Bárbara Aroucha's Blog, page 2
February 8, 2015
Eu mato gigantes by Joe KellyMy rating: 5 of 5 starsPôs-m...

My rating: 5 of 5 stars
Pôs-me quase a chorar. Maravilhoso, tocante e verdadeiro. A fantasia e a realidade unem-se no mundo de uma pequena jovem, Barbara, numa tentativa de a ajudar a enfrentar a vida, a qual, como sabemos, nem sempre é fácil.
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Published on February 08, 2015 14:31
Imemorável
Ela tem o tipo de cara que é difícil recordar, quanto mais descrever. Apenas sei dizer que tem uns olhos grandes e profundos, daqueles que te perfuram até à alma. Se são azuis ou verdes, não consigo esclarecer. Esperem, ou será que estão mais próximos do castanho? O cabelo anda entre o dourado, penso. O tom de pele é claro, disso tenho a certeza! Mas, voltando ao cabelo, talvez seja arruivado. Arre! Estão a ver a minha frustração. Querer invocar o rosto daquela em que penso todos os dias, várias vezes, e não ser capaz de o fazer com clareza. No entanto, assim que nos encontramos, por norma na pastelaria preferida dela, embora não toque em nenhum dos bolos, delicia-se com o aroma que enche o local; quando a vejo, reconheço-a de imediato, com aquele “Ah! É ela.”.
Em relação à forma do seu corpo, nem longe, nem estando mesmo à sua frente, consigo perceber se é magra ou se possui aquela camada saudável sobre o corpo, que torna agradável o toque. Reconheço que não é gorda, definitivamente. Agora, ora me dá a impressão de ser muito magra, ora parece-me mais cheiinha. Talvez dependa da perspectiva… O que não deixa de ser estranho. Apetece-me pedir para que se dispa e permaneça de pé, enquanto eu a observo a uma certa distância, de vários ângulos. E não estou aqui a expressar nenhuma inclinação para o voyeurismo, atenção! É puro fascínio e interesse em descodificar este misterioso véu que a encobre, muito embora ela me atraia fisicamente, não é essa a questão. Como posso eu iniciar um relacionamento com alguém que nem consigo descrever? E se, um dia, ela desaparece e seja necessário descrevê-la à polícia, tipo aqueles depoimentos que se vêem nos filmes? Digo-lhes o quê, que é bonita e de sorriso carismático? Bonita, embora não do género que faz parar o trânsito? Que a sua conversa gira sempre em torno da complexidade emocional do ser humano? Não estou a ver como isso possa ser de grande ajuda. Sempre lhes posso entregar uma fotografia, é verdade. Pergunto-me se lhes acontecerá o mesmo que eu: reconhecem-na ao fitá-la, mas a imagem torna-se confusa no instante em que desviam o olhar.
Às vezes questiono-me se não me apaixonei por uma imagem irreal, um fantasma criado pela minha mente a fim de tornar os anos solitários mais tolerantes. Essa ideia atemoriza-me, mas não consigo pô-la totalmente de parte. Passo despercebido; nem o meu aspecto, nem as minhas conversas contém qualquer profundidade ou interesse. Para ser sincero, ela fala mais do que eu. Deixo-me simplesmente arrebatar pela sua mente demasiado cheia e rápida para a fala, atropelando-se ou deixando uma frase a meio. Ela não parece importar-se, rindo e sorrindo, inclinando a cabeça quando eu, timidamente, digo qualquer coisa. De facto, se não for produto da minha mente, qual será o seu interesse em encontrar-se comigo? Porquê perder o seu tempo?
O seu toque parece-me o de uma pessoa real. Será que a imaginação pode ser forte o suficiente para criar tão intenso estímulo em mim? Beijei-a, por incrível que pareça. Não faço ideia de onde fui buscar tamanha coragem, já que continuo a achar que sou uma mera sombra em relação a si. Ela deixou-se levar, suave, tímida. Os lábios quentes afastando o frio lá de fora. Eram doces. Fui embora de repente, não sei bem o que se passou, não me lembro do tempo a seguir àquele beijo. Parece que fiquei preso àquele momento, encantado ou enfeitiçado, não sei. Contudo, continuámo-nos a ver, e a trocar beijos carinhosos e apaixonados. Às vezes, sabia-me a chocolate, embora eu não a visse a comer chocolate. Às vezes sentia o cheiro a canela no seu pescoço. Truques para me atrair? Talvez. Estão a funcionar, embora continue a não ser capaz de recordar as suas feições, quando estou longe.
Agora, traz sempre aquele homem consigo. Disse-me que era apenas um bom amigo e queria que eu o conhecesse. Não gosto nada dele, sinceramente. Fala mais do que ela, como se isso fosse possível! E eu sinto-me posto de parte, o que me irrita. Todavia, nunca lho digo, não sou capaz de ser sincero e avisá-la o quão aborrecido toda esta relação a três me deixa.
Ela já nem olha para mim, e eu aqui, mesmo à frente. Parece não me ver; só o vê a ele. Ela merce alguém melhor, para ser sincero. Bem, mas se é para ser realmente sincero, ele é melhor do que eu. Em todos os aspectos. Por isso é que ela o está a beijar. Então e eu?! Eu estou mesmo aqui!
