Memoria de elefante Quotes
Memoria de elefante
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António Lobo Antunes1,833 ratings, 3.84 average rating, 148 reviews
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Memoria de elefante Quotes
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“Amo-te tanto que te não sei amar, amo tanto o teu corpo e o que em ti não é o teu corpo que não compreendo porque nos perdemos se a cada passo te encontro, se sempre ao beijar-te beijei mais do que a carne de que és feita, se o nosso casamento definhou de mocidade como outros de velhice, se depois de ti a minha solidão incha do teu cheiro, do entusiasmo dos teus projectos e do redondo das tuas nádegas, se sufoco da ternura de que não consigo falar, aqui neste momento,
amor, me despeço e te chamo sabendo que não virás e desejando que venhas do mesmo modo que, como diz Molero, um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.”
― Memoria de elefante
amor, me despeço e te chamo sabendo que não virás e desejando que venhas do mesmo modo que, como diz Molero, um cego espera os olhos que encomendou pelo correio.”
― Memoria de elefante
“E porque é que só sei gostar, perguntou-se examinando as bolhas de gás pegadas à parede do vidro, porque é que só sei dizer que gosto através dos rodriguinhos de perifrases e metáforas e imagens, da preocupação dealindar, de pôr franjas de crochet nos sentimentos, de verter a exastação e a angustia na cadencia pindérica do fadomenor, alma a gingar, piegas, à Correia de Oliveira de samarra, se tudo isto é limpo, claro, directo, sem precisão de bonitezas, enxuto como uma Giacometti numa sala vazia e tão simplesmente eloquente como ele: depor palavras aos pés de uma escultura equivale às flores inuteis que se entregam aos mortos ou à dança da chuva em torno de um poço cheio: chiça para mim e para o romantismo meloso que me corre nas veias, minha eterna dificuldade em proferir palavras secas e exactas como pedras”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“comerei beijos como quem come sopa, e palitarei as gengivas no fim para extrair dos molares restos incómodos de ternura”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“O médico lembrou-se de uma frase de Scott Fitzgerald, tripulante aflito do barco em que
seguiam, deixado em terra numa viagem
anterior, de coração exausto alimentado pelo oxigénio amargo do álcool: na noite mais escura da alma são sempre três horas da
manhã.”
― Memoria de elefante
seguiam, deixado em terra numa viagem
anterior, de coração exausto alimentado pelo oxigénio amargo do álcool: na noite mais escura da alma são sempre três horas da
manhã.”
― Memoria de elefante
“esse homem que morava numa garrafa de uísque como os barcos dos colecionadores”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“(...) acontecia-lhe adormecer ao relento, de cabeça encostada ao estore, com um barco que saía da barra a viajar-lhe dentro das pálpebras cansadas, e lograr desse jeito alguma espécie de sossego, até que um indício de claridade roxa, misturada com pardais, o despertava (...)”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“A noite das ruas e das praças, nessa sexta-feira, aparentava-se para o médico às noites de infância quando, deitado, escutava, vindo do escritório, os tais duetos de ópera que lhe chegavam à cama sob a forma de discussões apavorantes, o pai-tenor e a mãe-soprano a insultarem-se aos gritos num fundo tétrico de orquestra que o escuro ampliava até um deles enforcar o outro num nó corredio de um dó sustenido, a que se seguia o terrível silêncio das tragédias consumadas: alguém jazia na carpete numa poça de colcheias, assassinado a golpes de bemóis, e maestros gatos-pingados, vestidos de preto, subiriam em breve a escada carregando um caixão que se assemelhava a um estojo de contrabaixo, com o crucifixo de duas batutas cruzadas no tampo.”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“Não sei, respondeu rapidamente no medo de que a receptividade que conseguira
desaparecesse e se achasse defronte de oito rostos aborrecidos ou hostis. - Não sei ou sei, é conforme, acho que me apavora um bocado o amor que os outros têm por mim e eu por eles e receio viver isso até ao fim,
inteiramente, entregar-me às coisas e lutar por elas enquanto tiver força, e quando a força se acabar arranjar mais força para prosseguir o combate.”
― Memoria de elefante
desaparecesse e se achasse defronte de oito rostos aborrecidos ou hostis. - Não sei ou sei, é conforme, acho que me apavora um bocado o amor que os outros têm por mim e eu por eles e receio viver isso até ao fim,
inteiramente, entregar-me às coisas e lutar por elas enquanto tiver força, e quando a força se acabar arranjar mais força para prosseguir o combate.”
