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Obrigada por tomar todo o meu horário de intervalo no terceiro ano para uma aula sobre o que era Metanoia. Esse livro não existiria sem você — ou, talvez, apenas tivesse um outro título.
Há uma linha tênue entre ser uma pessoa fodida e estar fodido. Quando Daniel William Xavier acordou em um quarto que ele não conhecia, com uma dor de cabeça insuportável, ele soube que poderia ter feito a proeza de ser as duas coisas simultaneamente.
Uma lembrança da vez em que uma garota roubou sua camisa para vender na internet cruzou sua mente. Quanto será que custaria um par de tênis de William Xavier? Muito, ele imaginava. Não seria a primeira vez que venderiam algo seu por um valor absurdo.
Em resumo, William foi um grande filho da puta. Ele foi um fodido. E agora estava fodido na casa de seu antigo treinador. Sim, ele definitivamente havia ultrapassado a linha que separava pessoas fodidas de pessoas que estão fodidas.
Seu olhar desceu pelo corpo do jogador, estando bem longe de ser algo malicioso. Era mais como se estivesse olhando um inseto que acabou de esmagar.
— Meu rosto fica aqui em cima, princesa — ele grunhiu, usando uma mão para se apoiar na parede. Inferno de dor. — Não que seja muito melhor. — Ela rebateu, simplesmente, antes de passar ao seu lado com indiferença. Até mesmo bateu o cotovelo nele.
— Que decadência. — Marcos grunhiu. Realmente.
— Mariana? — ele repetiu. — Aquela morena é, tipo, a Mariana? A sua filha Mariana? Marcos fez uma careta. — Até onde eu sei, eu só tenho uma filha chamada Mariana. Por que a surpresa? Porque, em primeiro lugar, ela estava bonita pra cacete. Não que nunca tivesse sido, é claro. Mas quando Will ainda treinava do time de seu pai, ela só tinha quinze anos, odiava aparecer no estádio para ver os treinos ao lado do pai, e se recusava a olhar para o rosto de William por tempo demais. Além disso, eles não se pareciam em nada.
E ela estava jogando. A mesma Mariana que abominava sequer assistir qualquer treino. É, Will estava surpreso pra caralho.
Porque, pelo resto da noite, ela precisou dar adeus às suas amigas e ajudar um jogador completamente bêbado a não sufocar no próprio vômito. Mariana o odiava. Odiou-o por todos aqueles anos, odiou-o enquanto chamava um Uber para arrastá-lo para casa. Odiou-o enquanto carregava cerca de setenta quilos de músculos até o segundo andar de seu prédio, porque ele era incapaz de andar por si só. Pelas escadas. Odiou-o principalmente no caminho para o banheiro, porque foi quando ele vomitou em seu vestido, no tapete e no corredor. Talvez não tanto quanto o odiou quando seu pai apareceu com uma
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Fernanda rebateu, como se aquilo fosse o suficiente para acabar com a discussão. E realmente era. Não apenas isso, mas também o fato de que William se assumira pansexual em rede internacional ao dar entrevista em um programa, muito antes de começar a sair abertamente com homens. Não apenas uma vez, mas três vezes. E ainda existiam as pessoas que insistiam no contrário.
Se funcionava daquela forma, Mariana apenas torceu para que não acabasse fodida como William.
— Como foi o seu final de semana, querida? — Eu não sei, me diga você — ela provocou, revirando os olhos quando Marcos chutou levemente o seu pé sob a mesa. — Bom, um jogador de futebol mundialmente famoso fodeu… — A boca… — Estragou o meu vestido favorito com vômito. Eu cometi o erro de ter nascido uma pessoa muito legal e bondosa, então o trouxe para casa onde, por acaso, mora o meu pai que resolveu que era o momento perfeito para acabar de destruir a minha vida. Marcos riu, e Mariana quase sorriu de orgulho diante do momento de alegria do pai. — Você é tão dramática. — Aposto que ele vai
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— Ele vai tentar comer alguém — ela exclamou e, desta vez, o mais velho engasgou. — Aposto vinte reais de que vai ser a Cat. Ela e aqueles olhos azuis desgraçados. É bem o tipo que alguém como ele gosta. — Não vou apostar isso com você, e nem deveríamos conversar sobre esse tema. — Sexo? — Mariana. — Putaria — ela rebateu, com um sorriso irritantemente vitorioso.
— Ele é um merda. — Se seu pai confiou o time a ele… — Não, ele não tem potencial. A menos que a habilidade de beber até cair tenha algum valor dentro do futebol.
Ele é egoísta, arrogante, insuportável, ignorante, idiota, ridículo… — Oi, William — Fernando disse. Mariana franziu o cenho, e olhou na direção em que Fernando também olhava. Daniel William Xavier, o próprio. O loiro olhava a cena com os braços casualmente cruzados. Desta vez, pelo menos, ele vestia suas próprias roupas.
