Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo Quotes
Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
by
Sandra Edler16 ratings, 4.50 average rating, 1 review
Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo Quotes
Showing 1-11 of 11
“Em seu texto Inibição, sintoma e angústia (1926), Freud observa que os estados depressivos se manifestam através de uma inibição generalizada. Estabelece uma diferenciação entre a inibição e o sintoma, uma vez que, na inibição, ocorrem limitações, restrições nas funções do eu, sobretudo em relação ao trabalho e ao amor. O sintoma, por sua vez, aparece como indício, substituto de uma satisfação pulsional que foi recalcada. No caso das inibições, Freud nos diz, “o eu renuncia a essas operações a fim de não entrar em conflito com o supereu” (p. 86). Podemos resgatar essa diferenciação privilegiando, no primeiro momento, o quadro de inibição apresentado pelos pacientes deprimidos. E concordamos igualmente com a idéia de que o conflito com freqüência não aparece logo, está como que adiado, encoberto por essa bruma de apatia e desvalorização que tomam a frente, paralisando ações e iniciativas e distanciando o sujeito de qualquer implicação com o seu desejo.
Se, como observou Ehrenberg, o conflito trazia inquietação e, de alguma maneira, impulsionava o sujeito ao movimento, o distanciamento do conflito está longe de apaziguá-lo. Na condição depressiva, é invadido por sentimentos de derrota, abandono e culpa. Se o desejo faz sempre um apontamento à falta, elemento indispensável ao movimento de busca, na condição depressiva que lhe é antagônica o sujeito fica referido ao lugar da falta em sua face dolorosa: paralisado, sem ânimo e sem esperança para realizar esse movimento.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
Se, como observou Ehrenberg, o conflito trazia inquietação e, de alguma maneira, impulsionava o sujeito ao movimento, o distanciamento do conflito está longe de apaziguá-lo. Na condição depressiva, é invadido por sentimentos de derrota, abandono e culpa. Se o desejo faz sempre um apontamento à falta, elemento indispensável ao movimento de busca, na condição depressiva que lhe é antagônica o sujeito fica referido ao lugar da falta em sua face dolorosa: paralisado, sem ânimo e sem esperança para realizar esse movimento.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“Observamos, nos últimos anos, a chegada de moças e rapazes em busca de ajuda, sentindo-se aquém e à margem de um mercado de trabalho fechado, rigoroso e mesmo implacável. Poucas épocas históricas trouxeram tantas dificuldades de ingresso à idade adulta como a nossa.
Ao analisar questões trazidas por esse grupo em suas novas especificidades, percebemos em comum não apenas uma auto-avaliação bastante depreciativa como uma condição subjetiva diferente daquela do luto. Não se tratava, então, de recuperar um processo interrompido ou de ajudar a elaborar uma perda. Estávamos diante de um quadro de desesperança diante do amanhã e de apequenamento diante da vida, uma relutância em fazer escolhas e seguir adiante. Um grupo amedrontado, insatisfeito, refugiando-se no tédio, trazendo em seu repertório de queixas o sentimento de profunda insuficiência.
