Edyr Augusto's Blog, page 7

September 28, 2018

Q

Convido-os a assistir, na Netflix, um documentário sobre a vida de Quincy Jones. Para quem nunca ouviu falar, acho que são poucos, Q, como é conhecido, é um dos maiores artistas da música em vários gêneros, no mundo. Aos 85 anos, vivendo em Los Angeles, cercado pelos filhos, creio estar aposentado. Nunca se sabe. A pergunta que me faço é de onde vem o talento? Q viveu, com o irmão, a infância, no sul de Chicago, extremamente violento e pobre. Seu pai era operário da construção civil e a mãe, esquizofrênica, esfomeada e sem remédios, acabou por ser internada em um hospício, acontecimento que o marcou para sempre. Mudaram-se para Seattle e lá, em uma casa abandonada, Q encontrou um piano de parede, tocou nas teclas e sua vida mudou. Em uma escola, passou por vários instrumentos até escolher o trompete. Passou a tocar em clubes noturnos, fazendo parte de orquestras que corriam os EUA. Em cidades do sul, racistas, tocavam e saiam pela porta dos fundos, não raro passando por igrejas onde um boneco negro de pano estava pendurado, como que enforcado. Tuff days. E aí fez amizade com figuras como Ray Charles, Miles Davis, Count Basie, Marvin Gaye e começou a assinar arranjos. Empolgado, viajou para Paris onde estudou composição e partitura com a Madame Boulanger. Ali, não havia nenhuma restrição à sua cor. Chamou os amigos, montou big band, correu a Europa. Casou com uma sueca. Voltou e foi ser diretor e arranjador de uma gravadora de música pop. Foi às paradas. Começaram a chover convites. Gravou seus próprios discos. Teve um piripaque. Abriram sua cabeça a primeira vez. Saiu e foi arranjar para Frank Sinatra, que era acompanhado pela orquestra de Count Basie, ile même ao piano. Uma glória. Não se enganem, Sinatra lia partitura. Nelson Riddle dizia que ele chegava ao estúdio com o arranjo na cabeça. De lá saiu para a revolução do bebop com Miles Davis. Não era apenas talento. Era uma dedicação, uma exigência pessoal, fazendo com que cada trabalho fosse considerado o melhor. Simples. Resolve compor e arranjar para o cinema. Na época, negros não entravam nessa linha. Henry Mancini reinava e o apoiou. Ganhou prêmios. Em uma madrugada, no hotel, zapeando a tv, madrugada, encontrou Oprah Winfey, a apresentadora, a quem deu um empurrão que a transformou na milionária famosa de hoje.

Então surgiu Michael Jackson em sua vida. O primeiro trabalho já recebeu prêmios. O segundo, “Thriller”, tornou-se o disco mais vendido no mundo. Fez com que Jacko mostrasse todas as aptidões de gênio que marcaram sua vida. Uma dupla infernal. Q e sua banda criaram tantos toques instrumentais que penso que hoje, se ele voltasse a mexer nos tapes, lançaria outro “Thriller”, com as mesmas músicas, e acompanhamentos diferentes aos quais estamos acostumados a ouvir. Lançou o disco “The Dude” e arrebentou novamente. Criou uma noite especial em Montreux. Lançou um selo pessoal para afilhados. QWest. Uma revista chamada “Vibe”, para falar dos artistas negros, já que os brancos têm a “Rolling Stone”. Voltou para uma apresentação e, no palco, sentiu-se mal. Abriram a cabeça. Tumor. Operou. Descobriram outro para operar três meses depois. Chances de uma em cem. Sobreviveu. O desafio da música. Não consegue fazer menos. Casamentos se foram. Ficaram seis filhos, somente um menino. Produz e compõe a música de “Color Purple”. Sempre a causa negra. Reúne com a turma do hip hop. Tupac Shakur e Puff Daddy foram mortos pouco tempo depois. Veio Obama. Q produziu o show de inauguração do Museu Afro Americano. Em cadeira de rodas, percorre a área da música e vai vendo seus amigos, agora, peças do museu. Q é um gigante, para dizer o mínimo. Um dia, vai até Chicago ver a casa da infância. Momento de maior emoção. É preciso ser realmente grande para ser Quincy Jones. Assistam.
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Published on September 28, 2018 07:45

