Nuno R.'s Blog, page 92
March 6, 2023
#### #001263 - 17 de Fevereiro de 2023
Choro com facilidade. Tento encontrar-lhe as vantagens. Até pensar nisso me comove. Sou lamechas, choramingão. Adjectivos de onomatopaica degustação, que sabe bem dizer.
#### #001262 - 16 de Fevereiro de 2023
Um mês e meio em casa. Um confinamento, a despropósito. Estou cansado, de não me mexer. Estar doente é ter o corpo como o colete de forças da mente.
March 4, 2023
#### #001261 - 15 de Fevereiro de 2023
Voltei à tradução. Recomeço bem podia ser a minha alcunha.
#### #001260 - 14 de Fevereiro de 2023
Xiran Jay Zhao, muito popular nas redes sociais, é clara: um escritor deve ser avaliado pelo texto. Diz a autora que detesta que o seu nome seja usado como exemplo quando as editoras tentam convencer os seus autores a investir tempo a fazer crescer o número dos seus seguidores.
March 3, 2023
#### #001259 - 13 de Fevereiro de 2023
As palavras de Einstein, dirigidas a Heisenberg, citadas no livro de Manjit Kumar, são relevadoras:(...) it is quite wrong to try founding a theory on observable magnitudes alone. In reality the very opposite happens. It is the theory which decides what we can observe.
A descoberta dos buracos negros parece confirmar o argumento de Einstein. Este previu matematicamente a existência de buracos negros. Foi porque já existia teoria que os cientistas procuraram especificamente este objecto estelar. Um exemplo ainda mais espetacular é o do Bosão de Higgs. Peter Higgs propôs a existência de uma partícula, ainda por descobrir, que resolveria inconsistências no Modelo Padrão de partículas. A matemática batia certo. E em 2012, cientistas a trabalhar no Grande colisor de hádrons detectaram uma partícula que pode ser entendida como corresponder à partícula que Higgs tinha sugerido. É possível que se dê a próxima grande descoberta feita assim, porque há teoria que a prevê e oferece aos cientistas uma estrutura de referencia. Várias experiências têm tido resultados promissores na detecção da Matéria Negra. Pode estar para breve a confirmação de que de facto existe.
Levando mais longe o argumento de Einstein, a forma como visualizamos um buraco negro, uma partícula ou energia depende dos conceitos que a ciência teórica foi capaz de produzir. Poderíamos, para as mesmas medições, pensar de forma muito diferente.
Esta forma de a imaginação tomar a iniciativa mostra-me a afinidade natural que a ciência tem com a ficção científica. É a imaginação do cientista, a sua criatividade, que lhe permite explorar possibilidades, criando teoria que, sendo bem fundamentada, surge ainda assim antes da confirmação experimental. Os cientistas a seguir vão tentar falsificar as premissas da teoria. Se a teoria sobrevive a esse produtivo ataque teórico, pode ser que se chegue ao ponto de conseguir conceber uma experiência que confirmasse ou falsificasse a teoria em questão. E, por vezes, até em coisas grandes, uma experiência é bem sucedida e muda a nossa percepção do mundo. Ainda assim, a nossa imaginação já tinha sido desafiada quando a teoria se inscreveu no mundo, no espaço mais ou menos público. A ficção científica cria um mundo e personagens que habitam as páginas segundo as premissas da história. E a história pode falsificar a premissa, complicá-la, descobrir até o que não se procurou. China Miéville dá o exemplo do seu genial Embassytown. Neste livro Miéville tentou criar alienígenas que de facto não tivessem nada de humano, não fossem uma projecção do que somos. A história assenta muito na ideia de comunicação com uma forma de vida que tem uma linguagem que é inconcebível em termos humanos (sim, nisso tem alguns paralelos com a premissa de Arrival). Diz China Miéville que à partida a sua tentativa iria sempre falhar, visto que lhe é impossível pensar de forma não humana. O que Miéville diz é que se pode falhar melhor, à Becket.
A minha dificuldade é que, por ignorância, transformo ideias científicas complexas numa simulação de intuição e senso comum. Baralho as coisas, entendo mal, vejo ligações onde elas não existem, desconheço contra-argumentos essenciais. Não sou cientista e quer o meu raciocínio quer o meu conhecimento são insuficientes para tentar perceber até os rudimentos da física quântica ou de outras áreas. Por isso fujo, enquanto escritor, da hard sci-fi. Seria incapaz de escrever histórias em que o centro de tudo fossem factos e teorias científicas bem fundamentadas. Procuro escrever mais à Le Guin, estruturando a história à volta de como a sociedade e as pessoas se organizam e os conceitos que têm de si.
