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Quando penso em Charles Jacobs — meu quinto personagem, meu agente de mudança, minha Nêmesis —, não ouso acreditar que a presença dele em minha vida tenha qualquer ligação com o destino, pois isso significaria que todas aquelas circunstâncias terríveis — aqueles horrores — estavam fadadas a acontecer.
— Esse negócio de “é meu” causa metade dos problemas do mundo, Jamie. Quando você está brincando com seus amigos, os soldados são de todos.
Olhei para cima e vi um sujeito ali, parado. Ele bloqueava o sol da tarde, uma silhueta emoldurada por luz dourada — um eclipse humano.
Aos seis anos, eu dividia os adultos em três categorias: gente grande nova, gente grande e velhos.
— Automático. Presente do meu sogro. — O que é sogro? É um tipo de ogro? — O meu é — respondeu ele, e deu uma gargalhada.
— Todo mundo precisa de um passatempo. E todo mundo precisa de um milagre ou dois, só para provar que a vida é mais do que uma longa caminhada do berço à cova.
Mas a escrita é algo maravilhoso e terrível. Ela abre poços profundos da memória que antes estavam selados.
— Então é melhor proibir o Andy e o Con de ir — retrucou Claire, rápida no gatilho. — Eles podem acabar engravidando umas garotas.
Sabe o que eu acho? Que ele começou logo depois que você esteve lá. Talvez já tivesse a ideia, porque essas invenções elétricas não param de pipocar na cabeça dele, mas não tinha trabalhado nessa até hoje.
— De todas as crianças da Juventude Metodista, foi você que ele conheceu primeiro, e é de você que ele gosta mais. O reverendo fez isso por você, Jamie. Ele fez isso por você.
E não estava errado. Patsy morreu muito antes de a ambulância chegar de Castle Rock, mas George Solitário viveu mais de oitenta anos. E nunca mais se sentou atrás de um volante.
Este deve ter sido o momento em que ela viu o título, e não me surpreende que se lembre dele; nessas horas uma pessoa vê tudo e se lembra de tudo. Sei por experiência própria. Preferiria não saber.
Naquela manhã, ele tinha acordado ao lado da mulher e tomado café da manhã de frente para o filho. Conversaram sobre coisas quaisquer, como as pessoas fazem. Nunca dá para saber. Qualquer dia pode ser o dia em que caímos, e nunca dá para saber.
“Cadê o rosto dele?”, gritou Jacobs, “Cadê o rosto do meu filhinho?”.
Minha fé também não foi destruída pelas mortes. Foi o Sermão Terrível que conseguiu esse feito.
Além de reticentes por natureza e criação, os ianques também tendem a se sentir bem à vontade para serem preconceituosos em questões de religião e raça.
Eu me lembro de orar para que ele conseguisse terminar bem o sermão, que não desabasse em lágrimas.
Segundo nos dizem, Cristo subiu aos céus em seu corpo, mas é comum que nós, pobres mortais aqui da terra, sejamos deixados com horrorosos pedaços de carne mutilada e uma pergunta renitente, que não para de reverberar: por quê? Por quê? Por quê?
Se nossa fé for forte, iremos para o Céu, onde entenderemos tudo. Como se a vida fosse uma piada e o Céu fosse o lugar onde a moral cósmica da história é finalmente explicada.”
Milhões foram queimados, alvejados, enforcados, atormentados, envenenados, eletrocutados e estraçalhados por cachorros... Tudo em nome de Deus.
Mas também sentia uma exultação incontrolável e incipiente, um sentimento de que finalmente alguém estava me dizendo a verdade jamais revelada.
Este é o grande pagamento. O que é instilado em nós desde nossos primeiros dias: Céu, Céu, Céu! Reencontraremos os filhos mortos, nossas queridas mães vão nos tomar nos braços!
A religião é o equivalente teológico aos golpes de seguro fácil, em que você paga o prêmio ano após ano e depois, quando precisa dos benefícios pagos religiosamente, desculpem o trocadilho, descobre que a empresa que pegou seu dinheiro na verdade não existe.”
— É mesmo, Dick. Você está certo. Nada que eu diga vai fazer diferença. Mas fez. Para um menininho, fez.
