Encarnação (parte IV)



Mal suou o ultimo acorde do concerto a música de dança invadiu o espaço tornando aquilo que parecia um bar de rock numa autentica discoteca. A mutação do ambiente fez com que este deixasse de combinar com a minha personalidade, e deixou-me algo desconfortável. Ainda assim, deixei-me ficar porque tinha já oferecido a minha ajuda para arrumar o palco e carregar o material da banda para a carrinha.Enquanto eles ainda descontraiam falando com os amigos e conhecidos após o concerto, eu subi ao palco e fui-me entretendo a enrolar cabos, escudado pelos amplificadores dos instrumentos. Dali tinha uma panorâmica sobre tudo o que se passava no bar.O espaço que estava para além das mesas tinha-se transformado rapidamente numa pista de dança. Lá, a ruiva era a rainha indisputada de todas as atenções……excepto da minha.Ao lado dela o anjo loiro dançava de forma mais contida e menos exuberante. Repararam ambas que eu as observava. A ruiva, talvez porque tivesse notado que há pouco tinha deixado de lhe dar importância, quis acentuar o meu interesse insinuando-se, olhando directamente para mim como que dizendo “sei que me estas a ver” e dançando de uma forma que estava a fazer crescer a água na boca de quase todos os homens ali presente……e de algumas mulheres também.A loura reparou também que eu olhava, mas, vendo a reacção da amiga, acanhava-se. Creio no entanto que foi percebendo que o meu olhar repousava mais sobre ela do que sobre a amiga.Fui pagar a minha despesa e sai com a banda pela porta lateral enquanto os ajudava a carregar o material para a carrinha que os levaria de volta a casa. Estava a carrinha já carregada quando elas saíram e se dirigiram a nós. Conheciam os elementos da banda e deram-lhes os parabéns pelo concerto, falaram riram…Se por um lado me apetecia entrar na conversa, por outro lado a minha vontade de chegar à loura podia levar a interpretações da parte dela e da ruiva que eu não queria. Assim sendo, fui fumando o meu cigarro com calma enquanto observava o desenrolar da conversa.Mas, costuma-se dizer que tudo o que tem de ser tem mesmo de ser e não há volta a dar. E não houve.Aquando das despedidas a ruiva volta-se para o pessoal da banda e pergunta:-Vocês por acaso não podiam dar boleia à Ana?E eis que soube o nome do anjo.-Não, pá, temos a carrinha completamente atulhada…-É pena. Se pudessem sempre evitava ir e voltar à margem sul…E eu falei finalmente e dirigi-me directamente à Ana.-Pá, eu vou para a margem sul. Se quiseres vir comigo…-Não quero dar trabalho…-Não dás, de maneira nenhuma. Até aproveito a companhia. Ia sozinho, de qualquer maneira…Ela, relutantemente, acabou por aceitar, e, após as despedidas, levei-a até ao meu carro, onde não tive qualquer gesto de cavalheirismo em relação a ela.Ela entrou, apertamos os cintos de segurança, arranquei o motor do carro para ir aquecendo um pouco, coloquei uma música suave, porque já bastava o assalto sonoro a que nos tínhamos submetido durante toda a noite, e arrancamos.Seguimos em silêncio até ao tabuleiro da ponte. Foi ela quem o quebrou.-Podes perguntar…-O quê?-Aquilo que queres perguntar…-Vais ter que me esclarecer, porque eu perdi-me!-Aposto que estás curioso acerca da Júlia.-A tua amiga?-Sim.-Não, não estou. Era suposto estar?-Normalmente toda a gente está. Porque é que tu havias de ser uma excepção?-Não sei se sou ou não, mas de facto não estou.-Porquê?-Porque é que não estou?-Sim!-Porque acho que já sei tudo dela que me interessaria saber. Não te vou dizer que ela não causou impacto, quando a vi. É de uma beleza arrebatadora. Mas, infelizmente, não há nada para além disso.Ela fitou-me surpreendida.-Achas mesmo isso?-Acho. Acho inclusivamente que tu és bem mais interessante que ela…Ela corou, mas olhou para mim desconfiada. Percebia-a perfeitamente. Quantos não teriam sido já os tipos que tinham dado em cima dela, não por ela, mas pela amiga?-Porquê?Olhei para ela com o sobrolho levantado.-Sabes, podes estar habituada a estar em segundo plano, e se calhar até gostas disso. Chateiam-te menos. Mas a verdade é que és uma mulher extremamente bonita e há algo em ti… Nem te sei dizer bem o que é, mas é extremamente apelativo.Ela corou ainda mais e calou-se.Parei nas bombas de gasolina, quase logo a seguir, para ir comprar tabaco.-Queres ir beber um café? – Perguntei-lhe – Estou a precisar de um.-Não, obrigada.-E fazes companhia?-Faço, isso faço.Entramos, eu comprei o tabaco e bebi o café, voltamos ao carro.O nosso olhar cruzou-se quando abríamos as portas.Entramos.Sentamo-nos.Passei-lhe o braço por detrás, puxei-a para mim sem esforço, uma vez que ela se entregou e os nossos lábios colaram-se enquanto as nossas línguas iniciaram um bailado angelical……e quando finalmente quebramos o beijo ficamos olhos nos olhos, completamente afogueados e assoberbados a olhar um para o outro sem saber como reagir.Fui eu o primeiro a falar.-Se calhar é melhor sairmos daqui, não?Ela sorriu.-É melhor…Arranquei e sai da estação de serviço e entrei novamente na auto-estrada. Os olhos dela refugiam ao meu lado, o seu sorriso por demais lindo…-Leva-me a um sítio bonito!Eu sorri. Dei-lhe a mão.E, por uma vez, fui um mocinho bem mandado…
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Published on June 06, 2015 02:36
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