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Kindle Notes & Highlights
quais são as condições necessárias para a criação de uma obra de arte? como o papel social destinado para cada sexo interfere no desenvolvimento de uma habilidade?
de que uma mulher, para escrever ficção, precisa ter dinheiro e um quarto só seu;
Meus lábios deixarão fluir muitas mentiras, mas haverá talvez alguma verdade no meio delas; cabe a vocês buscar essa verdade
Fazer fortuna e ter treze filhos — nenhum ser humano é capaz disso.
Além disso, é igualmente inútil perguntar o que teria acontecido se a sra. Seton, sua mãe e sua avó tivessem acumulado grande fortuna e a despejado nas fundações de faculdades e bibliotecas, pois, primeiro, ganhar dinheiro era impossível para elas e, segundo, mesmo que fosse possível, a lei não lhes concedia a posse do dinheiro ganho.
Certamente nossas mães não nos proporcionaram nada comparável a isso — nossas mães, que tiveram dificuldade para juntar trinta mil libras, nossas mães, que criaram treze filhos de ministros religiosos em St. Andrews.
Por que os homens bebiam vinho e as mulheres, água? Por que um sexo era tão próspero e o outro, tão pobre? Qual o efeito da pobreza sobre a ficção? Que condições são necessárias para a criação de obras de arte?
Assim equipada, assim confiante e inquisitiva, lancei-me em busca da verdade.
de mais ou menos uma dúzia de volumes, depositei minhas tiras de papel na bandeja de arame e esperei em meu cubículo, em meio a outros indivíduos em busca do óleo essencial da verdade.
Era impossível encontrar sentido nisso tudo, decidi, olhando com inveja para o leitor ao meu lado, que estava fazendo os resumos mais perfeitos, precedidos geralmente por a), b) ou c), enquanto meu próprio caderno beirava a loucura com os rabiscos mais ferozes de minhas notas contraditórias.
Era dele o poder, o dinheiro e a influência. Era ele o dono do jornal, o editor e o subeditor. Era ele o Ministro das Relações Exteriores e o juiz. Era ele o jogador de críquete, o dono das corridas de cavalos e dos iates. Era ele o diretor da empresa que pagava duzentos por cento a seus acionistas. Ele deixou milhões de libras a instituições de caridade e faculdades comandadas por si próprio. Foi ele quem suspendeu a atriz em pleno ar.
É por isso que tanto Napoleão como Mussolini insistem na inferioridade das mulheres de forma tão enfática, pois, se estas não fossem inferiores, então deixariam de amplificá-los. Isso serve para explicar, em parte, a necessidade que a mulher frequentemente representa para os homens. E serve para explicar o quanto eles se incomodam com as críticas dela;
Eu não preciso odiar nenhum homem; eles não podem me machucar. Não preciso adular nenhum homem; eles não têm nada a me oferecer.
Grandes coletivos de pessoas nunca são responsáveis pelo que fazem. Eles são guiados por instintos que não estão sob seu controle.
E, conforme eu compreendia esses infortúnios, aos poucos o medo e a amargura se transformaram em piedade e tolerância; depois, em mais um ou dois anos, a piedade e a tolerância foram embora e deram lugar à maior libertação de todas: a liberdade para pensar nas coisas em si mesmas.
Pois é um eterno mistério que nenhuma mulher tenha escrito uma palavra daquela extraordinária literatura quando metade dos homens, ao que parece, era capaz de escrever canções ou sonetos.
Sem sermos historiadores, podemos ir até mais além e dizer que as mulheres brilharam feito faróis em todas as obras dos poetas desde o início dos tempos
Ela permeia a poesia de uma ponta a outra, mas está praticamente ausente da história. Na ficção, domina a vida dos reis e conquistadores; na realidade, era escrava de qualquer garoto cujos pais forçaram uma aliança em seu dedo. Algumas das palavras mais inspiradas e dos pensamentos mais profundos da literatura saíram de seus lábios; na vida real ela mal conseguia ser ouvida, não sabia soletrar e era propriedade do marido.
Mas o que acho deplorável, prossegui, examinando novamente as prateleiras, é que não se sabe nada sobre as mulheres antes do século xviii.
De fato, eu arriscaria dizer que o tal Anônimo, que escreveu tantos poemas sem assinar, era muitas vezes uma mulher.
é que qualquer mulher nascida com um grande talento no século xvi certamente teria enlouquecido, se suicidado, ou terminado seus dias em alguma cabana solitária distante do vilarejo — meio bruxa, meio feiticeira, temida e ridicularizada.
Essa mulher, portanto, que nasceu no século xvi com um talento para a poesia, era uma mulher infeliz, uma mulher em conflito consigo mesma. Todas as condições de sua vida, todos os seus instintos, eram hostis ao estado de espírito necessário para libertar o que quer que estivesse em sua mente. Mas qual era o estado de espírito mais propício ao ato da criação?,
Em geral, circunstâncias materiais conspiram contra isso. Os cachorros latem, as pessoas interrompem, é preciso ganhar dinheiro, a saúde entra em colapso. Além disso, realçando todas essas dificuldades e tornando-as mais difíceis de suportar, há a notória indiferença do mundo.
Mas para as mulheres, pensei, olhando as prateleiras vazias, essas dificuldades eram infinitamente maiores. Em primeiro lugar, ter um quarto só seu — que dirá um quarto tranquilo ou à prova de som — estava fora de questão,
Entre as avós e bisavós de vocês, houve muitas que choraram até secarem os olhos. Florence Nightingale berrou alto em sua agonia.51
E se alguma de nós se destacar entre as demais, Com a imaginação calorosa e a ambição saliente, Uma oposição tão grande irá se interpor Que a esperança de sucesso jamais suplantará o medo.
