Alexandre Willer's Blog, page 6

July 29, 2021

querência

olhei pela fresta, um fio de porta que deixava apenas uma parte do quarto na vista mas a parte que importava, a que me cabia, a que sempre usava quando ele chegava da rua com algum macho avulso, ele não era de macho fixo, só avulsos, dizia que de fixo já basta a vida, o resto tinha de ser avulso para não durar.

dizia que a porta tinha defeito, empenada, não fechava direito, só no tranco e depois para abrir era ruim demais então sempre deixava daquele jeito, meio aberta, meio fechada, fresta, um vão que saía dele para entrar em mim e eu via os machos e ele no quarto cavalgando feito cavalos no cio e aquela fresta me fazia feliz, eu guardava o gozo para ir junto com o deles e ele uma vez disse que teria de pintar a porta porque estava toda manchada, minhas manchas deixadas ali como evidência de um sexo que só fiz por um fio de porta, ri de nervoso, ele riu de sarro mesmo e piscou um olho como se fosse me dar algo em troca, algo que nunca veio.

aguardava ele chegar com os machos da rua, sabia até o peso de seus passos na escada, o ranger nos assoalho de madeira antiga carcomida por cupins e sexo, ele sabia, eu sabia, nós sabíamos e ele não fazia questão de fechar a porta quebrada, na verdade não estava, consegui fechar sem esforço e abrir da mesma forma uma vez, não era defeito, era safadeza mesmo, ele gostava que eu visse os machos que ele trazia para o quarto, queria que fosse os machos, queria que eu gozasse com os machos mas não sei porque nunca me fez isso.

uma vez eu perguntei.

ele disse que os machos eram avulsos e que eu seria fixo e ele não gostava de nada fixo, preferia que eu ficasse ali olhando, que fosse dele pelos machos e pela fresta, não queria que sua cama me conhecesse, queria apenas me sonhar e eu fiquei assim meio sem saber e evitei por dias presenciar os machos me sentindo mal por não ser eu ali, não ser o fixo, o avulso, não me importaria de ser avulso desde que fosse dele.

mas depois de uns dias, a vontade foi maior. fiquei esperando mas nada, só então me atentei de que não ouvia os passos na escada e no assoalho fazia um tempo, mergulhado que estava na minha infelicidade avulsa, nada dele nem dos machos que trazia, nada por dias seguidos, cansei de esperar e doido pelo desejo e medo de não ter mais a ele e seus machos, sai perguntando e soube que ele não mais vivia ali, ido, vazado, sumido, ninguém sabia como, onde ou porque, deixara o quarto vazio e a porta sem fechar, como a esperar que fosse lá ver seu sexo.

fui até o quarto, a porta lá nem aberta nem fechada, deve ser ruim para um porta ficar assim, porta foi feita para ficar aberta ou fechada, não no meio do caminho. olhei dentro e nada, empurrei a porta com cuidado e medo mas nada, o quarto seguia vazio, a cama no meio desfeita com lençóis tortos feito um instrumento de tortura, guimbas de cigarro pelo chão, um cheiro azedo vindo de não sei onde, um suor pesado exalando das paredes, sexo de todos os machos que haviam gozado ali, cheiro de todos os machos que haviam se largado ali, de todos os machos que haviam sido avulsos ali.

sentei na cama e toquei os lençóis sujos, não dava para sentir o tecido, haviam camadas e camadas de pele e sexo em cima, a cama era um depósito de vidas, um banco de sementes jogadas fora, um mar de pelos despregados de corpos tesos, um canavial de sexo e ali eu deitei e enfiei o nariz nas camadas de vidas e me enrolei nos panos com cheiro de sêmen e uso e gozei ali mesmo envolto num ar de machos de antes e machos que nunca vieram ou ficaram por pouco tempo, avulsos, nunca fixos.

levantei mole, melado, pernas bambas, sexo mole e pingando e fui até a porta que estava aberta, ao tentar fechar ela emperrou...

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Published on July 29, 2021 03:38

July 28, 2021

menino luxento

 


Imagine o seguinte: você está jogando, qualquer jogo que seja, com amigos e está meio que perdendo ou indo muito mal e é um péssimo perdedor, o que você faz?

Você pode trapacear, certo? Tentar dar uma enrolada ou enganada, contar com a distração alheia e conseguir pular algumas casas ou fazer algum lance ou movimento ilegal, pode ser que funcione, pode ser que não, pode ser que alguém pegue você no pulo, fica chato mas você sempre pode dar uma desculpa e tentar se esquivar.

Pode culpar o jogo e suas regras, dizer que elas não são claras ou legítimas, que não ajudam você a ganhar o jogo, que foram feitas para favorecer fraudes e tal, que não concorda com elas e que deveriam ser alteradas porque estão te prejudicando mas, todos sempre jogaram por essas mesmas regras e nunca reclamaram, só você mesmo.

