

Antes disso falta dizer porque é que o Ginásio de Santo Tirso ganhou e porque é que o Atlântico perdeu. Há uma razão técnica e uma desportiva. A técnica explica-se numa palavra: distribuição. Dizer "Diogo Alves" seria injusto para todos os outros rapazes do Ginásio. Claro que o Diogo faz a diferença, mas vou tentar explicar o porquê da "distribuição" (o acto de passar a bola aos atacantes - e o Atlântico tem-nos bons, Guilherme, Rui, André, João, Nuno): nos escalões minis, imediatamente antes deste, é estimulado o adorno da bola com as mãos (no meu tempo, havia até um exercício em que agarrávamos a bola uns segundos, e só depois a largávamos com os dedos), sendo perdoados a maioria dos transportes de bola e o duplo toque. Mas o primeiro escalão com jogos completos em court completo é precisamente este, o dos doze/treze anos. Os miúdos estão ainda em adaptação, e há uma certa tolerância da arbitragem (como é justo que haja), tolerância que se estendeu aos jogos desta fase final. Mas essa tolerância acabou precisamente no jogo da final e no do apuramento do 3º. Acabou a tolerância e acabou o bom-senso. Porquê esta ideia peregrina de ser pedagogo quando está tanto em jogo? O espectáculo (estes rapazes já têm momentos de espectáculo) e ambas as equipas foram penalizadas, mas os distribuidores do Ginásio estão menos "viciados" na técnica do escalão anterior (um deles é o mesmo Diogo, o outro o Álvaro). O jogo também perdeu fluidez, as jogadas foram interrompidas pelos árbitros e não puderam prosseguir normalmente: isso foi especialmente claro no quarto set, quando os distribuidores do Atlântico - principalmente o massacrado Miguel - já não sabiam como passar a bola e toda a equipa ficou afectada. O trabalho de toda uma época do professor Hugo Leão no Atlântico, ali apoiado presencialmente pelo bem sucedido treinador dos seniores, professor JP (uma atitude muito bonita, esta sim de campeão) acabou por ser posto em causa por uma dupla de árbitros demasiado zelosa. Ter levado o jogo a discussão até ao último ponto da negra, nestas condições, foi já um esforço hercúleo para os distribuidores agora vice-campeões.
Já a razão desportiva  foi precisamente o exemplo de ascenção do Ginásio de Santo Tirso: não havia nada a provar, era preciso apenas ter consciência do próprio valor e não ter medo das camisolas que os tinham vencido durante a época. 
Em resumo, "Acreditar", que era precisamente o que estava escrito nas camisolas da claque do Ginásio. Essa palavra teve o duplo condão de inspirar os jogadores e intimidar os adversários, que iam percebendo que a lógica da época não estava em vigor, e que, afinal, a humildade, a concentração e o trabalho também vencem jogos. Um grande trabalho do professor Durval.

Do lado oposto desta atitude está o Espinho voleibolístico - não, repito, os garbosos múdos da Académica nem o seu treinador, Fabrício. Espinho, que é uma cidade belíssima, tem gerações de sobranceria endémica no voleibol - ser vencedor pode não significar ser um grande campeão. É uma sobranceria que, no futebol, podemos ver nos benfiquistas: parece que este ano muitos se olharam ao espelho e que começa a haver uma certa auto-consciência de que é importante que nos divertamos e que saibamos agradecer e mimar os adversários, porque são eles que abrilhantam as nossas vitórias. Ainda hoje um amigo benfiquista, ciente dessa realidade, me dizia que, por mais que tente suavizar a sobranceria de alguns, não conseguia. Em Espinho essa sobranceria demorará algumas gerações a ser corrigida. Do que vi nos primeiros escalões (minis, sete a onze anos, por aí)  é melhor nem falar, até porque já o escrevi aqui.

