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Ela suspirou e sorriu para mim. E aquele sorriso… Eu senti um calor no peito, um formigamento se espalhando pelo corpo. Aquilo que sentia quando estava com Ayla… eu nunca tinha sentido nada parecido. Se eu fosse perder isso em breve, precisava que todos aqueles segundos realmente valessem a pena. — Por que a gente não vai? — perguntei de repente, sem conseguir me conter. — Só nós duas, sem o Leo. — Tá falando sério? — Ela arregalou os olhos, mas não de um jeito ruim. Parecia empolgada com a sugestão. Eu sabia que ia me meter numa enrascada se meus pais descobrissem, mas… valeria a pena. —
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Não tem problema, eu gosto de ouvir sobre você. — Então ela corou, percebendo o que tinha dito. A Raíssa ficava com vergonha com frequência. Era fofo até. Eu a invejava porque, mesmo tímida, ela conseguia levar a conversa muito bem. — É que eu não tô acostumada a falar tanto sobre mim. Não sei o que você tem que faz essa mágica. — Me sinto honrada — brincou, fazendo uma reverência.
— É um presente. Não se reclama de preço de presente. — Quem disse? — coloquei as mãos na cintura, fechando a cara. — Eu que tô dizendo — ela respondeu, rindo. — Prometo que não vou te dar mais nenhum presente. Nenhunzinho. — Aff, também não precisa ser tão inflexível — brinquei antes de suspirar e aceitar a sacola. Tirei o Totoro de dentro e o abracei com força. Raíssa riu. — Aproveita seu presente e não reclama. — Não tô reclamando. Pelo contrário. — Com a mão livre, envolvi seu ombro e a puxei para um abraço lateral. — Muito obrigada, eu amei. A felicidade que eu estava sentindo ao lado
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Não queria perder um segundo da nossa tarde juntas. Ela era especial demais para ser esquecida.
Parecia que todo minuto que eu passava com Ayla era de sorrisos.
— Momentos legais não são só momentos felizes — falei, tentando fazê-la me escutar. Eu odiava que ela se resguardasse tanto, que sentisse como se não pudesse compartilhar seus problemas. — Se tudo aí dentro tá um desastre, às vezes é melhor desabafar do que ficar distribuindo sorrisos falsos. Talvez você se surpreenda com o quanto pode te fazer bem.
Ela suspirou e voltou o olhar para mim. Tentei manter uma expressão receptiva e amigável. Queria que ela se sentisse confortável o suficiente para falar comigo, mas não queria pressioná-la. Se negasse novamente, iria respeitá-la.
Eu não queria insistir em falar de algo que claramente fazia tão mal a ela, então, em vez de dizer mais alguma coisa, apenas segurei sua mão, em cima da mesa, tentando lhe passar algum conforto. Esperei que se recompusesse sem dizer uma palavra enquanto acariciava sua mão em consolo, quase involuntariamente. Eu estava assustada com a notícia, mas uma parte de mim também estava feliz. Feliz que Ayla estivesse finalmente se abrindo comigo. Comigo, Raíssa.
Ayla baixou o olhar para as nossas mãos, e foi quando percebi que ainda segurava a sua e fazia carinho nela.
Dizendo o que pensava pela primeira vez.
— Não importa se as pessoas vão se decepcionar. Se você não for verdadeira consigo mesma, a vida perde o sentido.
Eu queria me omitir enquanto tantas outras pessoas estavam lá fora, lutando pelo direito de amarem e serem amadas sem medo?
Enquanto olhava para a expressão agora leve e feliz dela, percebi que nosso dia juntas estava acabando. Estava na hora de contar a verdade para ela, eu sabia disso com tanta certeza que chegava a doer. Mas eu estava pronta. Aquele dia inteiro já estava guardado no meu coração. Se a Ayla nunca mais quisesse olhar na minha cara, pelo menos eu teria aquela tarde para lembrar para sempre. Por isso, assenti para ela e aceitei sua mão. Meu coração palpitou com o toque e acelerou ainda mais quando, ao levantarmos, ela não a largou.
Me peguei torcendo secretamente para que ele ainda estivesse ocupado.
Aquelas duas últimas horas tinham sido incríveis ao lado dela — quase como costumavam ser com o Leo na internet, só que melhor. Os dois eram muito parecidos em personalidade; eram doces, atenciosos e muito divertidos. Mas ali, ao vivo, foi a Ray quem não só supriu minhas expectativas, como também as superou.
Mas com a Ray… Aquilo que sentia quando nossas mãos se tocavam e quando ela me encarava cheia de admiração estava longe de ser uma curiosidade. Era um pouco assustador, mas ao mesmo tempo fazia total sentido.