Mas não estou. Não. Agora percebo. Não é ela o fruto da minha imaginação, eu sou o dela. Ou sou um fantasma, perdido na sua caminhada para o outro lado, apaixonado por ela. Um ou outro, nem interessa, pois começo a desaparecer. Quem me dera que a minha última imagem não fosse a vê-los beijarem-se. Que deprimente! Será que ela sabe realmente a chocolate, e cheira a canela? Estou mesmo nas últimas, sinto-me mais leve, como fumo suave. Não quero ir. Não quero que ela fique. Passei todos aqueles anos sozinho; não sei se morri ou se fui conjurado pela sua mente, mas este foi o melhor período da minha existência. Obrigada.
Será que vou ser capaz de me recordar do seu rosto?
Published on February 08, 2015 06:33
Estas Hormonas Deixam-me Louca! by Marcela ForjazMy ratin...

My rating: 4 of 5 stars
Prático e com muita informação clara. Para todas as etapas da vida de uma mulher, definitivamente a ser consultado ao longo da sua vida. Gostava era que existisse mais luz sobre a SPM, de ver um não-conformismo e uma investigação profunda como as escolhas diárias, o estilo de vida, a possam influenciar. Adoro a atitude da autora, acentuando que nós podemos, sim, ganhar o controlo sobre estas hormonas poderosas, embora não seja fácil. Ainda, parece-me, há um longo caminho a percorrer para atingir o equilíbrio do bem-estar feminino, contudo, livros como este, sem preconceitos, ajudam nesta jornada. Falta-lhe só o lado mais espiritual, a indicação de como actividades meditativas e holísticas podem, e têm, um impacto positivo nas loucas hormonas!
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Published on February 08, 2015 02:50
February 2, 2015
As serpentes de água by Tony SandovalMy rating: 5 of 5 st...

My rating: 5 of 5 stars
Como explicar? Confuso, sedutor, mórbido, sangrento, belo.
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Published on February 02, 2015 10:47
O que faz dela uma Princesa
Aquela criança nos seus braços era tudo o que ela imaginava, assim como tudo o que esperara evitar. Toda a sua vida, em criança e depois, como mulher, fizera menção de afirmar que não, não tinha nos seus planos ser mãe. Nem agora, nem no futuro, “quando conhecesse o tal”, como insistiam em afirmar com um sorrisinho condescendente. Aquela pequena menina, a fazer dois anos naquele dia monótono de Outono, provocava nela o descomunal amor e o sufocante amor que sempre quisera evitar. Desejava, no entanto, viver um amor cúmplice e… algo mais que só os casais apaixonados conheciam, com o “tal”. Saíra-lhe tudo ao contrário. Não tivera amor algum, mas tinha tido a criança. Amaldiçoou o Universo, e amaldiçoou-se por ter seguido aquele instinto carnal e espontâneo com um homem arrogante que não conhecia de lado nenhum. Observando a menina adormecida, questionou-se porque não tinha interrompido a gravidez na altura certa. Uma luz azul brilhante chamou a sua atenção. “Ah. Por causa deles.” Cerca de duas dúzias de pequeníssimos homenzinhos azuis reuniam-se na cómoda branca do quarto. Tinham orelhas pontiagudas, olhos negros e demasiado grandes, caudas que arrastavam atrás de si e provocavam tropeções. Esticavam os seus pescoços finos na sua direcção e brilhavam devido à intensa ansiedade. Ana aproximou os braços dos pequenos seres, que sorriram e ergueram as mãozinhas de três dedos até à filha abençoada. Haviam aparecido no auge do desespero da mulher, cujas lágrimas incessantes a encharcavam e torvavam a vista. Correram para ela, reconfortando-a sem vergonha ou receio. As lágrimas de Ana pararam com o espanto, e a mulher secou os olhos e assoou o nariz entupido e sujo. Sem palavras, os pequenos homens azuis apaziguaram a sua alma e encheram-na com uma serenidade maravilhosa. Alguns deles treparam até ao seu pescoço, onde a abraçaram o melhor que conseguiam com os seus finos braços; outros pegaram nos seus dedos frios e afagaram-nos olhando-a com empatia; e os restantes subiram até à sua barriga ainda sem volume notório e beijaram-na. Percebeu de imediato que os estranhos seres estavam ali pela criança. E por ela, sussurrou sem voz um dos homens que se esticava todo no seu ombro.
Desde então que as criaturas, invisíveis ao resto do mundo, a seguiram e ajudaram durante a gravidez, e após o parto. Estavam sempre por perto, sempre prontos a ajudar, ora entretendo a pequena Inês, ora cozinhando para mãe e filha. Aliás, uma das actividades preferidas destes homenzinhos era observar as humanas a comer. Faziam verdadeiras refeições vegetarianas, repudiados por tudo o que era carne, e saborosos bolos. Riam-se com harmonia ao verem a bebé sujar-se com a comida e petiscavam dos pratos de ambas, sendo que apenas necessitavam de algumas migalhas para ficarem satisfeitos. Quando Ana precisava de silêncio para trabalhar, os homenzinhos fechavam-se no quarto com a protegida. De facto, a mãe habituara-se a confiar tanto neles que saía de casa e deixava a filha ao seu cuidado. Por vezes, contudo, chegava a casa e deparava-se com uma rebaldaria assustadora, repreendendo-os por se comportarem pior do que a criança. Arrependia-se no instante seguinte e desculpava-se perante os olhos tristes e culpados. Eles faziam tanto por ela.