Se quiserem a verdade, um poder maior que vocês, olhem para o raio, um bilhão de volts, cem mil amperes de corrente e temperaturas de mais de vinte e cinco mil graus Celsius. Isso é um poder superior, eu garanto. Mas aqui, neste prédio? Não.
O reverendo estava certo sobre uma coisa: as pessoas sempre querem encontrar razão para as coisas ruins da vida, mas às vezes não existe razão.
Eu me pergunto se minha vida teria sido diferente se eu tivesse ido embora. Nem sei se estaria escrevendo esta história. Mas não dá para saber, não é?
Você foi a primeira criança que encontrei quando vim para Harlow, e também vai ser a última. Estou muito, muito feliz que você tenha vindo.
— A gente nunca mais vai se ver. — Nunca diga isso, Jamie. Os caminhos se cruzam o tempo todo neste nosso mundo, às vezes nos lugares mais estranhos.
Quem tem medo vive um inferno particular. Dá para dizer que eles mesmos criam esse inferno, do mesmo jeito que Con fabricou a mudez, e é algo que não conseguem evitar. Eles merecem simpatia e compaixão.
— Você era meu favorito — disse ele, em meu ouvido. — Este é outro segredo que é melhor guardar.
— Você não existe! — gritei. — Você não existe! É tudo truque! Maldito seja, Jesus! Maldito seja, Jesus! Maldito, maldito, maldito seja, Jesus!
Nossos pais davam todo o apoio, assim como os pais de Ronnie, mas a verdade é que nada substitui o talento.
Depois que o reverendo Jacobs partiu de Harlow em seu novo carro velho, senti que havia um vazio em minha vida. Eu tinha perdido Deus e meu único amigo adulto, e durante muito tempo me senti triste e um pouco assustado.
Mas o talento é uma coisa assustadora e se anuncia de maneira silenciosa, porém firme, quando chega a hora. Como certas drogas viciantes, ele chega como um amigo muito antes de você perceber que é, na verdade, um tirano.
Lembro-me desse momento com tanta clareza quanto de meu primeiro beijo, porque o pensamento era exótico e desconhecido, algo totalmente desconectado de tudo o que passava pela minha cabeça ao entrar no quarto de meu irmão.
Tocar uma música era algo que existia por si só, era uma verdade emocional, e me fez sentir gente de verdade outra vez.
Eu queria desesperadamente que aqueles caras gostassem de mim, que me deixassem entrar no grupo, mas não queria começar qualquer tipo de relação com eles em que fosse apenas o irmão mais novo do craque do futebol.
mas, na minha opinião, nunca houve um nome de banda melhor do que Chrome Roses.
Desde então, a quantidade de drogas que usei daria para ir à lua e voltar várias vezes, mas nem as melhores delas conseguiram se igualar a essa primeira sensação. Nós estávamos tocando. Eles estavam dançando.
Quando se tem catorze anos, fazer promessas é ainda mais fácil que suar demais.
Eu gostava da erva, mas fumar me fazia lembrar da promessa feita à mamãe sendo quebrada mais uma vez... embora eu me consolasse com o fato de que não fumava cigarros nem bebia, então ainda estava acima da média.
A raiva estava guardada para o monstro com quem ela se casou, e essa nunca cessou.
Ele tocava muito melhor do que eu, mas eu já estava acostumado com isso. Afinal, minha carreira no rock and roll começara com Norm Irving.
Eu não tinha nascido para tocar baladas lacrimogêneas (em dó, tenha santa paciência!). Eu era roqueiro, não um caipira borra-botas.
Como na maioria das grandes cidades, havia um ponto onde instrumentistas e cantores se encontravam, contavam piadas, fofocavam e procuravam oportunidades de shows. Para alguns, isso não era fácil (quem tocava acordeão, por exemplo), mas sempre havia bandas em busca de um guitarrista base competente, e eu era um pouquinho melhor que isso.
Estava longe de ser a maneira como eu esperava me reapresentar ao meu antigo ministro e primeiro amigo adulto, mas um viciado na fissura não tem vergonha.
— Você me reconheceu. Eu vi. Como? — Porque sua mãe vive no seu rosto, Jamie. Espero que Laura esteja bem.
— Digamos que existe uma bolsa de valores de drogas. Quando todo mundo começou a fumar crack, o preço da heroína despencou.
De vez em quando — principalmente ao falar dos poderes curativos da eletricidade —, ele tinha algo no olhar que não parecia normal.

