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Daniel estava surpreso. Depois de longos dez minutos de completo silêncio no carro, e mais alguns segundos no elevador, ele ainda estava surpreso. Mesmo depois de pegar Paulo prestes a avançar para um momento íntimo em seu sofá, o que foi constrangedor o suficiente, ele ainda permanecia no mesmo estado atordoado. Não que Mariana tivesse percebido. Ou, pelo menos, ela não pareceu perceber.
O barulho de seu salto batendo contra o mármore do piso do elevador provavelmente ficaria na mente de Daniel pela próxima semana inteira. Além disso, ela ficava seca. O suficiente para que Daniel quase sentisse medo de falar algo e receber um soco em troca. Por Deus, ela tinha chutado um carro; não seria tão difícil. Não que Daniel já não tivesse feito qualquer coisa parecida antes. Ele tinha. Só não esperava algo assim dela, e muito menos para defendê-lo.
Daniel assentiu, olhando-a com preocupação. — Tudo bem? Ela o fitou. — Por que não estaria? — Porque, sei lá, você destruiu a porta de um carro.
— O que rolou? — Paulo ergueu uma sobrancelha, terminando de fechar os botões da camisa. — Sabe, além de vocês empatando a minha foda. — Da próxima vez, vá para o quarto. — Daniel fez uma careta. — Mariana chutou um carro. — Eu achei que você só voltaria mais tarde! — o ruivo protestou, virando-se na direção de Dias em seguida. — E que porra?! — Eu só queria tomar um banho… — ela bufou, jogando-se no sofá.
— Mari, você não pode chutar a porta do carro de cada pessoa que tentar fazer merda comigo. — Tem razão. Da próxima vez, eu posso chutar a cara. — Então você resolveu me defender? — Te incomoda? — Me surpreende. — Não deveria — ela murmurou, dando-lhe as costas para ir até o banheiro. Daniel piscou, antes de virar-se na direção de Paulo. — Eu nunca quis tanto levar um chute de alguém. E eu nunca vou entender ela.
— Vocês chegaram cedo. Que merda rolou? — Um cara falou merda e batizou a bebida que eu pedi. — Daniel deu de ombros, falando com uma naturalidade que impressionou até mesmo ao Bragança. — Ela destruiu o carro dele. A porta, pelo menos. — Puta merda. E você entrou na coleira dela por isso? — Acho que eu já tava — o loiro murmurou. — Admitir é um grande passo, amigo — Paulo ironizou.
— Trouxeram um lanche pra mim, pelo menos? — Mal comemos também. Vou pedir alguma coisa. — Tem um restaurante vegetariano que faz uma pizza… — Não, eu me recuso a pedir algo em um restaurante vegetariano. — Merda, achei que você deitar pra Mari serviria pra alguma coisa — Paulo grunhiu. — Peça comida japonesa, então.
— Sabe — ele disse, tentando soar o mais casual possível. —, acho que está na hora de termos uma conversa séria sobre algo. — Hm, o quê? — Sobre você ter que se acostumar com certas coisas. Tipo, sei lá, pessoas escrotas. — Não vou me acostumar com isso. — Ela balançou a cabeça, pegando o controle da televisão. — E nem você deveria.
— Tudo bem, foi mal — ela murmurou, enfim. — Ei. — Ele virou levemente o corpo, sentando-se de frente para ela. — Foi foda. Se eu pudesse, teria gravado. Mariana tentou, mas não conseguiu conter uma risada baixa. — Meu chute é bom, você já disse algumas vezes. — Bom saber que não é assim só nos treinos, vou tomar mais cuidado
— Escolhe. Pode pedir porção vegetariana extra. — Não seja legal comigo só porque tá com medo que eu seja processada por, sei lá, vandalismo. — Crime de dano — ele corrigiu, passando os dedos pelos cabelos. — Você pode pegar até seis meses de cadeia, princesa. Ou uma multa. Seria o mais provável. — Como sabe disso? — Eu fiz direito.
— Nunca é tarde demais. — Hm, sei lá. — O loiro deu de ombros. — Não penso muito nisso. E não estudo nada faz muito tempo. — Como se gente inteligente pudesse ficar burra do nada — Paulo grunhiu. — Que fome do cacete.
— Agora vocês sabem conviver em um mesmo cômodo sem pular um no pescoço um do outro? Alguém deveria ter chutado um carro antes.