Quando saíam, os pequenos homens azuis seguiam-na entre saltos, brilho e correrias, sempre perto dos seus pés. Mais ninguém parecia dar por eles, o que a levara a questionar a sua sanidade. Inês parecia vê-los tão bem quanto ela, rindo-se das suas formas peculiares e imagem semelhante a bonecos. Certa vez tentara abordar o assunto com uma colega, mas a coisa não correra nada bem e Ana não se atrevia a passar por maluquinha nem mais uma vez. Talvez fosse stress pós-parto. E, se fosse isso, ajudava-a tanto que era mais uma bênção do que stress. Eram uma companhia, ajuda e pequenos poços de amor e conforto. Nos dias e nas noites mais difíceis, quando uma tristeza assombrosa e sufocante a inundavam, os homenzinhos dividiam-se: metade dedicava-se à criança, num quarto à parte, enquanto a outra metade se aninhava na humana angustiada. A solidão sobrepunha-se à existência dos minúsculos ajudantes, da filha e dela própria. A sua mente tornava-se fonte penosa de tortura, não sendo capaz de sentir para lá do vazio e o do medo. Numa tentativa frustrada, os homenzinhos brilhavam perto dela, como se esperassem que a luz dos seus corpos azuis a ancorassem à realidade, os seus pequenos corações partilhando o sofrimento. Era difícil ser mãe, principalmente quando não havia a figura de um pai por perto. Ana recebia alguns olhares confusos, preocupados e até preconceituosos, principalmente da sua família. Os outros lidavam bem com a sua repentina gravidez e vida de mãe solteira, pois nada tem grande impacto quando acontece aos outros. A sua família, apesar do apoio, desejava que Ana arranjasse alguém que com ela formasse um casal e, enfim, acabasse com a temida questão “de onde vem o bebé?”. Havia o Pedro, insistia a mãe de Ana. Qual Pedro? Aquele amigo do teu irmão, que dançou contigo no casamento, lembraste-te? Estava encantado contigo e era simpático. Sim, era simpático, concordava Ana, desanimada com a ideia de ter uma relação baseada na simpatia. Aqueles três dias foram o suficiente para perceber que a extrovertida e espalhafatosa personalidade do simpático jovem não a atraíam de forma alguma. Nada se comparava à misteriosa força do amor.
Oito anos passaram, e Ana e Inês continuavam com os seus pequenos guardiões a seu lado. A presença daqueles pequenos soldados brilhantes acalmava o medo da mãe, que vivia com o coração nas mãos sempre que a filha construía o seu lugar longe dela, num mundo onde não a podia proteger. No entanto, por mais habituadas que as duas humanas estivessem daquela protecção misteriosa, por vezes perguntavam-lhes de onde vinham e por que razão ali estavam. Na sua típica forma de comunicarem sem palavras, os homens brilhavam e fitavam as protegidas intensamente. Princesa. Princesa. Princesa. Princesa. Soava repetidamente nos ouvidos das humanas. Referiam-se à pequena Inês, a qual viera a desenvolver, talvez devido àquela estranha convivência, um certo brilho próprio e uma certa telepatia que a tornava, por momentos, ausente do mundo. As suas vidas continuaram sem mais respostas. Ana conformara-se com o seu estado perpétuo de solteira, sendo sobressaltada por uma melancolia intensa uma vez por outra, quando a solidão apertava. Afinal, não era justo ser a única a não experienciar aquela partilha romântica, nem o companheirismo sóbrio de um casal. Nessas alturas, lá vinham os seres, brilhando intensamente e falando da princesa magnífica que estava a crescer e da magnífica essência corajosa e bondosa que ardia dentro da mãe.
Só anos mais tarde, no 16º aniversário de Inês, ficaram a conhecer mais sobre os misteriosos e minúsculos seres brilhantes de pele azul, assim como delas próprias. Chegavam a casa depois de um dia exclusivo para mãe e filha, terminando-o com uma sessão de cinema, e comentavam a euforia anormal dos seus amigos. Riam, dançavam, tilintavam. E perguntavam, com insistência, “O que faz dela uma princesa?”. A pergunta era feita num tom cantante e feliz, como se entoassem uma cantilena de criança. Entoavam-na quando as duas humanas chegaram à entrada do apartamento e Inês pediu para que se calassem; cansada como estava irritava-a aquele eco na sua mente. Colocou a chave na ranhura e um brilho azul passou pela porta e iluminou o corredor. As criaturas estavam histéricas, cantado cada vez mais alto, “O que faz dela uma princesa? O que faz dela uma princesa?”. Ana rodou a chave, abriu a porta e deparou-se com o que parecia ser um portal vibrante e azul. No seu estado de incrédula surpresa, sentiu a mão fria da filha na sua, o toque despertando-a do transe.
“O que faz dela uma princesa, mãe?”
Ana fitou a filha, a qual partilhava aquele brilho. Os seus cabelos compridos e ondulantes tinham absorvido o azul dos homenzinhos, que saltavam, felizes, portal adentro. Inês repetiu a pergunta. Ana recordou as palavras que os homenzinhos azuis lhe repetiam quando sentia a dolorosa solidão pesar-lhe no coração, palavras que pensava serem meras tentativas de conforto.
“Coragem, independência, bondade e amor universal.” Repetiu, pela primeira vez, a mulher que só conhecia um tipo de amor, amor pelo Todo.
A filha sorriu e, com um puxão, levou a mãe atrás de si, para um mundo de flores brancas e relva azul, cujo povo esperava pela sua princesa e rainha, senhoras de um coração grande o suficiente para amarem cada um deles.