September 21, 2018

ZAZÁ

Nasceu Tomázia e virou Zazá. Infelizmente, quando veio o diagnóstico de nanismo, sua mãe a rejeitou e o pai a deu para uma mulher que ia passando. Esta, não tinha filhos e a adotou. Na medida da necessidade, cresceu e entendeu a profissão da mãe: prostituta. Virou amiga das amigas, mas não tinha amigas de sua idade. As pessoas tinham medo. Ignorancia. Achavam que anã dava azar, feitiço. As colegas da mãe, incluindo as bichas a criaram. Prostituta, também, lidava com os mesmos medos no rosto dos homens. Mas para outros, era um prato raro e bem pago. Vai entender esses idiotas. Todas faziam ponto na Riachuelo mas iam mesmo era na Paraíso Perdido, uma boate na Manoel Barata que abria pouco depois das seis da tarde e pegava os comerciários que precisavam de alguma alegria, cerveja e sexo para disfarçar a vida de merda que levavam. Quando finalmente Zazá chegou à Paraíso Perdido, aquele mundo de luzes, música alta, homens e mulheres dançando e se esfregando, aquele olor de sexo a conquistou. Foi como uma rainha chegando enfim ao seu reino. É claro que chamou a atenção de todos. Não deu bola. Fez seu número, rebolou, jogou cabelão, fez olhar especulativo. Não era sempre que alguém se aproximava. A velha burrice sobre anões. Não a abalava. Quando começava a se sentir tristonha com alguma graça sem graça de algum bêbado, ligava o ouvido da música, discotheque e chutava pra longe a tristeza. O dono era um chinês, chamado Liu. Só isso. Liu. Sabe como é chinês, né? Misterioso. Três homens grandes e maus faziam a segurança. Marinheiro bêbado quer agredir puta no fim da noite. Comerciário com ciúme de puta, enfim. Todos para fora. Foi chegando próximo dele. Conversa besta. Poucas frases. Uma noite, fim da noite, Liu perguntou se ela podia ficar um pouco mais. Até terminar as contas. Que foi, china. Desembucha. Liu não tem ninguém. Liu sozinho. Quer ficar hoje com Liu. Quarto lá em cima. Ninguém quer Liu. Tu queres? Zazá viu nos olhos do china, também, a sua solidão. Subiu.O que o pessoal do Bronco viu é que eu passei várias vezes pela frente da Paraíso Perdido, até entrar, acompanhado do Pedro, claro. Eu queria saber toda a história da Zazá e o que tinha sido feito dela. Há muitos personagens na Campina. Foi um dos primeiros bairros de Belém. Estava lendo um livro emprestado pelo Lucio Flavio, com a história do Eduardo Angelim, grande figura da Cabanagem e lá está a Campina, sendo cenário de combates e território a ser conquistado pelos cabanos atacando a cidade. Os Boêmios da Campina, inesquecíveis. A Zona de Prostituição, sobre a qual escrevi “Laquê”, primeiro espetáculo do Grupo Cuíra em seu Teatro, com a presença de prostitutas em metade do elenco. Sim, houve ganhos sociais. Ao menos três das cinco ou sete mulheres, deixaram a profissão. Lembrei disso ao ver hoje, a Verona (nome fictício), mulher grande, bem, podemos chamar de gorda sem insulta-la. Farta daquela eterna espera, de ser o recipiente para desejos, mágoas, ódios e o que mais seus eventuais parceiros tinham a entregar, com suas agruras, decepções e sabe la mais o quê, agora tem um carrinho onde vende bombons, chicletes e cigarros a retalho, estacionada diariamente em frente a uma parada de ônibus, na Presidente Vargas. Tem um olhar tristonho, a Verona, talvez cansada de tudo, a dificuldade em locomover-se, pelo peso, falta de uma vida, digamos, adequada. Mas quem não anda meio chateado com tudo, neste nosso Brasil, neste nosso Pará, nesta Belém de hoje?
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Published on September 21, 2018 09:55

September 14, 2018

UM MUSEU PESSOAL


Um cenário desolador. Luzes acesas revelando um local onde muitos sonhos de riqueza, a maioria,não aconteceram. Havia garrafas de bebida, aqui e ali, em mesas luxuosamente montadas, com toalhas bonitas, cadeiras confortáveis. Andamos por entre as roletas, baccarat, aparelhos de vídeo que publicavam resultados aqui e ali. O porteiro me disse que meu amigo ia mandar me buscar às nove da noite. Esperasse na portaria. Assunto do livro. O carro veio e fui, vendado, mas sabia onde iria.Chegamos a uma sala em um tipo de sobreloja, grande, com uma enorme mesa circular e espaços para serviços de restaurante e bar. Uma cozinha já meio antiquada para os equipamentos de hoje. Depois, fomos através de um corredor, até outra sala, não, um quarto, luxuoso, cama grande, aparelhos diversos, de som a tv, banheiro totalmente pronto com jacuzzi hidromassagem. O Bronco perguntou se estava satisfeito. Havia poeira e ele tinha rinite. Posso voltar aqui sozinho? Não. É só hoje. Esse é meu museu pessoal. Guardo tudo como era. Mas é só meu. Se te mostro é porque entendi o teu barato de escrever. Mas também preciso novamente te avisar pra não chegar próximo do meu negócio. Fica na tua. Escreve teu livro. Respeito gente de letras. Mas já te disse, meu negócio é sagrado. Garanti a ele que não estava procurando nada que o envolvesse. Neste momento, isso não é meu assunto. Agora me diz, o que tu tens a ver com esse lugar aqui? Te conto mas isso se esgota aqui, tá bem? Não quero levantar lebre sobre minha pessoa, de onde vim e coisa e tal. Já gasto uma boa grana pra manter uma turma aí sossegada, sem perturbar. Trabalhei com ele. Ele quem? O Seu Clayton. Ah. Foi meu primeiro emprego o de garçom. Fui aprendendo, melhorando e fazendo amizade. Sabes que amizade é tudo nessas horas. Ele confiava em mim. Então passei a servi-lo pessoalmente. Sabia de tudo o que ninguém sabia. Infelizmente, não percebi aquilo que estava acontecendo bem próximo. Ele também não sacou. Depois de tudo ele foi deixando esse cassino morrer, perdeu o gosto e tudo acabou. Mas isso tu já sabes, não é? É, já sei. Mas encontrar o lugar foi importante. Te agradeço. Não te preocupa. Será ficção a partir de algo passado há tempos atrás. Tu estás sendo legal comigo, fica tranquilo, na boa. Meu assunto é escrever ficção. E só.
Ah, Carmen, Carmita querida! Essas tuas perdas estão ficando cada vez maiores, minha flor. A tua sorte é que tenho um fraco por ti. Vamos lá para a suíte ficar à vontade? Logo mais o cassino fecha e tu ainda precisas voltar pra tua casa, não é? Olha que aquele teu marido ainda vem todo rebarbado falar comigo.. Que nada! O Sérgio não quer saber de mim. Vive de plantão, médico de UTI, sempre salvando vidas, na pressão. Ele nem consegue mais, sabe, né? Minha querida, isso não vou discutir contigo. Ari? Ari? Manda dois duplos lá pra suíte que eu vou pra lá com a Carminha. Foi ao banheiro fazer um xixi. Olhou-se no espelho. Ainda muito bonita a Rainha das Rainhas da Assembléia Paraense, não? Um pouco de cansaço no rosto. Noite infeliz na roleta e alguns Walkers a mais na cabeça. Paciência, em noites de azar, acaba na cama do grande Clayton. Perdeu, tem que pagar. Tirou a roupa, deitou-se na cama e virou ao contrário, no criado mudo, uma foto de Clayton e sua esposa Ann Marie, mais os filhos, ainda crianças. Sua boba! Clayton já chegou com os dois duplos. Brindaram, beijaram, mas na hora de fazer, ele pediu que ela ficasse de costas para ele. No ato, só pensava em Paula, Paulinha, baby, baby, você ainda será minha.
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Published on September 14, 2018 08:00