— Então, você defendeu o Daniel… — ele murmurou, casualmente. — Eu não diria que defendi, só estraguei um carro de alguém escroto. — Que foi escroto com ele. — Faria o mesmo se ele tivesse sido escroto com qualquer amigo meu. — Então, Daniel é seu amigo? Mariana o encarou como se tivesse sido pega no flagra, estreitando os olhos. Paulo precisou se esforçar para não rir, mas foi impossível conter o olhar acusatório e o sorriso ladino. — Não vai doer admitir, sabe.
— Vou escolher um filme de terror. Daniel odeia. — Ele tem medo? — Grita histericamente toda vez. — Por favor, escolha o pior que tiver aí.
— Experimenta. — Ela se inclinou quando percebeu, estendendo o garfo na direção dele. — Eu me recuso. — William, a única diferença é que não tem um animal morto. Você não vai morrer se experimentar. — Não. — É medo de gostar e admitir que eu estou certa? — ela desafiou. — Não enche. Só deve ter gosto de planta. — Eu dizia a mesma coisa. — Paulo balançou a cabeça. — Mas você só puxa o saco da Mariana. — Como se você também não puxasse sempre que ela não tá perto. O loiro arregalou os olhos, e ameaçou atirar uma almofada na direção do amigo. Só não o fez porque o ruivo estava com o prato em
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Em meia hora de filme, Daniel gritou três vezes. O que quase fez com que Mariana lhe socasse a cara. Até o fim do filme, tanto ela quanto Paulo já estavam o mais longe possível dele no sofá. O loiro grunhiu. — Vocês escolheram essa merda de propósito. — Eu não achei que você fosse tão histérico — Mariana bufou, jogando uma almofada nele. — Tipo, você gritou até quando não acontecia merda nenhuma! — Eu achei que aconteceria, tá?! — Daniel se defendeu. — Espero que não peça para dormir comigo, pelo menos — Paulo provocou. — Vocês são ridículos. Odeio vocês. Os abomino.
Ele não discutiu, porque já estava acostumado a não ganhar nenhuma das malditas discussões com Mariana.
— Meu namorado me mima tanto — a menor ironizou, deitando-se no sofá. — Mas ele é um saco. — Vindo de você, acho que é um elogio. — Que besteira, você me adora. — Hm. — Ele se inclinou sobre o braço do sofá, fitando-a. — E o que te faz pensar isso? — Você vive me elogiando como jogadora, e não adianta dizer que não. Eu descobri. — Sou seu treinador, é sua obrigação jogar bem. Mariana ergueu um dedo no ar, pedindo que ele se calasse. — Diz que eu sou bonita. — Você é. Não significa que eu goste de você e da sua companhia. — Você parou de me encher o saco nos treinos. — Faz parte do nosso
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— Vai ganhar o jogo. — Ele a fitou, estreitando os olhos. Mariana se inclinou para olhar a panela que ele mexia, não contendo um suspiro ao ver que ele estava fazendo molho para macarrão. Não que fosse admitir, mas qualquer coisa que Daniel fizesse na cozinha era realmente incrível. — A sua próxima prova é amanhã, ainda dá pra estudar. — Não se eu quebrar o braço ao cair acidentalmente na piscina da cobertura do meu namorado.
A morena revirou os olhos, puxando o celular do bolso para tirar uma foto dele. Havia se tornado uma brincadeira na última semana — postar fotos um do outro nos stories de suas redes sociais. Porque não havia nada como ler os comentários de uma foto de um Daniel falsamente distraído enquanto cozinhava sem camisa. — Vamos ver o que ele vai queimar hoje — ela ditou a legenda da foto enquanto digitava. — Vou queimar a sua cara — o loiro bufou, mas ainda havia um meio sorriso em seu rosto.
Foi o início do que poderia ser uma briga, mas eles voltaram a se falar normalmente depois do jantar.
— Você não vai almoçar comigo? — Perdi a fome. Então era aquilo, ele não finalizaria aquela discussão também. Assim como não finalizou a anterior. Assim como, de acordo com Paulo, ele nunca finalizava nenhuma. Daniel odiava perder uma discussão, mas aquela era a única da qual ele sempre fugia.
