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O comunismo e a lei agrária julgam resolver o segundo problema. Mas se enganam. O modo como repartem mata a produção. A partilha igual suprime a emulação e, por consequência, o trabalho. É uma partilha feita pelo açougueiro, que mata o que divide. Portanto, não podemos aceitar essas pretensas soluções. Matar a riqueza não é reparti-la.
Queriam o fim das opressões, o fim das tiranias, o fim da espada; queriam trabalho para o homem, instrução para a criança, tranquilidade social para a mulher, liberdade, igualdade, fraternidade, pão para todos, ideias para todos, a edenização do mundo, o Progresso; e essa coisa santa, boa e agradável, o Progresso, eles a reclamavam impacientes, fora de si mesmos; reclamavam-na, terríveis, seminus, de maça em punho e rugidos nos lábios. Sim, eram selvagens; mas selvagens da civilização.
Os revolucionários devem sempre ter pressa; o progresso não tem tempo a perder. Desconfiemos do inesperado. Não nos deixemos pegar despercebidos. Trata-se de passar em revista todas as costuras que já temos feito para ver se elas resistem.
Contrato social,
Que belo espetáculo, o povo reconquistando o direito. A revolução, majestosamente, tomando posse da França
Luís IX ou São Luís, Rei de França (1215-1270) a mais bela figura da Idade Média, cujos feitos foram narrados pelo seu amigo Joinville em sua História. Henrique IV (v. nota 86, p. 189).
Em todas aquelas tormentas, e havia já bastante tempo, interrompera o trabalho, e não há nada mais perigoso que um trabalho descontinuado; é um hábito que se perde. Hábito fácil de se deixar, difícil de reconquistar.
Certa quantidade de sonho é boa, como certa quantidade de narcótico em dose discreta. Acalma as febres, às vezes fortes, da inteligência em ação, e faz nascer no espírito um vapor suave e fresco que corrige os contornos ásperos de puro pensamento, enche aqui e ali lacunas e intervalos, liga os conjuntos e esfuma os ângulos das ideias. Mas, muita imaginação submerge e afoga.
O assassinado que foge é mais suspeito que o assassino; e é provável que esse personagem, presa tão preciosa para os bandidos, não o fosse menos para a autoridade. Em segundo lugar, Montparnasse escapara a Javert.
Os ladrões não param só porque estão nas mãos da justiça. Eles não se incomodam por tão pouco. Estar preso por um crime não impede que se inicie um novo crime.
É doloroso constatar como há um momento em que a miséria desfaz as amizades! Eram dois amigos, são dois estranhos.
Jean Valjean estava feliz no convento, tão feliz que sua consciência começou a se inquietar.
Perguntava a si mesmo se aquela felicidade lhe pertencia de verdade, ou não se compunha da felicidade de alguém mais, por exemplo, daquela criança, cuja felicidade, ele, velho, confiscara e roubara para si.
Não seria isso um furto? Então pensara que aquela criança tinha o direito de conhecer a vida antes de renunciar a ela; tirar-lhe antecipadamente, sem a consultar, todas as alegrias, sob o pretexto de poupá-la de todas as privações, aproveitar de sua ignorância e de seu isolamento para fazer germinar uma vocação artificial era o mesmo que desnaturar uma criatura humana e mentir a Deus.
Resolveu, então, deixar o convento.
Primeiro, fui o mais miserável dos homens, depois o mais desgraçado, e agora terei passado sessenta anos de minha vida de joelhos, terei sofrido tudo o que se pode sofrer, terei envelhecido sem jamais ter sido jovem, terei vivido sem família, sem parentes, sem amigos, sem mulher, sem filhos, terei deixado o meu sangue em todas as pedras, em todas as rochas, em todos os espinhos, ao longo de todos os muros, terei sido amável quando me trataram com severidade, e bom quando todos eram maus para comigo, terei, malgrado tudo, voltado a ser honesto, arrependi-me de todo o mal que fiz, perdoei o mal
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Como contemplava em desesperado arrebatamento o jardim do convento, cheio de flores desconhecidas e virgens enclausuradas, onde todos os perfumes e todas as almas sobem diretamente para o céu! Como adorava aquele Éden fechado para sempre, de onde saíra voluntariamente e de onde descera como um louco! Como lastimava sua abnegação e sua insensatez, trazendo Cosette de volta ao mundo, pobre herói do sacrifício, dominado e aniquilado pelo seu próprio devotamento! Como dizia para consigo mesmo: “Que fiz eu!”.
então, chegou abril, a madrugada do verão, agradável como toda alvorada, alegre como qualquer infância, às vezes um tanto chorão, como todo recém-nascido.
Gavroche
Já viu uma máquina perigosa que se chama laminador? É preciso cuidado com ela, porque é sorrateira e terrível; se consegue prender-lhe a barra do casaco, arrasta-o inteiro. Essa máquina é a ociosidade.
Transformar-se num vadio não é nada cômodo. É muito menos penoso ser homem honesto.
Gavroche, voltando ao lugar em que estava o velho Mabeuf, jogou a bolsa por cima da cerca e fugiu a toda a pressa.
Teódulo Gillenormand.
Thénardier, magistral e fleumático, cauterizou-lhe o escrúpulo dizendo: — Jean-Jacques Rousseau fez muito mais!
A pobrezinha olhou-o, admirada, e recebeu o xale em silêncio. Em certo grau de miséria, o pobre, apalermado, não se queixa do mal, como não agradece o bem.
somente pode haver poder no cérebro; em outras palavras: o que guia e arrasta o mundo não são as locomotivas, são as ideias. Liguem a locomotiva às ideias, mas não confundam o cavalo com o cavaleiro.
