Mignonnes
Filme de Maïomouna Doucouré – França – 2020.
Mignonnes é um filme sensível sobre uma pré-adolescente, e sua jornada de autodescoberta em meio a vários conflitos: o choque cultural entre seu lar de origem senegalesa/muçulmana e a França ocidental onde vive; o casamento de seu pai com uma segunda esposa e o sofrimento da mãe; o choque geracional entre Amy, sua mãe e uma tia mais velha; e o conflito central – sua vontade de ser adulta, sendo ainda menina.
A ideia surgiu após Maïomuna assistir a uma apresentação de dança em um encontro de bairro. Achou a dança inadequadamente sensual para a idade das meninas-dançarinas. Fez uma pesquisa com pré-adolescentes e descobriu que as redes sociais tem um duplo papel na adultização das meninas: o estímulo pelo acesso facilitado a conteúdos pop com carga erótica e a popularidade gerada ao postarem fotos e vídeos em poses sensuais. A essa temática, agregou sua vivência como pré-adolescente, o que resultou num filme autêntico e provocador que questiona o papel da mulher tanto em sociedades tradicionais/religiosas como no livre mundo ocidental.
[image error]Fathia Youssuf, como Amy, escolhida entre outras 700 meninas.
A sensibilidade e o cuidado ao retratar o universo pré-adolescente multirracial e multicultural de Amy também foram aplicados no trabalho com as jovens atrizes. Além de decupar o filme de maneira a construir sua principal carga erótica na montagem, Doucouré teve cuidados especiais com o elenco juvenil, com longas conversas sobre os temas, a participação dos pais e um acompanhamento psicológico que iniciou antes das filmagens e durou até após o lançamento do filme.
Ironicamente, Mignonnes sofreu uma campanha de cancelamento nas redes. Acusaram-no de incentivar a pedofilia com base no cartaz de pré-lançamento na Netflix e do título em inglês Cutties (Lindinhas, em português). Se nos EUA houve um movimento de boicote ao filme e à própria Netflix; no Brasil, a organização Templo Planeta do Senhor entrou na justiça para bani-lo (sem sucesso) e a pasta de Damares acionou o Ministério Público para pedir sua exclusão da plataforma de streaming, alegando que o filme apresenta cenas de pornografia infantil, o que prova que ninguém ali o assistiu. A Netflix trocou o cartaz (acertadamente), a sinopse (equivocadamente) e retornou ao nome original. Mas não retirou o filme. Ao contrário, incluiu na plataforma um depoimento da diretora falando sobre o problema da erotização precoce e o caráter de denúncia da obra.
Mignonnes foi premiado no Festival de Sundance com Melhor Direção. É um filme de estreia poderoso pelas questões que aborda, pela maneira de filmar e principalmente pelas interpretações, com destaque para Fathia Youssouf, como Amy, e para Médina El Aidi-Azouni, ambas também estreantes no cinema.