Desde então que as criaturas, invisíveis ao resto do mundo, a seguiram e ajudaram durante a gravidez, e após o parto. Estavam sempre por perto, sempre prontos a ajudar, ora entretendo a pequena Inês, ora cozinhando para mãe e filha. Aliás, uma das actividades preferidas destes homenzinhos era observar as humanas a comer. Faziam verdadeiras refeições vegetarianas, repudiados por tudo o que era carne, e saborosos bolos. Riam-se com harmonia ao verem a bebé sujar-se com a comida e petiscavam dos pratos de ambas, sendo que apenas necessitavam de algumas migalhas para ficarem satisfeitos. Quando Ana precisava de silêncio para trabalhar, os homenzinhos fechavam-se no quarto com a protegida. De facto, a mãe habituara-se a confiar tanto neles que saía de casa e deixava a filha ao seu cuidado. Por vezes, contudo, chegava a casa e deparava-se com uma rebaldaria assustadora, repreendendo-os por se comportarem pior do que a criança. Arrependia-se no instante seguinte e desculpava-se perante os olhos tristes e culpados. Eles faziam tanto por ela.
Quando saíam, os pequenos homens azuis seguiam-na entre saltos, brilho e correrias, sempre perto dos seus pés. Mais ninguém parecia dar por eles, o que a levara a questionar a sua sanidade. Inês parecia vê-los tão bem quanto ela, rindo-se das suas formas peculiares e imagem semelhante a bonecos. Certa vez tentara abordar o assunto com uma colega, mas a coisa não correra nada bem e Ana não se atrevia a passar por maluquinha nem mais uma vez. Talvez fosse stress pós-parto. E, se fosse isso, ajudava-a tanto que era mais uma bênção do que stress. Eram uma companhia, ajuda e pequenos poços de amor e conforto. Nos dias e nas noites mais difíceis, quando uma tristeza assombrosa e sufocante a inundavam, os homenzinhos dividiam-se: metade dedicava-se à criança, num quarto à parte, enquanto a outra metade se aninhava na humana angustiada. A solidão sobrepunha-se à existência dos minúsculos ajudantes, da filha e dela própria. A sua mente tornava-se fonte penosa de tortura, não sendo capaz de sentir para lá do vazio e o do medo. Numa tentativa frustrada, os homenzinhos brilhavam perto dela, como se esperassem que a luz dos seus corpos azuis a ancorassem à realidade, os seus pequenos corações partilhando o sofrimento. Era difícil ser mãe, principalmente quando não havia a figura de um pai por perto. Ana recebia alguns olhares confusos, preocupados e até preconceituosos, principalmente da sua família. Os outros lidavam bem com a sua repentina gravidez e vida de mãe solteira, pois nada tem grande impacto quando acontece aos outros. A sua família, apesar do apoio, desejava que Ana arranjasse alguém que com ela formasse um casal e, enfim, acabasse com a temida questão “de onde vem o bebé?”. Havia o Pedro, insistia a mãe de Ana. Qual Pedro? Aquele amigo do teu irmão, que dançou contigo no casamento, lembraste-te? Estava encantado contigo e era simpático. Sim, era simpático, concordava Ana, desanimada com a ideia de ter uma relação baseada na simpatia. Aqueles três dias foram o suficiente para perceber que a extrovertida e espalhafatosa personalidade do simpático jovem não a atraíam de forma alguma. Nada se comparava à misteriosa força do amor.
Oito anos passaram, e Ana e Inês continuavam com os seus pequenos guardiões a seu lado. A presença daqueles pequenos soldados brilhantes acalmava o medo da mãe, que vivia com o coração nas mãos sempre que a filha construía o seu lugar longe dela, num mundo onde não a podia proteger. No entanto, por mais habituadas que as duas humanas estivessem daquela protecção misteriosa, por vezes perguntavam-lhes de onde vinham e por que razão ali estavam. Na sua típica forma de comunicarem sem palavras, os homens brilhavam e fitavam as protegidas intensamente. Princesa. Princesa. Princesa. Princesa. Soava repetidamente nos ouvidos das humanas. Referiam-se à pequena Inês, a qual viera a desenvolver, talvez devido àquela estranha convivência, um certo brilho próprio e uma certa telepatia que a tornava, por momentos, ausente do mundo. As suas vidas continuaram sem mais respostas. Ana conformara-se com o seu estado perpétuo de solteira, sendo sobressaltada por uma melancolia intensa uma vez por outra, quando a solidão apertava. Afinal, não era justo ser a única a não experienciar aquela partilha romântica, nem o companheirismo sóbrio de um casal. Nessas alturas, lá vinham os seres, brilhando intensamente e falando da princesa magnífica que estava a crescer e da magnífica essência corajosa e bondosa que ardia dentro da mãe.
Só anos mais tarde, no 16º aniversário de Inês, ficaram a conhecer mais sobre os misteriosos e minúsculos seres brilhantes de pele azul, assim como delas próprias. Chegavam a casa depois de um dia exclusivo para mãe e filha, terminando-o com uma sessão de cinema, e comentavam a euforia anormal dos seus amigos. Riam, dançavam, tilintavam. E perguntavam, com insistência, “O que faz dela uma princesa?”. A pergunta era feita num tom cantante e feliz, como se entoassem uma cantilena de criança. Entoavam-na quando as duas humanas chegaram à entrada do apartamento e Inês pediu para que se calassem; cansada como estava irritava-a aquele eco na sua mente. Colocou a chave na ranhura e um brilho azul passou pela porta e iluminou o corredor. As criaturas estavam histéricas, cantado cada vez mais alto, “O que faz dela uma princesa? O que faz dela uma princesa?”. Ana rodou a chave, abriu a porta e deparou-se com o que parecia ser um portal vibrante e azul. No seu estado de incrédula surpresa, sentiu a mão fria da filha na sua, o toque despertando-a do transe.