O homem não é um círculo com um centro único; é uma elipse com os seus dois focos constituídos pelos fatos e pelas ideias.
Você é o que costumamos chamar de feliz? Pois bem; você não passa de um triste. Cada dia tem seu grande desgosto e sua pequena preocupação.
Os espíritos mais atentos usam pouco desta locução: os felizes e os infelizes. Neste mundo, evidentemente vestíbulo de outro, não existem felizes. A verdadeira divisão da humanidade é esta: os que possuem a luz e os que só têm trevas. Diminuir o número dos últimos, aumentar o número dos primeiros, eis a verdadeira finalidade das coisas.
O sentimento da Revolução é moral. O sentimento do direito, desenvolvido, desenvolve o sentimento do dever. A lei de todos é a liberdade, que acaba onde começa a liberdade do outro, segundo a admirável definição de Robespierre.
Entre os egoístas, os preconceitos, as trevas da educação rica, o crescente apetite dos prazeres, um inebriamento de prosperidade que chega a ensurdecer, o medo de sofrer que, em alguns, vai até a aversão pelos doentes, uma satisfação implacável, o ego tão enfatuado que chega a fechar a alma; entre os miseráveis, a cobiça, a inveja, o ódio de ver os outros alegres, os profundos avanços da besta humana em direção à volúpia, os corações cheios de névoa, a tristeza, a necessidade, a fatalidade, a ignorância impura e simples.
Meu nome é Eufrásia.
A miséria de uma criança interessa a uma mãe, a miséria de um rapaz interessa a uma jovem; a miséria de um velho não interessa a ninguém. De todas as misérias, esta é a mais fria.
Quem quer que tenha na alma uma revolta secreta contra um fato qualquer do Estado, da vida ou da sorte, já está à beira da revolta e, quando esta aparece, começa a tremer e a se sentir levado pelo turbilhão.
A revolta é uma espécie de enxurrada da atmosfera social que se forma bruscamente em certas condições de temperatura, e que, em seu redemoinho, sobe, corre, estoura, arranca, arrasa, esmaga, destrói, desenraíza, levando consigo as grandes naturezas e as mesquinhas, o homem forte e o espírito fraco, o tronco de árvore e o pedaço de palha. Desgraçado de quem é levado ou combatido por ela! Ela os atira um contra outro.
Se formos acreditar em certos oráculos de certa política sonsa, do ponto de vista do poder, um pouco de revolta é até desejável. Motivo: a revolta reforça os governos que não consegue destruir. Põe à prova o Exército, concentra a burguesia, estica os músculos da polícia; ela constata a força da ossatura social. É uma ginástica; é quase uma limpeza. O poder sente-se melhor depois de uma revolta, como o homem depois de uma massagem.
mediação oferecida entre o verdadeiro e o falso; explicação, admoestação, atenuação um tanto altiva que, por estar envolvida em censura e pretextos, se julga a própria sabedoria e não passa de pedantismo. Toda uma escola política, chamada do meio-termo, teve aí a sua origem. Entre a água fria e a água quente, está o partido da água morna. Essa escola, com sua falsa profundidade, completamente superficial, dissecando os efeitos sem remontar às causas, reprime, do alto de sua meia-ciência, as agitações da praça pública.
Paris acostuma-se bem depressa a tudo — não era nada mais que um motim — e Paris tem tanto que fazer que não se incomoda por tão pouco.
Em 1831 interrompeu-se um tiroteio para deixar passar um cortejo nupcial.
Gavroche, aliás, não sabia que, naquela horrível noite de chuva em que oferecera a hospitalidade de seu elefante a dois guris, era para seus próprios irmãos que fizera o papel de Providência. Seus irmãos à tardinha, o pai, de madrugada, eis como passara a noite.
carpes au gras.
Carpes ho gras
Sombra perigosa, cheia de dobras, cheia de atritos desconhecidos e terríveis, onde era medonho penetrar e espantoso permanecer, onde os que nelas entravam tremiam diante dos que os esperavam, onde os que esperavam se assustavam diante dos que poderiam chegar.
Sair dali mortos ou vencedores era a única solução possível; situação de tal modo extrema, trevas tão poderosas que os mais tímidos se sentiam cheios de coragem e os mais corajosos cheios de terror.
Viver sem Cosette era-lhe impossível. Como ela havia ido embora, era preciso que ele morresse. Não lhe havia dado a palavra de honra de que morreria? Ela partira certa disso; portanto, queria a morte de Marius. Além do mais, era claro que já não o amava, uma vez que o havia deixado daquele modo, sem o avisar, sem uma palavra, sem uma carta, embora conhecesse o seu endereço!
nivelar o gênero humano com o direito, que causa pode ser mais justa, e, por consequência, que guerra pode ser mais nobre?
A Rue de l’Homme-Armé
Que são os motins de uma cidade ao lado das tormentas da alma? O homem é um abismo maior ainda que o povo.
O anjo branco e o anjo negro vão lutar corpo a corpo sobre a ponte do abismo. Qual dos dois precipitará o outro? Qual dos dois vencerá?
Jean Valjean, até aquele dia, não se deixara abater pelas provações. Tinha sido submetido a medonhas experiências; e nenhuma forma de infortúnio lhe tinha sido poupada; a ferocidade da sorte, armada de todas as vinditas e de todo o desprezo da sociedade, haviam-no tomado como alvo, lançando-se-lhe ao encalço. Ele não havia recuado, nem se havia dobrado diante do que quer que fosse. Quando necessário, chegara a aceitar todos os extremos; havia sacrificado sua inviolabilidade de homem duramente reconquistada, pondo em jogo a própria cabeça e a liberdade, perdendo tudo, sofrendo tudo, tornando-se
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