Seven Seconds
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Série – criação de Veena Sud – EUA – 2018.
Nesses tempos em que se debate a violência da polícia e o racismo estrutural, não dá para perder Seven Seconds. A obra ficcional delineia com muita clareza, por meio dos dramas pessoais de seus personagens, como o racismo impregna as instituições e as relações sociais e dali se aloja nos corações e nas mentes dos indivíduos. Mostra também como o racismo, ladeado pelo machismo e homofobia, atuam como ferramentas de imposição de poder nas mais distintas esferas, desde a política, passando pela justiça e pela polícia, até a disputa territorial em bairros empobrecidos.
Brenton Butler, jovem negro de dezesseis anos, é atropelado e abandonado sem socorro em um parque de uma zona pobre em Jersey City, na margem oposta (em relação a NY) do rio Hudson. Dali se vê a estátua da liberdade de costas, ângulo mais do que simbólico para Brenton, sua família e seus amigos. O inverno – o frio, o céu gris e a neve branca que encobre tudo – e o sangue que mancha a neve, também são elementos visuais e simbólicos muito bem explorados na série. Os clichês são utilizados em Seven Seconds de maneira inteligente. Inseridos nas condutas e diálogos dos personagens, a obra mostra como falas e comportamentos prontos, repetidos muitas vezes, engessam o pensamento das pessoas e tornam-se “verdades”. São esses clichês que disseminam os preconceitos. Um exemplo é o raciocínio de que um jovem negro, naquele local e àquela hora, só poderia estar traficando e que sua morte foi fruto de uma disputa entre gangues. Nem mesmo Joe Rinaldi, o policial mente aberta, consegue escapar da armadilha desse clichê.
Há duas personagens femininas muito fortes: a promotora do caso (Clare-Hope Ashitey) e a mãe do rapaz atropelado (Regina King, premiada com o Emy por sua interpretação). A dinâmica entre a dupla que investiga o caso é muito bem construída: KJ, promotora negra, e Rinaldi (Michael Mosley), policial branco, são loosers de primeira, cometem inúmeros erros pessoais e profissionais (principalmente KJ) e mesmo assim emanam força, calcada na dignidade e nas próprias fragilidades. A relação entre eles começa tensa e evolui, sofisticadamente, para uma ligação muito especial.
[image error]KJ e Rinaldi no pântano do racismo estrutural.
Vale mencionar que o nome da vítima, Brenton Butler, é homenagem ao jovem negro acusado injustamente de assassinato no ano 2000 na Flórida. Caso que ganhou notoriedade e foi retratado no documentário oscarizado Assassinato numa Manhã de Domingo do diretor francês Jean-Xavier de Lestrade. Seven Seconds também leva emprestados do caso real o ambiente religioso da família Butler e a integridade da dupla de defensores públicos que cuidou do caso.
Seven Seconds é uma série original da Netflix, baseada no filme russo The Major, de Yuri Bykov. Foi criada como um seriado para várias temporadas e cancelada após a primeira, provavelmente pelos números modestos de audiência. Acredito que se fosse lançada nos dias de hoje, após os casos de violência policial de racismo explícito que incendiaram protestos e suscitaram o debate sobre o racismo estrutural, teria merecidamente maior repercussão.