― Memoria de elefante
“no íntimo desejaria que o analista se vestisse segundo os seus próprios padrões de
elegância, aliás discutíveis e vagos no que a si se referia: um dos irmãos costumava dizer-lhe que ele, psiquiatra, se assemelhava à fotografia à la minute de um noivo de província, espantado em jaquetão de riscas mal feitas. Enfarpelo-me como o Coelho Branco da Alice e exijo que aqueles que aprecio ingressem no uniforme do chapeleiro Louco: talvez que assim possamos todos jogar croquet com a Rainha de Copas, cortar de um só golpe o pescoço ao quotidiano do Quotidiano e saltar a pés juntos para o outro lado do espelho.”
― Memoria de elefante
elegância, aliás discutíveis e vagos no que a si se referia: um dos irmãos costumava dizer-lhe que ele, psiquiatra, se assemelhava à fotografia à la minute de um noivo de província, espantado em jaquetão de riscas mal feitas. Enfarpelo-me como o Coelho Branco da Alice e exijo que aqueles que aprecio ingressem no uniforme do chapeleiro Louco: talvez que assim possamos todos jogar croquet com a Rainha de Copas, cortar de um só golpe o pescoço ao quotidiano do Quotidiano e saltar a pés juntos para o outro lado do espelho.”
― Memoria de elefante
“O sinal passou a verde e imediatamente o táxi por trás dele buzinou, imperioso: porque raio é que os choferes de táxi, perguntou-se, são as criaturas mais azedas do mundo? E também homens sem rosto, reduzidos a nuca
e ombros plantados como pregos no banco da frente, e ocasionalmente a um par de olhos vazios no quadradinho do retrovisor, órbitas de vidro inexpressivo como os dos
bichos das noras. Talvez que circular por Lisboa o dia inteiro atire as pessoas para uma espécie de epilepsia explosiva, talvez que esta cidade de raiva e nojo a quem por obrigação a percorre em todos os sentidos, talvez que o próprio do indivíduo seja a exaltação assassina em franjas e andemos por aqui, nós os comedidos, a fingir amabilidade que não temos”
― Memoria de elefante
e ombros plantados como pregos no banco da frente, e ocasionalmente a um par de olhos vazios no quadradinho do retrovisor, órbitas de vidro inexpressivo como os dos
bichos das noras. Talvez que circular por Lisboa o dia inteiro atire as pessoas para uma espécie de epilepsia explosiva, talvez que esta cidade de raiva e nojo a quem por obrigação a percorre em todos os sentidos, talvez que o próprio do indivíduo seja a exaltação assassina em franjas e andemos por aqui, nós os comedidos, a fingir amabilidade que não temos”
― Memoria de elefante
“Nunca topei corpo para mim como o teu, disse-se o médico vertendo a cerveja na caneca, tão à medida das minhas humanas e desumanas medidas, as autênticas e as inventadas que nem por o serem o são menos, nunca topei uma tão grande e boa capacidade de encontro com outra pessoa, de absoluta coincidência, de se ser entendido sem falar e de entender o silêncio e as emoções e os pensamentos alheios, que me foi sempre milagre o termo-nos conhecido na praia onde te conheci, magra, morena, frágil, o teu antiquíssimo perfil sério pousado nos joelhos dobrados, o cigarro que fumavas, a cerveja (igual a esta) no banco à tua ilharga, a tua perpétua atenção de bicho, os muitos anéis de prata dos teus dedos, minha mulher
dele sempre e minha única mulher, minha lâmpada para o escuro, retrato dos meus olhos, mar de Setembro, meu amor.”
― Memoria de elefante
dele sempre e minha única mulher, minha lâmpada para o escuro, retrato dos meus olhos, mar de Setembro, meu amor.”
― Memoria de elefante
“(...) a ausência de talento é uma bênção, verificou ele; só que custa a gente habituar-se a isso. E assumida a sua condição de homem comum reduzido aos raros voos de perdiz de uma poesia ocasional, sem a corcunda da imortalidade agarrada às costas, sentia-se livre para sofrer sem originalidade e dispensado de rodear os seus silêncios da muralha de taciturna inteligência que
associava ao génio.”
― Memoria de elefante
associava ao génio.”