“O que faz dela uma princesa, mãe?”
Ana fitou a filha, a qual partilhava aquele brilho. Os seus cabelos compridos e ondulantes tinham absorvido o azul dos homenzinhos, que saltavam, felizes, portal adentro. Inês repetiu a pergunta. Ana recordou as palavras que os homenzinhos azuis lhe repetiam quando sentia a dolorosa solidão pesar-lhe no coração, palavras que pensava serem meras tentativas de conforto.
“Coragem, independência, bondade e amor universal.” Repetiu, pela primeira vez, a mulher que só conhecia um tipo de amor, amor pelo Todo.
A filha sorriu e, com um puxão, levou a mãe atrás de si, para um mundo de flores brancas e relva azul, cujo povo esperava pela sua princesa e rainha, senhoras de um coração grande o suficiente para amarem cada um deles.
Published on February 02, 2015 01:56
January 27, 2015
Discover the Gift by Shajen Joy AzizMy rating: 3 of 5 sta...

My rating: 3 of 5 stars
Prático e simples. Recomendo a leitura para quem estiver a precisar de uma série de citações que o/a lembre do seu próprio poder. Pessoalmente, retiro do livro alguns exercícios fáceis que posso aplicar no dia-a-dia e uma ensaboadela de Amor. Às vezes, tanta reflexão sobre o tema enjoa, o que me fez prolongar a leitura de um livro tão "leve". A melhor parte? Lembrar-nos, aqui e ali, que o Dom, o teu Dom, está sempre contigo e não precisas de ser um desses seres altamente espirituais que parecem inalcançáveis. Pelo contrário, descobres o teu Dom tanto nas fases boas da vida, quanto nas difícieis. O Dom, ou Dons, é tudo aquilo que te traz e aos outros felicidade. Lê o livro, mas lembra-te, não te castigues por não estares constantemente nessa vibração pura e feliz. Acredita, segue as tuas paixões e vive com harmonia, contigo mesmo e com os outros. Quando escolhemos este caminho, o resto vem por arrasto, é o que dizem... vamos experimentar? :)
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Published on January 27, 2015 10:00
January 16, 2015
Os Interessantes, de Meg Wolitzer

My rating: 5 of 5 stars
Depois de um início desconcertante, em que as frases se tornavam longas, sufocantes, com vírgulas perdidas e/ou ausentes, algo mudou. Não sei se foi coisa da autora, a qual me tornou sua fã após esta obra, ou da tradução, no entanto, assim, de um momento para o outro, a escrita torna-se mais fluente e interessante *pun intended*. Isto só prova o poder do lado estético da literatura: tanto pode conduzir o leitor para uma experiência envolvente, como repudiá-lo por completo, quase fazendo-o desistir do livro, ou, por vezes, fazendo isso mesmo. A partir de então, tudo o que diz respeito à construção de um romance está perfeito, desde a trama às personagens, um grupo de amigos que se mantém, de uma forma ou de outra, envolvido ao longo da vida - toda a vida, no caso de alguns. São interessantes na sua crua banalidade, nas suas personalidades imperfeitas, confusas, boas, invejosas, caridosas, pacientes... enfim, tudo aquilo que faz de nós seres humanos, inclusive o desinteresse. Adorei.
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Published on January 16, 2015 06:10
August 17, 2014
Felicidade
Colocamos os pés na pedra fria, apreciando o primeiro contacto da manhã. O sol acorda no preciso momento em que a janela abre com o prenúncio de um novo dia. A sala aconchegante é banhada pelos primeiros raios matinais, tímidos na sua chegada. Muitos ainda dormem. A avenida lá em baixo, caída ainda no comum silêncio noctuno. Depois de provarmos o ar fresco, o primeiro estímulo físico do dia, desenrolamos o tapete, onde nos sentamos para dar início à prática. Atravessamos uma série de etapas, começando pelo mantra a Shiva, passando por uma série de asanas fluidos que unem a mente e o corpo numa libertação de conflitos e obstáculos internos, muitos deles escondidos de nós, em nós mesmos. Segue-se o Pranayama, indispensável para preparar a mente para a fase seguinte, a fase da Dhyana, pois a meditação é a técnica que nos aproxima da verdade. O silêncio é partde de nós, parte do mundo. A plenitude que sentimos envolve o tudo e o nada, presentes na sala de encontros. Atravessamos uma barreira frágil, criada por cada um de nós num acto inconsciente. Seria aquela a felicidade plena? Onde nada cai nos rótulos do bem ou do mal, na ausência dos grilhões da identidade que assumimos durante a vida material? Abrimos os olhos e só podeos apreciar o estado em que nos encontramos. Não é importante a felicidade, ou o êxtase, ou a serenidade. A preciosidade pertence unicamente ao momento, o qual arde dentro de cada um.