Na quinta-feira, Mariana chegou ao apartamento com vontade de chorar. — Eu vou trancar o meu curso — ela anunciou, de novo. Parecia a única coisa que se passava em sua mente desde o início da semana. — Tem torta de chocolate na geladeira. — Daniel apontou para a cozinha.
Havia esses momentos em que Daniel não era apenas suportável ou legal, mas a surpreendia de verdade. Era como se estivesse com o Daniel de dezessete anos outra vez. Nesses momentos, ela começava a se questionar se ele não esteve sempre lá, e a imagem que ela tinha dele, antes de conviverem juntos, não fosse apenas uma parte do que todo o resto do mundo via: uma imagem criada pela mídia. Ou um escudo que ele usava para proteger a si mesmo do que queriam criar dele.
— Sabe, talvez você deva parar de esperar pelo momento em que vão acabar discutindo outra vez — Fernando comentou, durante o intervalo entre o fim do treino do time masculino e o início do treino do feminino. — Vocês estão se dando bem, apesar de discordarem em algumas coisas, isso é legal. São amigos. — É... — ela murmurou, enquanto amarrava o tênis. — Ele ainda enche o seu saco? — Não como antes. — E você enche o saco dele? — Não. — Eu chamo isso de amizade. Caso resolvido.
— Ainda posso perder o jogo. — Se não perderem de sete a um, não é um fracasso.
— Como você se sentiu no sete a um? Ele gemeu. Dolorosamente. — Assunto delicado, podemos mudar? — Só quando você responder a minha pergunta. Daniel respirou fundo, revirando os olhos. — É claro que foi uma merda. Das grandes. Acho que eu não conseguiria explicar apropriadamente como foi. — Se eu perdesse de sete a um, você me odiaria? O loiro a encarou, antes de soltar uma risada leve. — Mariana Dias, eu não diria que é possível existir uma humilhação como aquela outra vez. De qualquer modo, não. Eu não odiaria.
— Você me irrita. — Por ser bonito e verdadeiro? — Por ser tão convencido. — Ela o encarou rapidamente, tornando o olhar para o trânsito à sua frente em seguida. — E um saco. — Deveria ser melhor com quem cozinha e compra tortas pra você. — É o mínimo que um namorado deveria fazer. — E qual é o mínimo que uma namorada deveria fazer? — Ele a olhou, um sorriso folgado tomando conta de seu rosto. Ela estreitou os olhos. — Não sei o que você poderia querer de mim. — Nada — ele disse, após alguns segundos parecendo pensar. — Você está indo bem.
— Dias, se você não sentar a bunda nesse sofá em cinco minutos, eu vou te amarrar.
A morena respirou fundo antes de sentar-se ao lado dele, deitando a cabeça no seu ombro.
Ela assentiu, aconchegando-se mais em seu ombro.
— Não sou tão boa como você. — Tem certeza? Eu tô bem fora de forma.
Eu nunca vou ser a melhor do mundo. — O melhor do mundo que perdeu de sete a um. — Achei que fosse um assunto delicado. — É. — Ele deu de ombros. — Mas ninguém consegue ser foda o tempo inteiro, entende? — Hm, acho que sim. — Mas eu consigo, e na maior parte do tempo.
Mais uma vez, ele a fez rir. Não que Daniel estivesse com muita dificuldade para fazê-lo nos últimos dias.
— Olha, agora vocês também estão atuando dentro de casa
— Tem uma coisa pra você na mesa — ele disse, levantando-se do sofá, mas sem desviar o olhar da tela do celular. Mariana franziu o cenho, indo até a mesa. Havia uma caixa envolta em um embrulho prateado metálico. Ela se apressou em abrir, arregalando os olhos ao ver o que era. Havia um conjunto de luvas e chuteiras novas, e ela não precisava olhar demais para saber que era algo profissional — consequentemente caro. Não combinavam apenas entre si, mas também com o verde de seu uniforme. — Isso é pra mim? — Ela o olhou, com as chuteiras em mãos. — Hm? Não, é pra Vitória. Esqueci de pedir pra
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Ele podia notar que ela parecia relaxar um pouco mais enquanto conversavam, pelo menos.
— Vão perguntar se nós já tivemos algo antes da minha fama. Mariana parou um pouco, antes de assentir. — Duvido. Eu tinha quinze anos, por Deus. — Ah, a adolescência. Os hormônios não perdoam… — o loiro ironizou. — Ridículo. Eu mal olhava para a sua cara. — Você fugia dela, na verdade. — Não gostava de você. — E eu nunca vou entender o motivo.
