António Bizarro's Blog, page 18
March 2, 2018
WIP: Shadow
Shadow percorreu os corredores vazios da antiga catedral de consumo, esmagando os vidros com o cardado das suas botas, lembrando-se de quando o edifício ainda fervilhava de actividade, e ele e a sua então namorada, Emily, iam espreitar a livraria antes de irem ao cinema. Recordou-se da noite em que a conheceu, dos seus olhares recriminadores e modos bruscos enquanto lhe aplicava os curativos no pescoço e no braço. — Acha que fiquei assim numa luta de gangs, Doutora? — perguntou ele, sarcástico. — Pode perguntar ali ao polícia que me trouxe o que aconteceu... Ele já achava normal, por mais bizarro que isso fosse, que as pessoas julgassem que um jovem negro de aspecto possante só pudesse ser atleta profissional, porteiro de discoteca ou criminoso. Que uma mulher como ela julgasse o mesmo deixava-o zangado. Emily olhou para ele, como se o estivesse a ver pela primeira vez desde que dera entrada nas Urgências, e as linhas do seu rosto suavizaram-se. — Por que não me conta o senhor o que se passou? — Pode tratar-me por ***. Antes de Shadow se ir embora, Emily recomendou-lhe que passasse por lá daí a uns dias para mudar os pensos e ver se não havia sinais de infecção. Ao cruzar-se com uma loja de brinquedos, avançou alguns anos até se ver à porta do quarto de Nuala, a observar Emily com uma mão na sua testa e a outra na testa da filha, tentando perceber se ela estava com febre. Deixou-se cair de joelhos, sentindo que era agora que ia quebrar, por fim, e que desta vez nada o impediria de enfiar o cano da arma na boca e de premir o gatilho. O momento de fraqueza foi momentâneo, como sempre. Fungou do nariz, limpou as poucas lágrimas que haviam conseguido escapar dos seus olhos, e sacudiu aquela sensação horrível com uma cuspidela para o chão.
Published on March 02, 2018 03:14
WIP: O General
— É verdade que o General é invulnerável? Como... uma máquina? — interrompeu Karuna, sentindo-se cada vez mais desconfortável com a tensão reinante. Sim, era verdade, mas não como uma máquina, salientou Berserker. — Foda-se — exclamou Shadow, — não me digas que acreditas nessas tretas... — Uma vez — disse Berserker, ignorando Shadow ostensivamente, — houve um ataque a uma das nossas bases do outro lado do Arion, a alguns quilómetros a leste do quartel-general. Um HKG iludiu a nossa vigilância e comprometeu as instalações. O General ordenou que nos dividíssemos em grupos de três e abandonássemos o edifício. Calhou que eu fugisse com ele e com um novato chamado Alfonso Klein, nome de código Cobra. Ora, não sei se foi coincidência ou se o HKG tinha como alvo prioritário o General, o certo é que veio atrás de nós e encurralou-nos nas ruínas de uma velha fábrica de produtos químicos. O General dirigiu-se para a máquina, disparando uma rajada de metralhadora contra ela, enquanto nos mandava fugir e reagrupar com o resto dos nossos camaradas na base Delta, trinta quilómetros para sul. O HKG disparou um único projéctil à queima-roupa, em cheio no peito do General. Eu e o Cobra fugimos para o telhado da fábrica e vimo-nos sem maneira de descer, pelo menos, sem partirmos uns quantos ossos. O HKG encontrou-nos e aproximou-se de nós lentamente, em zig-zag, como um gato a brincar com um rato antes de o matar. Deixei cair a minha metralhadora e abri os braços, desafiando a máquina, querendo mostrar-lhe que nós, os humanos, não temos medo de morrer. O Cobra... pobre Alfonso, entrou em pânico e saltou do telhado. Mais tarde, encontrámo-lo empalado numa viga de aço. Tivesse ele aterrado meio metro ao lado e talvez se tivesse safado com uma perna partida.... — O que aconteceu depois? —, perguntou Doggo, perante o silêncio prolongado de Berserker. — Deixa-me adivinhar —, disse Shadow, sarcasticamente, — o General apareceu do nada, deu cabo do HKG e salvou-te a vida! Foda-se, eu já ouvi trinta versões diferentes dessa história... Isso são merdas que inventam para as pessoas se sentirem inspiradas pela figura do líder destemido, como se ele fosse uma espécie de Messias que nos vai libertar do Inferno na Terra... O General, continuou Berserker, calmamente, apareceu por detrás do HKG e arrancou-lhe aquilo a que se pode chamar de cabeça, salvando-lhe a vida. Não lhe interessava quantas versões existiam daquela história, aquela era a única verdadeira, e por mais anos que vivesse nunca se iria esquecer do sorriso na cara do General, com o sub-zero feito em farrapos na zona do peito, e do sangue que o cobria, o seu próprio sangue. Tudo o que conseguira balbuciar fora: “Pensei que tivesse morrido.” “Sim”, dissera o General, “mas já me sinto melhor.”