Published on August 17, 2014 11:48
April 7, 2014
A Fugitiva ((Parte 2 de "Tempestades e Desconhecidos"))
(Para a primeira parte Tempestades e Desconhecidos clicar aqui)
Corre.Não pares agora.Corre!Sentia as pernas pesadas, cansadas do esforço por correr naquele chão instável e pegajoso. Pior do que correr na areia da praia - a qual, já por si, torna as passadas mais lentas e difíceis -, aquele solo escuro parecia prender-lhe os pés, levando-a a concentrar a maior parte do esforço na parte inferior do corpo. Nunca fora dada ao exercício físico e tinha a tendência para acumular a gordura nas ancas, a tal camada protectora da sua fertilidade enquanto mulher. Embora muitas companheiras do sexo feminino se queixassem com frequência do corpo que lhes calhara, assim como recorriam ao uso de diversos métodos – desde as dietas aos comprimidos, ou mesmo a operações – para o modificarem, Marta nunca se importou muito com a sua cintura estreita e ancas amplas. Talvez por ter uma afincada faceta introspectiva, Marta focava-se sobretudo nas questões existenciais do ser humano. Bem, a verdade é que se perdia durante longos períodos na contemplação da vida e da morte, na ilusória manifestação do tempo, na subjectividade do espírito de cada um, entre outros tantos temas. Claro que, por vezes, influenciada pelo mundo à sua volta, olhava para si com rispidez, mas logo a sua mente lhe dava a volta e esquecia a parte física do corpo, encarando-o como mero instrumento prático.Naquele momento, numa corrida pela própria vida, arrependia-se de ter recusado o convite da mãe e da sua amiga de longa data, Sara, para iniciarem uma rotina no ginásio. A sua recusa levou a mãe a desistir, também, da ideia, e só a outra se aventurou a participar nas aulas que o estabelecimento de fitness oferecia. Se Sara estivesse no seu lugar, pensou, decerto que faria um melhor trabalho a escapar dos seus perseguidores. E por falar neles, o barulho que faziam na busca indicava que se aproximavam rapidamente, graças às longas pernas que possuíam, típicas naquele mundo de esgoto onde se atrevera a entrar. Apesar da dor pulsante nas pernas preguiçosas de Marta, esta continuou a correr, aos tropeções, pois sabia que, caso parasse, não seria capaz de mexer estes “instrumentos” inferiores até que estas restabelecessem. O céu depressa escurecia, o que dava esperança à jovem mulher na sua fuga. Uma das coisas que aprendera era que os habitantes daquele mundo temiam a noite, domínio de predadores ferozes. Embora não tivesse visto tais seres, já que ninguém a deixava sair para lá dos limites da cidade depois do pôr-do-sol, as histórias que lhe contaram eram o suficiente para também ela temer a noite. Todavia, em tais circunstâncias preferia arriscar com os monstros nocturnos, pois sempre havia a possibilidade de serem um mito. Ninguém se atrevia a confirmar a existência dos R’hor, devido ao crescente medo fomentado pelas histórias que ouviam desde que eram crianças, tipicamente atrevidas e curiosas. Assim, se conseguisse aguentar só mais uns minutos, correndo entre os arbustos selvagens, muito em breve ouviria a patrulha recolher. Enroscou-se entre dois arbustos, ignorando os acúleos que arranhavam os braços nus e húmidos, e, com as faces coradas, esperou que a escuridão a engolisse. Uma névoa branca formava-se à sua frente, devido à respiração ofegante; a custo, ouvindo o raspar das longas pernas dos seus perseguidores demasiado perto de si, susteve a respiração desordenada.- Vamos embora… - Ouviu uma voz medrosa.- Ele tem razão. Está muito escuro. Ela não vai sobreviver durante a altura dos R’hor e amanhã procuramos pelo seu corpo. - Ou o que sobrar dele. – Sussurrou de novo a primeira voz.- Raios! – Esta ela conhecia bem, era David. Furioso, o jovem alto e magro anunciou ao pequeno grupo que estava na altura de regressar. – Mantenham-se perto uns dos outros e com as armas apostos. Os R’hor estão a acordar.Marta ouviu os soldados afastarem-se e soltou o ar, sentido o coração acelerado devido ao medo e ao cansaço. Esperou, ali agachada, enquanto recuperava da corrida, e sentiu o silêncio da noite, um silêncio caracterizado pelos sons da natureza, a cair sobre si. A ideia de seres monstruosos, negros como a própria noite, de olhos amarelos, garras afiadas e mandibulas sangrentas, a acordarem ao seu redor não permitia que a jovem fosse capaz de relaxar um pouco que fosse. Estava sozinha, num bosque desconhecido e frio, onde a escuridão parecia criar formas sobrenaturais. Envolvendo os joelhos com os braços, a jovem desejou estar em casa, protegida no seio familiar, ao abrigo daquele tempo, daqueles monstros e daquele povo passado dos carretes. Não foi capaz de evitar que lágrimas se manifestassem, num misto de desespero e esperança, sentimentos que entravam em conflito dentro de si. Por um lado, a razão dizia-lhe que o quadro era negro, com ou sem animais perigosos, a noite estava gelada e o dia seguinte prometia outra perseguição; por outro, ouvia a voz do feio Páris assegurando-a de que a chama interna era capaz de iluminar o mais escuro dos caminhos, isto é, explicara ele atrás das grades apenas algumas horas antes, se acreditarmos, seremos capazes de tudo.- Menina! Oh, menina!Encolhida na terra, perdida nas recordações daquela dupla gigante e estranha, teve a sensação de ouvir a voz sussurrada de Páris.