Os dias mais estranhos - 49. Fecho (remate, acabamento encerramento, conclusão) + Epílogo
Durante as duas semanas seguintes fui-lhe tentando ligar. Ela tinha sempre o telefone desligado ou desligava-me a chamada. Nas raras vezes que atendia apenas me dizia que não podias falar e desligava. Com a minha cabeça cheia de incertezas, as palavras do Zeca ganhavam cada vez mais poder e significado.A sensação que eu tivera naquela noite levava-me à conclusão que a nossa relação estava no fim. Eu nunca a faria feliz. O que ela queria estava muito para além de mim, para além de tudo o que eu lhe poderia dar.As minhas incertezas iam sendo substituídas por certezas. Finalmente, o final daquele tempo sem ela veio com um telefonema.-Queres vir cá amanhã? – Foi a pergunta. A resposta foi afirmativa.Era sexta-feira. Cheguei a casa dela. Ela recebeu-me à porta com um beijo. Não um beijo esfuziante de quem não vê alguém que ama há já um tempo, mas um beijo algo contido, um bocado a medo. Um beijo sem abandono.Sentei-me na sala. Ela sentou-se ao meu lado.- Precisamos falar. – Chutei eu.Ela ficou a olhar para mim. De alguma maneira a minha expressão deve-lhe ter transmitido algo. Limitou-se a acenar em assentimento.-Posso perguntar-te uma coisa? – Tomei o seu silêncio por um “sim” – Porque é que nunca quiseste que ninguém soubesse de nós, ou quase ninguém? Porque é que nós tínhamos um segredo?-Já te tinha explicado…-Yá, mas a tua filha já sabe. Portanto, agora qual é o problema? O Francisco?-Não…-Então explica-me, porque eu neste momento preciso mesmo de saber…Ela limitou-se a olhar para mim. Parecia querer encontrar uma resposta, mas esta não existia. Acho que para ela nunca tinha sido algo de consciente a forma como a nossa relação era tratada por ela a partir de determinado ponto. Eu esperei algum tempo e depois continuei.-Acho que nem tu sabes, não é? Sabes, para mim há coisas que começam a ser demasiado óbvias. Mesmo muito óbvias. Eu não quero ter uma relação assim. Eu queria poder ter orgulho de estar contigo. Queria partilhar muita coisa contigo. Mas estas insegura e a tua insegurança faz-me perceber as coisas.-Que é que queres dizer com isso tudo? – Acabou ela por me interromper.-Quero dizer que me vai custar imenso dizer-te isto, mas acho que devíamos acabar.Conforme disse isto senti as lágrimas nos meus olhos. Nunca me custara tanto dizer algo na minha vida. Mas da mesma forma, naquele momento, senti-me livre de todos os sentimentos que me atormentavam. Dissiparam-se as dúvidas. No fundo, desde o primeiro momento em que estivéramos juntos, desde o primeiro beijo apaixonado, eu sabia que este seria o fim. Deixara-me entretanto iludir pela promessa de um amor que existia mas que seria sempre insuficiente para anular tudo o que nos separava.As lágrimas vieram-lhe também aos olhos enquanto olhava nos meus.-Porquê? – Perguntou.-Consegues ver futuro em nós? Nós nunca daríamos certo. Nós nunca faríamos o outro feliz. Haveria sempre questões entre nós. Eu não quero que isso aconteça. – Depois olhei-a nos olhos e disse-lhe uma verdade – Eu quero, acima de tudo e sempre, que sejas feliz.Com isto abraçámo-nos. Choramos assim durante um longo tempo, confortando-nos um ao outro. Abraçámo-nos como duas pessoas feitas uma para a outra. Acabamos entregues em beijos um ao outro. Beijos que não tinham já uma paixão exacerbada, mas sim um amor genuíno. Beijámo-nos com toda a honestidade e naquele beijo, em toda a sua essência, fizemos amor de verdade. Quando o beijo acabou, ficamos agarrados um ao outro. Depois eu larguei-a.-É melhor eu ir andando… – e levantei-me e dirigi-me à porta. Saí com os olhos rasos de lágrimas. Deixei-a deitada, encolhida quase em posição fetal a chorar baixinho mas convulsivamente. Saí de casa dela com a cabeça erguida. Não olhei para trás. Fiquei quase uma hora sentado no carro, com as mãos no volante e completamente apático. Depois o mundo refez-se à minha frente e eu rumei a casa.Chegava quase a casa quando o telemóvel tocou. Era ela. Encostei o carro e atendi. Ela chorava ainda.