Pode falar que se for para jogar assim não vai mais jogar porque não acha justo, que as regras estão contra você, que os jogadores só se aproveitam delas para te ferrar, que tudo é injusto e perseguição, que não tem como jogar assim porque não está em pé de igualdade com os outros jogadores, que tudo é meio falso e fraudulento, que você não confia no jogo ainda que venha jogando ele faz um bom tempo já.

Pode desmanchar o tabuleiro, quebrar a peças, rasgar as regras, mandar os jogadores a merda e fazer um novo jogo que seja mais do seu jeito, com suas regras e quem não gostar, paciência.

2022 logo aí, vamos ver qual vai ser a estratégia do pombo enxadrista...

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Published on July 28, 2021 05:24

July 27, 2021

vamos ser viado pra sempre

 


Em plena ditadura velada, tempo de mito, tempo de milícia, de negações, de messias falso, de família tradicional que estupra mas não mata e acaba matando, de não te estupro porque não merece, de arte censurada, de pensamento tolhido e vigiado, vamos ser viado pra sempre.

E em cadeia nacional, em evento internacional, na cara da sociedade, samba, dança, vai até o chão, desfila porque pode e desfila porque quer, deixa o povo do golpe passado e com ódio e deixa eles xingarem porque na cortada você deixa o queixo deles partido, o queixo e a mente deles são de vidro, cheios de pó de tanto que ficaram sem usar, mortos pelo capitão e seus filhos que só entendem o que é gado, pasto e Brasil verde de ódio e amarelo de medo.

Sim, sejamos todos viados pra sempre e cada vez mais viados, fico pensando na cara do mito e do seu pessoal vendo você bela, phynna, afrontosa nem aí para os olhares que te cravam, para os que intimamente querem sua morte, que odeiam estar com uma bixa representando o país, que preferiam ver você longe ou morta, bixa morta é bixa boa, será que terão coragem de te receber na volta? Capaz! Afinal, pelo andar da carruagem, eles terão pedir arrego para as bixas porque não vai sobrar mais ninguém para estender a mão e a gente, do alto de nossa bixice vai dizer na egípcia NÃO!

Então vamos ser viados pra sempre, porque sendo bixas, você sendo bixa está sendo bixa por todos nós, por todas as bixas que não podem ser bixa porque se o fizerem, morrem. Por todas baixas que por serem bixas morrem, morreram e morrerão. Por todas as bixas que não podem ser porque ser é um crime quando o Estado assim o diz. Por todas as bixas que somos porque precisamos ser bixas para fazermos sentido, não saberíamos ser de outra forma porque ser bixa é ser algo mais, o ser hétero é tão limitado e limítrofe, tão pouco, tão menos, tão sem graça, ser bixa é ser vida, é estar vida, é estar aqui e dar vida para tanta morte.

Então vai lá, seja bixa e leva nossa bixice ao limite, opa, não, esquece, bixa não tem limite, leva a gente para qualquer outro lugar que vai além então....



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Published on July 27, 2021 03:52

July 26, 2021

devorem os ricos

 



A luta não é de classes mas de sobrevida, o fato que se estende há séculos desde que o mundo percebeu que a exploração é a única via de vida possível e palpável é de quem preciso menos sempre quer mais e precisa mais sempre consegue menos.

Não deveria ser surpresa então, certo? Afinal como o rico vai manter sua riqueza se tiver de bancar a subsistência dos mais pobres? A pobreza e a miséria não fazem parte do vocabulário social da elite porque para eles são apenas palavras, usadas vez ou outra para ilustrar uma ideia e percepção que deixam vazar oportunamente para não parecerem ser os insensíveis e isolados que são, se há pobreza e fome, então o Estado deve resolver isso porque não é culpa do rico e sim da sociedade, o rico não faz parte dela, vive em outro patamar onde tais conceitos e juízos são vagos e nebulosos.
Mas, não são apenas eles, somos todos nós que não estamos no um por cento e ainda assim achamos que fazemos parte dele. Em nosso dia a dia de caras viradas para o morador de rua, para o humano que vive em farrapos, anda descalço, a personificação de miséria humana para a qual pedimos a deus que ajude e cuide porque nós mesmos não temos tempo nem condições de fazer então, qual a diferença entre o rico e nós além do dinheiro?
O dinheiro permite ao rico colocar barreiras entre ele e tudo isso enquanto nós não temos barreiras salvo as paredes de casa e as portas e janelas e aplicativos de entrega, os serviços que pagamos como se fossem dignos de marajás, a ilusão de ascensão social dada pelos sites de compras, o cartão de crédito sempre no rotativo, a roupa que a marca esconde o escravo, a comiseração que vale apenas em palavra, a empatia que vem em doses pequenas, a vida que faz de conta que é boa para todos.
Não basta taxar apenas os ricos, há de taxar todos nós pelas vendas que usamos todo santo dia.
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Published on July 26, 2021 04:30