March 2, 2023
#### #001258 - 12 de Fevereiro de 2023
O Teorema de Bell no ecrã, pés frios, manteiga de amendoim.
#### #001257 - 11 de Fevereiro de 2023
Tenho saudades da bicicleta. A convalescença é uma espécie de prisão para meu bem. Não me faz gostar mais das quatro paredes.
#### #001256 - 10 de Fevereiro de 2023
Um exercício precioso é o de ler literatura de outros séculos, outros milénios. Os valores dos nossos antepassados eram diferentes dos nossos, os nossos descendentes terão valores diferentes dos nossos. Uma história escrita dentro de uma estrutura ética diferente chega a nós, permitindo-nos assim também conhecer, em primeira mão, quer os preconceitos quer os ocasionais momentos em que ainda não tínhamos inventado uma forma específica de maldade, agora banalizada.
#### #001255 - 09 de Fevereiro de 2023
Há outra coisa que é cada mais difícil. Os narradores imorais, às vezes nem isso, apenas “unreliable”, como o narrador de Moby dick, são muito mal entendidos. A mais estranha acusação é a de que o autor usa o narrador como a sua voz, para amplificar ideias más. Há mesmo casos em que simplesmente se aborda um livro como se o narrador não existisse e tudo o que está escrito no livro fosse, literalmente, a opinião do autor.
#### #001254 - 08 de Fevereiro de 2023
Tenho notado que são cada vez mais frequentes análises ao conteúdo de um livro feitas de forma superficial. O tipo de críticas a que me refiro geralmente avaliam simplesmente quão representativo da sociedade é o conjunto das personagens da história. É feito um julgamento moral se a história for considerada pouco representativa. É talvez uma forma de trazer para a literatura de massas uma abordagem há muito usada para criticar filmes de Hollywood.
Não me estou a referir ao Teste de Bechdel, que foi sugerido pela autora de BD Alison Bechdel. Este é de facto útil, embora obviamente seja uma abordagem geral. Diz a premissa do teste que se uma história não tiver pelo menos duas mulheres a conversar sobre algo além de homens, isso é um indicador directo de que a história é sexista em relação às mulheres. Penso que é um teste que os próprios escritores podem ter em mente ao escrever histórias sobre homens e mulheres. Não há nenhum bom motivo para que as mulheres numa história que se refere também a elas não tenham voz própria, personalidade, consciência de si, autonomia, complexidade.
Aquilo que me preocupa é o julgamento moral de uma história sem o seu contexto. Por exemplo, uma história sobre um hospital psiquiátrico para mulheres no início do século XX, pode optar por ter apenas personagens femininas. Pode haver uma premissa para uma história destas em que nenhum dos médicos do sexo masculino é personagem. E assim são de propósito removidos da história pelo autor, para reforçar a ideia de que a história é contada do ponto de vista das mulheres. Isto poderia ser precisamente uma forma de trazer ao de cima as vozes das vítimas que foram silenciadas por práticas médicas que faziam parte de uma sociedade patriarcal agressiva, que dava aos homens o poder de internar uma filha, uma esposa, uma mãe, uma irmã simplesmente porque sim, sem nenhum fundamento médico. Foram os tempos em que um diagnóstico de histeria era uma arma contra as mulheres.
Um exemplo mais banal, mas perfeito, é o da banda desenhada Peanuts, criada por Schulz (Charlie Brown é a personagem principal). Os adultos não fazem parte da história, propositadamente, embora apareçam em boa parte das cenas, mas sem voz nem protagonismo. Não têm voz inteligível. Esta estratégia serve um propósito que não é, obviamente, o de discriminar os adultos. Da mesma forma, um autor que queira expor a violência de um grupo político, pode contar uma história em que as vítimas não têm voz, como reforço da ponto de vista dos agressores, para este tenha mais impacto no leitor. É verdade que é uma táctica de risco que pode não funcionar, mas não é, só por si, indicadora de má fé por parte do autor.
Nestes três exemplos, em que a narrativa é tão desiquilibrada no ponto de vista que privilegia, talvez as coisas sejam mais claras. Ou rejeitamos completamente a abordagem do autor, ou achamos que faz sentido e ajuda a contar a história. Mas a maior parte das histórias não têm contrastes tão grandes. O que têm em comum com estes exemplos é que o contexto é tão importante como o conteúdo. Não faz muito sentido analisar uma história contando ingredientes e julgar o autor pela insuficiência de uns ingredientes em relação a outros. Esta tendência preocupa-me como autor mas muito mais como leitor. Quero ler histórias ousadas estilisticamente, quero abordagens novas. O pior que me podia acontecer como leitor seria ver a maior parte dos autores a terem receio de que uma boa intenção seja recebido como o seu oposto, como um pecado ético, só porque o estilo não é convencional.