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Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes.
Uma das minhas preocupações constantes é o compreender como é que outra gente existe, como é que há almas que não sejam a minha, consciências estranhas à minha consciência que, por ser consciência, me parece ser a única.
Ninguém, suponho, admite verdadeiramente a existência real de outra pessoa.
Pensei uma vez, ao comprar-lhe cigarros, que encalveceria cedo. Afinal não teve tempo para encalvecer.
Ver passar a vida sob um dia azul compensa-me de muito.
Os momentos mais felizes da minha vida foram sonhos, e sonhos de tristeza,
A ação é uma doença do pensamento, um cancro da imaginação.
A tortura do destino! Quem sabe se morrerei amanhã! Quem sabe se não vai acontecer-me hoje qualquer coisa de terrível para a minha alma!... As vezes, quando penso nestas coisas, apavora-me a tirania suprema que nos faz ter de olhar puros não sabendo de que acontecimento a incerteza de mim vai ao encontro.
O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.
Vemo-nos e não nos vemos. Ouvimo-nos e cada um escuta apenas uma voz que está dentro de si.
Doem-me a cabeça e o universo.
O meu desejo é de morrer, pelo menos temporariamente, mas isto, como disse, só porque me dói a cabeça.
Eu, porém, não tenho nobreza estilística. Dói-me a cabeça porque me dói a cabeça.
Dói-me o universo porque a cabeça me dói.
Há maneiras de entender que têm maneiras de ser entendidas.
O que tenho sobretudo é cansaço, e aquele desassossego que é gémeo do cansaço quando este não tem outra razão de ser senão o estar sendo.
Nada pesa tanto como o afeto alheio — nem o ódio alheio, pois que o ódio é mais intermitente que o afeto; sendo uma emoção desagradável, tende, por instinto de quem a tem, a ser menos frequente. Mas tanto o ódio como o amor nos oprime; ambos nos buscam e procuram, nos não deixam sós.
O meu ideal seria viver tudo em romance, repousando na vida ler as minhas emoções, viver o meu desprezo delas.
Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma.
Penso se um homem que medita devagar dentro de um carro que segue depressa está indo depressa ou devagar.
Ver é ter visto.
Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente.
Tudo está em tudo.
A procura da verdade — seja a verdade subjetiva do convencimento, a objetiva da realidade, ou a social do dinheiro ou do poder – traz sempre consigo, se nela se emprega quem merece prémio, o conhecimento último da sua inexistência.
É legitima toda a violação da lei moral que é feita em obediência a uma lei moral superior.
Não possuímos nem o corpo nem uma verdade — nem sequer uma ilusão. Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida é oca por fora e por dentro.
A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz — tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.
A alegria que eu teria se visse um dia o sol escarlate. Seria tão meu aquele sol, só meu!
Brinco com as minhas sensações como uma princesa cheia de tédio com os seus grandes gatos prontos e cruéis...
Nunca se viveu tanto como quando se pensou muito.
Nunca deixarei, creio, de ser ajudante de guarda-livros de um armazém de fazendas. Desejo, com uma sinceridade que é feroz, não passar nunca a guarda- livros.
o tédio, embora participe do cansaço, é do mal-estar, e do aborrecimento, participa deles como a água participa do hidrogénio e oxigénio, de que se compõe. Inclui-os sem a eles se assemelhar.
O mundo exterior existe como um ator num palco: está lá mas é outra coisa.
Querer é não poder.
Cessara por completo, como um verão qualquer, a nossa noção ácida de que não vale a pena viver.
Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos.
Na vasta colónia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente.
Manhã, primavera, esperança — estão ligadas em música pela mesma intenção melódica;
o conhecimento da felicidade é infeliz; porque conhecer-se feliz é conhecer-se passando pela felicidade, e tendo, logo já, que deixá-la atrás.
As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.
Todos nós, que sonhamos e pensamos, somos ajudantes de guarda-livros num Armazém de fazendas, ou de outra qualquer fazenda, em uma Baixa qualquer.
fechamos o balanço e o saldo invisível é sempre contra nós.
O Ganges passa também pela Rua dos Douradores.
Se um dia amasse, não seria amado.
Basta eu querer uma coisa para ela morrer.
Vivemos todos longínquos e anónimos; disfarçados, sofremos desconhecidos.
Cosmorama de acontecer amanhã o que não poderia ter sucedido nunca!
O escritório, a casa, as ruas — o contrário até, se o tivesse — me sobrebasta e oprime; só o conjunto me alivia.
Não seria assim se tivesse fé; mas também não seria assim se estivesse louco. Na verdade, se fosse outro seria outro.
A minha alma está hoje triste até ao corpo. Todo eu me doo, memória, olhos e braços. Há como que um reumatismo em tudo quanto sou.