As Meninas Quotes

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As Meninas As Meninas by Lygia Fagundes Telles
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As Meninas Quotes Showing 1-29 of 29
“Quero te dizer também que nós, as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. Se eu sou, não estou porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa a pergunta, não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que eu seja assim inteira (essencial e essência) é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim. Não me desintegro na natureza porque ela me toma e me devolve na íntegra: não há competição mas identificação dos elementos. Apenas isso. Na cidade me desintegro porque na cidade eu não sou, eu estou: estou competindo e como dentro das regras do jogo (milhares de regras) preciso competir bem, tenho consequentemente de estar bem para competir o melhor possível. Para competir o melhor possível acabo sacrificando o ser (próprio ou alheio, o que vem a dar no mesmo). Ora, se sacrifico o ser para apenas estar, acabo me desintegrando (essencial e essência) até a pulverização total.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Mas não quero resposta, quero ficar só. Gosto muito das pessoas mas essa necessidade voraz que às vezes me vem de me libertar de todos. Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Então meu amado foi se fechando com seu cachimbo e seu Proust, solidão de bicho de caramujo, pode bater que não abro.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Fico tomando sol porque não posso tomar o homem que amo”, pensou mastigando mais energicamente. E Ana Clara? As coisas que tomava seriam para substituir o casaco de onça? O Jaguar? E se fosse simplesmente porque não conheceu o sol, a infância, Deus. “Tudo que tive e ainda tenho, tão triste ir buscar lá fora o que devia estar aqui dentro.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Aí parei de chorar, chorava de ódio e o choro de ódio é estimulante, as minhas melhores ideias nasceram do ódio.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Não é uma forma de esconder seu sentimento de superioridade? Ter pena dos outros não é se sentir superior a esses outros?”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
tags: ego, pity
“Lembro da ampulheta quebrada, entrei no escritório do pai para pegar o lápis vermelho e esbarrei no vidro do tempo. Fiquei em pânico vendo o tempo estacionado no chão: dois punhados de areia e os cacos. Passado e futuro. E eu? Onde ficava eu agora que o era e o será se despedaçaram? Só o funil da ampulheta resistira e no funil, o grão de areia em trânsito sem se comprometer com os extremos. Livre.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“— Não quero ser rude, mãezinha, mas acho completamente absurdo se preocupar com isso. A senhora falou em crueldade mental. Olha aí a crueldade máxima, a mãe ficar se preocupando se o filho ou a filha é homossexual. Entendo que se aflija com droga e etecetera mas com o sexo do próximo? Cuide do próprio e já faz muito, me desculpe, mas fico uma vara com qualquer intromissão na zona sul do outro. Lorena chama de zona sul. A norte já é tão atingida, tão bombardeada, mas por que as pessoas não se libertam e deixam as outras livres? Um preconceito tão odiento quanto o racial ou religioso. A gente tem que amar o próximo como ele é e não como gostaríamos que ele fosse.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Ana Clara contou que tinha um namorado que endoidava quando ela tirava os cílios postiços, a cena do biquíni não tinha a menor importância mas assim que começava a tirar os cílios, era a glória. Os olhos nus. Em verdade vos digo que chegará o dia em que a nudez dos olhos será mais excitante do que a do sexo.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Sabia que não ia voltar mas continuava pensando com tanta força. Como quando se tira um vestido velho do baú, um vestido que não é para usar, só para olhar. Só para ver como ele era. Depois a gente dobra de novo e guarda mas não se cogita em jogar fora ou dar. Acho que saudade é isso.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Perdão, foi engano”, disse a voz opaca, toda voz de engano fica opaca. Imagine se Lião escrevesse nesse tom assim opaco. Tão nítida. Nítida demais, os entendidos querem opacidade na linguagem, uma certa névoa confundindo sutilmente a silhueta das palavras. Biombos nas entrelinhas guarnecendo (amo essa palavra, guarnecendo) o mistério das letras. E as letras sem mistério em pleno coito com o Demônio. Há orgasmo? O Demônio vai e vem por linhas tortas, trançando os cabelos das amadas em nós indeslindáveis.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Importante papel está reservado aos psiquiatras. Aos profetas, acredito ainda mais nos profetas. Acho que eu seria mais útil se estudasse Medicina, de que vão adiantar no futuro as leis se agora já são o que se sabe. Uma psiquiatra maravilhosa. O chato é que quando leio um livro sobre doenças mentais, descubro em mim os sintomas de quase todas, uma psiquiatra por dentro demais da loucura.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“- Literatura, bah. As mulheres já estão encontrando sua medida. Eles virão em seguida, acho que no futuro só vai haver andróginos - digo e fico rindo.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
tags: lião
