O Sistema II

II

Na reunião tinha dito o possível.
“Depois de longa ponderação…”, “Pesando os prós e os contras…”, “Creio que vai de encontro às nossas aspirações…”. As pessoas olharam para ele, de forma séria, não de todo agradada, mas ainda assim confiaram nele e no seu julgamento e não retiraram as penhoras que tinham feito nele.
Tinha-se sentido um traste, uma farsa.
Agora estava sentado na cadeira do seu escritório, em casa, apenas com o seu irmão à frente enquanto beberricavam um whisky reles.
-Podes ter enganado toda aquela gente, mas…
-Mas…? – Sentia-se desconfortável. O seu irmão sabia lê-lo de uma maneira quase telepática. Chegava a ter medo dos seus pensamentos quando estava ao pé dele.
-…mas estas mesmo convencido de que fizeste o melhor?
Encarou o seu irmão, que o olhava de forma séria e penetrante. Bebeu o whisky que ainda tinha no copo de um único trago.
-Não sei. Provavelmente não…
-Entregares as penhoras a esse… Porquê?
-Pareceu-me a melhor maneira de resolver os nossos problemas. Há anos que reclamamos e ninguém nos dá saída. Ele garantiu que se conseguisse as penhoras necessárias daria atenção aos nossos problemas. Não gostavas de ver o bairro com outro aspecto? De voltar a ter policiamento? De poderes sair à rua descansado? Estou farto… Estamos todos fartos de viver com medo.
-Pois, mas segundo muitos dizem, quem lucra com os assaltos é ele. Caramba. Quase toda a gente sabe que esse gajo tem o nariz metido em tudo o que mexe com dinheiro.
-Nunca ninguém provou isso…
-Estás a querer mandar-me areia para os olhos Hugo? A mim?
Ficou em silêncio. Se calhar até já tinha falado demais.
-Há mais algum motivo?
-Não, pá, não há. Ele foi o único que ofereceu uma esperança…
-Ele quer alguma coisa.
-Não queremos todos?
-E o que é que tu queres? O que é que ganhaste com isto?
-Fiz o que achei melhor para a comunidade…
O irmão olhou-o daquela maneira que sempre o tinha feito sentir desconfortável. Encolheu-se na cadeira.
-Olha para mim. – olhou – Diz-me, por favor, diz-me que isto não teve nada a ver com a Júlia.
Não foi capaz de dizer nada. Não foi capaz de mentir.
-Eu sabia. Essa tua paixão assolapada por essa gaja só te fez mal a vida inteira. O que é que ele te prometeu? Uma noite com ela? Vendeste-te por tão pouco?
Manteve o silêncio. Não porque quisesse esconder os factos, mas porque não queria admitir perante si próprio a desilusão que tinha tido. Tinha vivido iludido por tantos anos que se queria ainda agarrar a essa ilusão, embora esta se escapasse cada vez mais rapidamente, como se não passasse de fumo que se desvanecia lentamente no ar. Trocara tudo e empenhara a confiança que tantos tinham depositado nele a troco de um punhado de nada.
-Jorge, talvez ainda daqui saia algo de bom…
-Hugo, marca aquilo que te digo. Tudo o que começa mal, acaba pior. – e com isto bebeu o resto que tinha no copo que pousou na secretária com um estrondo, como que a querer mostrar o seu profundo desagrado com a atitude do irmão, levantou-se, foi direito à porta, abriu-a para sair, voltou-se e disse – Tu podes ser o gajo mais inteligente que eu conheço, mas quando algo mete essa gaja pelo meio, és estupido como o caralho. – e bateu fortemente com a porta, deixando-o só.
“Já não…” pensou para si com a tristeza de quem abre mão de um sonho…

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Published on June 16, 2015 04:15
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