- Menina Marta, co’ a breca! A jovem mulher levantou a cara, não estava a imaginar, ele estava mesmo ali. Os seus olhos de humana tentaram distinguir a sua forma entre a escuridão, sem sucesso.- Páris? Não vejo nada.- Efectivamente, com esta escuridão queria o quê?O homem saiu de trás do enorme pedregulho e Marta foi capaz de distinguir o seu vulto desajeitado aproximar-se, com a mão esticada a fim de apalpar o terreno. Aliviada, saltou do meio dos arbustos e aninhou-se entre os braços finos do seu amigo, sentindo-se segura por ele estar ali.- Ah! Pronto, pronto, menina. Temos de nos despachar a encontrar um refúgio, antes que eles nos encontrem a nós.Com “eles”, Páris referia-se aos R’hor, os monstros da noite que ninguém realmente vira. A humana duvidava da existência de tal seres, todavia, o receio estampado na cara dos habitantes de Somo, a cidade onde vivia Páris, sempre que aquele nome vinha à baila não lhe incitava o desejo de descobrir até que ponto essa história era verdadeira.Caminharam de mãos dadas, o homem sempre à sua frente, guiando-a por caminhos que nem o próprio conhecia durante a noite. Não muito longe de Somo encontrava-se o antigo refúgio dos viajantes, uma série de cabanas abandonadas depois da grande tempestade. Não tinham grande aspecto, pois desistiram da sua reconstrução quando fora decidido construir uma outra estalagem para os que viajavam entre as cidades Somo e Omos, as cidades gémeas. As cabanas ficavam dentro de um declive depois do bosque, motivo porque não foram reconstruídas depois daquele temporal que durara um mês; eram comuns as inundações. Andavam a fugir de Somo há um dia, embora sem rumo certo não deviam estar muito longe das cabanas. Nenhuma estalagem entre as cidades gémeas ficava demasiado afastada, já que era imprescindível refúgio da noite. Portanto, independentemente da direcção que fossem, existiria um lugar de descanso. Páris atreveu-se a parar e olhou para cima, para o céu estrelado. Se ao menos Helena ali estivesse, ela conseguiria ler o caminho naqueles pontos brilhantes, como se formassem um mapa claro e exacto. Aquela cabeça deslumbrante procurou ensinar-lhe os segredos da natureza uma e outra vez, mas o homem perdia-se na contemplação de tal beleza, descorando os ensinamentos da sua amante. Esforçando-se para colocar de lado a imagem da mulher, Páris concentrou-se nas suas palavras sobre a navegação através das estrelas. Não era assim muito difícil; não podia ser.
- Se encontrares a cabeça do alce… mesmo ao lado da rainha, vês? Se a encontrares e seguires o seu olhar, irás dar com aquele grupo muito próximo de estrelas. Vem-me sempre a ideia de estarem a combinar algo secreto, estas estrelas confidentes. – Helena riu timidamente, vulnerável ao partilhar os seus pensamentos.- Estão a comentar a tua beleza, divididas entre a inveja e a admiração.- Páris! – Agora riu mais, ao mesmo tempo que apertava o braço daquele que raptara o seu coração. Depois, continuou: - Bem debaixo destas estrelas confidentes, fica a antiga estalagem dos viajantes, situada numa depressão. Os antigos, muito antes do surgimento dos R’hor, seguiam estes pontos no céu para lá chegarem. Claro que, com a chegada dos monstros, deixámos de nos interessar pelo maravilhoso mapa astral. Há antigos textos que referem a importância das estrelas noutras áreas para além da orientação geográfica, como previsões do tempo, influência nos mares, na terra e nas próprias pessoas!- Tu e os teus papéis e documentos velhos. A única estrela que me interessa é aquela que vai abençoar a nossa união.
Uma união que nunca aconteceu. A bela Helena partira para Omos, onde viviam os pais, amigos íntimos do rei Menelau. Desde então que não sabia nada sobre a alta e graciosa senhora do seu amor, tendo desistido de a contactar ao perceber que esta não o desejava. Agora olhava o céu escuro e decorado pelos únicos brilhantes dignos de enfeitarem o cabelo dourado de Helena, à procura das marcas que lhe indicariam o caminho.- O que se passa? – Perguntou Marta, surpreendida com a atenção singular do seu companheiro.- Procura a cabeça de alce.- Desculpa?- Nas estrelas! Procura as estrelas que formam a cabeça de um alce. Apesar de confusa, ela assim o fez. Não tinha tempo nem ânimo para questionar as atitudes estranhas do seu amigo.- Ali! Está ali o alce!Páris semicerrou os olhos seguindo a direcção para onde a pequena a seu lado apontava. Viu-se frustrado por não distinguir qualquer forma.- Raios, menina! Não vejo nada! Enfim, segue o olhar do alce até encontrares um pequeno conjunto de estrelas, como se estivessem reunidas a combinar alguma coisa.- Sim, estão ali. - Óptimo! É para lá que temos de seguir.Com um aceno que Páris não reparou, Marta voltou a pegar-lhe a mão enorme e, desta vez, foi ela a indicar o caminho, sempre atenta ao céu, enquanto o outro procurava ampará-la quando tropeçava ou não reparava nas árvores à volta. Não demoraram muito até encontrarem a tal depressão. As cabanas estavam em pior estado que o homem ao início julgara: com a madeira apodrecida e vários buracos que deixavam entrar o frio e a chuva. No entanto, era melhor do que nada. Páris colocou algumas tábuas no chão, criando uma separação entre eles e o chão húmido e pegajoso. Desejava ter alguns cobertores e almofadas a fim de tornar a noite mais confortável, todavia, isso era um luxo que lhes fora negado ao decidirem fugir da prisão de Somo. O gigante pele e osso aninhou aquela minúscula humana em si, gestos que outrora poderiam tê-la deixada incomodada. Aconchegada o melhor possível nos seus braços, a jovem relembrou a atitude altruísta e fiel que ele lhe mostrara dois dias antes. Desde que a ameaça caíra sobre ela, a dupla que lhe destruíra os canos da cozinha saltou em sua defesa sem um pingo de hesitação. Páris e Golias foram, assim, também eles condenados a prisão. Golias. Pobre Golias! A última vez que o vira era arrastado por outros guerreiros gigantes e musculados. A força daquele homem era demasiada para o estabelecimento prisional da cidade de Somo, sendo, então, levado até ao exílio. Marta, recebendo o calor do corpo de Páris, voltou a ver as lágrimas furiosas deste aquando a sentença do amigo e companheiro de longa data.