O Cortiço Quotes

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O Cortiço O Cortiço by Aluísio Azevedo
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O Cortiço Quotes Showing 1-30 of 44
“[...] honestidade sem mérito, porque vinha da indolência do seu temperamento e não do arbítrio do seu caráter.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Jerônimo, ao senti-la inteira nos seus braços; ao sentir na sua pele a carne quente daquela brasileira; ao sentir inundar-lhe o rosto e as espáduas, num eflúvio de baunilha e cumaru, a onda negra e fria da cabeleira da mulata; ao sentir esmagarem-se no seu largo e pelado colo de cavouqueiro os dois globos túmidos e macios, e nas suas coxas as coxas dela; sua alma derreteu-se, fervendo e borbulhando como um metal ao fogo, e saiu-lhe pela boca, pelos olhos, por todos os poros do corpo, escandescente, em brasa, queimando-lhe as próprias carnes e arrancando-lhe gemidos surdos, soluços irreprimíveis, que lhe sacudiam os membros, fibra por fibra, numa agonia extrema, sobrenatural, uma agonia de anjos violentados por diabos, entre a vermelhidão cruenta das labaredas do inferno.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“- Confio nos meus dentes, e esses mesmo me mordem a língua!”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“- Pois, então, meu amigo, é arranjar-lhe uma quitanda em outro bairro; dar-lhe algum dinheiro e... Boa viagem! O dente que já não presta arranca-se fora!”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Foi à garrafa de aguardente, bebeu uma boa porção; chorou ainda, tornou a beber, e depois saiu ao pátio, disposta a parasitar a alegria dos que se divertiam lá fora.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“E, sem consciência de nada que o cercava, nem memória de si próprio, sem olhos, sem tino, sem ouvidos, apenas conservava em todo o seu ser uma impressão bem clara, viva, inextinguível: o atrito daquela carne quente e palpitante, que ele em delírio apertou contra o corpo, e que ele ainda sentia latejar-lhe debaixo das mãos, e que ele continuava a comprimir maquinalmente, como a criança que, já dormindo, afaga ainda as tetas em que matou ao mesmo tempo a fome e a sede com que veio ao mundo.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Cedia passivamente nos hábitos de existência, mas no intimo continuava a ser a mesma colona saudosa e desconsolada, tão fiel às suas tradições como a seu marido. Agora estava até mais triste; triste porque Jerônimo fazia-se outro; triste porque não se passava um dia que lhe não notasse uma nova transformação; triste, porque chegava a estranhá-lo, a desconhecê-lo, afigurando-se-lhe até que cometia um adultério, quando à noite acordava assustada ao lado daquele homem que não parecia o dela, aquele homem que se lavava todos os dias, aquele homem que aos domingos punha perfumes na barba e nos cabelos e tinha a boca cheirando a fumo.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“E a mísera, sem chorar, foi refugiar-se, junto com a filha, no “Cabeça-de-Gato” que, à proporção que o São Romão se engrandecia, mais e mais ia-se rebaixando acanalhado, fazendo-se cada vez mais torpe, mais abjeto, mais cortiço, vivendo satisfeito do lixo e da salsugem que o outro rejeitava, como se todo o seu ideal fosse conservar inalterável, para sempre, o verdadeiro tipo da estalagem fluminense, a legitima, a legendária; aquela em que há um samba e um rolo por noite; aquela em que se matam homens sem a polícia descobrir os assassinos; viveiro de larvas sensuais em que irmãos dormem misturados com as irmãs na mesma lama; paraíso de vermes, brejo de lodo quente e fumegante, donde brota a vida brutalmente, como de uma podridão.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“saudade”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“E à viva crepitação da música baiana calaram-se as melancólicas toadas dos de além-mar. Assim à refulgente luz do trópicos amortece a fresca e doce claridade dos céus da Europa, como se o próprio sol americano, vermelho e esbraseado, viesse, na sua luxúria de sultão, beber a lágrima medrosa da decaída rainha dos mares velhos.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Foi um prazer prolongado e amplo, bebido sem respirar, sem abrir os olhos, naquele colo carnudo e dourado da mulata, a que o cavouqueiro se abandonara como um bêbedo que adormece abraçado a um garrafão inesgotável de vinho gostoso.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“O que custava aquele homem consentir que ela, uma vez por outra, se chegasse para junto dele? Todo o dono, nos momentos de bom humor, afaga o seu cão...”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“E ela só foi ter com ele, levando-lhe a chávena fumegante da perfumosa bebida que tinha sido a mensageira dos seus amores; assentou-se ao rebordo da cama e, segurando com uma das mãos o pires, e com a outra a xícara, ajudava-o a beber, gole por gole, enquanto seus olhos o acarinhavam, cintilantes de impaciência no antegozo daquele primeiro enlace.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“O número dos hóspedes crescia; os casulos subdividiam-se em cubículos do tamanho de sepulturas; e as mulheres iam despejando crianças com uma regularidade de gado procriador.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Que estranho poder era esse, que a mulher exercia sobre eles, a tal ponto, que os infelizes, carregados de desonra e de ludibrio, ainda vinham covardes e suplicantes mendigar-lhe o perdão pelo mal que ela lhes fizera?...
