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E essa eletricidade secreta, por mais incrível que seja, é apenas um afluente, que alimenta algo muito mais poderoso, uma energia além da capacidade de compreensão do ser humano.
Mas eu não quero abri-lo. Só quero olhar pelo buraco da fechadura.
Pelo menos, seja homem o suficiente para admitir que está curioso. A curiosidade é um dos grandes motivos de você estar aqui. Você quer saber. Assim como eu. Assim como Prinn.
Às vezes a morte é natural, um ato de misericórdia que dá fim ao sofrimento. Mas em muitos casos ela surge como uma assassina prenhe de crueldade sem sentido ou qualquer vestígio de compaixão.
“Alguma coisa está lá, além da porta, e alguma coisa vai acontecer. Alguma coisa terrível. A menos que eu impeça.”
Eu quero saber o que aconteceu com minha mulher e meu filho. Quero saber o que o universo tem guardado para todos nós assim que a vida se acaba, e pretendo descobrir.
— Eu não posso curá-la. Essas oito doenças que mencionei foram escolhidas porque nenhuma é curável pela eletricidade secreta.
Pretendo descobrir a verdade sobre o que está do outro lado da porta que leva ao Reino dos Mortos. Vou ouvir isso dos lábios de alguém que esteve lá.
É assim que conjuramos nossa própria danação — ao ignorar a voz que nos implora para parar.
Mas o que ele mais queria — acredito nisso de todo o coração — era violar esse mistério, trazê-lo à luz e esfregar na cara do mundo, gritando: “Olhem aqui! Vejam a que as cruzadas e os assassinatos em nome de Deus se prestaram!
A eletricidade secreta nunca me abandonou. Na verdade, ela nunca abandonou qualquer das pessoas que o pastor Danny havia curado.
O pequeno portal precisava de duas chaves para se abrir. Mary Fay era uma delas. Eu era a outra.
Minha cabeça foi tomada por um imenso coral de vozes que gritavam, e entendi que eram todos os que Charles Jacobs tinha curado, mais aqueles fotografados pela câmera dos Retratos com Raios. Não só os que sofreram efeitos colaterais; todos, aos milhares.
O raio destruíra a tranca de uma porta que jamais deveria ter sido aberta, e a Mãe entrou.
A tola miragem da vida terrestre fora arrancada e, em vez do paraíso que os pregadores prometiam, o que os esperava era uma cidade morta de blocos de pedra titânicos sob um céu que, por sua vez, era uma tela.
As coisas-formiga serviam a essas grandes entidades, assim como os mortos nus em marcha serviam às coisas-formiga.
Em algum lugar estava Claire — que merecia o paraíso, mas recebera aquilo: um mundo estéril sob estrelas ocas, um reino-sepulcro guardado por coisas-formiga, às vezes rastejantes, às vezes eretas, cujas caras repulsivas sugeriam rostos humanos.
— Foram servir aos Grandes, no Vazio. Sem morte, sem luz, sem descanso
A garra poderia ter me puxado para aquela boca enorme e me levado para o outro mundo, onde eu sofreria uma punição indescritível por ter tido a ousadia de dizer uma palavra: não
Então me lembrei do revólver. Com certeza ainda havia uma bala para mim, mas isso não seria solução. Talvez fosse, se eu não tivesse ouvido o que a Mãe dissera a Jacobs: “Sem morte, sem luz, sem descanso”.
Eu, porém, preciso conviver com o fato de que parte da minha sanidade se foi para sempre — amputada, como um braço ou uma perna, pelo que vi no leito de morte de Mary Fay.
— Você devia ter parado, Charlie. Você devia ter parado há muito tempo.
Só que também teria que me culpar, porque, assim como ele, eu não parei. A curiosidade é uma coisa terrível, mas é humana.
Imagino as duas deitadas em uma poça de sangue coagulado, enquanto o telefone de Jenny, na bolsa, tocou primeiro, e logo depois o de Astrid, na bancada da cozinha, sob o porta-facas de parede.
No entanto, faz questão de contestar minha conclusão sobre esse cortejo de loucuras, suicídios e assassinatos: que a Mãe exige sacrifícios.
Porque todo homem e toda mulher vão morrer, e a ideia de ir para o lugar que vi fez mais do que lançar uma sombra sobre minha vida: fez minha vida parecer frágil e insignificante.
Eu não sabia exatamente o que Cara Lynne sentira em mim, mas jamais queria ver aquele rostinho tomado de horror de novo.
A cura tinha sido tão verdadeira quanto o atual estado semicatatônico do Con. Agora eu sei. Fui eu quem Charlie enganou, não só naquele dia, mas muitas e muitas vezes desde então.
Enquanto há esperança, há vida.
Mas chegará o dia em que alguma coisa vai acontecer. Alguma coisa sempre acontece. E quando acontecer... Eu irei até a Mãe.