- Páris… - chamou na noite fria.- Sim, menina?- O que aconteceu a Golias? Houve um momento de silêncio, o que levou Marta a fitar as faces cadavéricas do companheiro. Apesar da escuridão, a sua visão já se adaptara o suficiente para a permitir reparar na dura máscara que o transformava assustadoramente. Apenas vira aquele outro homem uma única vez, no decorrer de uma discussão antiga que a recém-chegada era incapaz de perceber. Abriu a boca para pedir desculpa e assegurar-lhe que não era necessário responder, quando Páris falou.- O exílio fica para lá de Omos. Sinceramente, não faço ideia da sua localização, muito menos o que é em concreto o exílio. – Suspirou para cima da jovem humana sem se preocupar, enquanto vasculhava na memória algo que explicasse a necessidade do exílio. – Hm. É preciso cometer algo terrível para tal sentença. Ao defendermos-te, nós traímos o nosso rei, logo, o nosso povo. Nem mesmo os soldados gostam de lá ir, recorrendo às prisões das cidades o máximo possível. Quando há um crime grave, as prisões de Omos são as mais indicadas, pois, efectivamente, a cidade onde pertencemos é pequena e a prisão não passa de um pobre edifício onde os prisioneiros têm aulas de correcção. Ora, Golias, efectivamente, não se manteria fechado em lado nenhum. Ele é um gigante entre nós, possuidor de uma força incrível!- Sim. Estranhei ele ser tão diferente dos outros. Todos vocês são pequenos gigantes em relação a mim, e Golias é monumental.Páris sorriu, encostou Marta ao seu peito e acariciou a sua cabeleira abundante, lastimavelmente suja aos olhos da rapariga, ao mesmo tempo que comentava:- A menina é que me saiu uma bela pequena gigante. Esse coração é maior do que muitos de nós.Marta sorriu, grata por tal carinho honesto e inocente.- Enfim, comigo certamente que me iriam colocar nessas aulas de correcção. Nem todos saem de lá, mas aos que são restituídos a liberdade, vêm com uma forma de estar, de facto, deveras diferente. Muitos tornam-se parte da equipa de soldados.- Isso soa-me a lavagem cerebral.- Talvez. Têm medo do grandalhão, sabes? Por isso o prenderam daquela forma, acorrentado como se se tratasse de um R’hor, e o levaram para longe.- Temos de o ir buscar, Páris. – O sussurro atraiçoava a coragem em tais palavras, revelando medo e dúvida.- Shh. Agora, menina, temos é de sobreviver à noite. Vá, tente dormir. Eu estou aqui.Pouco depois, já o cansaço saíra vitorioso sobre o medo e o estado de alerta, um resfolgar acordou-os. Algo se movia mesmo atrás da parede que mal os protegia do frio e dos perigos exteriores. Não foram necessárias palavras, Páris moveu-se para a frente da humana que protegia e fez-lhe sinal para que ficasse em silêncio. Ouviram uma respiração intensa, como se um cão – um cão enorme e barulhento – farejasse o chão lamacento. A criatura soltou um gemido curto, comunicando aos outros que tinha apanhado algum cheiro, pois ouviram mais narizes farejadores, mais passos, e até, curiosamente, um tilintar de metal. Os dois fugitivos estavam de pé, encostados à parede de trás, atentos ao buraco que fazia de porta, numa espera assustada para que as criaturas surgissem.Uma bola de pêlo com olhos amarelos e rasgados entrou, apoiado nas duas patas de trás, as da frente penduradas à sua frente a revelarem as garras afiadas. Desta vez não soltava um gemido, e sim um rugido alto e digno das histórias de terror contadas entre o povo. Logo, duas criaturas semelhantes entraram de rompante, soltando rugidos excitados pela descoberta da refeição. Tal espectáculo invadiu-os de terror e, em vão, afastaram-se ainda mais do buraco por onde os monstros haviam entrado.- Os R’hor!Páris soava mais espantado do que receoso. Marta julgou que o homem, até certo ponto, duvidava das próprias histórias que costumava contar. Alguns momentos passaram, acompanhados pelas vozes enervantes dos monstros, e a jovem percebeu que eles não os atacavam. Estavam apenas ali, mantendo-se de pés, maiores que Páris, a gritar. De um momento para o outro, surgiu entre eles um vulto encapuzado. Parecia minúsculo entre aquelas criaturas monstruosas; vendo bem, não devia ser muito maior do que Marta. A rapariga apertou a mão do companheiro, com a curiosidade a sobrepor-se ao temor da morte que experimentara segundos antes. A figura retirou o capuz para trás e sorriu:- Está aqui! Encontrei-a!Ouviram outros passos apressados e num instante, Marta e Páris estavam rodeados por R’hor e… humanos.
Published on April 07, 2014 11:07
April 1, 2014
Esta chuva ❤Este abandono de rua.Este tempo de solidão,Es...
Esta chuva ❤
Este abandono de rua.
Este tempo de solidão,
Esta aura de meditação.
Este abandono de rua.
Este tempo de solidão,
Esta aura de meditação.
Published on April 01, 2014 04:09