Published on March 02, 2018 01:06
February 22, 2018
Sombra
Published on February 22, 2018 05:58
January 11, 2018
Ponto Zero de Saint Paul
Published on January 11, 2018 02:31
City of Industry: Slow Gun
16 de Janeiro, 2018
EnoughRecords Netlabel
http://freemusicarchive.org/music/Antnio_Bizarro/City_of_Industry_Slow_Gun/
Published on January 11, 2018 02:30
December 11, 2017
Cidade da Indústria
Published on December 11, 2017 08:15
November 27, 2017
Acerca de 'O Desejo e Outros Demónios'
O título do livro é uma referência a Del Amor y Otros Demónios, de Garcia Márquez, sendo que, no meu conto, o que move os personagens é o desejo mais do que o amor, pelo menos no sentido em que eu o concebo. As Partes Sagradas foi-me inspirado por Vanity Fair, dos Mr. Bungle, um dos inúmeros projectos paralelos do músico norte-americano Mike Patton, mais conhecido como vocalista dos Faith No More. Na letra desta canção, há uma referência à seita cristã Skoptsy, que existiu na Rússia e na Roménia desde 1711 até meados do século XX. A epígrafe remete para uma canção dos Interpol, C’mere. A crónica Bons Rapazes, atribuída a John Vargas, é uma recordação de infância, uma reencenação inconsciente de Lord of The Flies por um grupo de crianças barreirenses nos anos oitenta. Anima Animus, além de ser um conceito jungiano, é também o nome de um álbum dos The Creatures, a banda de Siouxsie Sioux e Budgie, ambos dos Siouxsie and The Banshees. Tchecov dizia que, quando uma arma aparece no primeiro acto de uma peça, ela será disparada no terceiro. Foi esse o preceito que tentei seguir. O Institutorevela-nos uma criatura baptizada de Berserker mantida em cativeiro no Instituto MacLaren, a qual foi inspirada no Wendigo de Algernon Blackwood, que, por sua vez, inspirou a criação de Ithaqua por parte de August Derleth. The Day The World Went Away, dos Nine Inch Nails, esteve na génese do conto O Dia em que o Mundo se foi Embora. Uma forte constipação, que me roubou o sentido do olfacto e o do paladar, e o efeito da altitude, ouvidos tapados e tonturas, forneceram a matéria-prima. Memento Moritraduz-se por “Lembra-te de que és mortal”. É uma história de fantasmas, sem que nada de fantasmagórico ou assustador ocorra. Reconheço nela ecos das leituras que fiz das Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor brasileiro Machado de Assis, e do filme Memento, de Christopher Nolan. As duas histórias que compõem Jezebel acabaram por convergir acidentalmente, apesar de terem sido escritas em ocasiões separadas, sendo que fui buscar a história de Cesar e Rakel a uma notícia de jornal. Em A Lei de Thalia, viajamos até uma Saint Paul distópica e pós-apocalíptica onde os criminosos, e em particular os infanticidas, são obrigados a confrontar os familiares das suas vítimas num exercício extremo de justiça