Tinha vinte e cinco anos ou oitenta e sete?
— Tente não bater em ninguém, por favor. — Não posso prometer. — Te levo no cinema na sexta-feira se não arranjar problemas. Já que, de acordo com o novo treinador, nós namoramos. Serei o melhor namorado do mundo. — Fechado, namorado.
Posso demorar para lembrar de todos os nomes, mas farei o meu melhor. Porque o cérebro já está derretido demais pela bebida?
— Se ele não sair, eu saio — foi tudo o que ela disse antes de se trancar dentro do quarto.
— Bom, eu achei que ele me odiaria. — Daniel deu de ombros, passando por Paulo para ir até a cozinha. Primeiro, tomou os remédios para dor e outras coisas que estavam impecavelmente organizados sobre o armário. — Mas nos encontramos e ele ofereceu a vaga. Depois que eu fiz questão de vomitar na sua filha e em seu apartamento, aparentemente. Daniel não diria isso para Paulo. O amigo lhe daria um esporro.
A maioria delas se manteve em silêncio o tempo inteiro, apenas seguindo as ordens que gritava. Principalmente Mariana, o que foi uma decepção. Não que gostasse de brigar, mas imaginou que a morena fosse ao menos tentar discutir com ele uma vez. Apenas para ter uma desculpa a mais para colocá-la no banco. Não de forma definitiva. Era um babaca, mas não um babaca burro. Não precisou de muito tempo de observação para perceber que a praga era boa como goleira. Poderia melhorar, mas, para alguém de um time pequeno, era incrível. Incrível. Há quanto tempo ele não usava aquela palavra para se referir
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— Se importa se eu ver o jogo de hoje? — Paulo perguntou, quando se acomodou ao seu lado. Toda semana, ele fazia aquela pergunta. Como se Daniel tivesse o direito de se sentir chateado por alguém querer assistir a um jogo de futebol apenas porque ele não podia mais jogar. — Eu estou treinando um time, ainda acha que o assunto vai me deixar mal? — Não te deixa mal. Te deixa puto. Não era mentira. Mas ele não descontava isso em Paulo, descontava em outras coisas. Talvez fosse isso que Bragança quisesse evitar.
Daniel poderia agradecer pela preocupação. Poderia se sentir feliz em ainda ter alguém que estava com ele por opção, porque Paulo poderia tê-lo expulsado de seu apartamento há muito tempo, mas não o fez. Mas ele só conseguia se sentir ainda mais frustrado em ver que era quase como uma surpresa que ele fizesse qualquer coisa boa.
— Você está mancando. — Não estou. — Will — Paulo grunhiu, e o simples chamar de seu nome doeu mais do que um puxão de orelha. — Você correu, não é? — Não. — O ruivo balançou a cabeça, com o olhar fixo na televisão. — Você mente como uma porta. — E você vai agir como se fosse responsável por mim só porque moramos juntos? Porque você não é. Eu sei me cuidar. — Fodendo com as suas pernas como se já não estivessem fodidas o suficiente?
— Façam meia hora de corrida, sem parar — ele indicou. — Dias, você faz uma hora. As garotas olharam para Mariana, que o encarou como se estivesse assassinando-o mentalmente. Várias e várias vezes, das formas mais cruéis possíveis.
— Daniel, como foi a semana? — Marcos sorriu, claramente empolgado com a presença de William. Mariana revirou os olhos. Era incrível como, mesmo depois de dez anos, as coisas não haviam mudado em quase nada. Marcos ainda enxergava Daniel com tanto carinho quanto antes.
Dessa vez, porém, Mariana não lhe tirava a razão. Passou a tirar no momento em que ele pisou no estádio. Daniel usava óculos escuros, provavelmente para esconder um olho ainda roxo, e tinha um energético em mãos. Parecia ser mesmo a sua bebida de ressacas. — Uma hora de corrida. Agora. — Sua ordem foi breve e simples, quase grosseira. Não houve qualquer cumprimento, nem mesmo para Vitória. Ele geralmente parecia ter algum apreço especial pela capitã do time, mas nem mesmo ela se livrou da arrogância daquela vez. — Mariana, você lidera a fila. Porque, assim, não poderia perder o ritmo em
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— Onde está a sua positividade, Dias? — ela provocou. Mariana precisou se conter para não dizer que estava enfiada em um lugar bastante inapropriado.
— Mariana, você vai correr ou conversar? — Daniel gritou, do outro lado do campo. — Vou deixar o seu outro olho roxo — ela murmurou, baixinho, sabendo que era impossível que ele a escutasse de lá.
Aquela breguice de porto seguro, e todas as palavras que pareciam ridículas demais para que Mariana as dissesse em voz alta. Fernando era aquilo, e sempre seria.
Afinal, era melhor que ele treinasse alguém do que não fizesse nada.