O sociólogo francês Alain Ehrenberg (1998), que desenvolveu ampla pesquisa no sentido de desenhar os contornos do indivíduo na contemporaneidade, dedica-se, no terceiro volume de sua trilogia, a pesquisar as depressões, interrogando como ela se impôs como a forma de sofrimento predominante e em que medida esse fenômeno seria revelador das mutações da individualidade ao fim do século XX. Referindo-se à cultura francesa, o autor traça um paralelo entre o crescimento das depressões e a ascensão de valores ligados à competitividade econômica e à competição esportiva. Assim, ter-se-ia difundido a idéia de um indivíduo-trajetória em busca da conquista de sua identidade social. Observa ainda que há, nos estados depressivos contemporâneos, um predomínio dos sentimentos de insuficiência, paralelamente ao esvaziamento da dimensão do conflito. A presença do conflito, nos quadros neuróticos, como ressaltamos, contribuía para que o sujeito se mantivesse em movimento. Nas depressões, contudo, o apagamento do conflito, o sentimento de fragilidade, instabilidade e precariedade diante da vida, deixam o sujeito capturado pela própria insuficiência. Além disso, segundo Ehrenberg, a vergonha substitui a culpa. O depressivo mergulha numa lógica na qual domina o sentimento de inferioridade, daí a vergonha que, por sua vez, aponta para a origem narcísica do distúrbio. E o narcisismo, ressalta o autor, não corresponde ao amor de si e, sim, ao aprisionamento a uma imagem ideal, inatingível, em face da qual o sujeito se sente impotente. De forma semelhante encontramos, em nossa prática clínica, sujeitos envergonhados diante de uma condição de suposta inferioridade física e/ou intelectual totalmente imaginária, mas, apegados a ela, refugiam-se em casa, por vezes em seus quartos, escondendo-se dos demais, recusando-se a questionar o próprio desejo.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
Ao analisar questões trazidas por esse grupo em suas novas especificidades, percebemos em comum não apenas uma auto-avaliação bastante depreciativa como uma condição subjetiva diferente daquela do luto. Não se tratava, então, de recuperar um processo interrompido ou de ajudar a elaborar uma perda. Estávamos diante de um quadro de desesperança diante do amanhã e de apequenamento diante da vida, uma relutância em fazer escolhas e seguir adiante. Um grupo amedrontado, insatisfeito, refugiando-se no tédio, trazendo em seu repertório de queixas o sentimento de profunda insuficiência.
O sociólogo francês Alain Ehrenberg (1998), que desenvolveu ampla pesquisa no sentido de desenhar os contornos do indivíduo na contemporaneidade, dedica-se, no terceiro volume de sua trilogia, a pesquisar as depressões, interrogando como ela se impôs como a forma de sofrimento predominante e em que medida esse fenômeno seria revelador das mutações da individualidade ao fim do século XX. Referindo-se à cultura francesa, o autor traça um paralelo entre o crescimento das depressões e a ascensão de valores ligados à competitividade econômica e à competição esportiva. Assim, ter-se-ia difundido a idéia de um indivíduo-trajetória em busca da conquista de sua identidade social. Observa ainda que há, nos estados depressivos contemporâneos, um predomínio dos sentimentos de insuficiência, paralelamente ao esvaziamento da dimensão do conflito. A presença do conflito, nos quadros neuróticos, como ressaltamos, contribuía para que o sujeito se mantivesse em movimento. Nas depressões, contudo, o apagamento do conflito, o sentimento de fragilidade, instabilidade e precariedade diante da vida, deixam o sujeito capturado pela própria insuficiência. Além disso, segundo Ehrenberg, a vergonha substitui a culpa. O depressivo mergulha numa lógica na qual domina o sentimento de inferioridade, daí a vergonha que, por sua vez, aponta para a origem narcísica do distúrbio. E o narcisismo, ressalta o autor, não corresponde ao amor de si e, sim, ao aprisionamento a uma imagem ideal, inatingível, em face da qual o sujeito se sente impotente. De forma semelhante encontramos, em nossa prática clínica, sujeitos envergonhados diante de uma condição de suposta inferioridade física e/ou intelectual totalmente imaginária, mas, apegados a ela, refugiam-se em casa, por vezes em seus quartos, escondendo-se dos demais, recusando-se a questionar o próprio desejo.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“Na festa do capitalismo avançado em que vivemos, encontramos basicamente duas categorias de sujeitos: aqueles que aproveitam a festa até a última gota, se deixam consumir e seguem as prescrições do excesso em práticas hedonistas em que o prazer só pode ser obtido na ultrapassagem de medidas; e os que não se acham merecedores do convite ou não sabem como consegui-lo, os barrados no baile. Poderíamos dizer que essa dupla e extrema forma de expressão, em crescimento na contemporaneidade, seria, em grande parte, fomentada pelo pano de fundo do capitalismo avançado e, de formas diferentes, contribui para ampliar o distanciamento do sujeito em relação ao registro do desejo, ilustrando o crescimento da dimensão do gozo.