restaurativa. Mr. Butterfly foi parcialmente inspirado em M. Butterfly, um filme de 1993 realizado por David Cronenberg e adaptado da peça homónima escrita pelo dramaturgo sino-americano David Henry Hwang, o qual se baseou na história real do diplomata Bernard Boursicot e Shi Pei Pu, um cantor da ópera de Pequim, ambos condenados por espionagem pelo governo francês nos anos 80. No filme, René Gallimard (Jeremy Irons) apaixona-se pela cantora Song Liling (John Lone), alheio ao facto de que, na tradicional ópera chinesa, todos os papéis serem interpretados por homens. Descoberto o logro (que incluiu o «nascimento» de uma criança de olhos rasgados e cabelos loiros), Gallimard é preso por crimes de espionagem e torna-se alvo de chacota em toda a França. Na prisão, recupera por instantes a mulher que ama, encenando a sua trágica transformação em Madame Butterfly, momentos antes de tirar a própria vida com um fragmento de espelho. Em Mr. Butterfly, o catalisador da metamorfose não é a perda da mulher amada, mas sim a sua descoberta. Aprisionado na sua indefinição, Christian Sands encontra em Patricia Kane a razão para se transformar naquilo que, potencialmente, já seria. O nome do protagonista foi tomado de empréstimo da faixa Christiansands de Tricky, do seu álbum de 1996, Pre-Millenium Tension. A epígrafe foi retirada de I Would for You, do álbum Hesitation Marks, dos Nine Inch Nails. A designação Gatherer Of Data remete para o álbum Desensitized dos Pitchshifter, lançado em 1993.Cadernos de Saint Paul apresenta um excerto do diário do escritor Tony Dornbusch e foi construído à volta da noção de partenogénese, ou seja, a reprodução assexuada ou nascimento virgem. De salientar que, a ser possível a sua ocorrência em seres humanos, o ser resultante seria sempre do sexo feminino e, tirando algumas alterações genéticas, muito parecido com a progenitora.
Published on November 27, 2017 04:28
August 9, 2017
Would You? - Julian Kronenburg
Letra do primeiro single retirado de Resurrected, o primeiro álbum a solo de Julian Kronenburg, ex-vocalista dos Brides of Christ.
Would you beAfraid of meIf I told you…?
Would you runAway from meIf I told you…?
I cannotFunction inThis sea of dysfunctionality In a worldWhere there’s a girlMeant to be with me
Would you doubtMy sincerityIf I told you…?
Would you thinkIll of meIf I told you…?
I cannotFunction inThis sea of dysfunctionality In a worldWhere there’s a girlSo far away from me
“I would ratherBe aloneFor all eternity
I would ratherBe gone foreverAway from yourMonstrosity…”
Would you beAfraid of meIf I told you…?
Would you runAway from meIf I told you…?
I cannotFunction inThis sea of dysfunctionality In a worldWhere there’s a girlMeant to be with me
Would you doubtMy sincerityIf I told you…?
Would you thinkIll of meIf I told you…?
