Sinais de Fogo Quotes

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Sinais de Fogo Sinais de Fogo by Jorge de Sena
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Sinais de Fogo Quotes Showing 1-5 of 5
“Sem dinheiro, não se fazia nada. Ou nós, viciados nele, não sabíamos fazer nada sem ele.”
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
“Eu era uma criança. Os meus amigos eram crianças. Todos nós era como se tivéssemos afinal só dezasseis anos ainda. E não seria que quase todos os homens continuavam assim? Que nenhum crescia para fora de si mesmo? E não era isso que o mundo inteiro desejava que continuássemos a ser? Não seria que toda a gente tinha medo de dar-se, porque tinham todos medo de perder o pouco que tinham? Não seria que toda a gente apenas se emprestava como quem empresta dinheiro a juros?”
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
“Aceitar uma ordem, defender uma ordem, impor uma ordem, era reconhecer que, nem que fosse provisoriamente, a injustiça era inevitável. Mas a desordem total seria o reino do mais forte, do mais maligno, do mais violento, e não necessariamente a possibilidade de harmonia e de justiça. Disso emergira a humanidade. Emergira? Ou substituíra progressivamente violência por indiferença à violência, injustiça por insensibilidade à injustiça, egoísmo por inconsciência, medo da morte por medo da vida?”
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
“Nós éramos um acaso, os nossos encontros seriam de acaso, o nosso conhecimento e a nossa experiência um do outro seriam sempre de acaso, sempre um somatório desconexo e contraditório de fragmentos sem continuidade. Um somatório que não daria nunca uma qualquer soma, qualquer resultado final, mas muito apenas uma existência como em sonhos, de que acordaríamos, às vezes, nos braços um do outro (e, quem sabe, também noutros braços de outrem). Não seria a nossa vida – e eu nem podia dizer «nossa vida», porque esta não era una, mas as duas vidas que tínhamos, cada um por conta própria – uma serena realidade, com abertas de alegre sonho, em que, abraçados e penetrados, conquistássemos um para o outro o que cada um de per si não teria. Seria exatamente o contrário. Tudo o que tivéssemos dissipá-lo-íamos, periodicamente e ocasionalmente, nos braços um do outro. Não serviríamos um ao outro de nada. Poderíamos até, e seria o mais certo, sermo-nos prejudiciais: ver-nos-íamos um no outro, como em espelhos. E de cada vez que nos assim víssemos, nas intermitências dos encontros, nos só veríamos piores. Mas não teríamos, de verdade, outros rostos, que não aqueles em que mutuamente nos espelhássemos, para vermos que estávamos cada vez mais longe do que poderíamos ter sido, e cada vez mais perto do que, na intermitência, éramos. Seria isto o amor, podia eu chamar-lhe amor? Amor, esta destruição, de vez em quando, do pouco com que nos havíamos defendido um do outro? Amor, essa desgraça de vivermos como que acorrentados a um feitiço ignóbil, sem pureza nem dignidade?”
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
tags: amor
“E logo percebi que nós mesmos inventávamos a paixão. A Mercedes tornava-se, na minha vida, uma «mulher fatal». Mas quem a criara assim, e à fatalidade que inundava e manchava tudo, havia sido eu mesmo. Se eu a perdesse, procurá-la-ia em todas as mulheres; se a ganhasse de vez, perdê-la-ia dentro de mim. Quando eu correspondera à imagem de mim que ela aceitara noutros, e lhe impusera, em troca, mais ou menos que a minha pessoa, o meu corpo, eu abdicara de tê-la como pessoa, porque ela não podia ser uma pessoa dentro de uma imagem, do mesmo modo que eu não podia possuir a minha própria imagem. Mas quem não seria, no amor dos outros, todas as imagens de pessoas com que elas tinham sonhado? Quem era si mesmo nas imagens dos outros? Não era, afinal, a mulher ideal ou o homem ideal o que procurávamos nos outros; mas nós mesmos nos idealizávamos, éramos idealizados com a imaginada realidade dos que, se sonhados, não haviam sido possuídos, ou que, se possuídos, não tinham sido sonhados. Esta idealização não tinha nada que ver com pureza, com inocência, com gratuitidade. Era, pelo contrário, uma soma, uma acumulação, uma confusa mistura de toda a sordidez que não nos atrevíamos a sonhar nos outros ou pelos outros, e em nós mesmos com eles, até ao instante em que, num abraço, num beijo, num olhar, numa posse mesmo distraída, nos transformávamos ou éramos transformados no que nem sequer tínhamos pessoalmente chegado a ser na imaginação da pessoa a quem nos entregávamos. Porque éramos então uma série de momentos alheios, de experiências alheias, a que nos acrescentávamos, rendidos, para sermos nós mesmos em outrem.”
Jorge de Sena, Sinais de Fogo
tags: amor