A Procura (I)

Há dias indolentes.
Dias longos.
Este foi mais um.
Sabe-me bem entrar em casa e nem sequer acender as luzes, avançar por terreno familiar, ir à cozinha, abrir o frigorífico, tirar uma cerveja gelada, abri-la, ir para a sala…
…acendo a televisão?
Para quê? Para ver repetidamente a mesma coisa?
Além disso está-me a saber bem o quase silêncio, só quebrado pelos barulhos que chegam do mundo lá fora, como uma invasão ao meu. Uma invasão não solicitada nem procurada.
Uma vez que não consigo fugir da cidade resolvo mergulhar nela.
Sento-me na minha varanda, defronte do prédio de fronte, onde as salas estão iluminadas, sempre. Um edifício de escritórios.
A minha cerveja sabe-me bem, gelada, a escorregar pela garganta.
Vejo os carros e as pessoas, poucos, que vão passando na rua a esta hora. A cidade morre à noite, deixando apenas algumas áreas vivas.
Esta não é uma delas.
Ainda assim gosto do brilho quase fantasmagórico que chega a mim e ilumina a minha varanda. Gosto do ritmo e do pulsar desta hora.
No edifício em frente vê-se alguma actividade ocasional. Gente que trabalha até tarde, que negligencia a própria vida em favor de um trabalho que, muitas vezes, nem dá satisfação, limita-se a pagar as contas ao fim do mês…
…e para quê?
Eis que de repente um casal entra na enorme sala de reuniões que está à minha frente. Sentam-se na mesa, pousam os papeis que trazem, sentam-se próximos, falam…
…de estatísticas?
…de números?
…de quê?
Passam assim um longo tempo
Por vezes para observarem algo melhor ficam mais juntos e ele passa a mão por cima do ombro dela. Ela nunca perde a concentração.
Ao fim de um bom bocado ela levanta-se e sai da sala. Ele fica sozinho, debruçado sobre os papéis, desperta a gravata, abre os botões de cima da camisa, põe-se mais à vontade.
Ela volta, trazendo dois copos na mão, presumo que com café. Ele abandona os papéis, encosta-se na cadeira descontraído e aceita um copo da mão dela, dá um gole. Ela senta-se na mesa, ao lado dele, beberricando também. Falam os dois. Ele não tira os olhos dela. Mesmo a esta distância nota-se uma atracção óbvia da parte dele.
Ela solta o cabelo e deixa-o cair ao longo das costas.
Ele olha-a. Levanta-se, chega-se a ela, agarra-a por detrás do pescoço, puxa-a para ele e beija-a. Ela não oferece resistência, antes, abandona-se. Abraça-o.
Quebram o beijo e ela tira-lhe a gravata, desaperta-lhe os botões da camisa, desliza pelo corpo dele, não sei se apenas beijando, se mordendo também, não consigo distinguir na distância.
Quando ela pára, ele despe-a, beijando-a ao longo do corpo à medida que faz deslizar a roupa e quando a tem nua senta-a na secretária, e encosta o seu corpo ao dela, beijando-a.
Observo com curiosidade e inveja o prazer daqueles dois estranhos. Projecto-me. Queria estar ali, queria ser ele. A minha cerveja jaz abandonada no parapeito e é-me impossível desviar o olhar.
Ele desliza pelo corpo dela, senta-se à sua frente e enterra a cabeça no meio das suas pernas. Ela apoia os pés nos ombros dele e arqueia as costas para trás. Apoia os cotovelos na secretária e olha-o. Mesmo a esta distância quase sinto a luxúria e o prazer na expressão dela. Sei-a ofegante, vejo os seus espasmos, vejo o orgasmo que ela lhe dá.
Ele levanta-se a seguir. Quere-a, de certeza. Eu quero-a e não estou lá…
Ela deita-se na secretária de barriga para baixo, ele agarra-lhe as ancas e entra nela por detrás, devagar, primeiro, mas com uma subida de intensidade, de desejo, até se sentir à vontade para se soltar.
Vejo o orgasmo dele e vejo-o sentar-se cansado. Repousam os dois um pouco e vejo-os em seguida a vestirem-se novamente, aprumarem-se, a procurar eliminar qualquer indício do que se tinha ali passado.
Por fim agarram nos papéis e saem da sala.
Eu tenho a boca seca. Acabo de beber a minha cerveja.
Já não me apetece a calma, nem o silêncio. Saio de casa e entrego-me à cidade…
…em busca de algo…

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Published on July 01, 2015 05:14
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