-Sim?-Pedro, volta…-Porquê?-Volta… eu amo-te…-Tu não me amas. Tu amas uma imagem do que eu poderia ser, não me amas a mim. Eu não sou essa pessoa. Eu não posso lidar com o teu mundo.-Não é isso… – dizia ela entre soluços – …nem sei se é. Volta… Eu posso mudar…-Tu nunca vais mudar, e eu também não. Não resulta. Nós não ligamos.-Eu amo-te, - gritou ela – eu amo-te, eu amo-te, eu amo-te…-E eu a ti… – as lágrimas corriam-me pela face e eu soluçava. As palavras saíam já entrecortadas pelo meu choro - …mas como tu disseste, isso não é tudo…-Não faças isto. – Gritava ela, implorando do outro lado – Não.-Tchau Mónica. – Tive a coragem para lhe dizer. A seguir disse-lhe a única verdade absoluta no meu universo. – Amo-te.Ainda a ouvi a gritar “Não” antes de premir o botão para desligar a chamada. Com uma raiva que nunca tinha sentido atirei o telemóvel contra a porta do lado oposto do carro, partindo-o.Não sei quanto tempo estive ali, chorando e gritando com uma dor que nunca tinha sentido antes. Sentia-me como se alguém me estivesse a arrancar uma parte tangível de mim.Mas ao mesmo tempo, nascia daquele conjunto de sentimentos vividos na reclusão do carro uma afirmação e uma fé em mim que nunca tinha sentido. Foi o momento em que mudei. Foi o momento em que me consegui ver completamente a nu, reflectido num espelho, sem subterfúgios, sem mascaras. Naquele momento perdi-a e ganhei-me a mim, ganhei toda a minha vida. Quando finalmente me recompus, senti-me renascido. Continuei até casa.
EpílogoTinha passado um ano desde aquele dia. Tinha voltado a organizar a minha vida sem a presença da Mónica. Tinha de novo uma banda.Fui tocar a um bar a Cascais. No fim do concerto estava ao balcão para pedir uma bebida quando ouvi uma voz familiar atrás de mim.-Que bons olhos vejam quem já não se deixa ver há muito tempo…Voltei-me e encarei-a. Ora ai estava alguém em quem eu não pensava há já muito tempo.-Olá Andreia.-Então piqueno, tá tudo bem contigo?-Tudo. E contigo? Que andas fazendo?-Olha vim, vim cá e acabei por te ver. Vocês tocam fixe…-Obrigado. Gostaste do concerto?-Bastante. Vocês dão-lhe…Agradeci-lhe mais uma vez. Não inquiri muito mais acerca da sua vida. Soube que ela estava ali com um grupo de amigas. Confirmamos os números de telefone que tínhamos um do outro e prometemos falar-nos em breve.Eu não perdi tempo e liguei-lhe ao princípio da tarde do dia a seguir. Concordamos lanchar os dois num café perto da Praia do Guincho.Quando lá cheguei ela esperava já por mim. Cumprimentámo-nos, pedimos e fomos falando. Fiquei a saber ali que tinha acabado com o namorado já há bastante tempo. -Mas o que é que se passou? – Perguntei-lhe.-Demorei mais tempo a ver, mas afinal ele não era diferente de tantos outros que eu procurei evitar…-Tou a ver. Era menos óbvio, não…-Sim, disfarçava mais…Rimo-nos os dois.-Então e tu? – Perguntou-me.-Olha, cá vou andando na vidinha do costume. Vou tocando, como viste, e vou levando tudo na calma.-Então e uma namorada?-Não tou com ninguém… - curiosamente, acho que conforme disse isto o meu olhar vagueou nostalgicamente para o Oceano que se estendia à nossa frente. Ao fim de um curto silêncio ela perguntou-me:-Porque é que acabaste com a Mónica? - Olhei-a algo admirado – Não fiques surpreendido, eu sei de tudo. Só não percebi o porquê…Pensei um bocado antes de lhe dar a resposta. Não era simples verbalizar tudo o que tinha sentido naqueles que foram os dias mais estranhos da minha vida. Dei-lha quando achei que tinha escolhido as palavras certas.-Acho que a determinada altura eu tinha uma escolha, ou ela vivia e eu vivia ou então acho que nenhum de nós dois, em conjunto, o faria. Optei por mim e por ela. -Achas que tomaste a opção certa?Mais uma vez hesitei antes de lhe responder. Um ano de distância dava uma nova perspectiva das coisas.-Acho que sim, que fiz a escolha certa. A outra opção só faria com que nos magoássemos mais cedo ou mais tarde… mas porquê tanta pergunta?-Porque me pareces algo diferente.