May 27, 2021

como cuidar de uma planta morta

quando comprei, veio verde, florida, bela, pompa vegetal, essência em forma de tronco, galhos e seiva, algo vivo feito um amor que eu queria para mim ou um desafeto que plantei e demorou para vingar. perguntei ao vendedor como cuidar que essas coisas são delicadas demais, sensíveis demais, frágeis demais, quase optei por alguma mais forte e agressiva, que demandasse menos cuidado, atenção e carinho mas, não queria independência que disso minha vida já ia cheia, queria algo que dependesse de mim ou que me ajudasse na dependência de mim que eu sempre tive e assim, de alguma forma, tecer um tipo de relação simbiótica e tóxica onde a dependência mútua alimentasse um amor falido.

em casa tive sérias dúvidas, onde colocar o novo amor verde? pode parecer simples mas escolher o lugar é sim muito importante. o local errado pode matar, secar, levar a falta de ar ou ignorância e esquecimento, essas coisas que matam tudo se não sabemos colocar no lugar correto, já reparou como tudo que falha é porque não foi colocado no lugar devido? é assim, não se presta atenção e deixa em qualquer lugar aí tudo desanda e acaba, as coisas precisam do lugar certo ou morrem, deve ser por isso que a gente morre, porque nunca estamos no lugar certo.
depois de muitas dúvidas, escolhi. perfeito. estava no lugar devido e correto e passei a dar atenção aos cuidados que deveria ter: molhar só três vezes por semana, adubar uma vez ao mês, evitar sol direto, borrifar as folhas com uma solução isotônica, trocar a terra uma vez ao ano. deveria ter anotado, confiei na memória que nunca falhou, o vendedor insistiu mas eu disse não, ele não gostou, disse que eu mataria, respondi que já estávamos todos mortos e apenas prolongando a vida, ele não gostou dessa filosofia disparada a seco, eu não liguei.
deveria ter ligado. de início fiz tudo certo mas depois, com os dias tomando forma e a planta amor nova fazendo parte do cenário cotidiano, fui acostumando e o costume é a porta de entrada do desastre na vida das pessoas, animais e objetos, quando a gente olha para alguma coisa e vê o de sempre ela já está morta. comecei trocando as instruções: sol três vezes ao dia, água uma vez por semana, adubo uma vez por ano, trocar a terra duas vezes por mês, borrifar a folhas com água da torneira.
ela morreu mas eu segui cuidando dela, fazia tudo só que na ordem que eu achava certa ou lembrava na esperança de que ao trocar os passos pudesse de alguma forma ressuscitar o cadáver que habitava a casa junto ao meu. acho que ela cuidava de mim da mesma forma, íamos definhando aos poucos, ela precisava de mais água e eu de mais sol, ela de mais terra e eu de mais céu, ela de menos adubo e eu de mais agrotóxicos, fomos definhando assim cuidando um do outro aos poucos, a casa parecia um tipo de uti onde nada acontece salvo os barulhos de equipamentos que prolongam o que não pode evitar.
estávamos mortos há dias quando finalmente decidi pelo enterro no quintal de casa. sem cerimônia, sem velório, sem ninguém, só eu e ela e um buraco no chão. joguei-a dentro e com os pés cobri o buraco, quis marcar a cova com alguma coisa mas não tinha nada, também não falei nada porque o que se fala para uma planta morta? e o alguém que também está morto pode falar para outro morto? coisas sobre a morte? ou sobre a vida que não é mais? mortos conversam? há diálogo no pós vida?
esqueci essas questões e o tempo consumiu o que restava de memória da planta tornando o calendário algo morto também até que um dia, no quintal brotou uma muda bem no lugar da morta. notei por acaso, agachei e fiquei ali olhando aquela vida que saía da morte, seria um tipo de vida que sairia de mim um dia? corri para pegar um regador e aguei a plantinha infante com gosto, senti que não estava mais morto, algo brotava em mim, não era a plantinha mas uma lembrança morta do que havia sido, eu estava morto ou morrendo, aquela mudinha também iria um dia mas, enquanto eu cuidasse dela e ela de mim, talvez houvesse um pouco de vida que coubesse entre nós e valesse a pena adubar...
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Published on May 27, 2021 04:18

May 26, 2021

para quando for preciso dizer adeus....