Eu amei nosso passeio, e amei sua companhia. Abaixei o olhar, envergonhada com a declaração. Envergonhada, porém feliz.
Ela me apoiou, me defendeu, me levou até São Paulo, ouviu meus medos. Eu não queria decepcioná-la. Mas mentir também parecia errado.
— Você é tipo os bad boys de filmes românticos que desvirtuam as mocinhas.
— Dirty Dancing? Me diz que você assistiu. — Vou perder pontos se disser que não? — Muitos. — E se eu disser que obviamente está na minha lista de filmes para assistir antes que a Ayla me mate? Não consegui conter o sorriso. — Perde um pouquinho menos de pontos. — Acho que posso me contentar com isso. — Ela deu uma risadinha. —
Era impressionante como a gente se dava bem, quão fácil era conversar com ela. Era como se a gente se conhecesse havia anos.
Só tava pensando aqui como é curioso que eu me sinta tão conectada a você mesmo a gente nunca tendo conversado antes — o canto da boca de Raíssa se ergueu num sorrisinho
Foi como se as palavras dela fossem a prova de que eu precisava. Antes que eu tivesse tempo de desistir, fechei os olhos, me inclinei na direção dela e encostei os lábios nos seus. Um arrepio desceu pela minha coluna ao mesmo tempo em que um calor começou na barriga e se alastrou pelo meu corpo. Era como um feitiço sendo quebrado, como se eu estivesse despertando depois de anos adormecida. Acordada com um beijo. Raíssa arfou, sobressaltada com minha atitude, e abriu a boca de leve. Ainda podia sentir o gostinho de sorvete de café nos lábios dela, mas havia algo mais. Era como se ela exalasse
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Meu coração ainda batia acelerado no peito. Levei a mão aos lábios, chocada com o que tinha acabado de acontecer. Foi mesmo real? Eu não estava imaginando coisas? Não ia acordar de repente e perceber que tinha sido apenas um sonho? A sensação da boca da Ayla na minha ainda estava ali, fazendo meu lábio formigar e todo o meu corpo ficar dormente. Se eu forçasse a vista, podia vê-la ao longe, correndo em direção ao pavilhão da feira. Será que eu devia ir atrás dela? Isso talvez fosse o sensato a fazer. Mas o que eu ia dizer? Ela tinha acabado de me beijar e fugir. Não tinha certeza do que isso
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— Claro que não, Ray. Eu te amo, você é minha melhor amiga.
— Não tem problema, Ray. Cada um tem seu momento pra se entender e se abrir pro mundo. Eu nunca ia querer que você me contasse por obrigação. Fico feliz que você tenha me procurado pra pedir ajuda e sentido que podia me contar agora. Eu me sinto honrada, de verdade. — Podia ouvi-la fungando do outro lado da linha, e por alguns segundos fiquei ali, com o celular no ouvido, aos prantos, sem saber direito por que chorava, mas sentindo que precisava disso.
Se eu não tivesse que me assumir, sair do armário, lutar para ser respeitada… Se a cada pessoa que eu gostasse eu não tivesse que passar de novo pelo processo da descoberta, de identificar a sexualidade dela, para só então tentar alguma coisa… Se eu não precisasse passar por nada disso, talvez a vida fosse mais fácil.
— Você pode sempre contar comigo. Fico feliz que tenha me ligado. — Te amo. — Eu também. E me dá notícias. — Pode deixar.
— Por que você esconderia o que sente, esconderia quem é, só para satisfazer as expectativas dos outros? Expectativas essas, na verdade, que você está supondo que existam.
— Ay, a primeira pessoa em quem você deve pensar é você. É quem tá aqui — ela cutucou o meu peito — que deve ser sua prioridade. Se você não se cuida, se não ouve seu corpo, seu coração e sua mente, você adoece. O amor-próprio é o alimento da alma. E ser fiel a si mesma, aos seus sentimentos, é a melhor forma de semear esse amor.
E não estou só falando de orientação sexual aqui, vai muito além disso. É tudo que a gente omite, que a gente não bota pra fora, mas que faz parte de quem somos. Se você não se ama, se não aceita quem é de verdade, então vai sempre decepcionar os outros porque nunca vai conseguir se dedicar cem por cento a ninguém. Fingir ser quem você não é consome muita energia. Não vale a pena.
Com a Raíssa, a coisa tinha sido completamente diferente. Como não havia expectativas em relação a ela, tudo fluiu mais do que naturalmente, mas ia além disso: com ela, eu senti a química. Com ela, eu me senti conectada.