Cultura de vitória a todo o custo será cultura de campeão? Campeão é o que sabe que a glória é efémera e que tudo é relativo: eu nunca fui feliz nos anos em que fui atleta em Espinho (num deles fui também isto: vice-campeão nacional), e fui muito feliz em todos os meus quintos lugares como atleta do Colégio dos Carvalhos. Eu e o meu irmão fomos convocados para a selecção nacional pelo Colégio, não pelos "Espinhos". E foi na selecção que aprendemos o que era lutar por um objectivo comum, coisas que as crianças de hoje têm desde cedo, com o projecto das selecções das Associações de Voleibol regionais. Muito mérito, a norte, dos professores Nuno Valente e Zé Manel, que todos os Domingos e Segundas lá estão, em Matosinhos, para acolher os bons e os menos bons, criando um espírito colectivo e uma amizade que transcendem clubites (aliás, estão vedadas as camisolas dos clubes nesses treinos) - tudo ganha sentido quando os miúdos que conseguem atingir um certo patamar se encontram desta forma. Mas há uma excepção: os iniciados da Académica de Espinho, também principais candidatos ao título deste ano, e onde joga o meu querido sobrinho Simão, estão proibidos pelo seu treinador de por os pés nas selecções da AVP. É uma opção respeitável, dir-me-ão. Mas também triste. Foi do mesmo lado que ouvi aquela célebre frase dos doentes compulsivos por vitórias, quando o meu filho Guilherme se dirigiu a um eminente treinador espinhense e disse, orgulhosamente, quando perguntado pela época desportiva, "fui vice-campeão regional". Resposta: "Isso não é nada. Isso é ser o primeiro dos últimos." Brincadeira certamente, daquelas brincadeiras de bom gosto que se fazem na cara de atletas de treze anos. Agora o Guilherme poderia dizer-lhe que foi também o primeiro dos últimos como vice-campeão nacional, que também é nada, claro, como o Benfica foi o segundo dos últimos e os próprios infantis da Académica de Espinho foram os terceiros dos últimos. Mas isso não é ser campeão. O que terá dito este eminente treinador perante a célebre cena da atleta suíça, Gabriela Andersen-Schiess, quando a viu a chegar à meta, quase de rastos, na maratona dos jogos olímpicos de Los Angeles, em 1984, e que levou quase dez minutos a percorrer os últimos duzentos metros, desidratada e com um choque de calor? Fácil: pelas contas dele, basta retirar uma unidade à classificação geral e dizer (como ela foi 37ª em 44), "esta foi a 36ª dos últimos". Por esta bitola a medalha de prata é sempre a primeira dos últimos e a de bronze a segunda. Dos últimos. Mas talvez se engane. Vi em todas as crianças de todas as equipas a fibra de campeão, cada uma dentro dos seus limites, umas amedrontadas para na próxima se superarem, a maioria a superar-se mesmo. É essa a definição de campeão. Só essa, mais nenhuma.
Agora o meu campeão está sentado ao facebook a receber e dar os parabéns aos adversários, com o cachecol do Atlântico aos ombros e amedalha de finalista ao peito.
No fim desta aventura, fora do mundo, quando as buzinas soavam lá fora por mais um tricampeonato do FC Porto em futebol, eu tentava gerir dolorosamente o facto de o meu filho, o meu campeão, não ter conseguido levantar a taça. Sei bem que, a longo termo, seria muito mais difícil gerir as suas expectativas na vida e no próprio desporto se ele começasse por ser campeão e depois não ganhasse mais nada. Sei que os grandes campeões devem primeiro aprender a perder, que isso os prepara para a glória e os serena quando ela não vem.
Mas sabem vocês o que me apaziguou definitivamente, além de sentir que estou a voltar à grande família do voleibol, que abandonara quando encostei as sapatilhas Rucanor laranja de sola fina e as bolas Molten brancas, em 1987? Perceber que nos meios voleibolísticos deixei de dizer que sou um "Pedrosa", filho deste e irmão daquele, colega do Maia e do Brenha, para passar a dizer que sou o tio do Simão da Académica de Espinho e o pai do Guilherme do Atlântico.
Aí estão eles, a apaziguar-nos.
Aí estão os novos campeões.