September 7, 2018

UM GORÓ

Você acorda assim meio tonto, pescoço doendo por conta da posição em que deitou, olha em volta e não sabe onde está. Sim, mas agora, como é que eu vim parar na escadaria do Arquivo Público a essa hora da noite? Apalpei os bolsos e estava tudo lá. Celular desligado, carteira intacta, chaves. Duas e pouco, não, quase três da manhã. Quer dizer que era só uma prova de nada e rápido eu ia acordar. Liguei para o Pedro e ele veio me buscar de moto. Estava de serviço. Uma turma que circula pelo comércio e pela Campina protegendo a galera. Primeiro baixei na Esther para comer alguma coisa. Nem havia almoçado. Hoje falei com o Ariosvaldo, o Bronco, disse ao Pedro. Quer dizer, me levaram pra falar. Hora do almoço, ia na Presidente Vargas, quebrei na Ó até a Primeiro de Março para chegar ao Largo da Palmeira. A rua é estreita. As calçadas, também. Alguém me tocou o braço. Mano, o chefe quer falar contigo. Um carro ao meu lado. Vidros negros. Abriu a porta. Me empurraram antes que pudesse esboçar defesa. Desculpa aí, cara, é só uma conversa. Chuta, põe a venda nele. Chuta? Porra, não aperta tanto. Doutor escritor, não encrespa com o Chuta. Ele é assim meio mão pesada, mas é boa gente. Sabe porque Chuta? Porque chuta pra caralho! Riram. Havia mais pessoas. Rodamos pelo comércio. Trânsito lento. Mas eu sei que acabamos na Primeiro de Março, ainda, mas para trás, depois da Carlos Gomes. Conheço a região na palma da mão. Abriu uma garagem. Tiraram a venda. Subimos. Taí, chefe, o doutor escritor, como o senhor pediu. Ninguém aperreou, até contamos piada, tudo limpeza. Boa tarde, cara, senta, por favor. Me disseram que tu és viciado em Coca Zero, é? Balancei a cabeça. Trás uma aqui pro doutor, estupidamente gelada. Deixa eu te dizer: eu sou o Ariosvaldo, mas a galera me chama de Bronco, apelido de infância. Tu sabes, a gente conhece quem mora por aqui. Sei muito bem onde é teu muquifo ali naquele prédio antigo, sei daquele teu cachorro que morreu de repente, pqp, o cachorro era bonito pra dedéu! Mas é que tu andas fuçando muito aqui e ali e aí, sabe como é, essa área é do meu controle. Porra, tu me vai na Paraíso Perdido com o Pedro, gente boa, me dou com ele, te protegendo, depois circula pelo Veropa, perguntando. Então já te encontram no 77, ali junto dos fundos do Basa, perguntando. Porra, eu nunca te vi metido onde não devias. Até soube dos livros e tal, mas sabe, eu não ando com tempo pra ler. Eu lia, verdade, mas dava sono. Lembras daquele livrinho que vendia na banca, da Brigite Montfort, o ZZ7, acho? Porra, escritor, me diz o que é que tu estás querendo, porque eu não deixei ninguém chegar junto por respeito. Gente letrada, gente boa, sabe como é. O que é que tu estás procurando?
Naquele dia, o movimento no cassino tinha sido pequeno. Eram o quê, umas quatro e meia e todo mundo havia se mandado. Tito, vigia noturno do estacionamento na esquina da Primeiro de Março com General Gurjão olhou quando passou um carro de bacana em marcha lenta. Acendeu um Carlton, que na verdade é Dunhill e se encostou. Alguém saiu. Se acocorou na porta lateral de onde era o Teatro Cuíra. Demorou uns três, quatro minutos, voltou pro carro e saiu rápido. Deixa pra lá. A essas horas, tudo pode acontecer nessas bandas. Quando estava entregando o serviço pro Boró às seis e tanto, passou um carro de Polícia e parou. Desceram. Umas putas gritaram. Alvoroço. Fui lá ver. O Matinho, porque era só na maconha ou crack, tava morto. Foi no pescoço. Um corte fino, quase degolava. Linha encerada. Aquela garganta exposta. O polícia perguntou se alguém tinha visto. Olhou pra mim. Eu não, cara, eu.
Expliquei pro Bronco. Era pesquisa para um livro. Não tinha nada a ver com os negócios dele e nem iria botar nada que comprometesse. Escrevo ficção, cara, fica tranquilo. Então, tá. Vou confiar em ti. Mas tu já me conheces e no meu negócio eu não brinco nem sou educado, tá? Valeu. Os caras vão te dar um goró aí, dose fraca, só pra tu dormires um pouco e não saber esse endereço aqui, certo? Porra, vê se não é muito forte, aí..
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Published on September 07, 2018 08:28