— Vou deixar você se preparar. Me procure se precisar de algo. As chuteiras ficaram boas? — É a melhor coisa que eu já tive o prazer de enfiar meus pés. Ele riu, inclinando-se para beijar a sua testa antes de se afastar. Mariana ficou atônita demais com o gesto para se importar com os vários gritinhos nas arquibancadas que ele gerou.
Quando o apito soou, ela arranjou qualquer desculpa para não ir imediatamente na direção de seu treinador. Ela se abaixou para amarrar os cadarços da chuteira — que já estavam muito bem amarrados antes. Por que se importava tanto com o que ele diria do seu desempenho no jogo? Era apenas o seu treinador. Nada além disso. — Dias! — ele gritou o seu sobrenome, quase fazendo com que ela se desequilibrasse. Mariana umedeceu os lábios secos antes de se aproximar junto ao resto do time. O mais distante que podia dele, ao lado de Samantha. — Como vocês pretendem não deixar que elas marquem um gol se
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— Inspire contando até cinco, expire em quatro. — Não soou como um pedido. Daniel parecia tão irritado quanto ela, ou apenas nervoso. Ela não tinha como saber. — Vamos, Mariana. Não temos a tarde inteira. Ela conteve um xingamento antes de fazer como ele tinha indicado. — Você não pode… — ela tentou dizer, ao terminar. — Mais uma vez — ele interrompeu, erguendo um dedo no ar para que ela se calasse. Mariana repetiu, irritada. Os olhos claros do loiro não deixaram seu rosto em momento algum. Quando ela ameaçou falar, ele ergueu outro dedo. Mais uma vez. Ele a fez repetir o movimento por cinco
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— Volte para o campo, vão pensar que estou te relaxando de outro jeito.
Quando se separaram, Mariana correu para abraçar Daniel. Ele tentou esconder um sorriso largo, sem muito sucesso. O loiro não se importou se ela estava pingando suor enquanto o abraçava. Ele percebeu que gostava dos abraços de Mariana. Era reconfortante, independentemente do momento em que estivesse. Causava-lhe uma sensação estranha. Verdadeira. Mariana era a pessoa mais verdadeira que ele já tinha conhecido em sua vida. O que, por vezes, fazia com que ele ainda se culpasse por colocá-la em uma situação onde sua vida havia se tornado uma grande mentira. Mas não importava naquele momento. Não
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— Você parece acreditar muito nisso — o ruivo comentou. — Eu a vi treinar por dois meses inteiros, sei até onde ela pode chegar. — Não duvido. Só estou confuso sobre como você se sente com o pensamento de que ela vai estar longe. Daniel grunhiu, abrindo um sorriso na direção de alguns torcedores que ainda tentavam chamar sua atenção. — Como eu deveria me sentir? — Todos esses anos, e você ainda não aprendeu como fingir ser um bom sonso.
— William, estou começando a ficar preocupado com o quão a fim dela você tá. — Paulo ergueu uma sobrancelha.
— Você deveria falar com ela, sabe, como qualquer adulto faz quando tá a fim de alguém — Paulo sugeriu, cruzando os braços. — Você diz como se fosse algo mútuo. Não é, nós dois sabemos disso.
— Preferia que você não fosse tão dramática. — É o meu jeitinho. Daniel sabia. Daniel adorava.
— Minha vida está perfeitamente bem sem que eu leve ninguém para a cama, pode acreditar. — O loiro deu de ombros, recostando-se no assento. — Não era grande coisa, eu estava bêbado demais na maioria das vezes. E não potencialmente interessado em alguém que não o queria de forma alguma. Acontece.
— Preocupada que eu esteja sexualmente frustrado? — Preocupada que eu esteja transformando toda a sua vida pessoal em um inferno. Ah, se ela soubesse. Talvez Paulo estivesse certo em se preocupar com o quanto ele gostava da morena ao seu lado.
— Mas, falando sério, você não faz da minha vida um inferno. Me sinto melhor, até. — Sério? Daniel a olhou. Ele chegou à conclusão de que, definitivamente, estava fodido. — É, sério — ele disse, por fim. — Vamos para casa, Dias. — Pra casa — Mariana concordou.