PG-M 2013
fonte da foto de Gabriela Andersen-Schiess 
restante fotos do próprio
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Published on May 20, 2013 17:37

May 16, 2013

"A manhã do mundo" - dois anos

 Pronto. Hora de cantar os parabéns pelos dois aninhos. Nem de propósito, fazemos isso com a recensão da excelente revista Bang (nº 14), que só ontem me chegou às mãos. "A manhã do mundo" saiu no dia 16 de Maio de 2011. Da minha autoria, edição da Maria Do Rosário Pedreira, revisão da Sofia Madalena G. Escourido, capa do Rui Garrido, chancela da Dom Quixote. Pedro Guilherme-Moreira 2013
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Published on May 16, 2013 12:29

May 14, 2013

Le MEC

Não sei bem explicar o que neste homem me faz bem, me fez sempre bem. Não é um dado adquirido, não é aquela quase obrigatoriedade de dizer-bem-de-MEC, aquela pulsão "cool" de o elogiar publicamente, trazendo a sua glória sobre mim. Não gosto ou deixo de gostar de forma adquirida. Se tenho de gostar acriticamente de um amigo ou de um inimigo, prefiro não falar dele. Se falo dele, gosto ou desgosto criticamente. Digo mal apenas se me sentir defraudado. Se não esperava mais, calo-me educadamente. O Miguel Esteves Cardoso tem o traço de todos os homens bons que conheci, todos ao mesmo tempo, e mesmo assim não tem tempo. Nem nada. Nunca esperei menos dele. Tenho pena de que não seja meu amigo, apesar de ser a única figura pública que diz que quem sente que o conhece o conhece mesmo. Que diz não e sim de forma voraz. Que ataca qualquer pergunta como um bebé com fome de mundo. O conhecimento do interlocutor e das coisas que o interlocutor lhe traz ou permite descobrir. Profundamente humilde e sábio. Aquele ar trapalhão é a forma alegre da sabedoria, que ele diz ser intrinsecamente triste. Deve ser o único sábio alegre sobre a terra. Que não importa ser sábio, que a vidinha é bem mais importante, que não se devia ler tanto, mas viver mais, que não falta leitura aos portugueses, não senhor, porque os portugueses vão lendo nas salas de espera dos médicos, quando falam para o ar de forma imperceptível sobre as suas alfaces (confesso que quando ouvi isto estive para chorar). Vão lendo a própria vida. Que aspira ao sossego. Ao silêncio com a Maria João. Agora tenho a certeza: o Miguel Esteves Cardoso vai nascer todos os dias para o resto da vida. E nunca morrerá. PG-M 2013fonte da (belíssima) foto: Grupo Impala, Nova Gente
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Published on May 14, 2013 07:54

Solução Fagundes

Estou farto de verbos, adjectivos e palavras muito doces ou muito leves, mas não estou farto de gente nem de silêncio nem de um certo barulho e não sei como fazer isto,pelo sexo é fácil mas não tão evidente,se for só um beijo tem de ser lento e quase sem língua, afastado, seco,se for pela música nem sempre te incluo e tenho demais demim*,na dança não consigo parecer irrecusável,sei que há um sorriso acompanhado, os lábios quase sem curvatura, as pálpebras inferiores franzidas, o sorriso do Fagundes, lembras-te?,mas palavras não, penso até que esta espécie de diálogo na tua ausência não funciona, a frase está num beco estético sem saída, eu ia apanhar outra vez o táxi do Joseph Roth para evitar que ele morresse na miséria, mas não deixo de me sentir estupidamente feliz por ter consertado o furo no pneu por seis euros e me aprestar a descer à praia para correr junto ao mar como sempre faço e ver fumar o doutor que já morreu no fundo da rua, que amanhã acaba o prazo do iva, o prazo de tanta coisa, mas neste abismo estético eu posso sempre calar-me e dar-te o sorriso do Fagundes. PG-M 2013* mais uma nova palavra:)fonte da foto
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Published on May 14, 2013 07:41