Mariana limpou a garganta e se aproximou dele. Ele abriu os olhos novamente ao escutar a aproximação, e ergueu uma sobrancelha. — Não me mate. — Foi como uma ordem, e não um pedido. — Você conseguiria me impedir se eu tentasse, tem o dobro do meu tamanho. — É, mas você tem um bom chute. Ela tentou não se mostrar surpresa com o elogio. Você tem um bom chute. Isso se aplicava aos treinos também?
— Achei que me odiasse. — Acho que você não merece o tratamento valorizado que tem, não significa que eu fique feliz em te ver assim. — Gosto da sua sinceridade. — Não gosto de nada em você.
— Oi, eu não achei que teríamos visitas. — Ele deixou uma mochila no chão, e passou os dedos entre os fios de cabelo bagunçados. Mariana concluiu que aquele deveria ser o tal Paulo. — William nunca traz ninguém. — E eu continuo não trazendo. Ela invadiu. O sorriso sumiu do rosto do ruivo. — Você parece estranhamente tranquilo com isso. Eu deveria me preocupar?
A morena pegou a própria mochila do chão, preparando-se para deixar o apartamento. — Ei. — Paulo retornou quando estava prestes a abrir a porta. — Nós vamos pedir pizza, já que ele não fez nada para o jantar além de… beber. Você não quer ficar? — Ele não vai gostar. — Meu lema é foda-se o Will. Sim, ela definitivamente gostou dele. — Gosto do seu lema. — Vou te deixar escolher o sabor da pizza só por ter vindo até aqui pra xingar ele.
Vou ajudá-lo a não se afogar na banheira. Propositalmente ou não. Mariana não sabia se deveria se preocupar com aquele comentário, mas apenas se sentou no sofá e pegou o celular do bolso.
Daniel apareceu novamente na sala. Ele ainda mancava um pouco, mas parecia capaz de andar sozinho. E franziu o cenho assim que a viu. — Ainda não foi embora? — Eu fui, mas você é tão obcecado por mim que não consegue parar de me ver
— Foda-se você — ela bufou, e roubou o controle da televisão de volta. — Parece uma lesma pra escolher o que quer assistir. — Perdão, você quer decidir o que eu vou assistir na minha televisão do meu apartamento? — É do seu amigo, e ele gosta mais de mim do que de você. — É aí que você se engana, princesa.
— Peço a pizza com queijo duplo e você vai embora — Daniel propôs, por fim. — Está tentando me chantagear? Porque funcionaria, se ele dissesse que sim. — Estou.
Ficar para jantar havia sido um erro. Um grande e fodido erro. Mariana percebeu isso no momento em que acordou. Na verdade, ela não percebeu. Ela foi bombardeada com a notícia. Com as notícias.
No caso, seu pai estava cortado da foto. Havia apenas a Mariana de quinze anos com um sorriso congelado e desconfortável, e o Will que esbanjava alegria. Do tipo que ele não parecia mais ter.
— Eu nunca levei ninguém pra casa — ele concluiu, por fim. — Essa é a diferença. — Eu invadi o seu apartamento, ninguém me levou até lá.
— Vou negar tudo assim que sair daqui, eu prometo — Daniel assegurou, trocando um olhar com Marcos antes de continuar. — A menos que, sabe, você queira fingir que é verdade. Mariana o encarou. Ela apenas o encarou, esperando que ele dissesse mais. Esperou que ele risse, que soltasse que era apenas uma brincadeira sem graça pra caralho. Não aconteceu. Daniel ainda a olhava como quem esperava por uma resposta — e também como quem estava com medo da sua expressão. — Eu vou chutar as suas bolas. — Olha, nós não vamos perder nada. E, cá entre nós, eu negar não vai adiantar também. No máximo você
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— Positivo para quem?! Ele, não é? Eu não vejo onde dizer que eu namoro com ele poderia ser algo positivo. — Vou acabar me ofendendo — Daniel murmurou. — É para se ofender.
— Você é nojento. — Bom, não fui eu que criei os sites de fofoca. Só faço a parte de sorrir e acenar porque, pasme, descobri com o tempo que não adianta discutir certas coisas com eles. —
Ele parou de falar quando ouviram batidas na porta, e Mariana praticamente correu para atender e puxar Fernando para dentro. — Fala pra eles que eu não vou fingir namorar com ninguém. — Hm? — Seu melhor amigo franziu o cenho, mal tendo o tempo para cumprimentar algum dos presentes. — Por que você faria isso? — Eu não sei!
— Ele parecia bem preocupado com você quando chegou aqui — o mais velho rebateu.
— Além disso, você não precisa apenas seguir as regras dele. — O maior deu de ombros, passando os dedos entre seu cabelo. — Faça as suas, duvido que ele possa se dar ao luxo de te negar algo. — Está me dizendo para encarnar a Mariana Mandona?
— Qualquer coisa você... sei lá. Joga ele de um penhasco e diz que foi acidente.