E surgiu-lhe então uma idéia bem clara da sua própria força e do seu próprio valor.
Sorriu.
E no seu sorriso já havia garras.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Porque, só depois que o sol lhe abençoou o ventre; depois que nas suas entranhas ela sentiu o primeiro grito de sangue de mulher, teve olhos para essas violentas misérias dolorosas, a que os poetas davam o bonito nome de amor. A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Depois abraçou-se às pernas da filha e, no arrebatamento de sua comoção, beijou-lhe repetidas vezes a barriga e parecia querer beijar também aquele sangue abençoado, que lhes abria os horizontes da vida, que lhes garantia o futuro; aquele sangue bom, que descia do céu, como a chuva benfazeja sobre uma pobre terra esterilizada pela seca.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira, um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova mulher que se formava para o mundo.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Entretanto, notava que, em volta da sua nudez alourada pela luz, iam-se formando ondulantes camadas sangüíneas, que se agitavam, desprendendo aromas de flor. E, rodando o olhar, percebeu, cheia de encantos, que se achava deitada entre pétalas gigantescas, no regaço de uma rosa interminável, em que seu corpo se atufava como em ninho de veludo carmesim, bordado de ouro, fofo, macio, trescalante e morno.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Uma irresistível necessidade de estar só, completamente só, uma aflição de conversar consigo mesma, a apartava no seu estreito quarto sufocante, tão tristonho e tão pouco amigo. Pungia-lhe na brancura da alma virgem um arrependimento incisivo e negro das torpezas da antevéspera; mas, lubrificada por essa recordação, toda a sua carne ria e rejubilava-se, pressentindo delicias que lhe pareciam reservadas para mais tarde, junto de um homem amado, dentro dela balbuciavam desejos, até ai mudos e adormecidos; e mistérios desvendavam-se no segredo do seu corpo, enchendo-a de surpresa e mergulhando-a em fundas concentrações de êxtase. Um inefável quebranto afrouxava-lhe a energia e distendia-lhe os músculos com uma embriaguez de flores traiçoeiras.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“- Ah! choras sem motivo?... Espera, que te faço chorar com razão.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“A cabocla disse-lhe que se banhasse todos os dias e desse a beber ao seu homem, no café pela manhã, algumas gotas das águas da lavagem; e, se no fim de algum tempo, este regime não produzisse o desejado efeito, então cortasse um pouco dos cabelos do corpo, torrasse-os até os reduzir a pó e lhos ministrasse depois na comida.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“- Sempre os mesmos pedaços de asno!... comentava franzindo o nariz. Se a tola da mulher só lhes procura agradar e fazer-lhes o gosto, ficam enjoados, e, se ela não toma a sério a borracheira do casamento, dão por paus e por pedras, como esta besta! Uma súcia, todos eles!”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“Ele voltou para a rapariga o seu olhar de animal prostrado e, por única resposta, passou-lhe o braço esquerdo na cintura e procurou com a mão direita segurar a dela. Queria com isto traduzir o seu reconhecimento, e a mulata assim o entendeu, tanto que consentiu: mal, porém, a sua carne lhe tocou na carne, um desejo ardente apossou-se dele; uma vontade desensofrida de senhorear-se no mesmo instante daquela mulher e possuí-la inteira, devorá-la num só hausto de luxúria, trincá-la como um caju.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço
“A portuguesa não dizia nada, sorria contrafeita, no intimo, ressentida contra aquela invasão de uma estranha nos cuidados pelo seu homem. Não era a inteligência nem a razão o que lhe apontava o perigo, mas o instinto, o faro sutil e desconfiado de toda a fêmea pelas outras, quando sente o seu ninho exposto.”
Aluísio Azevedo, O Cortiço

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