May 12, 2013

Desporto-desbenfica

Raramente escrevo sobre desporto, mais raramente ainda sobre futebol. Mas como nasci no Porto e aprendi a amar o FC Porto, onde treinei e onde o meu pai foi internacional e treinador, assim como um irmão, como estudei em Coimbra e aprendi a amar a Académica, como vivo em Valadares e estou todo orgulhoso que as meninas vão disputar a final da Taça de Portugal de futebol feminino, como estou delirante que o clube local de voleibol, o Atlântico da Madalena, tenha sido campeão nacional da segunda divisão e que o meu filho, pelo mesmo clube, vá disputar no próximo fim-de-semana o título nacional de infantis, onde provavelmente haverá um grande derby Atlântico-Benfica, pensei em escrever só isto, que no fundo é só o que me importa em qualquer actividade humana: ser "anti" o-que-quer-que-seja é ser descompensado emocional e mental - deixei de ter dúvidas sobre isso. Desejar o mal, não só a pessoas, mas a instituições, é precisar urgentemente de terapia. Usar cachecóis a dizer "Merda é Benfica" patológico. Não é por sermos um país pequeno e Lisboa ser, finalmente, uma belíssima cidade para qualquer tripeiro, e o Porto ser, finalmente, uma belíssima cidade para qualquer alfacinha. É porque os limites da natureza humana estão também nestes detalhes. A minha alma transporta uma comoção pelo granito que eu sinto num certo sotaque largo de quem ama o clube local, mas que não está em lado nenhum de quem odeia, de quem se esquece que em todo o lado, na sua vida, está uma pessoa que tem outra paixão e outra cor e que não é isso que a define, mas a distância ao centro das coisas. Na Casa do Benfica em Luanda os portistas e os benfiquistas fizeram ontem a festa, choraram, voltaram a fazer a festa e no final abraçaram-se, como em minha casa, como em muitas casas. Quanto mais nos afastamos do centro do furacão, quase sempre urbano, mais se limpa o cenário e depuram as pessoas, mais ressalta o bom e esquece o mau, mais fica  o importante e evanesce o inútil. Os animais que agridem jornalistas e vão insultar o seu melhor adversário, o adversário sem o qual não haveria nem jogo nem vitória, e atiram pedras a quem faz o que sente ou deve, esses, não são nada, não são adeptos de nada, mas a vergonha das camisolas que abusivamente envergam. Eu, por causa deles, não me quero esquecer dos dias em que fui de mão dada com o meu pai para dentro dos pavilhões e dos estádios das antas, os dias em que, miúdo, me agarrei fascinado às pernas de um Freitas, de um Teixeira, de um Cubilhas, de um Fonseca, o dia em que os ouvi chorar porque aquele jogador chamado Pavão, o que tinha caído no campo aos treze minutos da jornada treze de um Dezembro aziago, tinha morrido, o dia em que me deram a camisola azul e branca para a defender, como se fosse a mesma do meu pai, como foi a mesma que, uns anos depois, o meu pai me ofereceu quando, já veterano e a jogar noutro clube, perdeu um set a zero com o mesmo FCP. E eu comecei a jogar voleibol com essa mesma camisola número três desse mesmo clube. Dentro de um pavilhão das antas contei vinte quedas, vinte, na minha bicicleta amarela, no dia em que o meu pai, antes do treino do FCP, me tirou as rodas. Tinha seis anos. E o brilho nos meus olhos era o mesmo quando o meu pai recebeu em casa uma chamada para treinar o FCP. E aquele homem careca meio curvado que ontem estava comovido, de pé, junto ao banco do FCP, logo a seguir ao golo do Kelvin, o médico Nelson Puga, que era jogador do meu pai em 1978 e quase se sentava no chão antes de cada serviço, curvado, de cócoras, paralelo à linha de fundo do court de voleibol, esticava o braço direito e fazia um arco sobre o braço esquerdo e a bola voava em elipse, era um gesto belo, belo, belo. Tão belo que nenhuma dessas feras criminosas que espumam contra os outros pode apagar a essência do que isto é, e que não se separa, nem nunca se separá, em Porto e Benfica. São memórias de luta, de músculo, de crescimento. Que a queda de Jesus sobre os joelhos deixou no coração de todos.
PG-M 2013
fonte da foto (jornal "A Bola")
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Published on May 12, 2013 04:58