O conceito de gozo teve suas primeiras formulações em Freud, no início de seu percurso, referido ao gozo sexual, e mais adiante em sua obra, embora não com esse termo. Depois de 1920, Freud faz referência a determinadas condições em que o sujeito obtém satisfação com o próprio sofrimento. Com a segunda teoria pulsional e o advento da pulsão de morte, avança nesse terreno intermediário entre o prazer e a dor que se enlaçam e se confundem. Coube a Jacques Lacan, em sua releitura do texto freudiano, nomear e definir o gozo como um dos conceitos de maior fertilidade para a abordagem das condições de vida contemporâneas. Para uma pesquisa mais ampla das depressões, é importante mencioná-lo, na medida em que as depressões podem ser consideradas, hoje, uma modalidade narcísica de gozo.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
O conceito de gozo teve suas primeiras formulações em Freud, no início de seu percurso, referido ao gozo sexual, e mais adiante em sua obra, embora não com esse termo. Depois de 1920, Freud faz referência a determinadas condições em que o sujeito obtém satisfação com o próprio sofrimento. Com a segunda teoria pulsional e o advento da pulsão de morte, avança nesse terreno intermediário entre o prazer e a dor que se enlaçam e se confundem. Coube a Jacques Lacan, em sua releitura do texto freudiano, nomear e definir o gozo como um dos conceitos de maior fertilidade para a abordagem das condições de vida contemporâneas. Para uma pesquisa mais ampla das depressões, é importante mencioná-lo, na medida em que as depressões podem ser consideradas, hoje, uma modalidade narcísica de gozo.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“O pensador político Anthony Giddens (2002) deteve-se no estudo dessa questão ao pesquisar o efeito do regime social e político sobre o sujeito em diversos setores da vida, inclusive a intimidade. Vivemos hoje em uma sociedade cosmopolita global. Para esse autor, o capitalismo, em seus esforços para padronizar o consumo e formar gostos através da propaganda, desempenha um papel importante na ampliação do narcisismo. O consumismo difundiu-se numa cultura totalmente voltada às aparências. Observa ainda Giddens que o consumo promete as mesmas coisas que o narcisismo deseja — charme, beleza e popularidade —, através do consumo dos tipos certos de bens e serviços. Isso nos remete, segundo o autor, a um mundo cercado de espelhos nos quais buscamos a aparência de um eu socialmente valorizado.
Dessa forma, uma das conseqüências do capitalismo avançado seria uma inflação narcísica. Com uma oferta quase infinita de bens, o sujeito se deixa capturar por objetos de desejo, sonhos de consumo. O narcisismo, essa paixão da imagem, com os recursos oferecidos pela ciência hoje, atingiu sua culminância com a perspectiva (ou realidade?) do aparecimento de clones: a geração de outras criaturas à nossa imagem e semelhança. Dificilmente encontraríamos outra expressão tão extrema de narcisismo.
O pano de fundo do capitalismo avançado aliado à evolução da ciência e da tecnologia fomentam a idéia de superação da dimensão do impossível — o impossível hoje será possível amanhã. Esse novo mandamento interfere na dinâmica da castração, afetando a dimensão subjetiva constituída, como ressaltamos, em torno de uma falta. Com a redução da dimensão da impossibilidade, ampliou-se enormemente, a nosso ver, a dimensão da impotência, uma vez que, se tudo é possível, eu é que não posso. Essa condição, ao incidir sobre as estruturas neuróticas, tem um efeito devastador, uma vez que potencializa os sentimentos de inferioridade e destituição a elas inerentes.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
Dessa forma, uma das conseqüências do capitalismo avançado seria uma inflação narcísica. Com uma oferta quase infinita de bens, o sujeito se deixa capturar por objetos de desejo, sonhos de consumo. O narcisismo, essa paixão da imagem, com os recursos oferecidos pela ciência hoje, atingiu sua culminância com a perspectiva (ou realidade?) do aparecimento de clones: a geração de outras criaturas à nossa imagem e semelhança. Dificilmente encontraríamos outra expressão tão extrema de narcisismo.