Vinicius.
Eu sentei aqui para escrever essa carta mas comecei a escrever e agora não sei bem para quem ou por que ou se essa carta vai ter alguma serventia que não seja ir pro lixo ou fazer você chorar se é que alguma coisa é capaz disso mas, vou tentar mesmo sabendo que escrever carta hoje é algo meio ridículo, quase infantil, quem faz isso? Eu faço, sempre fiz e se você se der ao trabalho e tiver tempo e desejo, há uma caixa de sapatos - nossa, que clichê, cartas em um caixa de sapatos - de tênis melhor, aquele que você usava direto até que eu fiz você tomar vergonha e parar de usar, sabe? Pois, estão lá, devem estar impregnados com aquele cheiro forte dos teus pés, cheiro que eu amava, lembra? Quando nos conhecemos você tirou primeiro o tênis e aquele cheiro forte entrou pelo meu nariz e eu gozei por dentro e me apaixonei por você ali de joelhos cheirando seus pés, você gostou, eu lembro e, na verdade, muitas vezes eu esperava você guardar o tênis para depois ir lá enfiar minha cara nele e gozar porque aquele era o seu cheiro e não aquele cheiro falso de desodorantes e creme de barbear.
Enfim, elas estão lá, com o cheiro do seus pés, com esses pés que eu amava e com os quais você pisou em mim e em tudo que eu sentia, eu deixei, permiti porque pés como os seus não é todo dia que se acha, grosseiros e delicados no limite entre um outro, com suor e cheiro na medida certa, eu me apaixonei pelos seu pés e depois por você e as cartas agora fedendo aquele cheiro bom dos seus pés estão lá, você pode ler, rasgar, pisar - seria uma despedida ideal, ter seus pés sobre elas e sobre cada palavra que escrevi, feito um desprezo contido que você deve ter e nunca me falou - fazer como bem entender, elas são suas, não são minhas, não as escrevi para guardar um diário ou deixar testemunho de algo ou prova de algum tipo de amor que nunca fui disso, você sabe; acho que as escrevi mais como lembranças de um amor que me pegou pelos seus pés, esses pés que eu cheirava escondido enquanto você dormia cansado, suado e sem banho porque eu insistia que você descansasse sem sem lavar e você ia talvez por estar mesmo muito cansado ou porque sabia secretamente de que eu iria, na treva da noite, prestar meu olfato aos seus pés e ficava ali por horas sorvendo aquele aroma de suor e poluição dos seus pés e às vezes os lambia e você se mexia ou fingia se mexer e deixava eu seguir com minha adoração até clarear o dia algumas vezes.
Lembro de uma vez em que você me perguntou de onde saia essa paixão por pés e eu respondi que ela inexistia até que encontrei os seus pés naquele dia, com aquele tênis e com aquele cheiro que despertou em mim algo tão forte que eu roubava suas meias usadas para cheirar durante o dia e misturava minha essência com ela para fazer um cheiro novo que era de nós dois e eu só as jogava fora quando já não era mais possível distinguir qualquer cheiro de tão gastas, acho que o amor faz disso com a gente ou a gente faz disso com o amor que a gente descobre e não tem medo de sentir, no seu caso foram os pés mas poderia ter sido outra coisa, suas mãos, seu joelho, suas coxas, suas bolas, seu cotovelo, já me apaixonei por todas as partes da anatomia humana eu acho mas seus pés foram o amor mais forte que já senti, acho que nunca mais sentirei algo assim por outras partes do corpo de outra pessoa.
O parágrafo acima soou como despedida e é efetivamente uma, não se preocupe, nada errado ou nenhum mal foi feito, seus pés seguem inocentes, se podem ser culpados de algo é de ainda terem o mesmo cheiro de quando nos conhecemos, o mesmo aroma, o mesmo odor forte nos dias quentes e o mesmo odor leve nos dias frios e confesso que levo comigo um par de tênis seus usados - não aquele que você teimava em usar até que eu disse ou ele ou eu, o mesmo que está como guardião das cartas na caixa - e algumas meias para cheirar quando bater a saudade forte; se há algo ou alguém a culpar é o tempo a anatomia humana que mesmo sendo a mesmo a milhões de anos ainda me surpreende e eu me apaixonei por outros pés, acho que estou numa fase de pés, culpa sua, antes de você os pés para mim eram apenas um fetiche, nada mais, depois de você ela viraram um tipo de artigo fino que eu aprendi a apreciar feito um tipo de degustador, sei refinar os aromas e sou capaz de dizer apenas por ele que tipo de calçado usam, quanto tempo estão sem ar, qual tipo de meia, se são cuidados ou desleixados, se merecem ser cheirados ou não, tudo graças aos seus pés que seguirão comigo para sempre como a referência, o padrão, não aceito menos.
Não culpes os pés novos por minha partida, já disse que não são culpados, acho que apenas a rotina tornou seu cheiro dos pés algo comum, mesmo nos dias mais ousados em que você ficava com as mesmas meias, acho que senti isso quando passei a cheirar seus pés não ter mais um frescor suado de desejo, um cheiro de pés que eu precisava por na boca ou cheirar, eles não perderam o gosto mas eu me acostumei e preciso de outros sabores, não quero que você se sinta mal ou traído, deixei aí as cartas para seus pés e acho que é bem provável que algum dia eu precise dos seus pés suados para matar um desejo ou reviver uma lembrança mas, por enquanto, quero viver esse amor novo e sentir esses pés novos em mim, eles não tem o mesmo cheiro que os seus, nem pior ou melhor, apenas diferente e, se fecho os olhos, posso até sentir algumas notas dos seus pés nesses novos, reforço que não é novidade em si mas o cheiro novo, estranho porque é novidade mas não é uma novidade que provoca, apenas que excita e não são feitas para isso as novidades? Acho que o que eu quero dizer é que eu sou uma criatura olfativa e o cheiro, meu amor, o cheiro é o que move a humanidade e, no meu caso, o cheiro dos pés, eles que movem a gente, acho que fascina querer senti-los e de alguma forma fazer parte do avanço da humanidade, algo assim.
Bom, me despeço, deixei algumas meias minhas de alguns dias onde gozei para você, não sei se vai gostar, nunca vi você, muito interessado nisso mas, pode ser um início ou pelo menos uma lembrança minha que você pode deixar pela casa ou cheirar quando e se sentir saudades minhas caso contrário pode jogar no lixo ou vender na internet e faturar uma grana, tem gente que paga e bem por esse tipo de artigo mas, pessoalmente, me sentiria feliz em saber que pelo menos uma vez você as cheirou e pensou em mim... 
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Published on May 26, 2021 03:55