May 10, 2013

Memórias préstimas* de um advogado-sopeiro

          No dia das limpezas cá em casa sempre me levantei muito cedo. Normalmente era para sair antes que a empregada chegasse, mas quando convenci a minha mulher de que eu, sozinho, era mais do que competente para ela me pagar a mim em vez de à dona-não-sei-quantas, que ainda por cima não era fiscalmente justa e eu prometia entregar todo o meu soldo para benefício caseiro (dava para duas semanas de supermercado), fui contratado. A bem dizer, a minha senhora (coisa horrível de se chamar ao portento com quem me casei) já sabia que essa era uma despesa que não podíamos ter, não por causa da crise.     (é que bem antes da crise os advogados, por razões boas - o simplex, que tanto simplificou a vida das pessoas e infernizou a de funcionários públicos dos registos e notariado empurrados para a selva sem formação e sem que muitos mecanismos tecnológicos tivessem sido atempadamente testados, mas eu não estou a criticar, nem pensar, então eu ia lá falar do inferno pioneiro que vivi com um garboso funcionário dos serviços centrais das conservatórias do registo automóvel, tal que ficámos amigos, como na tropa, vejam lá, mas eu não vou falar disso, bem antes da crise os advogados, por razões boas já tinham a sua própria crise de clientela;)     (é que bem antes da crise os advogados, por razões más, como por exemplo a forma irresponsável como se aprovaram cursos de Direito - que eram moda - como cogumelos, e nem um político, nem um dirigente das ordens e associações profissionais, os teve no sítio, como dizem que têm, para fazer frente aos grupos económicos que os faziam proliferar, mas a bem dizer fizeram o mesmo no Estado com os professores e sem privados, o facto é que não temos gente de visão, essa é que é essa, diz o sopeiro;)     (portanto, já na altura os avogados tinham a sua própria crise de clientela, principalmente os que possuem coluna vertebral e fazem seus os princípios na deontologia, que não são assim tantos, a bem dizer, diz o sopeiro, porque, com tantos inscritos, mais de trinta mil, a pressão de procura de estágio é de tal ordem que o mecanismo de que ninguém quer falar e que ninguém quer proteger, conhecido popularmente como de "escravatura de estagiários", está implementado e já ninguém fala disso, com efeito é fácil perceber que qualquer corajoso que fizesse vida a proteger estagiários abusados teria a sua vida rapidamente destruída pelos mais poderosos, e por isso o abuso está nas veias do sistema e já nem é mencionado, é que são tantos, que se desenmerdem ou então vão a caixas de supermercado;)     E como a minha senhora sabia que essa era uma despesa que não podíamos ter, aceitou o facto de o marido, advogado e por acaso escritor, ser competente nas limpezas.     (levanto-me hora e meia mais cedo, porque demoro isso; às vezes duas horas. A primeira coisa que disse à minha semhora foi "vês como ela não precisava de quatro horas a sete e meio à hora para limpar a casa?"; com efeito, a minha técnica de aspirar tapetes é perfeita e já está patenteada; a bem dizer, aspiro a casa duas vezes, primeiro com a pontinha do aspirador, que deglute as pequenas poeiras, depois com o braço maior, e sou também muito eficaz na limpeza do pó, e vou a mais sítios que a dona-não-sei-quantas-que-era-fiscalmente-injusta, quer dizer, não descontava, não é?)     Mas eu estava a falar disto a propósito de quê? Ah, já sei. Era só para dizer que enquanto ando a limpar a casa ponho os auscultadores do meu filho, uns xpto com cancelamento de ruido externo (coisa perigoso, ó-ó) e uns baixos a bombar, que na verdade me deixam num estado de arrebatamento artístico difícil de explicar, sabem quando estão isolados em boa música e o mundo lá fora (com o ruído cancelado) não tem peso nenhum, e vocês desesperados para partilhar aquilo com alguém, mas quem?, como dizer isto?, como inefar* o inefável?, e eu até interrompo a lida da casa para ir ao facebook, para responder a uns mails de clientes e colegas, para fazer uns acertos em textos para a editora, ver os filmes que estreiam, isto enquanto aspiro aquele tapete, confessso, aquilo fica perfeito, perfeito, as migalhas que o miúdo larga durante a semana e nem uma, nem uma, confesso, estou a sorver migalhas com a pontinha do aspirador e tudo é perfeito, seja com os Daft Punk, com o Jake Bugg, com o Tom Odell, com a Nena, com a Lhasa de Sela, Mozart, Enaudio, Radiohead, R.E.M., Solomon Burke, não importa, com aqueles auscultadores eu chego ao céu, sabem como é?, e foi até por causa de um estado de graça desses durante a limpeza do pó que eu escrevi na cabeça aquele  poema em italiano, com que ora concluo, porque tenho de ir fazer o almoço, mas em português - este texto é sobre música e poesia, mais nada -, porque certamente já peceberam a ideia, eu quero é cantigas (onde abaixo diz "criada" não é a criada, sou eu, vale?):