“Não sei explicar mas o que quero dizer é que acreditar no homem não me deixa tão feliz como acreditar nessas histórias absurdas que os homens contam.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“A morte combina muito com latim, não tem coisa que combine tanto com latim como a morte.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Em câmara lenta — tudo assim sem muito empenho — ele começa a tirar a roupa com um jeito de quem quer apenas ficar mais livre de movimentos, “Está um pouco quente, não está?”. Apesar de toda lentidão é chegada a hora da cueca, ai meu Pai. O horror que tenho de cueca, a começar pelo nome. Por mais bacaninhas que elas sejam, fico no maior constrangimento quando vejo no cinema um artista de cueca. Não sei mesmo por que ele tem que passar a fita inteira com essa cueca branca, queixei-me à Lião, a máquina dava um giro, disfarçava um pouco, e já vinha reta focalizar os elevados e a cueca. Também quero ver a cara dele! reclamei. Enquanto comíamos um sanduíche, Lião deu as explicações dela: “Não sei explicar, mas parece que todos os diretores de cinema são agora bichas e bicha tem mais obsessão por pau do que mulher, entende?”. Falei-lhe do meu complexo com cueca mas nesse ponto ela já ramificava a conversa para a política e quando chegamos ao pensionato o culpado de tudo era o imperialismo norte-americano. A república sonhada seria uma praia, nós dois de maiô, tão mais poético uma praia. Bom, mas agora não adianta, estamos num apartamento onde ele tem que tirar a cueca com uma habilidade tão hábil que quando eu der acordo de mim, já está nu.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Antes de Astronauta eu preferia cachorro mas descobri agora, se cachorro me comove o gato me fascina. Não, minha poeta, não é a morte que é limpa mas cruel, é o gato. Eu voltava do cinema com Aninha (sóbria) quando vi aquele gatinho mijado abandonado na esquina. Fiz mamadeira de um vidrinho de remédio que Irmã Bula trouxe, dormiu no meu pulôver de cashmere, fez pipi e etecetera no meu bidê até aprender a fazer no jardim, entrou na cama comigo mas pensa que ficou um gato sentimental? Deixa-me rir. Passava o dia na almofada ou dormindo ou me olhando sem muito interesse. Nem agrados, nem concessões: um egípcio. Entrou na minha concha mas não entrei na dele. Um dia, sem uma palavra, sem um gesto saiu por aquela porta e não voltou mais. Ainda vai aparecer, sei que vai aparecer todo sujo, rasgado. Cuido das suas feridas, das suas doenças e quando ficar de novo um gato lustroso, gordo, vai fugir outra vez. Livre, livre. Quem é que segura um gato?”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Astronauta também sentia sono quando eu acendia o incenso. E se espreguiçava como me espreguiço, foi com ele que aprendi a me espreguiçar. Gato à toa, por onde você anda. Hein? Dava aulas diárias de preguiça e luxúria mas nunca repetia os movimentos, todo bailarino devia ter um gato. A astúcia. Ao mesmo tempo, o abandono. O desprezo pelas coisas realmente desprezíveis. E aquele cálculo e fixação. Todo feito de delicadezas perigosas o meu gato. Ou Demônio? Nas pausas das lições ficava me olhando, tão mais consciente do que eu na minha inconsciência, como é que eu podia saber?”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Dedilhou o pulso estático numa busca tão intensa que acabou por transferir para o pulso da morta o latejar do próprio dedo inflamado.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Ela deixou pender os braços desamparados dentro das mangas do hábito, inclinou a cabeça e ficou pensativa, olhando para dentro de si mesma. E o que vê não deve ser animador.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“A verdade na miséria fica um lixo. A nhem-nhem é igual com essa mania. Se um daqueles discípulos desse um saco de ouro pra Pilatos ele lá ia lavar as mãos? Lavava nada. Arrumava um cavalo e Jesus fugia pelos fundos e ainda por cima com uma escolta de cavalaria montada garantindo até a fronteira.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“— Tinha um relógio grande assim na torre e eu queria me agarrar nos ponteiros, segurar as horas, por que é que o tempo não parava um pouco? Queria ficar lá dependurado, segurando o tempo.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Mais tarde descobri que não gosta nem de poesia nem de música. Ainda assim, liguei o toca-discos e dei-lhe os patrícios, Bethânia, Caetano. E se não dei televisão é porque acho aquilo o fim. Embora esteja pensando numa mas só para ver os filmes antigos. E os longas-metragens de vampiros e monstros.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Tão lúcida quando fala mas quando escreve fica tão sentimental, oh, a lua, o lago.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Só Jesus compreende e perdoa, só Ele que já curtiu como nós, Jesus, Jesus, como eu te amo! Vou pôr um disco em sua homenagem, espera, ofereço música assim como Abel oferecia ovelhas, é lógico que ovelha é muito mais importante mas Jesus sabe que tenho horror de sangue, minhas oferendas só podem ser musicais. Jimi Hendrix?”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Infinitamente. Eu poderia ficar repetindo infinitamente infinitamente. Uma simples palavra que se estende por rios, montes, vales infinitamente compridos como os braços de Deus. As palavras.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“Não dá não dá ela repetia mostrando o dinheirinho que não dava embolado na mão. Mas dar mesmo até que ela deu bastante. Pra meu gosto até que ela deu demais. Uma corja de piolhentos pedindo e ela dando.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas
“O vinho ela aceita. Também aceita a lagosta, fala lagostim. Mas precisa lembrar a estatística das criancinhas morrendo de fome no Nordeste, esse assunto de Nordeste às vezes exorbita.”
Lygia Fagundes Telles, As Meninas