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Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha.
Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pode fazer, porque o Rei de Inglaterra está privado de ser, em sonhos, outro rei que não o rei que é. A sua realidade não o deixa sentir.
O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas.
Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados.
O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos porque se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação.
Cada um de nós é um grão de pó que o vento da vida levanta, e depois deixa cair.
A paz sinistra da beleza celeste, ironia fria do ar quente, azul negro enevoado de luar e tímido de estrelas.
A ficção acompanha-me, como a minha sombra. E o que quero é dormir.
Os desastres dos romances são sempre belos porque não corre sangue autêntico neles, nem apodrecem os mortos nos romances, nem a podridão é podre nos romances.
Nuvens... São elas hoje a principal realidade, e preocupam-me como se o velar do céu fosse um dos grandes perigos do meu destino.
Estou farto de mim, objetiva e subjetivamente. Estou farto de tudo, e do tudo de tudo.
Nuvens... São como eu, uma passagem desfeita entre o céu e a terra, ao sabor de um impulso invisível, trovejando ou não trovejando, alegrando brancas ou escurecendo negras, ficções do intervalo e do descaminho, longe do ruído da terra e sem ter o silêncio do céu.
Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão!
Sabe acaso alguém o que é certo ou justo? Quantas coisas, que temos por belas, não são mais que o uso da época, a ficção do lugar e da hora? Quantas coisas, que temos por nossas, não são mais que aquilo de que somos perfeitos espelhos, ou invólucros transparentes, alheios no sangue à raça da sua natureza!
Tenho uma moral muito simples — não fazer a ninguém nem mal nem bem.
Não fazer bem, porque não sei o que é o bem, nem se o faço quando julgo que o faço. Sei eu que males produzo se dou esmola? Sei eu que males produzo se educo ou instruo? Na dúvida, abstenho-me.
alheia. A bondade é um capricho temperamental: não temos o direito de fazer os outros vítimas dos nossos caprichos, ainda que de humanidade ou de ternura.
Não tenho saudades senão literariamente.
Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.
Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?
Fazer uma obra e reconhecê-la má depois de feita é uma das tragédias da alma.
Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol, e quando não há sol o calor, onde quer que esteja.
A minha fraqueza de vontade começou sempre por ser uma fraqueza da vontade de ter vontade.
A fadiga de ser amado, de ser amado deveras! A fadiga de sermos o objeto do fardo das emoções alheias!
Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.
Considerar todas as coisas que nos sucedem’ como acidentes ou episódios de um romance, a que assistimos não com a atenção senão com a vida. Só com essa atitude poderemos vencer a malícia dos dias e os caprichos dos sucessos.
A vida prática sempre me pareceu o menos cómodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho injustamente condenado.
Agir é reagir contra si próprio. Influenciar é sair de casa.
Primeiro entretiveram-me as especulações metafísicas, as ideias científicas depois. Atraíram-me finalmente as sociológicas. Mas em nenhum destes estádios da minha busca da verdade encontrei segurança e alívio.
O desgosto de não encontrar nada encontrei comigo pouco a pouco.
A vida dos outros só me serve para eu lhes viver, a cada um a vida que me parece que lhes convém no meu sonho.
O sagrado instinto de não ter teorias...
Mais que uma vez, ao passear lentamente pelas ruas da tarde, me tem batido na alma, com uma violência súbita e estonteante, a estranhíssima presença da organização das coisas.
Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma e não de tirar fato.
Ofende-me o entendimento que um homem seja capaz de dominar o Diabo e não seja capaz de dominar a língua portuguesa.
O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.
A minha pátria é a língua portuguesa.
Fingir é amar.
Amamo-nos todos uns aos outros, e a mentira é o beijo que trocamos.
A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis.
Uns gastam a vida na busca de qualquer coisa que não querem; outros empregam-se na busca do que querem e lhes não serve; outros, ainda, se perdem.
Cheguei à janela com os olhos quentes de não estarem fechados.
Fiquei a contemplar tudo com a grande estupidez da falta de sono.
Há dias que são filosofias, que nos insinuam interpretações da vida, que são notas marginais, cheias de grande crítica, no livro do nosso destino universal.
Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade.
Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter; repugná-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
A reductio ad absurdum é uma das minhas bebidas prediletas.
Cada vez que viajo, viajo imenso’.
Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida.
Entendo sem conhecimento, como um cego a quem falem de cores.