Por isso senti uma afinidade tão rápida e imediata com ela. Na Raíssa, eu encontrei o que estava esperando do Leo.
Só sabia de uma coisa: aquela tarde com a Raíssa tinha sido incrível, era o que eu queria fazer. Eu não estava arrependida de nada.
Foi aí que percebi que minha mente já tinha decidido muito antes de mim: eu precisava encontrar a Raíssa.
Quando ela subiu no palco, esqueci por alguns segundos toda a confusão na minha cabeça. Raíssa estava incrível!
Ela falou no microfone como se pertencesse àquele palco, imitando o rei dos elfos com confiança e fazendo toda a plateia urrar de empolgação.
Esses dois dias foram muito massa, Ray. — O Leo abaixou o celular e olhou para mim. — E tudo graças a você. — Ah, para… — Não, é sério — me interrompeu. — Você não tem ideia da importância que esses dias tiveram pra mim. Foi muito além dos jogos. Claro, curti muitas horas do evento e isso vai ficar marcado pra sempre na minha memória, dormi numa cama deliciosa da qual eu provavelmente vou sentir saudade todos os dias, fiz tudo isso com você, o que também teve lá seu valor. — Ele abriu um sorrisinho e deu uma piscadela. — Mas o mais importante é que saí daquela cidadezinha, daquele lugar de
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De vez em quando, lançava olhares nervosos para o Leo, que estava na primeira fileira, na cadeira da ponta, bem perto de onde eu esperava. Quando percebia meu olhar, ele me mostrava a língua, erguia o polegar em um joinha, ou fazia qualquer brincadeira, tentando me motivar. E nessas horas eu sentia uma certa calmaria, como se estivéssemos de volta à nossa cidade, tirando fotos dos meus cosplays por diversão. Mas foi só quando o mediador chamou meu nome, me anunciando como vencedora do concurso, que o nervosismo me abandonou completamente.
Eu amava interpretar, e era uma das poucas coisas em que me achava realmente boa. Eu acreditava no meu talento. E naquele palco, enquanto fazia minha apresentação, eu senti, pela primeira vez em muito tempo, que não estava me escondendo. Aquele não era Arlamian, o rei dos elfos — era a Raíssa Machado, em cima de um palco, interpretando um personagem que amava para uma plateia de quase duzentas pessoas. E me pareceu certo demais.
— Eu entendo, Raíssa — disse ela, se inclinando em minha direção e apontando para si mesma. — Foi por isso que a gente começou a conversar, lembra? E tudo bem você ter criado um perfil masculino, com certeza foi uma decisão mais sábia do que a minha. Mas isso não justifica por que você continuou a mentir pra mim todos os dias por cinco meses. Cinco meses, meu Deus! — Ela levantou as mãos para o céu, irritada. — Com certeza deve ter surgido alguma oportunidade de me contar a verdade.
— Eu menti porque não esperava que a gente fosse virar amiga, Ayla, é isso que eu tô dizendo! E eu continuei a mentir porque quando percebi eu já estava apaixonada por você! —
A Ayla ficou alguns segundos em silêncio. Ela me avaliou com o olhar, e eu senti que havia uma parte dela que queria dizer que entendia, que queria deixar todas as mentiras para trás.
— O problema, Ray — a voz dela estava mais calma agora, mas carregada de uma tristeza que me partiu o coração —, é que eu também me apaixonei. Eu só não faço ideia de por quem.
Se você não for verdadeira consigo mesma, a vida perde o sentido. Por que você esconderia o que sente, esconderia quem é, só para satisfazer as expectativas dos outros?
Mas tudo bem, vou pedir pra Lídia fazer o bolo de laranja que vc gosta Acho que vc tá precisando Vc me conhece bem demais Abri um sorrisinho ao perceber que aquela frase era muito real. E já era hora de eu começar a mostrar o tamanho da minha gratidão pela amizade de Vick e Drica.
Agora que eu estava me assumindo e tinha contado a verdade à Ayla, finalmente estava retomando o controle da minha vida. A sensação era assustadora, mas também incrível. E eu não queria que ela fosse embora nunca mais.
Por mais que eu estivesse triste com a situação com a Ayla, havia, ali dentro, uma força maior que me movia a seguir em frente. A não desistir. E eu estava determinada a fazer alguma coisa — qualquer coisa — para que Ayla me perdoasse.
E uma família se apoia, se ama, se ajuda. Se você não gosta do mar, então a gente não vai mais no mar. E não ficamos tristes com isso. O mais importante é nós estarmos juntos, não é?
Mas aquele momento de apoio, de ter os dois me tranquilizando, fez meu medo da rejeição amenizar um pouco.