Eu sou o quarto onde a palavra sangraEu sou uma rima sobre a cama/ Eu sou a frase dentro doarmárioE quando a criada vemlimparlança poemas pela janelaE eu volto a casa e vejo

versos

Nos sapatos das pessoas

     PG-M 2013     * palavras inventadas, obviamente, porque posso, como sopeiro     fonte da foto
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Published on May 10, 2013 07:18

May 9, 2013

Mais de três polegadas de solidão

Não falo da solidão branca, que é desejada até pelos mais velhos de nós, que depois morrem naturalmente sozinhos com o único descuido de não terem preparado a morte, e depois são devassados por correntes noticiosas que só se lembram dos outros, dos da solidão negra, dos que não querem nem podem estar sozinhos. A solidão negra moderna ganhou uma ilusão de anulação: os ecrãs. Mas, tal como as multidões que nos deixam mais sozinhos do que a casa vazia, os ecrãs tiram a muita gente, não só a ideia, mas a probabilidade, de convivência humana. Todos nós, que vivemos neles, percebemos que o corpo fica cansado de não ser visto nem tocado. Quando usamos transportes públicos de forma ocasional, ficamos fascinados por ver pessoas. Pessoas que os suportam todos os dias. Algumas, por isso, fogem para dentro de ecrãs mal saem de casa. Não olham para o topo dos edifícios, para a rua, para o rio, para nós. Nós que um dia tomamos a decisão de ir tomar um café real com um amigo real, mas percebemos que os "amigos" estão ocupados. Essa ocupação pode ser a incapacidade de trocar o ecrã pela pele, porque tempo há, há sempre tempo, nem que seja para meter na cabeça que o temos para fatalidades e que não têm de sobrevir fatalidades para nos enxergamos. E enxergarmos o outro . Hoje o engano do cantinho quente da nossa cabeça faz-nos fugir do colectivo. Nunca tanta gente sofreu de solidão negra que parece branca. Ainda por cima é uma solidão que só aparentemente se quer, que faz chegar dias em que se pensa e sente que os amigos virtuais não querem saber de nós e se bate com portas que não existem. Importar-se com os outros ainda não deixou de ser o acto voluntário de mudar para outra pele. Em qualquer ambiente, analógico ou digital. E se estamos encerrados nas nossas cabeças nem sequer para a nossa pele mudamos, quanto mais para a dos outros. É preciso sair. Comecemos pelos próprios espelhos, antes que sejamos todos um colectivo de ilusões. Ou palhaços sem plateia.