August 31, 2018

NA HORA DO ALMOÇO

Era uma noite de quinta chata. Deu no saco. Gio sentia até nojo daquele cheiro de suor, misturado com perfume barato e álcool. O som alto e aquelas músicas horrorosas. Aquelas caras de fim de mundo, olhares esgazeados de droga e bebida. Falou pra Zazá que ia dar um rolé pra respirar um pouco. Na porta da Paraíso Perdido, taxistas e ambulantes, como sempre, arengando sobre Remo e Paysandu. Perguntaram alguma coisa, pra puxar o saco. Nem respondeu. Àquela hora, o comércio era deserto. Um ou outro vigilante, escutando rádio, algum jogo de futebol perdido por aí. Saiu da Manoel Barata, entrou na Campos Salles e foi descendo. Taí, vou até a beira do Ver o Peso. Aquilo tem cheiro de merda mas é melhor que a boate. Na 15 de Novembro, alterou a reta, e decidiu entrar na Ocidental do Mercado. Estranhou. A rua cheia de carros estacionados. Cada um mais bacana que o outro. Égua, o que será? Motoristas e seguranças estavam à porta do prédio, antigo, que ele sabia, há muito estava vazio. Foi chegando. Um monte de bacana lá dentro, entreviu pela porta encostada. Curiosidade. Aí, cara, o que tá rolando hoje aí dentro? Sai fora. Não é da tua conta. Gio achou que não valia a pena. Saltou de banda. Atravessou o Boulevard e chegou até a beira. Maré alta, vento gostoso, desses que fuma até o cigarro que a gente acende. A Naná ainda trabalhando? Chegou na barraca. Todos o conheciam. Porra, Tia Naná, já passou da hora. Passou nada. Quando tem bacana pagando, não tem hora pra acabar. Que bacana? Não viste ali o babado onde era a Mercearia do Paes Neves? Vi os carros. Cheio de segurança na porta. Estão na maior farra. Carteado da pesada e encomendaram tudo que é bom. Açaí, Pirarucu, Filhote, os caralhos, meu filho. Eu tô é faturando. Sou mais o dominó ali da Padre Eutíquio com  a João Alfredo. Ali o bicho pega mermo. É muita areia pro teu caminhão, Gio. Vai pro dominó que é melhor. Não, hoje não. Vou voltar lá pro Paraíso. Saí pra dar um rolé. Saco cheio daquelas putas e os manés. Saco cheio mas eles é que te enchem o bucho de comida, né? Deixei a Zazá um instante. Já volto.
Voltou e resolveu passar em frente à esquina onde rolava a onda, só pra encarar os seguranças. Tinha um bacana na porta, quase careca, cabelo cheio de creme, camisa chic, sapato sem meia. Porra, eu conheço essa figura. Psiu! Ei, cara. Chamou-me, seguido do segurança. Fui. Tu não és aquele que arrebentou com meu time naquela noite, no sítio do Esteves? Sou, sim senhor. Meu nome é Gio. Gio, isso mesmo. Porra, esse filho da puta fez uns três gols, só faltou fazer chover. Joga pra caralho. Até o Peter meu filho levou drible dele. Depois quis dar porrada, o sacana, enjoado como o pai. Mas o Esteves não deixou. Tudo bem contigo? Tá passeando? Trabalho aqui perto. Um bico. Ah, e eu também estou de passagem. Com uns amigos viemos de farra brincar um pôquer e comer umas delícias da Dona Naná, puta que pariu, até agora estou com água na boca. Eu conheço. Ele me falou. A comida é muito boa. Escuta, ôô.. Gio. Sim, Gio, gostei de ti. Quando precisares, fala comigo. Toma esse cartão. Um abraço no Esteves, viu? Guardou no bolso. Nunca se sabe. Foi fechar o borderô da boate porque a Zazá já não estava boa nas contas.
Olhei pro relógio, ih, vamos almoçar. Segui pela Presidente Vargas, até o restaurante Largo da Palmeira. Dei uma quebrada na Ó de Almeida, Primeiro de Março. Três caras que tomam conta de carros. A gente se enxerga. Passei e ouvi. O escritor anda mexendo onde não deve. Foda-se, fiz que não ouvi. Dona Fátima veio me servir e me entregou um bilhete. Abri e estava escrito “cuidado onde tem mete”. Paguei minha conta, fiz a Manoel Barata até a Presidente, onde tem mais pessoas e voltei. Ameaças?
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Published on August 31, 2018 07:12

