Os dias mais estranhos - 40. Opção (escolha, preferência, optação)
O ensaio dessa tarde decorreu normalmente. Desde o meu anúncio o clima na banda parecia diferente, com toda a gente muito mais aberta. Inevitavelmente falamos da minha saída. Eu, se por um lado com o clima actual que se vivia de amizade e camaradagem entre todos tinha pena de me afastar, por outro pensava somente na Mónica e naquilo que ia ter para lhe dar. No entanto, começava já a ter, por antecipação, algumas saudades daquilo que ia prescindir. Mas por esta altura eu sabia já que a nível musical esta banda não me preenchia. Acredito que os meus companheiros tivessem também essa percepção. Por esta altura eles estavam já conformados com a minha saída e os ensaios serviam agora para eu ensinar as minhas partes de guitarra ao meu substituto. Era um moço simpático e muito bom guitarrista, o que, sem dúvida, faria com que a transição fosse fácil. Ele chegou aos ensaios com algum receio, coisa que eu acho compreensível. Reparei que ele não sabia bem como é que deveria agir perante mim no começo. Depois percebeu que eu não estava a sair por estar mal com alguém da banda. Percebeu, se calhar mais depressa do que eu, que o motivo era externo. Isso fez com que nos déssemos bem logo à partida.Quando o ensaio acabou e se foram todos embora a minha primeira reacção foi ligar à Mónica.-Oi querida.-Olá amor. Então o ensaio?-Correu tudo bem. E tu, como é que estás?-Tou bem. Ainda dormi mais um bom bocado depois de tu saíres.-Tás cheia de sorte. Eu não.-Pois, acredito. Deves tar um bocado podre, não?-É, tou para o cansadito. As nossas noites, ainda por cima, são trabalhosas…-Pois é, meu querido. Mas são divertidas…-Lá isso são.-Vais-te deitar agora?-Não, tou cansado mas não tou sonolento. -Devias-te deitar um bocado…-Já vejo isso. E tu? Que é que vais fazer?-Olha, daqui a um bocado vou jantar com a Andreia e vamos ao cinema.-Com a Andreia? Fixe. Que é feito dela? Nunca mais a vi…-Pois, é normal. Ela agora também arranjou um namorado e passa todo o tempo que pode com ele.-Ora ai está um gajo sortudo.-Não me digas que estás com ciúmes.-Não, mas tens que admitir que o gajo é um tipo sortudo, não?-É, mas já não estou a gostar da conversa.-Então não serás tu com ciúmes?-Se calhar um bocadito…-Porquê?-Ora, afinal não aconteceu nada entre vocês por uma unha negra…-Não aconteceu porque eu não te conseguia tirar da cabeça, amor…-Pois, mas a Andreia costuma provocar efeitos esquisitos nos homens.-Tás mesmo com ciúmes…-Um bocadito, já disse.-Tonta.-Achas?-Acho. Não precisas ter ciúmes.-Não? E porquê?-Porque eu amo-te. Não há mais questões.-Ainda bem. Fico mais descansada.-Podes mesmo ficar. Ainda assim gostava de falar coma moça.-Porquê?-Gostava de falar com ela acerca de tudo o que aconteceu. Limpar o ar. Ela é uma moça impecável e eu não me portei lá assim grande coisa com ela.-Por aí não te preocupes. Tá tudo bem.-Acredito, mas gostava de falar com ela na mesma.-Podemos combinar qualquer coisa com ela e com o namorado um dia destes, nem que seja um jantar cá em casa, ou assim.-Por mim tudo bem. Podemos fazer isso.-Tá bem, eu trato disso.-OK. Olha, vou seguir o teu conselho e vou-me encostar um bocado. Diverte-te mais logo.-OK amor. Um beijão grande, grande, grande para ti.-Outro para ti amor. Amo-te.-E eu a ti. Jocas-Jocas linda.E desligamos.Fui-me encostar um bocado na cama. Estava a passar pelas brasas quando o telemóvel tocou.-Tou?-Tou, puto. É o Zeca.-Olha… Atão, que é que se faz?-Compra-se tudo já feito, dá muito menos preocupações.-É verdade. Mas diz coisas.