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Algum dia ainda escreveria o livro, não uma obra leve e reflexiva como a princípio considerou fazer, mas um trabalho duro de pesquisa, com fotografias e registros.
E, se Al Shockley tivesse ligações com o império de Derwent, então Deus que o ajudasse.
Não gostava do que o Overlook parecia estar fazendo a Jack e a Danny.
A pior preocupação, não mencionada — nebulosa e não mencionada, talvez até imencionável —, era que todos os sintomas de alcoolismo de Jack estavam de volta, um por um… todos, exceto a própria bebida.
Seria até um alívio se ele perdesse a calma, se isso funcionasse como uma válvula de escape,
Mas essas coisas, um traço integral de seu temperamento, haviam praticamente cessado. Ainda assim, ela sentia que Jack ficava cada vez mais irritado com ela ou Danny, mas se recusava a extravasar.
Nunca conseguira entendê-lo muito bem. Danny podia, mas o filho não falava.
Fingindo ler, mas na realidade observando Danny por cima do livro, ela viu nele um estranho amálgama dos modos como ela e Jack expressavam ansiedade.
Danny havia nascido com o saco amniótico sobre a cabeça, uma simples membrana que os médicos viam talvez uma vez em cada setecentos nascimentos; uma membrana que a crendice popular dizia indicar o sexto sentido.
As noites eram o pior de tudo. Odiava as noites e o constante uivar do vento na ala oeste do hotel.
O pai pensava mais em beber. Às vezes, ele se aborrecia com mamãe e não sabia por quê. Andava pelos cantos esfregando os lábios com o lenço, com os olhos distantes e nebulosos. Mamãe se preocupava, e Danny também.
Não parecia haver diferença nenhuma entre PARAFUSOS FROUXOS e CRISE NERVOSA, e tanto fazia chamar de CASA DE LOUCOS ou SANATÓRIO; o lugar ainda tinha grades nas janelas e não o deixavam sair se quisesse.
Danny ainda pensava com frequência naquela história. Às vezes, quando caía ou machucava a cabeça, ou tinha uma dor de barriga, começava a chorar e então a lembrança tomava conta dele, acompanhada do medo de não conseguir parar de chorar, de que continuasse chorando e gemendo
Seu raciocínio estava certo disso, mas, ainda assim, quando pensava em contar aos pais, essa lembrança antiga surgia como uma pedra enchendo sua boca e bloqueando as palavras.
ele queria desesperadamente se ver livre do Overlook.
Estava aqui para escrever sua peça. Para se conformar com a perda do emprego. Para amar mamãe/Wendy.
Só ultimamente o pai começava a ter problemas. Desde que encontrou aqueles papéis.
E o que o pai faria se perdesse o emprego? Tentara ler a mente dele, e ficava cada vez mais convencido de que o próprio pai não sabia.
Ou, se existissem, que se contentassem em esperar por uma presa mais importante e deixassem o pequeno trem de três vagões passar ileso.
As coisas estavam piores agora no Overlook.
E quando permanecessem trancados e à mercê daquilo que até agora estava apenas se divertindo à custa deles?
— Danny — começou a mãe, fazendo a voz o mais casual possível —, você ficaria mais feliz se fôssemos embora do Overlook? Se não passássemos o inverno lá?
— Às vezes — disse ela, com cuidado —, fico pensando que papai também poderia ser mais feliz longe do Overlook.
Os adultos, porém, estavam sempre metidos em conflitos, todas as possíveis ações influenciadas pelas consequências, pela dúvida, pela própria imagem, por sentimentos de amor e responsabilidade.
Toda e qualquer escolha parecia ter desvantagens, e às vezes ele não entendia por que as desvantagens eram desvantagens.
E se você… ele… achar que devemos ir embora, nós iremos. Nós dois iremos embora e estaremos de volta com papai na primavera.
Mamãe, não quero ir para lá. Prefiro ficar no Overlook.
— Não — respondeu ele, sufocando as duas palavras que brotaram dentro da boca, depois da simples negativa: Ainda não.
— Tente fazer Tony aparecer. Agora mesmo. Pergunte a ele se estamos seguros no Overlook.
Sempre lhe parecera um pouco de maldade cortar e transformar um velho arbusto em algo que ele na verdade não era.
Jack era o predileto e, mesmo assim, apanhava quando o pai ficava bêbado, o que acontecia frequentemente.
Mas Jack o amara até onde fora possível, mesmo quando o resto da família só o odiava e temia.
É melhor parar por aqui, advertiu a si mesmo. Você não é mais uma criança. Não precisa deste lugar para constatar o fato.
Sim, havia algo estranho. Na topiaria. E era tão simples, tão fácil de ver, que só ele não percebia.
O coelho estava com as quatro patas na grama. O ventre contra o solo. Mas, há menos de dez minutos, estava apoiado nas patas traseiras, claro que estava, tinha aparado suas orelhas… e sua barriga.
Agora, estava agachado, a cabeça inclinada, a boca parecendo rosnar silenciosamente.
Os dois à direita haviam mudado sutilmente de posição, tinham se aproximado um do outro.
Não estavam mais guardando a alameda; estavam bloqueando ela.
E agora ele imaginou que podia ver indistintos traços de olhos na folhagem também. Olhando para ele.
Curiosamente, todos eles pensavam coisas diferentes, mas sentiam a mesma emoção: alívio. A ponte fora atravessada.
O Overlook enfrentava a neve, como sempre o fizera por aproximadamente três quartos de século, com as janelas escuras forradas de branco, indiferente ao fato de que agora estava isolado do mundo.
O telefone ficara mudo nos últimos oito dias, e o radiotransmissor, no escritório de Ullman, era seu único meio de comunicação com o mundo exterior.
Os três riam muito nesses passeios de trenó em volta da casa, mas o assobio e a voz impessoal do vento, tão grandes e fantasmagoricamente sinceros, faziam suas risadas parecerem pequenas e forçadas.
Encontrara objetos estranhos enfiados no meio das faturas, conhecimentos, recibos. Objetos inquietantes.
Jack tinha a impressão de que essas coisas eram como pedaços de um quebra-cabeça, coisas que eventualmente se encaixariam, se ele pudesse encontrar os pontos certos de ligação.
(Promessas foram feitas para serem quebradas, meu caro redrum, para serem quebradas, partidas, despedaçadas, marteladas. ADIANTE!)
Não havia nada, nada mesmo, neste hotel, que pudesse machucá-lo, e, se tivesse que provar isso a si próprio entrando neste quarto... por que não deveria fazê-lo?
Ela não respirava. Era um cadáver, morto há anos.
Só conseguia esmurrar a porta e ouvir a mulher vindo em sua direção, a barriga inchada, o cabelo seco, as mãos estendidas — algo que ficara morto durante anos, talvez, conservado ali como num passe de mágica.