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E foi assim que a gente principiou a tristonha história de tantas caminhadas e vagos combates, e sofrimentos, que já relatei ao senhor, se não me engano até ao ponto em que Zé Bebelo voltou, com cinco homens, descendo o Rio Paracatú numa balsa de talos de burití, e herdou brioso comando; e o que debaixo de Zé Bebelo fomos fazendo, bimbando vitórias, acho que eu disse até um fogo que demos, bem dado e bem ganho, na Fazenda São Serafim. Mas, isso, o senhor então já sabe.
Vai assim, vem outro café, se pita um bom cigarro.
Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total.
Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda a hora a gente está num cômpito.
Deram um tiro, de rifle, mais longe. O que eu soube. Sempre sei quando um tiro é tiro — isto é — quando outros
116. Mais ou menos cinco dias cercados pelos hermógenes, na Fazenda dos Tucanos
Deram um tiro, de rifle, mais longe. O que eu soube. Sempre sei quando um tiro é tiro – isto é – quando outros…
E Zé Bebelo não estava ali não era para isso, para pensar por todos?
Ele disse: — “Minha lei, sabe qual é que é, Tatarana? É a sorte dos homens valentes que estou comandando...”
Ah, para não se ter medo é que se vai à raiva.
O pobre sozinho, sem um cavalo, fica no seu, permanece, feito numa crôa ou ilha, em sua beira de vereda. Homem a pé, esses Gerais comem.
Diadorim entrefez o pra-trás de uma boa surpresa, e sem querer parou aberto com os lábios da boca, enquanto que os olhos e olhos remiravam a pedra-de-safira no covo de suas mãos. Ao que, se sofreou no bridado, se transteve sério, apertou os beiços; e, sem razão sensível nem mais, tornou a me dar a pedrinha, só dizendo: — “Deste coração te agradeço, Riobaldo, mas não acho de aceitar um presente assim, agora. Aí guarda outra vez, por um tempo. Até em quando se tenha terminado de cumprir a vingança por Joca Ramiro. Nesse dia, então, eu recebo...”
Antes todos queriam avistar de perto, de passagem, o que aquilo de verdade fosse. Só que se tinha confiança nos bentinhos e verônicas.
“Vida” é noção que a gente completa seguida assim, mas só por lei duma ideia falsa. Cada dia é um dia.
E a herança de minhas queixas antigas. Conforme eu pensava: tanta coisa já passada; e, que é que eu era? Um raso jagunço atirador, cachorrando por este sertão. O mais que eu podia ter sido capaz de pelejar certo, de ser e de fazer; e no real eu não conseguia.
Por isso, eu tinha grande desprezo de mim, e tinha cisma de todo o mundo. Apartado. De Zé Bebelo, mais do que de todos.
Zé Bebelo para mim, tinha gastado as vantagens. Zé Bebelo murchava muda na cor, não existia mais em viço para desatinos, nada que falava era mais de se reproduzir, aqueles exageros bonitos e tamanhos rasgos. Só dizendo que tínhamos de esperar mesmo ali, até que os adoecidos sarassem. Assim em impossibilidades. Tudo o que acontecia, era a má-sorte.
Sempre Zé Bebelo não desistia de palavrear, a raleza de projetos, como faz-de-conta.
O senhor entende, o que conto assim é resumo; pois, no estado do viver, as coisas vão enqueridas com muita astúcia: um dia é todo para a esperança, o seguinte para a desconsolação. Mas eu achei, aí, a possibilidade capaz, a razão. A razão maior, era uma.
Fiquei notando. Em como Zé Bebelo aos poucos mais proseava, com ensejos de ir mostrando a valia declarada que tinha, de jagunço chefe famoso; e daí, sutil, se reconhecia da parte dele um certo desejo de agradar ao outro. Por causa que o outro era diferido, composto em outra séria qualidade de preocupações.
O que me dava a qual inquietação, que era de ver: conheci que fazendeiro-mór é sujeito da terra definitivo, mas que jagunço não passa de ser homem muito provisório.