August 24, 2018

SOU UM ESCRITOR, NÃO ASSISTENTE SOCIAL OU SOCIÓLOGO

Acho que foi o grande músico Mini Paulo Medeiros o primeiro a postar uma declaração semelhante à que minutos adiante, também postei. Em nenhum momento pretendi, de alguma maneira, qualquer uma, diminuir a importância da profissão de Assistentes Sociais e Sociólogos. Mas é que a maioria dos raros editais voltados para a Cultura, lançados por empresas ou instituições bancárias, insiste em que os projetos que se inscreverem para ser analisados e finalmente patrocinados, venham acompanhados de exigências de âmbito social, como ligado, por exemplo, ao atendimento dos índios da etnia tal, à cultura amazônica do carimbó de tal município que corre risco de ser extinto, o auxílio à determinada comunidade, enfim. Assim, não dá. A Cultura, os artistas paraenses, das mais variadas áreas vêm sendo torturados, agredidos e humilhados pela inação proposital de um mesmo funcionário público, à frente da Secretaria de Cultura, há mais de vinte anos, além da inação, pior ainda, da Fumbel, Prefeitura, ausente há mais tempo ainda de qualquer plano para o setor. Há quem diga que os artistas querem é vida boa, usando dinheiro público para fazer seus trabalhos. E quando vêm essas exigências de editais, penso que os caras acham “vão pegar esse dinheiro fácil, mas vão ter que também usar para alguma coisa útil”. É como pensam a Cultura. Algo inútil. Diletante. Sou um escritor. Escrevo um livro ou uma peça de teatro. Inscrevo em um edital. Será que devo mudar toda a direção daquilo que pretendo dizer, daquela que é a direção do meu trabalho, para as exigências do patrocinador? Exigências esdrúxulas? E não, não quero viver do dinheiro fácil do contribuinte através das leis culturais. A Cultura é o maior bem dos seres humanos. Vem antes da Educação. Sei que parece até uma piada, dado o momento em que vivemos. Por isso, pela sua importância, cabe ao Estado, à Prefeitura, atuar de maneira profissional, em todas as áreas, visando estimular a criação de um mercado. Isso não se faz nem em um ano. Muito mais. No Pará, sairemos do zero, por exemplo. Quando a Cultura estiver espalhada e mostrada, e recebida e refletida pelo povo do Pará, de Belém, as autoridades começarão a se retirar e apoiar aqueles que por qualquer motivo tenham ficado de fora desse mercado. É assim que precisa ser. Nós, artistas, queremos contribuir para a cidadania, a civilização. Assisti na Bienal Internacional do Livro em São Paulo, uma mesa debatendo feiras literárias. Eram apenas promotores independentes, sendo um de fora do sul/sudeste, Robalinho, de Pernambuco, que corajosamente produz uma Bienal no Recife. Os demais, de Porto Alegre, Ouro Preto, Rio de Janeiro, São Paulo, enfim, cidades onde, por diversas razões, há redes de livrarias e consumo suficiente de autores locais, juntamente com o das grandes estrelas. A Farsa que se chama de Feira Pan Amazônica, promovida pelo Governo, é uma farra para estrelas como Veríssimo e de repente até Paulo Coelho. Mas por ser promovida pelo Governo, deveria ser o ápice de uma programação em todo o Estado, durante todo o ano, relançando livros fora de catálogo, lançando novos escritores e levando os escritores atuais em turnês por cidades pólo. Ao longo do tempo, outras medidas, constituindo uma rede. E aqui, escrevo apenas sobre Literatura, mas vale para todas as outras áreas. Essa noite escura que já dura mais de vinte anos, vai acabar. Torçamos para que venha um outro tempo e consigamos viver dignamente de nossa arte.
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Published on August 24, 2018 07:20