O pano de fundo do capitalismo avançado aliado à evolução da ciência e da tecnologia fomentam a idéia de superação da dimensão do impossível — o impossível hoje será possível amanhã. Esse novo mandamento interfere na dinâmica da castração, afetando a dimensão subjetiva constituída, como ressaltamos, em torno de uma falta. Com a redução da dimensão da impossibilidade, ampliou-se enormemente, a nosso ver, a dimensão da impotência, uma vez que, se tudo é possível, eu é que não posso. Essa condição, ao incidir sobre as estruturas neuróticas, tem um efeito devastador, uma vez que potencializa os sentimentos de inferioridade e destituição a elas inerentes.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“O desejo é aquela chama que ilumina o sujeito em busca de algo que acredita ser uma fonte de realização. Além de iluminar, para dizer de maneira poética, o desejo é um estímulo ao psiquismo. Em busca de sua realização, o sujeito procura e freqüentemente encontra saídas, as mais diversas, para os obstáculos inerentes à vida. Surge a criatividade para facilitar a resolução de problemas. É o desejo, muito mais do que a disciplina, que mobiliza espontaneamente o sujeito à ação.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“A perda de objetos muito amados lança o sujeito na condição de sofrimento. Mas, por outro lado, o homem reluta e chega mesmo a se opor à idéia de afastar-se de um objeto amado que perdeu. Isso quer dizer que a elaboração do luto dá trabalho, implica um gasto energético significativo, consome tempo, e, durante esse tempo, a existência do objeto perdido é prolongada no psiquismo. O desligamento se dá paulatinamente. Freud observa que “uma a uma das lembranças e expectativas pelas quais a libido se ligava ao objeto são focalizadas e superinvestidas e nelas se realiza o desligamento da libido” (p. 243). Podemos facilmente observar, na prática, tal afirmativa. Basta visitarmos alguém que acaba de perder um ente querido. Invariavelmente percebemos que a conversa gira em torno do tema da morte, das circunstâncias em que ocorreu, das últimas palavras do falecido. E isso não ocorre apenas em caso de perda por morte. Ao ouvir uma jovem que foi deixada por um namorado ou demitida de um emprego que julgasse importante, observamos igual relutância em voltar-se para outro assunto. Isso se deve ao prolongamento, no psiquismo, do pensamento voltado ao que foi perdido.
Freud situou o luto, a condição de perda de alguém ou de algo muito importante para o eu, como um modelo — o modelo do trabalho psíquico diante da elaboração de uma perda. Podemos perder de várias maneiras: a morte — perda absoluta, a separação, a desistência, o desaparecimento, o exílio. Além disso, as perdas não se referem apenas a pessoas. Podemos perder determinadas posições sociais e profissionais, bens, patrimônio. Perder faz parte da vida, mas a maneira como cada um reage às perdas difere enormemente.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
Freud situou o luto, a condição de perda de alguém ou de algo muito importante para o eu, como um modelo — o modelo do trabalho psíquico diante da elaboração de uma perda. Podemos perder de várias maneiras: a morte — perda absoluta, a separação, a desistência, o desaparecimento, o exílio. Além disso, as perdas não se referem apenas a pessoas. Podemos perder determinadas posições sociais e profissionais, bens, patrimônio. Perder faz parte da vida, mas a maneira como cada um reage às perdas difere enormemente.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“Se analisarmos pelo ângulo da perda, poderíamos dizer que, na melancolia, a perda não apresenta condições de ser simbolizada ou, melhor, o melancólico não consegue simbolizá-la, o que permitiria algum tipo de cicatrização. Permanece, na expressão de Freud (1917, op. cit.), “como uma ferida aberta, atraindo para si toda a energia de investimento, esvaziando o eu até o empobrecimento total” (p. 250). Ao produzir uma dor constante que não cicatriza, essa ferida aberta não deixa o eu disponível. Ocorre, em conseqüência dela, a inibição da atividade, a abolição do desejo que presenciamos nesses quadros, o que impossibilita o investimento no amor e nas coisas do mundo. Um mecanismo compreensível se considerarmos que o eu se converte na própria perda. Essa perda estrutural configura-se no eu do melancólico, de forma que ele próprio será aquilo que foi perdido, identificado a ele, sem valor, nadificado. Daí as idéias de ruína, empobrecimento, desvalorização, abandono. Em sua própria avaliação, o melancólico não vale coisa alguma.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“A hostilidade dirigida ao objeto trouxe uma possibilidade de compreensão dos poderosos mecanismos envolvidos no suicídio como ato-limite. Tal hostilidade se volta ao próprio eu do sujeito numa espécie de confusão entre ele e o objeto. Como resultado dessa ação sádica, temos o ato suicida, a destruição do eu pela identificação inconsciente com o objeto. O eu trata a si mesmo como trataria o objeto do seu amor ambivalente. Freud conclui esse pensamento definindo três mecanismos encontrados na melancolia: a regressão da libido em direção ao eu, a perda do objeto e a ambivalência. Detalhes da identificação narcisista e o estudo mais elaborado da ação superegóica, desenvolvidos adiante, fornecem, paulatinamente, elementos para a compreensão desse quadro extremo. A observação clínica de Freud caminhava à frente, impulsionando a pesquisa teórica, apresentando questões, exigindo uma formulação mais ampla que pudesse dar conta das inúmeras interrogações e desafios gerados pelo contato com os pacientes. O ato suicida é um deles.