Sobre assim, aí corria no meio dos nossos um conchavo de animação, fato que ao senhor retardei: devido que mesmo um contador habilidoso não ajeita de relatar as peripécias todas de uma vez.
Somente com a alegria é que a gente realiza bem — mesmo até as tristes ações.
Ser forte é parar quieto; permanecer. Decidi o tempo — espiando para cima, para esse céu: nem o setestrêlo, nem as três-marias, — já tinham afundado; mas o cruzeiro ainda rebrilhava a dois palmos, até que descendo.
Deus e o Demo! — “Acabar com o Hermógenes! Reduzir aquele homem!...” —; e isso figurei mais por precisar de firmar o espírito em formalidade de alguma razão.
Nós dois, e tornopío do pé-de-vento — o ró-ró girado mundo a fora, no dobar, funil de final, desses redemoinhos: ...o Diabo, na rua, no meio do redemunho... Ah, ri; ele não. Ah — eu, eu, eu! “Deus ou o Demo — para o jagunço Riobaldo!”
— “Posso me esconder de mim?...” Soporado, fiquei permanecendo. O não sei quanto tempo foi que estive.
— “Maluqueiras — é o que não dá certo. Mas só é maluqueira depois que se sabe que não acertou!” — eu atalhei, curto; porque eu naquela hora achava Zé Bebelo inferior; e porque, que alguém falasse contra, por cima das minhas palavras, me dava raiva.
Parente não é o escolhido — é o demarcado.
A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes...
Ao que: oferecer e receber um presente daquele, naquelas condições, era a mesma coisa que forte ofender Zé Bebelo. Um dom de tanto quilate tinha de ser para o Chefe.
O rio não quer ir a nenhuma parte, ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo.
Somente eu estava por cima da surpresa deles? Zé Bebelo — o pensante, soberbo e opinioso. João Goanhá — duro homem tão simples, vindo por meio de dificuldades e distâncias, desde a outra banda do rio, caçar a lei da companhia da gente, como um costume necessário, que sem isso ele não conseguia direito se pertencer. Com meus olhos, tomei conta.
— “Não, Riobaldo...” — ele me atalhou. — “Tenho de tanger urubú, no m’embora. Sei não ser terceiro, nem segundo. Minha fama de jagunço deu o final...”
O divertido havia de ser, sim isso, de levar Zé Bebelo comigo, de sotenente, através desse através.
Dali a hora, mesmo, ele pegou caminho. Para o sul. Vi quando ele se despediu e tocou — com o bom respeito de todos —; e fiquei me alembrando daquela vez, de quando ele tinha seguido sozinho para Goiás, expulso, por julgamento, deste sertão. Tudo estava sendo repetido. Mas, da vez dessa, o julgamento era ele, ele mesmo, quem tinha dado e baixado. Zé Bebelo ia s’embora, conseguintemente.
Tantos e tantos, eu sabia o nome e o defeito maior de cada um daqueles homens, e tantos seus braços e tantos rifles e coragens.
À fé, quando eu mandasse uma coisa, ah, então tinha de se cumprir, de qualquer jeito. — “Tenho resoluto que!” — e montei, com a vontade muito confiada. Dali a gente tinha logo de sair, segundo a regra exata. Estradeei. Nem olhei para trás. Os outros me viessem? Cantava o trinca-ferro. Uma arara chiou cheio; levou bala, quase. Atrás de mim, os cabras deram vivas. Eles vinham, em vinham. Eu contava, prazido, o too dos cascos.
E nem não adiantava: mendigo mesmo, duro tristonho, ele havia ainda de obedecer de só ajuntar, ajuntar, até à data de morrer, de migas a migalhas...
As coisas todas eu pensava, e nada nenhuma não me sombreasse. Algum medo não palpitava frio por detrás de meus olhos; e, por via disso, eu de todos era o chefe, mesmo em silêncio singular.