May 25, 2021

simpatia


essa comida está sem sal...
olhei para ele, inócuo, incapaz de expressar qualquer resposta ou sentimento. sal. estava sem sal? pois. lhe passei o saleiro de alguma forma entre gentil e decidido, quase afronta.
quis dizer que está sem gosto, não sem sal.
sem gosto? Entendi. Talvez não fosse a comida, eu acho. A essa altura, poderíamos suspeitar de qualquer coisa, uma frente fria vinda de algum lugar, uma chuva repentina, a alta do dólar, o estouro de alguma bolha econômica em algum país distante, o farfalhar das asas de um urubu atento. se houvesse de identificar a causa de sabor das coisas, deveríamos tê-lo feito há anos, quando ainda tínhamos algum gosto ou algo que o valha, quando as papilas gustativas ainda não tinham sumido, quando ainda sabíamos distinguir os gostos um do outro de nós.
faço com mais tempero na próxima. e olhei para o prato mudo, com ar de sobra deixada sobre a mesa, vestígio de alguma refeição ingrata, restos quase mortais de uma vida já não vida mas incapaz de morrer, zumbi, sonâmbula, vagando pela casa na busca de algum tempero, especiaria, condimento.

dia seguinte a mesma coisa mas dessa vez, não houve reclamação do sal ou gosto. apenas um esgar súbito do outro lado da mesa denotando que a comida falhava em cair da boca no esôfago de lá para o estômago, intestinos e excreção, antes fosse excretada ali mesmo, pela cara que fez, esse era o gosto. não houve palavras, não se passou o sal, não se pediu pimenta, não se falou de comprar nenhum condimento, apenas comemos aquela pasta insossa de vida.
e cansei, resolvi mudar. se ele queria gosto, teria gosto. usei a mesma cueca por dias, semanas acho, quase mês. durante esse tempo, ele seguiu calado, reclamando mudo da falta de sal, de gosto, de gostar, cada refeição um banquete de nada, sem sabor, apenas maxilares subindo e descendo, num mastigar lento e resignado, bovino, nada mais.
achei que reclamaria do cheiro da cueca fétida, exalando urina, porra e suor mas disso ele não reclamou, talvez gostasse mas nunca expressou nada, nem sim, nem não, nem nojo, nem prazer, algum tipo de tesão causado pelo cheiro, nada, só reclamava pelos olhos quando comíamos, refeição diária, sina, pecado da gula faminta que nunca fora saciada.
quando senti que não havia mais como seguir vestindo aquela peça de roupa nojenta, tirei-a, quase vomitei, o cheiro que emanava deixaria até um coveiro experiente com engulhos. levei-a até a cozinha, quase vomitando a cortei e piquei em ínfimos pedaços, quase microscópicos e misturei na comida.
naquele dia, ele elogiou meu tempero, a comida, não reclamou do sal, nem de nada, repetiu e lambeu o prato.
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Published on May 25, 2021 03:48