I cannotFunction inThis sea of dysfunctionality In a worldWhere there’s a girlSo far away from me
“I would ratherBe aloneFor all eternity
I would ratherBe gone foreverAway from yourMonstrosity…”
Published on August 09, 2017 04:54
July 31, 2017
Numan Nature
Se tivesse de apontar alguém como o meu Personal Jesus, esse alguém seria o Gary Numan. O músico britânico, que tem tantos anos de carreira como eu de vida, foi e continua a ser conhecido como um one hit wonder, mercê do estrondoso sucesso global da canção Cars (um fenómeno da cultura popular que mereceu até uma referência num episódio do Family Guy e uma cover por parte dos Fear Factory com o próprio Gary Numan).Pai espiritual dos Nine Inch Nails, Marilyn Manson e Fear Factory, entre muitos outros, Gary Numan atravessou um longo deserto nos anos 80. Chegado aos anos 90, deixou-se influenciar pela sua própria descendência e reinventou-se, permitindo-se contaminar pelas niilistas paisagens industriais e pós-industriais que ele próprio ajudou a desenhar.Descobri-o verdadeiramente através do filme Dark City, de Alex Proyas, realizador de outros filmes tais como The Crow e I, Robot. A banda-sonora incluía o tema Dark do seu álbum Exile, e quando o ouvi não queria acreditar que aquele era o mesmo Gary Numan do tema Cars. Comecei a segui-lo no velhinho MySpace e a comprar a sua discografia com a avidez de um fanático, transformando-me então num numanoid. Uma crítica a Jagged resumia o conceito do álbum a duas palavras: Android Armaggedon. Daí até ao meu conceito de Android:Apocalypsefoi um pequeno passo. Se, antes dele, os Alice In Chains e os Nine Inch Nails tinham salvo a minha vida, foi Gary Numan que me apontou o caminho a seguir. Não é coincidência o próprio Numan ter ido buscar muita da sua inspiração a J.G. Ballard, Philip K. Dick e William S. Burroughs, autores que ajudaram a formar-me enquanto escritor, e que tenha chegado a samplar o filme Blade Runner, o meu filme favorito desde sempre.Em 2017, Numan continua mais relevante do que nunca; Me I Disconnect From You, de 1979, parece profetizar o aparecimento do Facebook, e o enredo do filme de animação Wall-E parece ter sido decalcado de uma das faixas do álbum de 1980, Telekon. Resta esperar que o mundo pós-apocalíptico descrito em Savage, o seu álbum mais recente, não se venha a revelar mais uma das suas profecias.
Published on July 31, 2017 03:07
July 28, 2017
Vargas
"— Havia uma seita russa cujos seguidores acreditavam que o pénis simbolizava a serpente e os seios o fruto proibido.
— Sim, e depois?
— Os homens amputavam o pénis e as mulheres os seios. Para se distanciarem do pecado original.
— As coisas que tu sabes…
— Tens alguma coisa que se beba? — perguntou ele, levantando-se da cama, arrastando os pés em direcção à cozinha.
— Água, leite…
— Com álcool...
— Sumo de laranja… — continuou ela, fingindo não ter ouvido.
— Vinho! — gritou John, abrindo a porta do frigorífico.
— Amanhã vou para Londres — disse Ingrid, a cara encostada à ombreira da porta da cozinha.
— Quanto tempo vais ficar lá?
— Uma semana.
— Eu podia ir contigo.
— É melhor não. Vou passar a maior parte do tempo a trabalhar e o pouco tempo que tiver livre vai ser preenchido com estudo intensivo. Tenho exames daqui a um mês.
— Não sei como vou sobreviver uma semana sem ti — disse John, abraçando-a.
— Tenho a certeza de que vais arranjar alguma coisa com que te entreteres.
John julgou detectar uma nota de ironia no modo como Ingrid disse aquilo.
— O que queres dizer com isso?
— Nada, não sei. Não tens nenhum livro para escrever?
— Não escrevo desde que te conheci, nem uma linha.
— Lamento imenso.
— Não, não lamentes. É sinal de que estou a conseguir escapar da minha cabeça.
Enfiou a mão no bolso do casaco e tirou um cigarro.
— Não devias fumar, John, pelo menos assim tanto. Também não te fazia mal nenhum deixares de beber. Não percebo por que o fazes…
— Odeio-me e quero morrer.
— Não digas isso nem a brincar.
— Vou tentar deixar de fumar e de beber, prometo-te.
— Não te quero obrigar a fazer nada que seja contra a tua vontade.
— Eu quero fazer isto, por ti, meu amor, quero ser melhor.
Ingrid sorriu tristemente e beijou-o na face, como a mãe de uma criança problemática."
Published on July 28, 2017 10:34