O eu seria a grande reserva narcísica, um vasto campo de forças bem expresso no medo mobilizado diante de uma ameaça à vida. Como, então, compreender uma situação ou contexto no qual o eu consente em sua própria destruição? Freud chegará à formulação de que, na regressão narcisista, o objeto se revela mais poderoso que o próprio eu. Em situações opostas, na paixão intensa e na situação de suicídio, o eu é dominado, subjugado, pelo objeto, embora de maneiras totalmente distintas. No caso do suicídio, de ampla complexidade, Freud irá formular a idéia de que o sadismo dirigido ao objeto se volta contra o eu, que, sob a ação do supereu, tenta direcioná-lo à auto-extinção. Os estudos sobre essa questão prosseguem em textos posteriores, O eu e o isso (1923) e O problema econômico do masoquismo (1924). A questão da ação do objeto, tão nítida na melancolia, inspirou Freud numa poética expressão que ganhou notoriedade e é sempre citada nos muitos trabalhos sobre o tema: “a sombra do objeto caiu sobre o eu” (1917, p. 246) — o que ilustra, por sua vez, o ponto de articulação entre a melancolia e o narcisismo. Diferentemente do luto, a libido investida no objeto perdido retorna ao eu e lá estabelece a identificação do eu com o objeto perdido.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
O eu seria a grande reserva narcísica, um vasto campo de forças bem expresso no medo mobilizado diante de uma ameaça à vida. Como, então, compreender uma situação ou contexto no qual o eu consente em sua própria destruição? Freud chegará à formulação de que, na regressão narcisista, o objeto se revela mais poderoso que o próprio eu. Em situações opostas, na paixão intensa e na situação de suicídio, o eu é dominado, subjugado, pelo objeto, embora de maneiras totalmente distintas. No caso do suicídio, de ampla complexidade, Freud irá formular a idéia de que o sadismo dirigido ao objeto se volta contra o eu, que, sob a ação do supereu, tenta direcioná-lo à auto-extinção. Os estudos sobre essa questão prosseguem em textos posteriores, O eu e o isso (1923) e O problema econômico do masoquismo (1924). A questão da ação do objeto, tão nítida na melancolia, inspirou Freud numa poética expressão que ganhou notoriedade e é sempre citada nos muitos trabalhos sobre o tema: “a sombra do objeto caiu sobre o eu” (1917, p. 246) — o que ilustra, por sua vez, o ponto de articulação entre a melancolia e o narcisismo. Diferentemente do luto, a libido investida no objeto perdido retorna ao eu e lá estabelece a identificação do eu com o objeto perdido.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“A perda de um objeto amoroso constitui-se uma experiência ímpar para o exame da ambivalência, pois, em cada relação, amor e ódio estão entrelaçados. Existe, em conseqüência disso, uma fantasia de perda do parceiro ou parceira, e essa fantasia é responsável por um grau maior ou menor de culpa. No caso do neurótico obsessivo, por exemplo, o conflito produzido pela ambivalência confere ao luto um cunho patológico. O obsessivo pode culpar-se pela perda porque, em algum nível, a desejou. O luto assim se reveste de um fator de complexidade, um elemento complicador, o chamado luto patológico. Mas o luto patológico, mesmo extremo e complicado, difere enormemente da condição melancólica. Por mais difícil que seja, o sujeito está lidando com algo que, na realidade, perdeu. No caso da melancolia, sempre tendo como referência a divisão do eu, Freud observa que o mecanismo de identificação narcisista faz desencadear o ódio contra si mesmo e, paralelamente, uma satisfação secundária com o próprio sofrimento. Dito de outra maneira, tanto na neurose obsessiva quanto na melancolia, a instância crítica, depois nomeada supereu, reveste-se de particular crueldade, esmagando o eu sob a pressão da culpa e encontrando, nesse movimento, algum tipo de satisfação. O automartírio implica algo da ordem do gozo, aqui entendido como uma parcela de satisfação, ainda que paradoxal, no sofrimento.