May 24, 2021

sem filtro


desliza o dedo abre desliza de novo abre app login e senha reconhecimento facial desliza para baixo procura vai achar atualiza perfil escolhe foto usa filtro usa mais um usa outro usa todos para deixar a foto digna de atenção escolhe fundo faz cara faz bico escolhe o ângulo troca escolhe outro troca escolhe outro decide por um de cada tira foto mais filtros escreve o perfil tem de chamar atenção um diferencial um quê a mais tem de ser diferente escolhe mais fotos aplicar mais filtro coloca umas mais picantes porque tem de atiçar provocar chamar e fazer ter interesse detalhe do perfil sem mostrar muito mas mostrando quase tudo é um balanço difícil um jogo de cintura um decidir que toma tempo mas compensa diz que está ali para quase tudo mas não topa nada se não for real usa emoji usa hashtag usa match usa tudo e coloca mais foto mais filtro ativa o serviço de localização só durante o uso do app e libera as notificações mas depois desliga porque não quer que vejam notificação de app no celular mas aí complica porque tem de ficar olhando toda hora tira o app da área de sugestões e ativa notificação vai chegar algo porque o perfil está bom tem foto tem descrição e tem filtro tem de entrar entre os trendings não aceita menos tem perfil pior que bomba e esse vai bombar porque fez tudo conforme os tutoriais vídeos e guias seguiu tudo direito fez como deve ser feito até instalou um app de filtros profissional porque não dá para upar foto sem que ninguém mais é como na real só com filtro e depois você faz de conta que tudo bem porque sempre dá pra enganar com make e luz e roupa e cinta e mais uns truques mas não tem notificação e já passaram dez minutos deve ter errado no perfil nem visualização tem e já se passaram quinze minutos melhor apagar e fazer outro a foto do perfil está meio estranha mesmo melhor apagar e refazer antes que vejam e queime o filme e perfil queimado vira lixo na rede você se queima para nunca mais então abre o app e procura o botão apagar perfil resiste pensa e hesita melhor esperar vai que mas a foto está mesmo estranha não custa fazer outro tirar fotos melhores e usar mais filtros fez com pressa e perfil em app tem de fazer com calma ou nunca mais dedo em cima do botão aperta apagar o perfil e o celular cai no chão sozinho órfão ligado tela aberta no app e pedindo login e senha e criar novo perfil.
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Published on May 24, 2021 04:30

March 18, 2021

atrasado







Estava atrasado, sabia, que ninguém desse pelo seu atraso. Possível que todos já estivessem por lá, seria ele o único a chegar depois? Não poderia ser, muito azar se fosse, com certeza algum dos outros também estaria atrasado, poderiam chegar juntos e isso diminuiria seu nervosismo e vergonha de ser, talvez, o único atrasado.

Dobrou uma rua, depois outra, mais outra e viu que estava perdido, em seu nervosismo errara o caminho. Voltou por onde veio e refez o trajeto, notou onde se equivocara e dessa vez, dobrou a rua certa. Andou por mais alguns metros, a noite já ia caindo morna, quase com preguiça em render o dia.

Qual era a casa mesmo? Deveria ter anotado, não podia ter confiado em sua memória, essa mania de segredo lhe deixava confuso e um tanto enraivecido, estava na rua certa, seria a quarta casa? Não, a sexta, ou seria a oitava? Não queria bater de porta em porta, era a sexta com certeza, bateu na porta, não houve resposta, bateu novamente, não houve resposta, ou estavam lá dentro rindo de sua situação ou estava na casa errada. Empurrou a porta mas ela não cedeu, sentiu a mão no ombro e cubos de gelo se formando em suas veias, num salto, virou-se.

Está perdido? Perguntou um homem de aparência suspeita ou talvez essa aparência fosse a dele não do homem, quem seria suspeito?

Um pouco... disse ele, o suor lhe escorria pela face como um rio.

É ali, disse o outro apontando para algum lugar mais à frente. Ele, em seu nervosismo, não atinava para onde o outro apontava e fez forçar a vista.

Ali, apontou o outro, naquela casa com a porta meio torta, está vendo? É ali!

Desculpe! Disse ele. Ali onde? O que? Como sabe onde vou? Perguntou assustado, estava atrasado, sabia, mas não era possível que aquela pessoa soubesse disso ou para onde ele ia.

Antes de você, disse o outro, tinha mais gente aqui meio perdida, todos entraram naquela casa ali e todos estavam vestidos igual a você. Aqui todas as casas se parecem, é fácil de se perder se não conhecer bem.

Suas mãos suavam, seus pés tremiam e suas pernas já falhavam em sustentar o corpo, outros? Então ele era o único atrasado? Não! Pode ser que ainda falte alguém chegar, talvez seu interlocutor soubesse quantas pessoas haviam entrado na casa mas, qual propósito de ficar ali apontando a casa para outras pessoas?