August 17, 2018

RETALHOS

É uma pena que o rock brasileiro não esteja mais na preferencia dos jovens. O rádio agora só tem espaço para “dim dim dim” e “atirei o pau no gato”. Digo isso porque estava no carro e o pen drive começou a tocar “Nheengatu”, um dos últimos discos dos Titãs. Não era exatamente o disco de estúdio e sim o “ao vivo”, muito mais vibrante. O mais recente trabalho da banda, um musical, apesar da qualidade instrumental, parece ser outro grupo, outra coisa. Não gostei. Uma ou duas músicas, talvez. Mas esse “Nheengatu”, se fosse em outros tempos, seria equiparado ao antológico “Cabeça Dinossauro”. Nenhum outro grupo de rock mergulhou em assuntos polêmicos com tanta competência. Rock não é situação. Rock é oposição, rebeldia. Hoje, são os pais que dão guitarras a seus filhos. Assim não dá. Uma atrás da outra, o repertório vai direto aos assuntos do cotidiano. O “Cabeça Dinossauro” também, absolutamente atual. Mas estamos anestesiados. A geração de hoje vem da má qualidade de Educação e falta de Cultura. Não quer pensar, analisar, questionar. Quer encher a cara, beijar muito, pular e cair na cama.
Estava viajando, com tempo a perder aguardando um compromisso. Entrei no maravilhoso Roxy, o cinema de Copacabana. Qual é o filme, pergunta a moça? O que vai começar agora. Tá bom. “Missão Impossível”, com Tom Cruise. Me pego olhando o personagem. Está bem, ganha milhões e alguém me disse depois que ele é muito focado no trabalho. Imagine. Quando faz a cara de mau, quando diz textos idiotas, manter a compostura é difícil, mesmo. Uma sucessão de explosões maravilhosas e aquele baixinho escapando e batendo em todo mundo. Ih, olhei o relógio, caí fora do cinema. Perda de tempo. Faria melhor se fosse até o calçadão da Atlântica olhar o mar. Mas é que estava chuviscando e a temperatura baixa, o vento e tal. Paciência. Também li com muito prazer “Amastor”, livro novo de Marcos Quinam, esse artista multitalentoso, goiano com alma tropeira, que desta vez vai à Guerra do Paraguai, através do personagem título, saído de Belém, onde aprontava todas e partindo, junto a outros em um navio, chegando ao Rio de Janeiro com vários mortos por doença. Marcos vai, como se diz, “arrodeando” a Guerra, terrível, malvada, desastrada, contra um pequeno país por razões desqualificadas. Amastor junta-se a outros que por causas diversas, como ferimento, deserção, ou bandidagem, caminham ao largo, abicorados, assistindo aos combates, se apropriando de despojos. Recomendo. O texto é enxuto, forte e conquista desde a primeira página. À venda na Fox.
Ah, ponte aérea Rio São Paulo. Avião lotado. Entro, cheio de livros e mochila, não percebo. Um senhor começa a gritar “esse vai ser o presidente do Brasil”. Não entendi. Na primeira cadeira, com fila para fazer selfies, o Sr. Bolsonaro. Não contente, o senhorzinho vai também pedir a foto e volta feliz. Então, tá. Me distraí lendo, de Silvio Barsetti, o livro “A Farra dos Guardanapos”, uma bela reportagem sobre Sergio Cabral, condenado a 100 anos e ainda aguardando novas condenações e seus companheiros, nos melhores e mais caros salões de Paris. Em dado momento, trêbados, alguns põem guardanapos nas cabeças. Alguém fotografa. Algum tempo depois, esse alguém posta na internet. Deu no que deu. Recomendo também “A Guerra no Vietnã”, documentário em 10 capítulos, sério, bem feito, sobre o evento desastroso para os EUA e para muitos mais. É só.
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Published on August 17, 2018 06:53

August 10, 2018

IMPRESSÕES DE UM FEIRANTE

Pela primeira vez, fui convidado para ir à Flip, a badalada feira internacional de Literatura, que acontece em Paraty. O convite foi do SESC, como sempre perfeito em cuidados, informação e produção de evento. Cheguei cansado. Depois do jato até o Rio de Janeiro, peguei um ônibus que levou cinco horas até Paraty. Não pude desfrutar da vista porque já estava escuro. Mas ao chegar, encontrei algo parecido como o último dia da festa do Círio, no Largo de Nazaré, permitam-me chamar assim. Uma multidão movendo-se entre tendas e restos de programação. Já estávamos quase à meia noite. Inteligentes, editoras independentes alugaram um barco, onde realizaram a Flipei. Uma pena ter chegado tão tarde, não podendo participar de alguma mesa. Mas já amigos escritores e jornalistas me chamaram e cheguei até um bar, que tinha na frente uma banda musical, gente sentada, a maioria de pé, e um dono extremamente mal humorado atendendo os pedidos. São essas conversas que são deliciosas, com outros autores e jornalistas. Discutimos o que lançamos, falamos do que pretendemos escrever e rimos de tudo. Já era bem tarde quando fomos dormir. No domingo, pela manhã, ainda havia muito movimento e pessoas chegando. Pude apreciar alguns stands muito concorridos. Difícil mesmo é andar sobre as pedras, feitas para o transporte em carro de boi. A palma dos pés dói e tira o astral. As casas são lindas, as igrejas e de repente chegou o momento de falar na Casa do SESC. Me juntei a João Meirelles, um paulista que já mora no Pará há 15 anos, ambientalista, lutando pelos quilombolas, aldeias, a gente que mais pode sentir-se dona da nossa terra. Meu amigo Schnneider, de Pernambuco, onde edita uma revista famosa de literatura, mediou. A conversa fluiu, primeiro porque as pessoas não têm idéia do que seja Belém. É preciso ir lá atrás, circunstanciar, argumentar, falar das riquezas que levam e não deixam nada. Se falo da selva concreta, João fala da selva amazônica. Ambos, falamos de gente. Deu tudo certo, ainda ficamos conversando com alguns mais curiosos. Na volta, de carro, apreciando a costa verde, belíssima. Achei o Rio de Janeiro um pouco murcho, borocoxô, sei lá, tanta coisa acontecendo.