Boas maneiras, moda, dança, roupas e tocar piano São as façanhas que devemos almejar; Já escrever, ler, pensar ou questionar Irão toldar nossa beleza e gastar nosso tempo, Interrompendo as conquistas da juventude. Enquanto a maçante gestão de um lar com empregados É considerada por muitos nossa arte e utilidade [supremas.
Meus versos criticados e minha ocupação considerada Uma tolice inútil ou falha pretensiosa:
pode-se medir a oposição que pairava no ar às mulheres escritoras quando vemos que mesmo uma mulher com grande habilidade para o ofício foi levada a acreditar que escrever um livro era ser ridícula, mesmo se fosse só para se distrair.
A mulher de classe média começou a escrever. Porque, se Orgulho e preconceito importa, se Middlemarch, Villette e O Morro dos Ventos Uivantes importam, então importa ainda mais do que eu seria capaz provar num discurso de uma hora o fato de que as mulheres em geral — e não apenas as solitárias aristocratas trancadas em suas casas de campo com seus fólios e seus aduladores — passaram a escrever. Sem essas precursoras, Jane Austen, as Brontë e George Eliot não poderiam ter escrito nada,
Todas as mulheres, juntas, deviam depositar flores sobre o túmulo de Aphra Behn, que jaz — o que é chocante, mas até que apropriado — na Abadia de Westminster, pois foi ela que lhes conquistou o direito de dizer o que pensam. Foi ela que — difamada e apaixonada como era — permitiu que não seja absurdo que eu lhes diga esta noite: ganhem quinhentas libras por ano com seu intelecto.
Se uma mulher escrevia, ela tinha de fazê-lo nessa sala de estar comum.
E como a srta. Nightingale reclamou com tanta veemência: “As mulheres nunca têm meia hora […] que possam dizer que é só delas”.
[…] então eu desejava um poder de visão que pudesse ultrapassar aquele limite, que alcançasse o mundo movimentado, as cidades, as regiões cheias de vida das quais ouvi falar mas que nunca vi: então eu ansiava por mais experiência prática do que possuía, mais relações com meus semelhantes, o contato com uma maior variedade de pessoas do que havia ao meu alcance. Eu dava valor ao que havia de bom na sra. Fairfax e em Adele, mas acreditava na existência de outros tipos de bondade, mais vívidos, e queria testemunhar aquilo em que acreditava.
Quem pode me culpar? Muita gente, sem dúvida, e posso ser chamada de insatisfeita. Não podia evitar: a inquietação fazia parte da minha natureza e às vezes me agitava a ponto de doer. […]
É inútil dizer que os seres humanos devem se contentar com a tranquilidade: eles precisam de ação; e, se não conseguirem encontrá-la, irão criá-la.
É insensato condená-las, ou caçoar delas, quando procuram fazer mais ou aprender mais do que o costume diz ser necessário para o seu sexo.
Ela sabia, mais do que ninguém, o quanto seu gênio se beneficiaria caso não houvesse se dissipado com visões solitárias através de campos distantes; se a experiência, as relações e as viagens lhe tivessem sido concedidas.
E por isso devemos aceitar o fato de que todos esses bons romances — Villette, Emma, O Morro dos Ventos Uivantes, Middlemarch — foram escritos por mulheres sem mais experiência de vida do que se via na casa de um clérigo respeitável; escritos também na sala de estar dessa casa respeitável e por mulheres tão pobres que não podiam comprar mais do que alguns maços de papel por vez para escrever O Morro dos Ventos Uivantes ou Jane Eyre.
Ao mesmo tempo, do outro lado da Europa, havia um rapaz vivendo com uma cigana ou com uma grande dama, indo para a guerra, obtendo de forma desimpedida e livre toda a variada experiência da vida humana que lhe serviria de forma magnífica mais tarde, quando chegasse a hora de escrever seus livros. Se Tolstói tivesse vivido em um priorado em reclusão com uma senhora casada, “excluído daquilo que é chamado de mundo”, por mais edificante que fosse a lição de moral, penso que dificilmente teria sido capaz de escrever Guerra e paz.
A vida entra em conflito com algo que não é a vida.
Lembrou-se de que estava sendo privada de sua devida parcela de experiência — que era obrigada a definhar em um presbitério, remendando meias, quando queria vagar livremente pelo mundo. A imaginação foi desviada pela indignação e nós a sentimos se afastar.
Falando de forma geral, o futebol e os esportes são “importantes”; a adoração da moda e a compra de roupas é “trivial”. E esses valores são inevitavelmente transferidos da vida para a ficção. Este é um livro importante, a crítica supõe, porque trata da guerra. Este é um livro insignificante porque trata dos sentimentos das mulheres em uma sala de visitas. Uma cena em um campo de batalha é mais importante do que uma cena em uma loja — por toda parte, e de forma bem mais sutil, a diferença de valores persiste.
Admitia ser “apenas uma mulher” ou protestava que era “tão boa quanto um homem”.
Tranque as bibliotecas, se quiser: não há portão, fechadura ou cadeado que possa colocar na liberdade da minha mente”.
Talvez a primeira coisa que ela descobriria, ao botar a caneta no papel, é que não há nenhum fraseado em comum pronto para seu uso.
Na verdade, já que a liberdade e a plenitude de expressão são essenciais para a arte, tamanha falta de tradição, tamanha escassez e inadequação de ferramentas devem ter marcado imensamente a escrita das mulheres.
E esse contorno também foi criado pelos homens, a partir de suas próprias necessidades e para seus próprios usos.
Às vezes, mulheres gostam de mulheres.
Casadas contra a vontade, limitadas a um quarto e a uma ocupação — como poderia um dramaturgo traçar um relato completo, interessante ou verdadeiro sobre elas?