― Memoria de elefante
“Esta cidade que era a sua oferecia-lhe sempre, através das suas avenidas e das suas praças, o rosto infinitamente variável de uma amante caprichosa que as árvores escureciam do cone de sombra dos remorsos melancólicos, e acontecia-lhe tropeçar nos Neptunos dos lagos como um bêbedo se encontra, ao sair de um candeeiro, com o queixo feroz de um polícia sem humor, culturalmente alimentado pelos erros de gramática do cabo da esquadra. Todas as estátuas apontavam o dedo na direcção do mar, convidando à India ou a um suicídio discreto, consoante o estado de alma e o nível do desejo de aventura no depósito da infância (...)”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“O psiquiatra sentiu-se de repente pré-histórico junto desses seres cujos olhos
oblíquosquos eram lentes de Leika e cujos estômagos haviamsido substituídos por carburadores de Datsun, para sempre libertos de guinadas de azia e de gases que hesitavam
entre o suspiro e o arroto: não sei se é
borborigmo se tristeza, pensava muitas vezes quando lhe inchava o peito e lhe chegava à boca o balão de uma pastilha elástica sem pastilha a evaporar-se pelos lábios num assobiozinho de cometa, e atribuía por comodidade ao esófago o que de facto dizia respeito à confusão da sua angústia.”
― Memoria de elefante
oblíquosquos eram lentes de Leika e cujos estômagos haviamsido substituídos por carburadores de Datsun, para sempre libertos de guinadas de azia e de gases que hesitavam
entre o suspiro e o arroto: não sei se é
borborigmo se tristeza, pensava muitas vezes quando lhe inchava o peito e lhe chegava à boca o balão de uma pastilha elástica sem pastilha a evaporar-se pelos lábios num assobiozinho de cometa, e atribuía por comodidade ao esófago o que de facto dizia respeito à confusão da sua angústia.”
― Memoria de elefante
“Somos ele e eu Sandokans de meia idade, pensou o médico, em que a aventura consiste em decifrar a página necrológica do jornal na esperança de que a omissão do nosso nome
nos garanta estarmos vivos. E vamos entretanto partindo aos pedaços, por fracções, o cabelo, o apêndice, a vesicula, alguns dentes, como encomendas desmontáveis”
― Memoria de elefante
nos garanta estarmos vivos. E vamos entretanto partindo aos pedaços, por fracções, o cabelo, o apêndice, a vesicula, alguns dentes, como encomendas desmontáveis”
― Memoria de elefante
“E aqui estou eu, disse-se o médico, a colaborar não colaborando com a continuação disto, com a pavorosa máquina doente da saúde mental trituradora no ovo dos germenzinhos de liberdade que em nós nascem sob a forma canhestra de um protesto inquieto, pactuando mediante o meu silêncio, o ordenado que recebo, a carreira que me oferecem: como resistir de
dentro, quase sem ajuda, à inércia eficaz e mole da psiquiatria institucional, inventora da grande linha branca de separar a normalidade da «loucura» através de uma
complexa e postiça rede de sintomas, da psiquiatria como grosseira alienação, como vingança dos castrados contra o pénis que não têm, como arma real da burguesia a que
por nascença pertenço e que se torna tão difícil renegar, hesitando como hesito entre o imobilismo cómodo e a revolta penosa, cujo preço se paga caro porque se não tiver pais quem virá querer, à roda, perfilhar-me?”
― Memoria de elefante
dentro, quase sem ajuda, à inércia eficaz e mole da psiquiatria institucional, inventora da grande linha branca de separar a normalidade da «loucura» através de uma
complexa e postiça rede de sintomas, da psiquiatria como grosseira alienação, como vingança dos castrados contra o pénis que não têm, como arma real da burguesia a que
por nascença pertenço e que se torna tão difícil renegar, hesitando como hesito entre o imobilismo cómodo e a revolta penosa, cujo preço se paga caro porque se não tiver pais quem virá querer, à roda, perfilhar-me?”
