Tainá Piccolo’s Reviews > A Desumanização > Status Update

mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas.

depois de cada dificuldade, esperava que dezembrássemos todos. que era prometer que chegaríamos vivos e salvos ao fim do ano, entrados em janeiro, começados de novo. a resistir.

porque o rigor era um conceito ridículo para o espírito, o indecifrável espírito que haveria de transgredir todas as regras e tudo quanto alguém um dia julgou aprender e poder ensinar.

ando a pensar que deus não reparou que aqui estamos ou nos mandou para aqui exatamente para não ter de reparar.

mas eu não conseguia acreditar nisso. achava-nos tristes. ridículos. deus certamente bocejaria se assistisse ao espetáculo pequenino das nossas vidas.

a religião era uma forma de teimosia. as preces faziam-nos perseverar. e acreditar que deus se ocuparia também dos nossos destinos era uma casmurrice, talvez. uma pretensão toda a dar-se importância.

os livros eram ladrões. roubavam-nos do que nos acontecia. mas também eram generosos. ofereciam-nos o que não nos acontecia.

punha sempre os pés nos olhos. pensava eu. pôr os pés nos olhos. querai dizer que via por onde ia.

respondi que sim. que perdera o jeito das conversas. andava por ali a ver no vazio coisas de mentira. andava a ver o vazio das coisas.

já estava muito avisada contra os homens. cheios de ideias claras de gestão. geriam as vidinhas com sentido prático.