-Olha lá, vais tar por casa ou vais lá p’ra Cascais hoje?-Vou tar por aqui…-Hé! Milagre! Ouve lá, não queres passar lá pela da Tisha e do Raul. A malta encontrava-se lá…-Pá, não sei, tou buéda cansado. Dormi pouco e tive ensaio esta tarde…-Deixa lá de ser mariquinhas, pá. Bora lá. Agente bebe umas poucas e conversa um bocado, não sejas careta, man. Tás a ficar velho…-Pá, não sei… Tu vais tar por lá?-Yá, meu. Já combinei com eles e tudo…-Atão se eu for, eu apareço.-Vá, vem lá e deixa-te de tretas.-Tá-se. Depois logo vejo.Desligamos. Estava com saudades do meu pessoal. Se era verdade que adorava a Mónica, não poderia dizer o mesmo dos seus amigos. Eram sem dúvida, na sua maior parte, pessoas interessantes, mas o facto de não poder estar à vontade com eles e o facto de termos muito pouco em comum fazia com que não houvesse uma real ligação entre mim e os seus amigos.Acabei por ir, embora cansado. Foi a meio da noite que a Tisha puxou a conversa que eu calculava já ser inevitável.-Então Pedrito, conta lá como é que tem sido as coisas lá com a “Tia”.-“Tia”? Ela não tem nada de “Tia”-Não tem?-Olha que tem. - Disse o Raul - Se pensares bem…-Yá, … - continuou a Tisha – sempre com roupas de marca, sempre produzida e a largar charme, é de Cascais…-Não achas isso um bocadinho generalizante? – Perguntei eu.-Para te ser sincera, nem por isso…-Tou a ver. É de Cascais, tem de ser “Tia”.-É mais ou menos isso.-Isso tem uma lógica do caraças. Então nesse caso, tu és loira, és burra.A Tisha olhou para mim por um instante. Depois sorriu e respondeu.-Se calhar um bocadinho….-Não há como contra argumentar. -Deixa-te lá mas é de tretas e diz lá o que se tem passado. – Disse o Raul.-Tá bem, eu digo. Só queria frisar que ela não é “Tia”.-Pois, tá bem, mas isso agora também não interessa nada.-Irra! Tá tudo contra mim. Só este gajo é que ainda não se pronunciou. – Disse eu apontando para o Zeca.-Pois não. Estou só a gozar com a situação. Fala lá, puto. Não vês que está toda a gente curiosa?Acabei por contar a história. Os comentários foram sendo mínimos. Eles queriam era realmente saber o que é que se passava na minha cabeça. Quando acabei a Tisha foi a primeira a comentar.-Isso vai realmente evoluído. Tás a gostar mesmo dela, não é?-É. Sinto mesmo bué a falta dela. Não consigo pensar em mais nada.-Isso tá mesmo mau, meu. – Comentou o Raul – E já pensaste ir viver com ela?-Já, bastante mesmo. Mas não sei como é que ela reagiria a eu propor-lhe isso.-Também, só tens uma maneira de saber. -Yá. Pergunto-lhe.Foi então que o Zeca interveio.-Pois eu ainda não sabia da cena de dizerem à chavalinha…-Pois, -interrompi eu – isso foi só no fim-de-semana passado…-…Yá, mas ouve lá, se isso já tá nesse pé e até dizes que a chavalinha ficou na boa…-É. Tenho que falar com ela acerca disso.-Tens mesmo, man, tens mesmo…Sem duvida que tinha, e foi o que fiz.No domingo, pelo telefone expus-lhe aquilo que pensava e disse-lhe que gostava de viver com ela. Perguntei-lhe se estaria disposta a tentar. Para minha surpresa ela disse que sim, que também gostaria de tentar, mas não no sítio onde morava agora. A partir desse dia começamos à procura de um apartamento. O único senão era o facto de ela se querer manter por Cascais. Mas, visto que o afastamento para mim não seria um grande problema visto estar a dar os meus últimos concertos com a minha banda, acabou por ser uma decisão tomada em conjunto…
…para grande pena minha.
…para grande pena minha.
Published on November 13, 2015 00:17
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