“Alina podia escutar a voz da delegada se elevando, o dedo apontando sua cara enquanto outra mão indicava o homem na cadeira de rodas: sua geração nunca passou por guerras, nunca sobreviveu à violência da ditadura militar, nunca nem sentiu a loucura da inflação, você não sabe o que é sofrimento. E Alina respondia, com os dentes entrecerrados, é pedir demais ter uma vida um pouco melhor?, não bater ponto num trabalho que detesto?, não passar metade do meu tempo desperta num ambiente que abomino?, sentir meu cérebro definhando num trabalho que podia ser realizado por animais domesticados? é tão absurdo assim esperar algo mais da vida?, por acaso o seu Deus, com letra maiúscula, o seu único Deus, o verdadeiro Deus vai receber você no Paraíso e calcular, ah, você passou setenta mil horas trabalhando em algo que detesta, por causa disso poderá passar setenta mil horas se divertindo no Paraíso, fazendo o que você quiser, pode virar artista, estudar coisas estranhas, as setenta mil horas são suas, é isso que o seu Deus vai fazer?, e se você morrer e ele não estiver lá e a eternidade for apenas uma repetição da vida, viver tudo de novo, ou seja, a extensão ad infinitum desse meu inferno num cubículo? vou perguntar só mais uma vez: é pedir demais que a vida seja só um pouco melhor do que ela é?”
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Antônio Xerxenesky,
As Perguntas