Outros? Perguntou.

Sim, outros. Eu estava aqui cuidando das minhas coisas e os vi aqui plantados feito moscas, não sabiam onde estavam, apontei a casa e todos foram para lá. Disse e apontou de novo para a casa.

E como sabe que iam para lá? Como sabe que eu vou para lá? Não lhe disse nada, posso estar indo a outro lugar, porque não? Perguntou agressivo, o medo já lhe tomava os músculos e nervos.

Ora, disse o outro, foi um entra e sai o dia todo ali naquela casa, comida e bebida e sabe, a gente mora aqui, a gente vê, não sou de ficar me metendo mas, se posso ajudar alguém, eu ajudo. Vi essas pessoas e certamente não eram daqui, estavam perdidas e naquela casa, faz tempo que não vive ninguém, só podiam estar indo lá. Concluiu.

Estava atrasado, sabia, será que os outros leriam em sua face o medo e o nervosismo? Será que os outros haviam perguntado por ele para aquele homem? De certo que lhe teriam dito seu nome, já saberiam que seu atraso não fora por acaso, poderia voltar, encerrar aquela conversa ali mas e depois? Como faria para dar conta da sua parte do acordo que havia fechado? Seria preciso sumir e para ele, isso não seria fácil, não depois de ter andado com todos os outros para cima e para baixo naquela missão descabida.

Sabe quantas pessoas? Perguntou, na verdade sua boca o fez, sua mente não teve tempo de ponderar sobre a validade ou aplicação daquela questão.

Isso eu não sei, respondeu o outro, eu mesmo só indiquei a casa para umas quatro pessoas, eu acho mas, e levantou os olhos como a fazer um cálculo, vi aí passar mais umas gentes indo para lá.

Mais umas gentes! Bem, se ele havia indicado a casa a quatro, então ainda restavam oito com ele não contando, claro, o rabino que ou já estaria lá ou estava a caminho. Contemos então que já há quatro pessoas na casa ao menos, cinco se o rabino já está lá então, contando com ele ainda faltariam mesmo oito.

Estava atrasado, sabia disso, se quatro já estavam lá e ele chegasse naquele momento, os que viessem depois seriam os atrasados, não? A que horas haviam marcado? Não lembrava bem, ao cair da noite? Mas a noite tardava tanto a cair naquele dia e, além disso, o que significa cair da noite, pode ser quando já não há mais evidência de luz do dia? Ou quando ainda restam alguns vestígios do dia feito pequenas velas acesas no horizonte?

Se ele talvez esperasse um pouco, quem sabe? Poderia dar mais uma volta, retornar àquele ponto e perguntar a seu interlocutor, contando que ele ainda estivesse ali prestativo para ajudar almas perdidas como a sua, se outros haviam passado por ali e entrado na casa.

Bem, disse o outro, o amigo me dê licença que preciso entrar, já cai a noite e, por essas bandas, ficar aqui fora sem necessidade não é lá muito bom. Fez uma mesura com a cabeça tão rápido como aparecera, sumiu.

Estava atrasado, e sozinho. E se aquele estranho fosse um enviado para garantir que ele iria cumprir com o acordo? E ele havia se retirado dizendo que a noite já ia caindo então, era hora? Iria aguardar ali mais alguns minutos, quem sabe um dos outros passasse e ele poderia então chegar junto com ele, juntos não seria tão ruim, atrasado e sozinho era muito pior.

Sim, iria esperar, ficaria ali pelo menos mais alguns minutos, certamente um dos outros logo passaria, tão afobado quanto ele, tão nervoso, não, ele estava mais, o que o atrasava não era o tempo mas a angústia de saber o feito que tinha pela frente.

Os outros, saberiam? Suspeitavam? O rabino de certo, esse ninguém enganava, o homem era esperto mas os outros, talvez aquele metido que só acreditava nas coisas que podia ver ou pegar. E o outro que não saia das barbas do rabino? Aquele sim devia saber de algo mas, talvez não, talvez não soubessem e ele precisava apenas não estar atrasado, chegar, entrar, fazer sua parte e depois cumprir com o acordo.

Seus dedos tremiam e tamborilavam em suas coxas, ninguém mais passara e agora, a noite já não mais caía, já havia se derramado por completo. Estava atrasado, sabia, desistiu de esperar e resolveu ir.

A passos lentos foi se aproximando da casa que o outro lhe havia indicado, a porta era realmente meio torta, de certo que para abrir teria de haver uso de força, como ela, ela estava fora dos caixilhos.

