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Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão.
Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.
Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades.
A vida é para nós o que concebemos nela.
Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo.
Estou cansado de ter sonhado, porém não cansado de sonhar.
Em sonhos consegui tudo.
Quantos Césares fui, mas não dos reais.
Nenhuma ideia brilhante consegue entrar em circulação se não agregando a si qualquer elemento de estupidez.
Tenho todas as qualidades, pelas quais são admirados os poetas românticos, mesmo aquela falta dessas qualidades, pela qual se é realmente poeta romântico.
Sofro, principalmente, do mal de poder sofrer.
Sou navegador num desconhecimento de mim. Venci tudo onde nunca estive.
Tenho álcool bastante em existir. Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo.
Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém.
dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
Quem sou por detrás desta irrealidade? Não sei. Devo ser alguém.
Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não posso ser.
Só não há tédio nas paisagens que não existem,
Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos.
Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.
Um terramoto e um massacre não têm para mim diferença senão a que há entre assassinar com uma faca e assassinar com um punhal.
Assim é o mundo, monturo de forças instintivas, que todavia brilha ao sol com tons palhetados de ouro claro e escuro.
Não pedi à vida mais do que ela me não exigisse nada.
Busco-me e não me encontro.
Devo fazer da minha alma uma coisa decorativa.
Os que sonham grandemente, ou são doidos e acreditam no que sonham e são felizes, ou são devaneadores simples, para quem o devaneio é uma música da alma, que os embala sem lhes dizer nada.
Não me pode pesar muito o ter deixado de ser imperador romano, mas pode doer-me o nunca ter sequer falado à costureira que, cerca das nove horas, volta sempre a esquina da direita.
Alguns têm na vida um grande sonho e faltam a esse sonho. Outros não têm na vida nenhum sonho, e faltam a esse também.
Se eu um dia pudesse adquirir um rasgo tão grande de expressão, que concentrasse toda a arte em mim, escreveria uma apoteose do sono.
Não sei de prazer maior, em toda a minha vida, que poder dormir.
se. A violência, seja qual for, foi sempre para mim uma forma esbugalhada de estupidez humana.
Depois, todos os revolucionários são estúpidos, como, em grau menor, porque menos incómodo, o são todos os reformadores.
razão, se se acha preocupado com o mal e a injustiça do mundo, busca naturalmente emendá-la, primeiro, naquilo em que ela mais perto se manifesta; e encontrará isso no seu próprio ser. Levar-lhe-á essa obra toda a vida.
Revolução? Mudança? O que eu quero deveras, com toda a intimidade da minha alma, é que cessem as nuvens átonas que ensaboam cinzentamente o céu; o que eu quero é ver o azul começar a surgir de entre elas, verdade certa e clara porque nada é nem quer.
Não posso considerar a humanidade senão como uma das últimas escolas na pintura decorativa da Natureza.
Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.
agir. Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho.
O gato espoja-se ao sol e dorme ali. O homem espoja-se à vida, com todas as suas complexidades, e dorme ali.
Serei sempre da Rua dos Douradores, como a humanidade inteira.
Eu mesmo, que sufoco onde estou e porque estou, onde respiraria melhor, se a doença é dos meus pulmões e não das coisas que me cercam?
Tudo que nos cerca se torna parte de nós, se nos infiltra na sensação da carne e da vida, e, baba da grande Aranha, nos liga subtilmente ao que está perto, enleando-nos num leito leve de morte lenta, onde baloiçamos ao vento.
Tudo é nós, e nós somos tudo; mas de que serve isto, se tudo é nada?
E eu, que odeio a vida com timidez, temo a morte com fascinação. Tenho medo desse nada que pode ser outra coisa, e tenho medo dele simultaneamente como nada e outra coisa qualquer, como se nele se pudessem reunir o nulo e o horrível,
Tudo quanto fazemos, na arte ou na vida, é a cópia imperfeita do que pensámos em fazer.
Senti-me feliz por não poder sentir-me infeliz.
Contento-me, afinal, com muito pouco: o ter cessado a chuva, o haver um sol bom neste Sul feliz, bananas mais amarelas por terem nódoas negras, a gente que as vende porque fala, os passeios da Rua da Prata, o Tejo ao fundo, azul esverdeado a ouro, todo este recanto doméstico do sistema do Universo.
Esta hora poderia eu bem solenizá-la comprando bananas, pois me parece que nestas se projetou todo o sol do dia como um holofote sem máquina.
Uma só coisa me maravilha mais do que a estupidez com que a maioria dos homens vive a sua vida: é a inteligência que há nessa estupidez.
Revejo, com um pasmo assustado, o panorama destas vidas, e descubro, ao ir ter horror, pena, revolta delas, que quem não tem nem horror, nem pena, nem revolta, são os próprios que teriam direito a tê-las, são os mesmos que vivem essas vidas.
A verdade não está com ele nem comigo, porque não está com ninguém; mas a felicidade está com ele deveras.