Ninguém sabe!

Ninguém entra para o seu duche e na sua cabeça correm pensamentos livres e soltos, sem qualquer nexo, como a maior parte dos seus pensamentos. Por vezes só lhe apetecia que o seu cérebro tivesse um botão para ligar e desligar, que isto de ter a cabeça constantemente atravessada por farrapos desconectados de informação é uma chatice.
Ninguém gosta de pensar, mas nem sempre. A maior parte do tempo tem a noção de que pensar é uma coisa perigosa. Começa-se a pensar numa porcaria qualquer insignificante e quando se dá por isso já nos caiu um braço. E voltar a pôr o braço no sítio nem sempre é uma tarefa fácil!
Estava ele entretido a tentar não pensar nisto quando as suas sinapses são iluminadas por uma frase que ouviu de um pateta qualquer que acha que percebe de política (como se isso fosse possível, uma vez que é das actividades mais sem lógica que existe) e que vai alardear isso para a televisão. Mas pior, esta frase fica-lhe a bailar nos neurónios, até porque é dita de forma bastante frequente:

-Ninguém tem a culpa!

Caramba! Mas teria ele a culpa de quê? É que por mais que tentasse não se conseguia lembrar do que teria feito que o tornasse automaticamente culpado de alguma coisa! Bem, isso não era verdade, até se lembrava de algumas, sendo sincero consigo próprio, mas nada que justificasse um tipo vir alardear assim uma coisa destas para a televisão!
Continuou a lembrar-se de coisas que o relacionavam com a culpa…

-A justiça em Portugal está como está e Ninguém tem a culpa!

Caramba! Ninguém até conhece um juiz, mas é uma coisa de circunstância, uma vez que é marido de uma ex-colega de trabalho. Conhece um monte de advogados, mas trabalham todos numa cadeia de fast food! Esteve duas ou três vezes em tribunal, como queixoso ou testemunha, mas nem por lá ficou muito tempo… Como poderia então ter alguma culpa de a justiça estar como está?

-Os serviços de saúde degradam-se, por falta de meios e Ninguém tem a culpa!

Que ele se lembrasse nunca deixou de pagar as taxas moderadoras, e os exames e afins… Como poderia a culpa ser dele?

-Há grandes negociatas de bastidores, coisas que estão à vista de toda a gente, obras que custam o triplo do que foi orçamentado, mas vai-se a ver e Ninguém tem a culpa!

Arre! O mais perto disto que ele alguma vez teve foi quando o Peles lhe foi pintar as paredes de casa!

Depois há o outro extremo, aqueles que aparecem a afirmar:

-Este país é uma república das bananas, aqui nunca Ninguém tem culpa de nada!

A estes ele até agradecia, mas ainda assim achava a frase demasiado extremista, visto que, embora não se achasse culpado de tudo, alguma culpa de alguma coisa havia de ter…

…não sejamos radicais…

O duche acabou, ele limpou-se da água em excesso que tinha em cima e, ainda a tentar descobrir porque era considerado por tantos culpado de tanta coisa foi até à cozinha, abriu uma “mine” e pensou, de si para si:

-Se há para aí tantos gajos culpados sem um pingo de vergonha na cara, porque é que eu me havia de preocupar? Afinal, só eu sei daquilo que sou realmente culpado…

E pensou bem! Ninguém sabe!

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Published on July 09, 2015 02:13
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