― Memoria de elefante
“(...) de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiquetá-la, a comprimi-la de grades, a alimentá-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo, a conceder-lhe licença de saída ao fim-de-semana e a encaminhá-la na direcção de uma «normalidade» que provavelmente consiste apenas no empalhar em vida. Quando se diz, considerou ele de mãos nos bolsos a observar os serafins do bagaço, que os psiquiatras são malucos está se tocando sem saber o centro da verdade: em nenhuma especialidade como nesta se topam seres de crânio tão em saca-rolhas, tratando-se a si mesmos através das curas de sono impingidas por persuasão ou à força aos que os procuram para se procurarem e arrastam de consultório em consultório a ansiedade da sua tristeza, como um coxo transporta a perna manca de endireita em endireita, em busca de um milagre impossível. Vestir as pessoas de diagnósticos, ouvi-las sem as escutar, ficar de fora delas como à beira de um rio de que se desconhecem as correntes, os peixes e o côncavo de rocha de que nasce, assistir ao torvelinho da enchente sem molhar os pés, recomendar um comprimido depois de cada refeição e uma pílula à noite e ficar saciado com esse feito de escuteiro: o que me faz pertencer a este clube sinistro, meditou, e sofrer quotidianamente remorsos pela debilidade dos meus protestos e pelo meu inconformismo conformado, e até que ponto a certeza de que a revolução se faz do interior não funciona em mim como desculpa, autoviático para prosseguir cedendo?”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“(...) de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiquetá-la, a comprimi-la de grades, a alimentá-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo, a conceder-lhe licença de saída ao fim-de-semana e a encaminhá-la na direcção de uma «normalidade» que provavelmente consiste apenas no empalhar em vida. Quando se diz, considerou ele de mãos nos bolsos a observar os serafins do bagaço, que os psiquiatras são malucos está se tocando sem saber o centro da verdade: em nenhuma especialidade como nesta se topam seres de crânio tão em saca-rolhas, tratando-se a si mesmos através das curas de sono impingidas por persuasão ou à força aos que os procuram para se procurarem e arrastam de consultório em consultório a ansiedade da sua tristeza, como um coxo transporta a perna manca de endireita em endireita, em busca de um milagre impossível. Vestir as pessoas de diagnósticos, ouvi-las sem as escutar, ficar de fora delas como à beira de um rio de que se desconhecem”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“e trouxe à tona ao acaso, nítido na concha
da palma, ele miúdo acocorado no bacio diante do espelho do guarda-fato em que as mangas dos casacos pendurados de perfil como as pinturas egípcias proliferavam a abundância de lianas moles dos príncipes-de gales do seu pai.
Um puto loiro que alternadamente se espreme e observa, pensou concedendo um soslaio aos anos devolutos, eis um razoável resumo dos capítulos anteriores: costumavam deixá-lo assim horas seguidas na sua chávena de Sèvres de esmalte onde o chichi pianolava escalas tímidas de harpa, a conversar consigo mesmo as quatro ou cinco palavras de um vocabulário monossilábico completado de onomatopeias e guinchos de saguim abandonado, ao mesmo tempo que no andar de baixo a tromba de papa- -formigas do aspirador sugava carnivoramente as franjas comestíveis das carpetes manejada pela mulher do caseiro a quem o incómodo das pedras da vesícula acentuava o aspecto outonal. Quando é que eu me fodi?”
― Memoria de elefante
da palma, ele miúdo acocorado no bacio diante do espelho do guarda-fato em que as mangas dos casacos pendurados de perfil como as pinturas egípcias proliferavam a abundância de lianas moles dos príncipes-de gales do seu pai.
Um puto loiro que alternadamente se espreme e observa, pensou concedendo um soslaio aos anos devolutos, eis um razoável resumo dos capítulos anteriores: costumavam deixá-lo assim horas seguidas na sua chávena de Sèvres de esmalte onde o chichi pianolava escalas tímidas de harpa, a conversar consigo mesmo as quatro ou cinco palavras de um vocabulário monossilábico completado de onomatopeias e guinchos de saguim abandonado, ao mesmo tempo que no andar de baixo a tromba de papa- -formigas do aspirador sugava carnivoramente as franjas comestíveis das carpetes manejada pela mulher do caseiro a quem o incómodo das pedras da vesícula acentuava o aspecto outonal. Quando é que eu me fodi?”
― Memoria de elefante
“E acabamos fatalmente por desembocar na pergunta essencial, que se encontra por detrás de todas as outras quando todas as outras se afastam ou foram afastadas e que é, se me permitem, Quem Sou Eu? Interrogo-me e a resposta consiste, obcecantemente, invariavelmente, assim: Uma Merda.”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
“escrever é um bocado fazer respiração boca-a-boca ao dicionário de Moraes, à gramática da 4ª classe e aos restantes jazigos de palavras defuntas”
― Memoria de elefante
― Memoria de elefante
