Racismo Estrutural (Feminismos Plurais)
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Read between March 26 - March 30, 2023
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Ao nomear as opressões de raça, classe e gênero, entende-se a necessidade de não hierarquizar opressões, de não criar, como diz Angela Davis, em “As mulheres negras na construção de uma nova utopia”, “primazia de uma opressão em relação a outras”. Pensar em feminismo negro é justamente romper com a cisão criada numa sociedade desigual.
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Silvio Almeida, neste livro, parte do princípio de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, integra a organização econômica e política da sociedade de forma inescapável. Para o autor, advogado e estudioso da teoria social, “racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade”. O racismo, afirma, fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea.
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uma é a de que a sociedade contemporânea não pode ser compreendida sem os conceitos de raça e de racismo.
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A tese central é a de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade.
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O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea.
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Raça não é um termo fixo, estático.2 Seu sentido está inevitavelmente atrelado às circunstâncias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre há contingência, conflito, poder e decisão, de tal sorte que se trata de um conceito relacional e histórico. Assim, a história da raça ou das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas.
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Os mesmos que aplaudiram a Revolução Francesa viram a Revolução Haitiana com desconfiança e medo, e impuseram toda a sorte de obstáculos à ilha caribenha, que até os dias de hoje paga o preço pela liberdade que ousou reivindicar.
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Já no século XIX, um juízo parecido com o de Pauw seria feito pelo filósofo Hegel acerca dos africanos, que seriam “sem história, bestiais e envoltos em ferocidade e superstição”.10 As referências a “bestialidade” e “ferocidade” demonstram como a associação entre seres humanos de determinadas culturas, incluindo suas características físicas, e animais ou mesmo insetos é uma tônica muito comum do racismo e, portanto, do processo de desumanização que antecede práticas discriminatórias ou genocídios11 até os dias de hoje.
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Ideologicamente, o neocolonialismo assentou-se no discurso da inferioridade racial dos povos colonizados que, segundo seus formuladores, estariam fadados à desorganização política e ao subdesenvolvimento.
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Os eventos da Segunda Guerra Mundial e o genocídio perpetrado pela Alemanha nazista reforçaram o fato de que a raça é um elemento essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico.
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Podemos dizer que o racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam.
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O preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias.
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A discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados.
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Já a discriminação indireta é um processo em que a situação específica de grupos minoritários é ignorada – discriminação de fato –, ou sobre a qual são impostas regras de “neutralidade racial” – colorblindness21 – sem que se leve em conta a existência de diferenças sociais significativas – discriminação pelo direito ou discriminação por impacto adverso.
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O racismo é uma imoralidade e também um crime, que exige que aqueles que o praticam sejam devidamente responsabilizados, disso estamos convictos. Porém, não podemos deixar de apontar o fato de que a concepção individualista, por ser frágil e limitada, tem sido a base de análises sobre o racismo absolutamente carentes de história e de reflexão sobre seus efeitos concretos. É uma concepção que insiste em flutuar sobre uma fraseologia moralista inconsequente – “racismo é errado”, “somos todos humanos”, “como se pode ser racista em pleno século XXI?”, “tenho amigos negros” etc. – e uma obsessão ...more
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Sob esta perspectiva, o racismo não se resume a comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado do funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça.
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A estabilidade dos sistemas sociais depende da capacidade das instituições de absorver os conflitos e os antagonismos que são inerentes à vida social. Entenda-se absorver como normalizar, no sentido de estabelecer normas e padrões que orientarão a ação dos indivíduos. Em outras palavras, é no interior das regras institucionais que os indivíduos se tornam sujeitos, visto que suas ações e seus comportamentos são inseridos em um conjunto de significados previamente estabelecidos pela estrutura social. Assim, as instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do ...more
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Assim, a desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos.
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O que se pode verificar até então é que a concepção institucional do racismo trata o poder como elemento central da relação racial.
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Assim, detêm o poder os grupos que exercem o domínio sobre a organização política e econômica da sociedade. Entretanto, a manutenção desse poder adquirido depende da capacidade do grupo dominante de institucionalizar seus interesses, impondo a toda sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem “normal” e “natural” o seu domínio.
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Marca-se, portanto, uma importante separação entre o racismo individual, que corresponde a “indivíduos brancos agindo contra indivíduos negros”, e o racismo institucional, que se manifesta nos “atos de toda a comunidade branca contra a comunidade negra”.
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O racismo individual, dizem os autores, […] consiste em atos evidentes de indivíduos, que causam morte, ferimentos ou a destruição violenta de propriedades. Este tipo pode ser gravado por câmeras de televisão; pode frequentemente ser observado no momento em que ocorre.
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Já o racismo institucional é “menos evidente, muito mais sutil, menos identificável em termos de indivíduos específicos que cometem os atos”. Porém, alertam os autores para o fato de que o racismo institucional “não é menos destrutivo da vida humana”. O racismo institucional se “origina na operação de forças estabelecidas e respeitadas na sociedade e, portanto, recebe muito menos condenação pública do que o primeiro tipo”.