Agora estou em SP, pisando no Anhembi, onde acontece a Bienal de São Paulo, pela primeira vez, a convite da Câmara Brasileira do Livro, através dos adoráveis Luiz Alvaro e Vera Esaú. É um domingo e uma multidão se movimenta em todas as direções. Curiosa a aparição de novas editoras com stands grandes, ao contrário das antigas e maiores como Record. Essas novas apostam em livros de terror e ficção para jovens e livros levemente eróticos, para mulheres. Acho ótimo que leiam, sem juízo de qualidade. Espero que despertem para a leitura e mais tarde, procurem coisa melhor. Estou em uma mesa para falar sobre Mercado, tradução de livros e carreira no exterior. Há duas moças que já batalham, principalmente a que trabalha para o Maurício de Souza, aquele da “Mônica”. E há Guiomar de Grammont, que além de costumeiramente comandar delegações de escritores a vários países, promove em Ouro Preto, sua própria feira e como autora, já recebeu prêmios importantes. A conversa foi ótima. Para mim, como autor, foi importante participar como convidado. Há uma preocupação agora com escritores fora do Sudeste. Mas em todas as mesas, primeiro me apresento, certo que ninguém ouviu falar de mim. Moro longe. Preciso circular mais por aquela região, para ser lembrado. Enfim, cheguei bem cansado, mas foi uma ótima viagem.
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Published on August 10, 2018 08:41

August 3, 2018

DESPEDIDA

Mais dois anos e eu completaria 50 anos de atividades como radialista. Olho para trás e acho que acrescentei alguma coisa. Comecei aos 16 anos, em uma das funções mais simples, na discoteca, primeiro com Jacy Duarte, Souza Filho e depois meu irmão Edgar. Meu primeiro programa de rádio foi “Gente da Pesada”, aos sábados, oito da manhã. Junto ao Janjo, Edgar, Tarrika, Ricardo Albuquerque e Gilvandro Furtado e Fredoca Gantuss, comandados por Rosenildo Franco, botamos no ar o “Sábado Gente Jovem”. Também tinha um programa na madrugada, que deixava gravado, apresentado sob o pseudônimo de Mr. Moonlight. Meu grande amigo Laredo Neto. Grandes tempos. Convivi com alguns dos maiores comunicadores do rádio paraense. Descobri um mundo diferente, aprendi muito. Da Rádio Clube do Pará, conheço todos os que ainda estão em atividade. Mas estive com Grimoaldo Soares, José Simões, Osmar Simões, Jair Gouveia, mas devo dizer que para mim, os melhores narradores foram meu pai, que depois passou a comentar, meu irmão Edgar, desculpem se pareço parcial, Zaire Filho e Cláudio Guimarães. Hoje admiro Guilherme Guerreiro, Gerson Nogueira e Carlos Castilho. Aos que não mencionei, minhas desculpas. Atrás dos microfones, um mundo de profissionais ótimos, bons amigos. Mas um dia, o Dr. Raul Navegantes, do Idesp, foi até meu pai pedir a sugestão de um nome para montar a Rádio Cultura do Pará em Ondas Tropicais. Meu pai me chamou. E a emissora, com seus transmissores em Marituba, foi ao ar. Sem muitos exemplos a seguir, tateamos uma programação para o interior, sem deixar de lado a Cultura. Uma grande experiência. Porque em seguida, veio a Rádio Cidade Morena e a parceria com meu irmão Janjo, minha outra metade, se firmou, com a ajuda de Jones Tavares e jovens santarenos como Silvio Jr, Arturo Gonçalves, Nelson Gil, mais Cacá Raymundo, Jorge Reis, Caíto Martins, Julio César e os que esqueci, perdão ao velhinho que o alemão quer pegar. No começo, ligava os transmissores e ia ao microfone às seis da manhã até onze. Apresentei lá a Feira do Som, com o Edgar Augusto. Mas então veio a filiação com a Rede Rádio Cidade, a melhor FM do Brasil. Muitas promoções, gincanas. A Cidade encerrou atividades por conta de problemas da família dona da marca. O pessoal Machado de Carvalho, da Jovem Pan entrou em contato. O velho Paulo, marechal da vitória na Copa de 58, fizera negócios com meu avô Edgar, trazendo artistas durante o Círio. Fomos os segundos a nos filiar e durante bom tempo, nas reuniões de todas as Pans do Brasil, fomos considerados a segunda melhor emissora, perdendo apenas para a matriz, claro. Formamos muitas pessoas. Criamos um estúdio para gravar jingles e comerciais no nível que a emissora precisava, falando para jovens. Após pesquisa de comportamento, levamos às agências estudo completo sobre o que os jovens queriam. No meio do caminho, fui convidado a montar outra emissora, a Belém FM, uma das primeiras do Brasil no gênero segmentado, procurando claramente o público bem jovem, alternativo, gostando de rock. Mas cansei. O rádio virou algo muito técnico, usando as mídias sociais como parceiras. Para realizar o que fizemos, sendo somente uma emissora de rádio, sem contar com jornais ou emissoras de tv como apoio, nos desgastamos muito. Chegou a hora de parar. Parar no auge. Sabemos, eu e Janjo, que com a saída do sinal da Pan, haverá tristeza. Mas é bom sair no momento certo. Foi muito bom. O rádio me deu e me ensinou tudo. Espero ter deixado alguma coisa, também, para os ouvintes e para os que comigo trabalharam. A esses o meu sincero agradecimento pela paciência que tiveram comigo. Agora terei mais tempo para escrever. Muito obrigado.
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Published on August 03, 2018 18:09

