Livro do Desassossego
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Read between November 19, 2017 - February 9, 2018
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Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha.
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Posso imaginar-me tudo, porque não sou nada. Se fosse alguma coisa, não poderia imaginar. O ajudante de guarda-livros pode sonhar-se imperador romano; o Rei de Inglaterra não o pode fazer, porque o Rei de Inglaterra está privado de ser, em sonhos, outro rei que não o rei que é. A sua realidade não o deixa sentir.
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O sonho é a pior das cocaínas, porque é a mais natural de todas.
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Na vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados.
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O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos porque se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade, e a hiperexcitação.
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Cada um de nós é um grão de pó que o vento da vida levanta, e depois deixa cair.
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A paz sinistra da beleza celeste, ironia fria do ar quente, azul negro enevoado de luar e tímido de estrelas.
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A ficção acompanha-me, como a minha sombra. E o que quero é dormir.
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Os desastres dos romances são sempre belos porque não corre sangue autêntico neles, nem apodrecem os mortos nos romances, nem a podridão é podre nos romances.
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Nuvens... São elas hoje a principal realidade, e preocupam-me como se o velar do céu fosse um dos grandes perigos do meu destino.
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Estou farto de mim, objetiva e subjetivamente. Estou farto de tudo, e do tudo de tudo.
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Nuvens... São como eu, uma passagem desfeita entre o céu e a terra, ao sabor de um impulso invisível, trovejando ou não trovejando, alegrando brancas ou escurecendo negras, ficções do intervalo e do descaminho, longe do ruído da terra e sem ter o silêncio do céu.
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Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão!
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Sabe acaso alguém o que é certo ou justo? Quantas coisas, que temos por belas, não são mais que o uso da época, a ficção do lugar e da hora? Quantas coisas, que temos por nossas, não são mais que aquilo de que somos perfeitos espelhos, ou invólucros transparentes, alheios no sangue à raça da sua natureza!
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Tenho uma moral muito simples — não fazer a ninguém nem mal nem bem.
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Não fazer bem, porque não sei o que é o bem, nem se o faço quando julgo que o faço. Sei eu que males produzo se dou esmola? Sei eu que males produzo se educo ou instruo? Na dúvida, abstenho-me.
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alheia. A bondade é um capricho temperamental: não temos o direito de fazer os outros vítimas dos nossos caprichos, ainda que de humanidade ou de ternura.
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Não tenho saudades senão literariamente.
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Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.
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Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?
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Fazer uma obra e reconhecê-la má depois de feita é uma das tragédias da alma.
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Feliz quem não exige da vida mais do que ela espontaneamente lhe dá, guiando-se pelo instinto dos gatos, que buscam o sol quando há sol, e quando não há sol o calor, onde quer que esteja.
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A minha fraqueza de vontade começou sempre por ser uma fraqueza da vontade de ter vontade.
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A fadiga de ser amado, de ser amado deveras! A fadiga de sermos o objeto do fardo das emoções alheias!
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Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente.
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Considerar todas as coisas que nos sucedem’ como acidentes ou episódios de um romance, a que assistimos não com a atenção senão com a vida. Só com essa atitude poderemos vencer a malícia dos dias e os caprichos dos sucessos.
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A vida prática sempre me pareceu o menos cómodo dos suicídios. Agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho injustamente condenado.
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Agir é reagir contra si próprio. Influenciar é sair de casa.
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Primeiro entretiveram-me as especulações metafísicas, as ideias científicas depois. Atraíram-me finalmente as sociológicas. Mas em nenhum destes estádios da minha busca da verdade encontrei segurança e alívio.
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O desgosto de não encontrar nada encontrei comigo pouco a pouco.
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A vida dos outros só me serve para eu lhes viver, a cada um a vida que me parece que lhes convém no meu sonho.
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O sagrado instinto de não ter teorias...
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Mais que uma vez, ao passear lentamente pelas ruas da tarde, me tem batido na alma, com uma violência súbita e estonteante, a estranhíssima presença da organização das coisas.
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Por mais que dispamos o que vestimos, nunca chegamos à nudez, pois a nudez é um fenómeno da alma e não de tirar fato.
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Ofende-me o entendimento que um homem seja capaz de dominar o Diabo e não seja capaz de dominar a língua portuguesa.
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O pensamento pode ter elevação sem ter elegância, e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a ação sobre os outros. A força sem a destreza é uma simples massa.
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A minha pátria é a língua portuguesa.
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Fingir é amar.
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Amamo-nos todos uns aos outros, e a mentira é o beijo que trocamos.
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A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos — vis porque são nossos e vis porque são vis.
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Uns gastam a vida na busca de qualquer coisa que não querem; outros empregam-se na busca do que querem e lhes não serve; outros, ainda, se perdem.
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Cheguei à janela com os olhos quentes de não estarem fechados.
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Fiquei a contemplar tudo com a grande estupidez da falta de sono.
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Há dias que são filosofias, que nos insinuam interpretações da vida, que são notas marginais, cheias de grande crítica, no livro do nosso destino universal.
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Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade.
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Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter; repugná-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
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A reductio ad absurdum é uma das minhas bebidas prediletas.
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Cada vez que viajo, viajo imenso’.
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Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida.
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Entendo sem conhecimento, como um cego a quem falem de cores.