Os dias mais estranhos - 11. Zeca

O Zeca é meu conhecido há muito tempo. Mesmo muito tempo…Era daquelas amizades que tinham ficado desde a escola e que os estudos noutras escolas, Universidades, e mesmo ao afastamento para o interior do país. Ele vinha regularmente a Lisboa, visto ter cá família, e era comum reunirmos uma leva de pessoal dessa época, com quem mantínhamos ainda os laços, e fazermos patuscadas e tertúlias que duravam noites inteiras.Mas, volta não volta, embarcávamos numa noitada só os dois por bares com música ao vivo, coisa que muito nós apreciávamos.Esta era uma dessas noites. Fomos jantar a um restaurante tradicional onde comemos uma bela carne de porco à Alentejana regada com um tinto da Vidigueira. Durante o jantar fomo-nos pondo a par das novidades um do outro. Inevitavelmente, o que tinha acontecido com a Mónica acabou por aparecer neste capítulo. Depois de eu lhe contar a história tive direito ao comentário mais bem elaborado do século.-Heina granda cena…! Mas ouve lá, a bacana não é casada?-Tá junta com um gajo do papel.-Mas como é que foste deixar que uma cena dessas te aconteça? És burro ou masoquista?-Acho que sou um pouco dos dois…-Pois, aparentemente! -Não, mas acho que a cena está controlada. Digo eu, pelo menos.-Achas mesmo? Ou tas só a tentar convencer-te a ti próprio? Eu já te conheço puto…-Yá! Mas temos os dois consciência de que isto ficou ali. Já falamos sobre isto, e esta história acabou. Mas sabes, sinto-me bué mais seguro quando estou com ela agora. Alias, sinto-me mais seguro no geral, para te ser franco…-É. Uma cena dessas tem o condão de levantar o ego.-Acredita. -Mas, se a Mónica é tudo aquilo que tu dizes, o que é que achas que a levou a olhar para ti duas vezes?-É isso que me confunde mais que tudo, moço. Não tem lógica. Eu não faço, nem quero fazer, parte dos círculos por onde ela anda. Não temos nada a ver um com o outro. Como é que aquilo foi acontecer? Confunde-me, sabes? Dá-me um nó na carola…-É, nesse aspecto tás pior que o costume.Nesse momento a banda da noite começou a tocar, interrompendo a conversa. Tocavam bem, e nada como uma noite de Rock’n’Roll para aliviar o espírito. O bar era frequentado maioritariamente por pessoal da nossa faixa etária, o que, para meu desagrado, o tornava um ponto de encontro da malta da nossa antiga escola. O estranho é que já se vivia ali um estranho sabor a nostalgia que não me agradava de todo. Encontrávamos ali os populares da escola, que na sua maioria, hoje em dia, já não eram populares para ninguém, e por vezes os impopulares a quem a vida dera a volta. Mas no meio de toda aquela gente, sabia que eu e o Zeca éramos uma espécie de ilhas. Conhecíamos quase toda a gente e as histórias de vida eram invariavelmente e assustadoramente parecidas. “Sabes, casei-me tive um rebento, mas depois as coisas não deram certo…”. Esta frase era o reflexo da minha geração em que, a chegar pertinho dos trinta tinha feito tudo isto e nada mais que isto. Invariavelmente vinha a pergunta – Então e vocês? – ao que se seguia a resposta – A vidinha do costume, sair de vez em quando, beber uns copos…Havia uma inveja no olhar das pessoas que recebiam esta resposta, como se sentissem que nós estávamos em vantagem por não termos cedido a nossa liberdade. Mas no fundo eu identificava-me com eles. Não tinha havido um rebento ou um casamento, nem sequer chegamos a viver juntos, mas a verdade é que as marcas de uma relação longa e muitas vezes penosa tinham ficado, tal como para todos eles. Mas de uma coisa tinha a certeza, não queria mais “nós na carola”.Quem mais me surpreendeu ver foi a minha antiga paixão da secundária. Tínhamos sido da mesma turma durante dois anos, e eu passei dois anos caidinho por ela. Era a mulher mais cobiçada da escola. Era já uma mulher feita, e bem feita, nos seus quinze, dezasseis anos. Como que sabendo disso, ela gostava de usar mini-saia e andava sempre de saltos, o que realçava as suas pernas e o seu corpo perfeito. Como se isso não bastasse, era linda de morrer, com uma pele imaculada, morena, que adornava os seus olhos avelã. Não havia ninguém na escola, incluindo alguns professores, vim eu depois a saber, que não sentisse as hormonas a ferver quando ela passava. Sempre fomos os melhores amigos, mas nunca aconteceu, muito para meu desgosto, nada entre nós.Vê-la ali levou-me mais de uma década para trás no tempo e não pude deixar de sentir uma certa nostalgia. Mas foi um choque vê-la hoje em dia. Dois filhos e um casamento frustrado depois, a beleza quase angelical esvanecera-se para dar lugar a uma quase trintona que aparentava bem mais. Não pude deixar de notar, nos olhares que trocamos enquanto falávamos os lugares comuns de circunstância, na interrogação que havia, um “e se as escolhas tivessem sido diferentes?”. E se o mundo tivesse sido diferente…Quando a banda acabou o concerto, o Zeca e eu saímos do bar e fomos para minha casa. Sentá-mo-nos na minha mini sala/escritório a beber umas cervejas e a falar da vida e de tudo o que a compõe, numa conversa que mudava de tópico tão rapidamente que quem nos visse de fora acharia que somos loucos. Eram três e tal da manhã quando ele saiu, e eu me deitei.Pouco tempo depois fui acordado pelo aviso de mensagem do meu telemóvel.“ÉS MAU” – retorquiu o visor. Era uma mensagem da Mónica.“PQ?”“PQ N VIESTES…”“ISSO N FAZ DE MIM MAU”“SE SOUBESSES O QUE JÁ PASSEI HOJE SABIAS QUE FAZIA”“ENTÃO SOU MAU”O aviso de chamada que se seguiu foi diferente. Era uma mensagem multimédia. Abri e vi uma fotografia dela e da Andreia, de cara juntinha com a legenda “O PRA NOS AQUI ABANDONADAS”.Tirei uma fotografia de mim próprio a fingir que dormia e mandei com a legenda “O PRA MIM AQUI SOSSEGADO”.Depois de um bocadinho recebi “MAU. BOA NOITE”Respondi “BOA NOITE MA”“:)”“;-)”
E a noite ficou por ali.
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Published on October 29, 2015 09:32
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