PG-M 2013fonte da foto
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Published on May 09, 2013 11:54

O Porto não perdoará

Quando a Apel anunciou, lá de longe, de Lisboa, que, pela primeira vez em 83 anos, não iria realizar Feira do Livro no Porto, eu achei que tinha de saber mais sobre esta enormidade. Conheci aquele a que chamo, no mínimo, de discurso inábil e sem visão (eu gosto mais de "sarrafeiro", mas pronto, fica inábil) dos políticos locais do Porto, tipo "se não há dinheiro para pão, não há dinheiro para livros" ou "se eles querem vender livros, que paguem eles" (as citações são paradigmas, e não ipsis verbis, e afinal, tantos foram os crimes políticos contra o Porto: lembro-me, assim de repente, da destruição do Palácio de Cristal para receber um mundial de hóquei). Consegui falar rapidamente com políticos hábeis, e percebi que soluções para a feira se realizar não faltavam. E em tempo. Há já movimentos vários para que a feira se realize e haveria sempre a possibilidade de angariar os 75 mil euros (bastava o apoio de uma televisão num Domingo dolente). Mas agora tem de se fazer a pergunta: e se a Apel não quiser? E se a Apel quiser castigar politicamente os políticos do Porto, ainda que houvesse dinheiro e lugar e tempo, como havia? A verdade é que não consta que a Apel tenha respondido positivamente a apelos de quem quer que seja, e já houve muitos, mesmo muitos, e de peso. Agora é porque já não há tempo e é logistiicamente complicado, como se não se pudesse adiar a coisa uns dias e pedir mais braços (com os meus podem contar). Talvez porque na Apel haja gente muito importante, como tanta gente neste país, dos mais diversos sectores de actividade, que, sofrendo de um certo complexo de superioridade, considera sempre que o silêncio e o desprezo são uma saída com classe. E lá de longe, de Lisboa - onde continuam apostadíssimos numa grande feira do livro em Lisboa (ainda maior, para se vingarem da fome na invicta), continuam a sair comunicados e decisões em desfavor da feira este ano. Sem perceber que isso é violar a dignidade, não só de uma cidade e dos seus habitantes, mas de todo o norte. E será sempre um tiro no pé. Teremos sempre, para os que ficarem historicamente responsáveis por esta vergonha, uma solução de vocabulário local que, provavelmente, nunca constará dos vossos dicionários. Na Ribeira começa sempre pelo verbo "ir" no imperativo. O Porto, que nunca perdeu, não vos perdoará.
PG-M 2013fonte da foto
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Published on May 09, 2013 08:48

May 5, 2013

Oprheu e a mãe branca (ou quaquer outro nome da luz, mesmo que seja preta)


Vais ver, mãe, que vai ser um arqueólogo a descobrir que o Orpheu do avô é toda a nossa existência em demanda antes de tempo. Já te perguntaste sobre a obsessão? Com tanto para descobrir em Paris, arriscando um encontro com Pessoa, Sá Carneiro, Picasso, Souza Cardoso, Modigliani, todos tanto, porque é que o avô se fechou naquela cave bafienta no setenta e tal da Rue Vercin e modelou aquele gigante como se estivesse a modelar a prórpia carne e a de todos os seus filhos? Aquele olhar ausente, tão subido que parecia ter dado a volta desde o inferno, pelo céu que lhe é adjunto. Já te sentaste na escadaria do pavilhão meio esquecido do outro lado do jardim das Belas Artes do Porto e olhaste para o Orpheu do avô? Não? Faz isso e há uma coisa que te vai parecer evidente: o avô deu à estátua todo o nosso sofrimento. Já não tens de o suster em ti, só o medo, um medo breve, e depois deixa que o Orpheu te ampare os golpes e te sorva as lágrimas e que enquanto beba te deixe os sorrisos que lhe foram vedados. Não vês? Ficou tudo lá, o passado, o presente e o futuro de todas as nossas dores. Por isso te deves deixar elevada, mãe, e branca (ou qualquer  outro nome da luz, mesmo que seja preta).
PG-M 2013
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Published on May 05, 2013 11:50