Nuno R.'s Blog, page 94
February 20, 2023
#### #001243 - 28 de Janeiro de 2023
“London is a problem for me. And I handle it by writing about it.” As palavras são de M. John Harrison a propósito da sua recente colectânea de contos. O autor que, segundo China Miéville, merecia ganhar o Nobel acha mesmo os sítios pequenos, quanto mais Londres, demasiado “overcrowded”. É a sensibilidade contrária de China Miéville, que já viveu em várias metrópoles e, segundo o próprio, se alimenta da massa crítica gerada por viverem milhões de pessoas num mesmo local.
#### #001242 - 27 de Janeiro de 2023
A versão de “Black Metal” de The Soft Pink Truth é maravilhosamente herege. Drew Daniel bastardiza o género com insolência e criatividade. A canção que deu origem a todo um género musical está inserida num álbum inteiro, em que o Black Metal é revisitado numa abordagem Queer. A capa do álbum é deliciosamente chocante, porque chocante para os militantes mais misógenos e homofóbicos deste nicho do heavy metal. Contra o ódio, nenhum medo. Depois de Zeal & Ardor se apropriar da estética black metal num acto com muito de anti-racismo, The Soft Pink Thruth lança este trabalho que faz o mesmo no que toca à sexualidade. Basta um pouco de luz, para que uma caverna se ilumine. Que tenha também um pouco de purpurina, como na famosa e divertidamente escandalosa capa dos Sunbather.
February 19, 2023
#### #001241 - 26 de Janeiro de 2023
O surf tem momentos que um desporto de equipa não pode proporcionar. Kelly Slater, aos 49 anos de idade, ganhou Pipeline em 2022, a onda mais perigosa e icónica do surf competitivo. Na final, é Seth Moniz que perde. Ainda na água, Moniz cumprimenta Slater, e levanta-lhe o braço, como se faz a um boxer que acabou de ganhar. Depois apanham juntos a mesma onda até à praia. É uma tradição havaiana levar o vencedor de uma competição em ombros. Seth Moniz fez questão de ser um dos dois surfistas que leva Slater nesse percurso de consagração. Slater está emocionado, chora como poucas vezes se viu a este campeão. Seth Moniz está radiante, o seu rosto mostra uma alegria sincera, orgulho por poder ter estado numa final histórica em que uma figura paternal e um herói ganhou, derrotando-o. É impressionante a celebração de Seth Moniz da vitória de quem o derrotou, de forma tão genuína.
February 17, 2023
#### #001240 - 25 de Janeiro de 2023
Num reality show do Netflix uma rapariga autista diz algo fascinante. Parafraseando um pouco: “num mundo perfeito não seria necessário refrasear tudo para que um neurotípico possa compreender quando a frase inicial foi perfeitamente clara”. Algo que é curioso é que esta frase é ela mesma um exemplo daquilo a que se refere. Como entre neurotípicos a parte emocional da linguagem tem primazia, facilmente esta frase é recebida como uma crítica. Aliás, numa conversa aquilo a que a maior parte das pessoas dá atenção é a intenção, o tom, as motivações emocionais e tudo o que não é conteúdo direto do que foi dito. Esta frase pode ser entendida como se a pessoa que a profere estivesse a dizer que um neurotípico não tem capacidade de entender uma simples frase. No limite, pode dar azo a que quem a escuta pense que se está a pôr em causa a inteligência dos neurotípicos. Nada disso.
Aquilo de que se queixa a rapariga é do esforço e da frustração de, depois de ter dito algo de forma literal e objectiva (ou seja, perfeitamente clara), ter de dar grandes voltas e re-explicar o que já está dito de forma direta e simples. Por outras palavras, ter de limpar a atmosfera de ambiguidades e ocultos sentidos que existem na cabeça de quem escuta e não na frase. Isto acontece-me diariamente. Desconfio que estou dentro do espectro do autismo por isto também. Porque sou tendencialmente literal, uso as palavras para dizer o que elas querem dizer. Gosto da escrita por isso mesmo. Porque quem me lê não tem o meu rosto, nem os meus gestos nem o meu tom de voz. E a linguagem tem em si mesma a beleza de uma construção lógica.
#### #001239 - 24 de Janeiro de 2023
Ainda sobre as personagens, o China Miéville disse algo que recordo. Que algumas pessoas lhe dizem, por vezes, que não gostaram de um livro porque não gostaram da personagem. Diz o autor inglês que isto sempre lhe pareceu uma forma muita estranha de abordar um livro.
#### #001238 - 23 de Janeiro de 2023
Não sou um leitor típico. Pelo menos não sou o leitor médio de que se fala quando se dá conselhos aos escritores. Não estou à espera de me identificar com a personagem principal e de ver tudo à luz das peripécias por que tem de passar. Estou à espera de ler sobre um mundo, uma sociedade, um local, um contexto que ganha solidez e credibilidade na minha imaginação. E nesse lugar gerado pela narrativa irei habitar com as personagens. É por isso que a ficção científica tanto me cativa. O worldbuilding é central, as personagens vêm a seguir. Desconfio da ideia de que uma personagem bem construída terá ensinamentos sobre a humanidade, que os detalhes da sua sua vida particular têm afinidade com as vidas de 7 biliões de pessoas. Esta estranha forma de busca do universal mais facilmente cria personagens medianas e menos surpreendentes. É certo que a personagem pode ser um alpinista, por exemplo, ter uma atividade ou história que poucas pessoas na realidade têm. Mas nesse caso ainda me faz mais confusão a pretensão de universalidade. No caso específico do alpinismo, uma história que me erigisse Katmandu ou o Acampamento Base no Tibete na imaginação poderia a seguir ter as mais inverosímeis e fascinantes personagens de que o escritor se lembrasse. Há, felizmente, muitos escritores na história da literatura que fizeram isto, fora da ficção científica. Saramago é um exemplo. Arundhati Roy é outro. Jorge Luís Borges é o exemplo perfeito.
#### #001237 - 22 de Janeiro de 2023
O dinheiro mostra como o senso comum facilmente produz má intuição, palpites irrelevantes. Compreender o que é o dinheiro não é coisa que acontece por se lidar com ele a vida toda.
February 16, 2023
#### #001236 - 21 de Janeiro de 2023
“Kraken” é um dos livros de China Miéville em que tenho mais dificuldade em penetrar. Depois do primeiro acto, conhecidos os ingredientes do enredo, tudo avança de forma dinâmica, uma realidade que parece ter sido descoberta ao ser escrita. Os parágrafos são complexos e belos, momentos de exploração de Miéville. Oposta a esta forma de ir preenchendo páginas está a escrita do muito mais recente “This Census-Taker”. Tudo é menos ruidoso e agitado, há uma leveza poética de grande intensidade, pelo despojamento. Receio, nas páginas que tenho escrito, afastar leitores como eu. Ando com uma energia hermética, que fecha a história e a fragmenta em múltiplas possibilidades que não se transformam em escolhas sobre o que figura ou não na página, antes em elementos narrativos colocados em conflito aberto no mesmo capítulo. Espero que a revisão me dê pistas que ainda não posso ter. Não tenho a genialidade de Miéville para transformar o caos em beleza.
February 15, 2023
#### #001235 - 20 de Janeiro de 2023
Os diálogos de “Easy” são absolutamente geniais. Não me lembro de ver relacionamentos amorosos retratados com tanto realismo e apurado sentido de humor, e doses tão certeiras de ternura e amargura.
February 14, 2023
#### #001234 - 19 de Janeiro de 2023
Pneumonia, pedra nos rins, entorse do tornozelo. Ingredientes indesejados das minhas férias.