Os dias mais estranhos - 25. Desconforto (incomodo, desconsolo, desalento)
-Tenho um pedido para te fazer.Esta frase apareceu no meio de um dos nossos pequenos-almoços que eram agora desfrutados ao minuto, sendo o tempo que tínhamos sempre para nós todos os dias. -Diz.-Sabes que a Raquel vai entrar agora para a escola, e resolvemos pôr Internet lá em casa. Importavas-te de ir lá ligar aquilo?-Não, não me importo nada.-Podias lá ir hoje…-Não dá… não trouxe carro, nem nada…-Não te preocupes com isso. Só se estiveres ocupado depois, com alguma catraia, ou isso…Lancei-lhe um olhar indignado, como que a perguntar “onde é que queres chegar com isso?”. Ela riu-se. Fizera de propósito para me “picar”.-Não, não tenho nenhuma catraia à minha espera.-Então podes. Tá feito.Fiquei sem argumentos. Era mais uma oportunidade de ficar com ela um pouco. Acedi.Quando estava pronto para sair dei-lhe um telefonema. Ela veio ter comigo e saímos juntos do prédio. Prontamente apareceu o Mercedes do Francisco. Entrei para o banco de trás e cumprimentei -o. Ela entrou, deu-lhe um beijo nos lábios, e encetaram uma conversa perfeitamente banal acerca do dia de ambos.Admito que o beijo que deram me transtornou. Estava ali numa posição altamente desconfortável. Tentei alhear-me de tudo, focando-me só na paisagem e na música que saia das colunas atrás da minha cabeça.A viagem até Cascais foi rápida e confortável. Antes de nos dirigirmos a casa deles o Francisco perguntou-me se eu me importava que ele fizesse um desvio. Disse-lhe que não. Ele parou num clube de vídeo no centro de Cascais.Saíram os dois. Eu deixei-me ficar a curtir a música. Quando voltaram traziam várias cassetes, uma delas com uma comédia, outra com um filme de desenhos animados, e mais duas ou três enroladas dentro de um saco de plástico. Era óbvio o que eram.Fomos para casa deles e eu resolvi o problema da ligação do computador em dez minutos. Posto isto pedi para me levarem de volta. Ambos insistiram para que eu jantasse com eles, mas a situação era realmente desconfortável para mim. Talvez pressentindo isto, a Mónica foi a primeira a aceder e a dizer que me levava. O Francisco disse-lhe que não valia a pena, que me levava ele e para ela ir tratando do jantar. Sem ter como contestar, a Mónica assentiu.O Francisco levou-me directamente ao meu carro, na margem sul. Garanti-lhe que não valia a pena mas ele insistiu, dizendo que era o mínimo que poderia fazer. Ainda insistiu para que eu aceitasse algum dinheiro, coisa que recusei.Já depois do jantar, estava eu no meu hábito de estar refastelado a ver um filme quando a Mónica ligou.-Oi Mónica.-Olá. Foi pena não teres ficado.-Foi melhor assim.-Estavas constrangido?-Bastante. Onde é que paras para me estares a ligar agora.-Tou na lavandaria a carregar a máquina com roupa.-E ele?-Está para lá para cima a ver os filmes dele…Não comentei. Sabia a que filmes ela se referia.-Reparaste, não foi?-Era só um tudo-nada óbvio…-Pois. Não é que eu não goste de ver um filme daqueles de quando em quando, mas ele vê aquilo quase todos os dias.-Todos os dias?-É. Depois só quer é fazer sexo enquanto vê os filmes… – ora aí estava um pedaço de informação que eu nem queria nem desejava – e ainda por cima começa com ideias malucas…-Ideias malucas?-Esquece. – Disse, apercebendo-se que tinha falado de mais – Um dia destes conto-te. Só liguei para saber se estas bem, meu querido.-Tou, piquena. Tou bem.-Ainda bem. Vou desligar que não posso demorar.-Ok. Tem uma boa noite, piquinina.-Tu também, meu anjo.-Tchau…-Tchau…E desligou.
Não foi aquilo que foi dito que me ficou a remoer no espírito, mas antes o que não foi dito. “Ideias malucas”?
Não foi aquilo que foi dito que me ficou a remoer no espírito, mas antes o que não foi dito. “Ideias malucas”?
Published on November 06, 2015 00:16
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