Parou na frente da casa, ergueu a mão e, antes que a pusesse a bater na porta, relutou, a mão planando no ar a poucos milímetros da porta, pensou em desistir, em voltar, em mentir, em inventar algo. Pensou em correr, em perder-se no mundo, mudar seu nome e sua aparência, talvez casar e ter filho em outro país ou cidade, poderia ser apenas mais um e não um naquele grupo aliás, nem sabia porque estava com eles, até soubera um dia mas depois, isso se perdeu entre dúvidas e dilemas que sermões não conseguiram dissipar.

Já estava recolhendo a mão, decidido a ir-se quando, de súbito, a porta rangeu alto e abriu, sua mão no alto fechada ficou estática, seus olhos abertos como janelas estavam gelados e sua boca, num esgar, lhe traiu com um silêncio inoportuno.

Do outro lado veio apenas uma frase.

Judas! Você está atrasado, todos já estão aqui e o rabino perguntava de você, entre!

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Published on March 18, 2021 04:00

March 17, 2021

pálio ponto azul

Acho graça você que faz muxoxo e posta linhas e mais linhas (pobremente escritas, diga-se de passagem) carentes de argumentação e lotadas de um ódio figadal sem direcionamento certo ou razão de existir. Eu não tenho ódio, apenas um leve descontentamento e acho que bem embasado e argumentado o qual você pode discordar, lhe é direito mas sei que você vai simplesmente atacar com seus argumentos frouxos.

Você pode achar que os direitos para os homossexuais são uma balela, que tem coisa mais importante do que tornar homofobia um crime (hediondo deveria ser junto com todos os demais preconceitos e inafiançável) e que enquanto um ou mais gays por dia morrem, falta água na cidade, policiais são mortos no cumprimento do dever, trabalhadores são vítimas de badernas e protestos (fato, tem uns lá apenas querendo ver a coisa pegar fogo o que não seria má ideia), a família vai pra casa do caralho, a política é só ladroagem, as ciclofaixas são uma aberração, os corredores de ônibus são uma afronta a quem tem carro e por aí vai.

Talvez você concorde com um 'religioso' (aspas amplas, bem amplas) que sugeriu a sério ou na pilhéria para ter seus quinze minutinhos de direito, mandar todos os gays para uma ilha no melhor estilo nazi ou, sendo mais generoso 'Fuga de Nova Iorque'. Sim porque banir as bichas do convicio social vai certamente fazer chover cântaros no Sistema Cantareira, vai fazer a polícia morrer menos e trabalhar melhor, vai encerrar todos os protestos, o trânsito vai melhorar, a família vai se fortalecer e ficar a salvo dessas aberrações, a política vai virar coisa séria, os donos de autos vão poder circular livremente pela cidade sem engarrafamentos e o transporte público será tratado como tal e não como privado.

Melhor, vamos incluir nessa lista também os afrodescendentes afinal, eu sei que você sussurra 'negro...' ao cruzar com um deles, não precisa se envergonhar, eu sei! E que tal se incluíssemos os nordestinos e afins pois eles também colaboram para tudo isso aí que você reclama, não? E porque não as putas, melhor não ou quem vai desafogar as mágoas da família brasileira? E as travestis, vamos mandá-las também ou seria melhor também deixá-las por aqui já que boa parte delas também ajuda quando a terapia que você precisa e não faz o leva a procurá-las para resolver suas taras mais recônditas? E vamos por aí também na conta pessoas trans que são verdadeiras aberrações corroendo a moral e os costumes e convenções sociais, enfim vamos mandar para uma ilha bem grande toda essa escória que mancha o nome da sociedade nacional! Isso feito, tudo irá certamente melhorar!

Não, meu tosco amigo(a), sinto dizer que não irá e pelo simples fato de que dar esses famigerados direitos a todas essas pessoas que você chama de minoria não é nada mais e nada menos do que um princípio básico de humanidade e, acima de tudo, respeito e educação e se você entende de fato que isso é uma besteira e que deveria ser deixado de lado então, para elucidar o mistério de quem é o culpado por estarmos na situação em que estamos, sugiro dirigir-se ao espelho mais próximo e dar uma longa e boa olhada nele pois é lá que encontrará o responsável pela miséria do presente e, tristemente, do futuro.

Cheguei a conclusão de que o mundo seria um local imensamente melhor se ao invés de religião e outras banalidades se ensinasse na escola como parte do currículo a série 'Cosmos' de Carl Sagan (tanto a original como a nova). Certamente teríamos uma geração de pessoas mais esclarecidas, menos preocupadas com a vida alheia e cegas por convicções obscuras e nefastas.

Se não for lhe doer muito o que lhe resta de cérebro, abaixo um breve quitute, quem sabe ele não abra alguma parte de sua mente ainda não comprometida e corroída pelas ideias erradas que lá se plantaram e, no futuro não muito distante, não possamos argumentar sobre as coisas de uma forma mais humana e menos bestializada.



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Published on March 17, 2021 04:00