July 20, 2018

UMA NOITE ESPECIAL

Eles me enganaram direitinho. Eu devia ter desconfiado. Vem a minha chefe dizer que viria um tal de Dr. Sei lá o quê, proferir uma palestra que eu não poderia perder por nada desse mundo. Mas quando eu, já, Doutora? Acho até que estou de plantão.. Não te preocupa, eu já mandei te substituir. fica pronta que eu vou te apanhar de carro. A senhora vai me apanhar? Vou. Bem, se é assim.. procurei algum vestido apresentável, porque enfermeira só se veste de branco a vida inteira. E eu lá vou ter tempo pra comprar vestido?

Vai ser aí nesse Teatro, todo chic, importante? Ih, olhei pra minha roupa e pensei.. a Doutora vai passar é vergonha comigo. Mas já estou aqui e seja o que Deus quiser. Sentamos, assim, na primeira fila. Todo mundo chique, mulheres lindas, e eu ali. O que será isso? Começa uma música e entram bailarinos e bailarinas! Eu nunca tinha visto um balé! Gente, que coisa mais linda, aquelas roupas, aquela dança, meninas lindas, rapazes.. epa, pera aí, não, não pode ser, aquele ali não é o meu filho? Olhei pra doutora e ela riu pra mim. Reconheceu seu filho? Eu nem respondi. Não podia tirar os olhos dele. Alto, forte, um corpo lindo. Aquele negro era o solista, o ponto central do balé. Tinha até orquestra tocando, maestro e tal, mas eu só olhava pro meu filho! Que marotas essas minhas amigas! Deviam ter me contado! Eu não vejo ele há alguns anos! Olha só o que ele fez! E eu me lembro, ele ali, sentadinho e levei uns papeis e lápis de cor para ele ficar brincando. E agora esse tipão aí! A minha vontade era gritar olha aí, olha que esse é meu filho! Mas eu me segurava. Tinha um nó no peito que não sabia o que era. Ele não tinha pra onde ir e eu levei pra casa. Virou meu filho. Filho, mesmo, amor de mãe, porque não precisa sair do ventre pra sentir amor de mãe. E aí, um dia a professora veio me dizer que ele estava fazendo parte de um show de hip hop, sei lá, no colégio e que levava jeito pra dançar. Põe ele no balé.. Eu, hein. Pra depois ele ficar falado, sei lá, falam tanta coisa. Mas eu conversei com a Doutora, porque a irmã dela tem uma escola de dança. Ele foi. Espera aí. Agora ele está só no palco. Ele gira, gira, faz piruetas. Parece de plástico, meu Deus. Será que não cansa? Sabe lá se eu devia levar um copo d’água pelo menos pra ele. Ia, assim, escondidinha, ali pelo lado. Psiu... Toma essa água, meu filho. Rápido, ninguém vai ver e volta lá pro palco. Pois é, ele passou em um concurso e levaram ele pra outra cidade. Fiquei com medo. É uma criança. É o meu filho. Me disseram que ele tinha talento. Que eu não podia impedir. Então eu cheguei pra ele e perguntei: meu filho, tu queres mesmo fazer isso? Ele disse sim. E foi. Manda cartas. Telefona. Mas de uns anos pra cá, nem teve tempo. E agora ali, na minha frente, esse teatro lotado de gente rica, chic, inteligente e ele lá, tão lindo, grande, alto, meu Deus como está alto! Terminou. Batem palmas. Eu levanto e bato palmas! Grito meu filho! Meu filho! Ele não ouve. Fecham as cortinas. Não param de bater palmas. As cortinas abrem novamente. Meu filho! E então pedem para fazer silêncio. Alguém traz um ramalhete de flores. Um microfone. Ele vai lá. Agora tem uma voz grossa! De onde vem esse voz grossa assim, seu moleque! E diz que há uma pessoa muito especial na platéia. E para esta pessoa ele quer dedicar o espetáculo. Mais que isso, quer dedicar toda a vida. Ele diz minha mãe, minha querida mãe, pode subir aqui no palco? Não entendo. Não sei o que fazer. Sinto-me parva. A doutora me tira do torpor. Alguém estende a mão. Olho para mim, meu vestido e caminho até ele. Batem palmas. Palmas pra mim? Ele me entrega as flores e me abraça. E me beija. E me abraça com aquele abraço que só nós dois conhecemos. O teatro inteiro bate palmas, mas não consigo olhar para nada. Só para ele, meu filho. Tão grande, tão lindo, meu filho! Essa foi a noite mais feliz da minha vida.
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Published on July 20, 2018 07:28

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Edyr Augusto
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