-Mais gordo? – Brinquei eu com ela. Ela riu-se.-Não, tolo. Mais seguro de ti, mais convicto. Tenho a certeza que te custou horrores, mas saíste mais forte. Já esqueceste a Mónica?-Sendo-te sincero, acho que nunca a esquecerei, nem aquilo porque passei com ela. Foi muito intenso. Mas acho que aquilo que queres saber é se eu ainda penso nela de uma determinada maneira, e a isso a resposta é; não.Ela olhou para mim com um olhar que eu já conhecia, a um tempo sedutor e carregado de admiração.-Foi uma boa resposta… – disse-me.-Foi uma boa pergunta… – Respondi-lhe.O lanche transformou-se em jantar, e este em ceia, e esta em pequeno-almoço, e os dias foram continuando na sua cadência, alheios a mim e a tudo…
F I M
EpílogoTinha passado um ano desde aquele dia. Tinha voltado a organizar a minha vida sem a presença da Mónica. Tinha de novo uma banda.Fui tocar a um bar a Cascais. No fim do concerto estava ao balcão para pedir uma bebida quando ouvi uma voz familiar atrás de mim.-Que bons olhos vejam quem já não se deixa ver há muito tempo…Voltei-me e encarei-a. Ora ai estava alguém em quem eu não pensava há já muito tempo.-Olá Andreia.-Então piqueno, tá tudo bem contigo?-Tudo. E contigo? Que andas fazendo?-Olha vim, vim cá e acabei por te ver. Vocês tocam fixe…-Obrigado. Gostaste do concerto?-Bastante. Vocês dão-lhe…Agradeci-lhe mais uma vez. Não inquiri muito mais acerca da sua vida. Soube que ela estava ali com um grupo de amigas. Confirmamos os números de telefone que tínhamos um do outro e prometemos falar-nos em breve.Eu não perdi tempo e liguei-lhe ao princípio da tarde do dia a seguir. Concordamos lanchar os dois num café perto da Praia do Guincho.Quando lá cheguei ela esperava já por mim. Cumprimentámo-nos, pedimos e fomos falando. Fiquei a saber ali que tinha acabado com o namorado já há bastante tempo. -Mas o que é que se passou? – Perguntei-lhe.-Demorei mais tempo a ver, mas afinal ele não era diferente de tantos outros que eu procurei evitar…-Tou a ver. Era menos óbvio, não…-Sim, disfarçava mais…Rimo-nos os dois.-Então e tu? – Perguntou-me.-Olha, cá vou andando na vidinha do costume. Vou tocando, como viste, e vou levando tudo na calma.-Então e uma namorada?-Não tou com ninguém… - curiosamente, acho que conforme disse isto o meu olhar vagueou nostalgicamente para o Oceano que se estendia à nossa frente. Ao fim de um curto silêncio ela perguntou-me:-Porque é que acabaste com a Mónica? - Olhei-a algo admirado – Não fiques surpreendido, eu sei de tudo. Só não percebi o porquê…Pensei um bocado antes de lhe dar a resposta. Não era simples verbalizar tudo o que tinha sentido naqueles que foram os dias mais estranhos da minha vida. Dei-lha quando achei que tinha escolhido as palavras certas.-Acho que a determinada altura eu tinha uma escolha, ou ela vivia e eu vivia ou então acho que nenhum de nós dois, em conjunto, o faria. Optei por mim e por ela. -Achas que tomaste a opção certa?Mais uma vez hesitei antes de lhe responder. Um ano de distância dava uma nova perspectiva das coisas.-Acho que sim, que fiz a escolha certa. A outra opção só faria com que nos magoássemos mais cedo ou mais tarde… mas porquê tanta pergunta?-Porque me pareces algo diferente.-Mais gordo? – Brinquei eu com ela. Ela riu-se.-Não, tolo. Mais seguro de ti, mais convicto. Tenho a certeza que te custou horrores, mas saíste mais forte. Já esqueceste a Mónica?-Sendo-te sincero, acho que nunca a esquecerei, nem aquilo porque passei com ela. Foi muito intenso. Mas acho que aquilo que queres saber é se eu ainda penso nela de uma determinada maneira, e a isso a resposta é; não.Ela olhou para mim com um olhar que eu já conhecia, a um tempo sedutor e carregado de admiração.-Foi uma boa resposta… – disse-me.-Foi uma boa pergunta… – Respondi-lhe.O lanche transformou-se em jantar, e este em ceia, e esta em pequeno-almoço, e os dias foram continuando na sua cadência, alheios a mim e a tudo…
F I M
Published on November 17, 2015 07:25
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