Tainá Piccolo’s Reviews > O Deserto dos Tártaros > Status Update

olha ainda pela janela, um brevíssimo olhar para sua última porção de estrelas. em seguida, no escuro, embora ninguém o veja, sorri.

Que alegria!, dizia a si mesmo ao pensar nisso, como uma criança, uma vez que se sentia estranhamente livre e feliz.

Mas nada é mais difícil do que morrer num lugar estranho e desconhecido, no leito comum de uma estalagem, velho e desfigurado, sem deixar ninguém no mundo.

fitou espantado aquele sono maravilhoso, tão diferente do dos homens grandes, tão delicado e profundo. Não haviam nascido ainda naquele ser os sonhos turvos, a pequena alma vagava despreocupada, sem desejos ou remorsos, por um ar puro e calmo.

suas palavras tinham sempre um vago sabor de repreensão para todos os demais, como se ele sozinho cumprisse o dever até o fim, ele sozinho fosse a sustentação do forte, ele sozinho conseguisse remediar os infinitos contratempos que de outro modo teriam posto tudo a perder.

Mas o que podiam dizer-se, tendo vivido juntos quase trinta anos entre os mesmos muros, com os mesmos sonhos? Suas duas estradas, após tanta marcha, agora se dividiam; uma daqui e outra dali, afastavam-se rumo a lugares desconhecidos.

aguarda, paciente, a sua hora que nunca chegou, não pensa que o futuro se reduziu terrivelmente, não é mais como antes, quando o tempo vindouro podia parecer-lhe um período imenso, uma riqueza inexaurível que ele não corria nenhum risco em esbanjar.

que, se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém mais pode tomar para si uma mínima parte dela;

Aos poucos a fé se enfraquecia. É difícil acreditar numa coisa quando se está sozinho e não se pode falar com ninguém.

No íntimo, existe até a tímida satisfação de ter evitado bruscas mudanças de vida, de poder entrar de novo tal e qual na velha rotina.