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Quando terroristas brancos bombardeiam uma igreja negra e matam cinco crianças negras, isso é um ato de racismo individual, amplamente deplorado pela maioria dos segmentos da sociedade. Mas quando nessa mesma cidade – Birmingham, Alabama – quinhentos bebês negros morrem a cada ano por causa da falta de comida adequada, abrigos e instalações médicas, e outros milhares são destruídos e mutilados fisica, emocional e intelectualmente por causa das condições de pobreza e discriminação, na comunidade negra, isso é uma função do racismo institucional. Quando uma família negra se muda para uma casa em ...more
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Não existe dilema americano no que tange às relações raciais porque, segundo os autores, os negros estadunidenses, apesar de formalmente cidadãos dos Estados Unidos, não deixam de ser sujeitos coloniais em relação à sociedade branca. O racismo institucional, na visão de Hamilton e Ture, é uma versão peculiar do colonialismo.
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as instituições são fundamentais para a consolidação de uma supremacia branca ou, dito de maneira mais ampla, da supremacia de um determinado grupo racial.
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O que os autores destacam é o fato de que as instituições atuam na formulação de regras e imposição de padrões sociais que atribuem privilégios a um determinado grupo racial, no caso, os brancos.
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Ou seja, no caso do racismo antinegro, as pessoas brancas, de modo deliberado ou não, são beneficiárias das condições criadas por uma sociedade que se organiza baseando-se em normas e padrões prejudiciais à população negra.
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sempre que as normas e padrões que constituem a supremacia branca for desafiada, a indiferença em relação às precárias condições de vida da população negra será substituída por uma oposição ativa “baseada no medo e no interesse próprio”.
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Desse modo, se é possível falar de um racismo institucional, significa que a imposição de regras e padrões racistas por parte da instituição é de alguma maneira vinculada à ordem social que ela visa resguardar.
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As instituições são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos. Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade é racista.
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A primeira é a de que, se há instituições cujos padrões de funcionamento redundam em regras que privilegiem determinados grupos raciais, é porque o racismo é parte da ordem social. Não é algo criado pela instituição, mas é por ela reproduzido.
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Em uma sociedade em que o racismo está presente na vida cotidiana, as instituições que não tratarem de maneira ativa e como um problema a desigualdade racial irão facilmente reproduzir as práticas racistas já tidas como “normais” em toda a sociedade.
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Nesse caso, as relações do cotidiano no interior das instituições vão reproduzir as práticas sociais corriqueiras, dentre as quais o racismo, na forma de violência explícita ou de microagressões – piadas, silenciamento, isolamento etc.
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A segunda consequência é que o racismo não se limita à representatividade.
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A ação dos indivíduos é orientada, e muitas vezes só é possível por meio das instituições, sempre tendo como pano de fundo os princípios estruturais da sociedade, como as questões de ordem política, econômica e jurídica.
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Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.39 Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção.
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Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institucionalmente, torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas relações sociais, políticas e econômicas.
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A viabilidade da reprodução sistêmica de práticas racistas está na organização política, econômica e jurídica da sociedade. O racismo se expressa concretamente como desigualdade política, econômica e jurídica.
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o uso do termo “estrutura” não significa dizer que o racismo seja uma condição incontornável e que ações e políticas institucionais antirracistas sejam inúteis; ou, ainda, que indivíduos que cometam atos discriminatórios não devam ser pessoalmente responsabilizados. Diz...
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o racismo, como processo histórico e político, cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática. Ainda que os indivíduos que cometam atos racistas sejam responsabilizados, o olhar estrutural sobre as relações raciais nos leva a concluir que a responsabilização jurídica nã...
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pensar o racismo como parte da estrutura não retira a responsabilidade individual sobre a prática de condutas racistas e não é um álibi para racistas. Pelo contrário: entender que o racismo é estrutural, e não um ato isolado de um indivíduo ou de um grupo, nos torna ainda mais responsáveis pelo combate ao racismo e aos racistas.
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A mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou com o repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práticas antirracistas.
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O racismo é processo político. Político porque, como processo sistêmico de discriminação que influencia a organização da sociedade, depende de poder político; caso contrário seria inviável a discriminação sistemática de grupos sociais inteiros. Por isso, é absolutamente sem sentido a ideia de racismo reverso.
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membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja indiretamente.
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Racismo reverso nada mais é do que um discurso racista, só que pelo “avesso”, em que a vitimização é a tônica daqueles que se sentem prejudicados pela perda de alguns privilégios, ainda que tais privilégios sejam apenas simbólicos e não se traduzam no poder de impor regras ou padrões de comportamento.
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É fundamental que as instituições sociais, especialmente o Estado, sejam capazes de produzir narrativas que acentuem a unidade social, apesar de fraturas como a divisão de classes, o racismo e o sexismo.
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Os diferentes processos de formação nacional dos Estados contemporâneos não foram produzidos apenas pelo acaso, mas por projetos políticos. Assim, as classificações raciais tiveram papel importante para definir as hierarquias sociais, a legitimidade na condução do poder estatal e as estratégias econômicas de desenvolvimento.43 Demonstra isso a existência de distintos modos de classificação racial: no Brasil, além da aparência física de ascendência africana, o pertencimento de classe explicitado na capacidade de consumo e na circulação social. Assim, a possibilidade de “transitar” em direção a ...more
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Em um mundo em que a raça define a vida e a morte, não a tomar como elemento de análise das grandes questões contemporâneas demonstra a falta de compromisso com a ciência e com a resolução das grandes mazelas do mundo.
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o racismo, enquanto processo político e histórico, é também um processo de constituição de subjetividades, de indivíduos cuja consciência e afetos estão de algum modo conectados com as práticas sociais.
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