Mas na melancolia, como já referimos, uma parte do eu se contrapõe à outra, toma-a como objeto, julga-a, confere uma sentença e desenvolve a convicção de que é merecedora de alguma espécie de castigo. A identificação melancólica ou narcisista, uma forma regredida de identificação, implica condições em que o eu é modificado, devorado pelo objeto, restando empobrecido. Como conseqüência ocorre, então, segundo Freud (1917), “uma identificação do eu com o objeto perdido” (p. 246).
Na mesma linha de pensamento, Freud enfatiza, na divisão do eu, uma clivagem dolorosa, a inserção do sadismo e, com base nesse mecanismo, propõe uma explicação para o suicídio melancólico que detalharemos adiante. O eu só pode se condenar à morte se puder tratar a si mesmo como um objeto, um objeto a quem seria dirigido forte contingente de ódio e hostilidade. O melancólico é sustentado pela paixão do ódio.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
Mas na melancolia, como já referimos, uma parte do eu se contrapõe à outra, toma-a como objeto, julga-a, confere uma sentença e desenvolve a convicção de que é merecedora de alguma espécie de castigo. A identificação melancólica ou narcisista, uma forma regredida de identificação, implica condições em que o eu é modificado, devorado pelo objeto, restando empobrecido. Como conseqüência ocorre, então, segundo Freud (1917), “uma identificação do eu com o objeto perdido” (p. 246).
Na mesma linha de pensamento, Freud enfatiza, na divisão do eu, uma clivagem dolorosa, a inserção do sadismo e, com base nesse mecanismo, propõe uma explicação para o suicídio melancólico que detalharemos adiante. O eu só pode se condenar à morte se puder tratar a si mesmo como um objeto, um objeto a quem seria dirigido forte contingente de ódio e hostilidade. O melancólico é sustentado pela paixão do ódio.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“Pode-se perguntar como um estado narcísico tão evidente pode coexistir com uma auto-estima tão diminuída. Uma possibilidade de elucidação vem da expressão alemã utilizada repetidas vezes por Freud, Selbst, que pode ser traduzida por auto, ou seja, voltado a si. A referência do sujeito melancólico seria então uma auto-referência, um autocentramento, tanto na censura e crítica de si — nas quais, como vimos, é implacável — quanto no mecanismo de engrandecimento ou mesmo no delírio de grandeza, que podem surgir no estado maníaco. Em ambas as condições, reduzido ao mínimo ou elevado ao máximo, o sujeito está no centro da avaliação.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
“Freud observa a extraordinária diminuição do sentimento de si, como se o melancólico estivesse destituído de auto-estima, e percebe, também, algo que falta no luto: um enorme empobrecimento do eu. No luto, o mundo se torna pobre e vazio; na melancolia, o próprio eu do sujeito sofre esse processo de empobrecimento, esvaziamento e aridez. Analisando o movimento de auto-recriminação freqüente nos quadros melancólicos, Freud constata que esses pacientes se mostram desprovidos de vergonha e apresentam, ao contrário, uma satisfação no desmascaramento de si próprios, no auto-envilecimento. Destituído de valor e convencido de suas implicações negativas, mostra-se, por vezes, culpado até pela consideração com que é tratado pelos familiares, e aguarda uma punição compatível com esse implacável olhar que dirige a si. A expectativa delirante de punição acompanha o quadro.”
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
― Luto e Melancolia - À sombra do espetáculo
